A Oitava Redenção

CAPÍTULO 1 - A ENCARNAÇÃO
Ao começar estas meditações, deixe-me dizer uma pequena palavra de advertência. Nós não estamos apenas embarcando numa ‘linha de verdade’ _ um tema, um assunto. O fato é que não há ‘verdade’ fora do próprio Senhor Jesus, e a verdade está Nele, não sobre Ele.  Para uma correta apreensão, portanto, da verdade, um relacionamento pessoal com Ele na vida é essencial. Não podemos conhecer a Verdade exceto através da união com o Senhor Jesus de maneira viva. Isto por sua vez demanda a obra do Espírito Santo sobre e em nós, e  isto significa que devemos estar numa condição espiritual para entender e apreender a verdade,  “como está a verdade em  Jesus” (Ef. 4:21). Nossa vida _ toda nossa vida _ nossa esperança, nossa salvação, nosso caminho, nossa segurança _ nosso tudo _ está centrado no próprio Senhor Jesus.  Não está centrado em algum aspecto ou interpretação da verdade: está centrado Nele mesmo. Tudo, portanto, é uma questão de conhecê-Lo, de ‘se ater ao pleno conhecimento do Filho de (Ef. 4:13); e o valor que o Senhor pode dizer para nós nas páginas que seguem dependerá inteiramente do nosso relacionamento vivo com Ele, que é a Verdade: a soma da Verdade, e o Poder da Verdade. 
 
INTRODUÇÃO
Temos chamado essa série de estudos de ‘A Oitava Redenção’  A palavra ‘oitava’ (do latim  octavus) significa ‘oitavo’, e em música significa o intervalo entre a primeira e a última das oito notas primárias que completam a escala musical, uma vez que cada oitava nota repete a primeira num nível mais alto, ou mais baixo. Poderíamos muito bem ter tomado como nosso título ‘O Arco Celeste da Redenção’, pois temos uma idéia muito similar aí, com as sete cores primárias, e, então, o número oito retornando ao número um.  Em tais ‘oitavas’, vemos uma série, ou fase, ou movimento, completo, e um novo começo; a série de sete nunca é referida como terminada em si mesma _ ela precisa do próximo para fazer a escala completa. Sabemos, se experimentarmos num instrumento, quão necessário é a ‘oitava’ _ quão incompleta é o sete sem o oito.
Esta característica de ‘sete mais um’ é peculiarmente uma marca do cristianismo.  O cristianismo está baseado no dia após o sábado, sobre o oitavo dia que se torna o primeiro dia da semana.  O judaísmo permanece na religião do sétimo dia; sabemos quão incompleta ela é, como ela parou e jamais  continuou,  jamais se moveu para o oitavo dia como o primeiro. O cristianismo repousa sobre o oitavo dia, que se tornou o primeiro _ o final de uma fase da obra Divina e o começo de uma nova. A palavra ‘sábado’, contudo, não significa ‘sétimo’; significa ‘repouso’. Sete fala de plenitude; oito significa que Deus começa novamente sobre algo que foi acabado. Seu novo início é a partir de algo terminado _ Deus prossegue da conclusão. Isto é cristianismo: ele repousa sobre algo terminado, e este algo terminado é o descanso de Deus, a satisfação de Deus. Ele começa tudo a partir desse ponto.
Como você pode saber, as letras do alfabeto hebraico não são apenas símbolos para sons, mas também símbolos para numerais; isto é, cada letra possui um valor numérico.  E isto não é verdade somente na língua hebraica. O nome ‘Jesus’, na forma grega, como usado no Novo Testamento, possui seis letras, cada letra tendo um valor numérico; e  quando todas essas letras são colocadas juntas com seus valores numéricos, elas somam 888. ‘Jesus’ = 888. Não estou tirando o máximo proveito disso, ou tentando ser fantasioso, mas penso que isto é impressionante _ Não penso que isto seja um acidente. Ele é o Homem do ‘oitavo dia’, aquele que foi adiante, tendo aperfeiçoado a obra da redenção.
 
OITO ASPECTOS DA REDENÇÃO
Agora, podemos dizer que a redenção possui oito notas ou aspectos primários.  Há, naturalmente, muitos aspectos subsidiários, mas há oito primárias. Elas são:
  • 1. A Encarnação
  • 2. A Vida Terrena
  • 3. A Cruz e a Ressurreição
  • 4. Os quarenta dias após a Ressurreição
  • 5. A Ascensão e a Glorificação
  • 6. O Advento do Espírito Santo
  • 7. O Nascimento, a Vocação e a Plenitude da Igreja
  • 8. A Próxima Vinda
 
Dentro dessas tudo está reunido, e não há nada fora delas; elas completam a escala.  Você notará que a primeira e a oitava são as duas vindas. Em princípio, torna o círculo pleno ao primeiro: é a vinda do Senhor representando duas completudes. A primeira vinda, a encarnação, foi a plenitude de uma fase: “ A lei foi dada por Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo”.  (Jo 1:17); e não precisa ser enfatizado que a próxima vinda será como o término de uma fase. Porém cada uma é também o início de uma fase inteiramente nova.  “A hora vem, e agora é...”  disse o Senhor Jesus  (Jo. 4:23), introduzindo aquela nova fase, e nós de fato podemos agradecer a Deus que isto será verdade quando Ele retornar.
 
Um outro pequeno ponto técnico, a propósito. A palavra hebraica para ‘sete’  simplesmente significa ‘satisfação’, ou ‘completo’.  Precisamos muito comentar isto. Deus viu todas as coisas: elas eram ‘muito boas’ e Deus descansou em Sua satisfação, na plenitude da Sua obra. Mas a palavra hebraica para ‘oito’ é novamente uma palavra muito interessante.  Ela tem a sua origem a partir da raiz ‘shammah’, que ocorre em um dos nomes do Senhor, ‘Jehovah-Shammah’ (Ez. 48:35), significando  ‘o Senhor Super-abundante’, aquele que é Suficiente.  Assim, oito segue o sete. Sete significa completo, e, contudo o Senhor nunca para aí _ Ele é superabundante.
 
Agora vamos abordar cada um desses diferentes aspectos _ essas oito ‘notas’ na escala da redenção _ com uma pergunta: a questão ‘Por quê?”“, e nós a aplicamos primeiro à Encarnação: Por que a Encarnação? Por que foi necessário que o Filho de Deus tomasse a forma humana e a natureza humana? 
 
POR QUE A ENCARNAÇÃO?
Naturalmente, para responder isto completamente, temos a obrigação de considerar  todo o pensamento Divino e  a concepção na criação do homem. A concepção do homem na mente de Deus, a vocação e o destino do homem _ tudo isso representa  uma coisa muito importante na mente de Deus. Mas nós temos que permitir que isso venha a este ponto, a fim de nos levar mais adiante.  Podemos dizer _ e corretamente _  que a Bíblia é toda ela sobre Deus. Isto é verdade. Podemos dizer que a Bíblia é toda ela sobre o interesse de Deus em Seu Filho, e isto é totalmente verdade. Porém quando você se dá conta de ambos os fatos, você descobre que não pode separá-los do homem. A Bíblia é toda ela sobre o Filho de Deus _ sim, mas é sobre Deus e Seu relacionamento com o homem, e o relacionamento do homem com Ele.  Quando você disser tudo, você chega no homem. Não deveríamos ficar interessados num Deus remoto, fora do campo de vida humana. A verdade é que tudo tem que se focar aqui em baixo, no homem, e descobrimos que a Bíblia é o livro do interesse de Deus no homem. De alguma maneira os interesses de Deus estão inexplicavelmente relacionados com o homem _ sua vocação e seu destino. Tudo isto e o que isto implica será reunido no que iremos dizer sobre a encarnação. 
 
Por quê a encarnação? A resposta tem três lados. Primeiramente, por causa da redenção do homem. Segundo, por causa da reconstrução do homem. E terceiro, por causa da perfeição e da glorificação do homem.
 
(1) POR CAUSA DA REDENÇÃO DO HOMEM
Primeiramente, por causa da redenção do homem. A idéia comum sobre redenção está associada com o mercado de escravos _ ir ao mercado de escravos e comprar, redimir, aquilo que foi posto a venda. Existem, de fato, certos fragmentos da Escritura que dão esta idéia. “Vendido sob o pecado”  (Rom. 7:14) é uma frase escriturística, mas precisamos de algum esclarecimento para isso. Você diz que  redenção significa a ‘compra’ de um homem em um mercado de escravos. Ele foi posto à venda. Verdade; mas quem o pôs a venda?  Até que você examine esta questão e  responda, você não terá o significado de redenção. Quem o pos à venda? E se vendeu a si mesmo?  Isto coloca um novo aspecto sobre as coisas. Falamos de um homem ‘vendendo a si mesmo para o Diabo’. Mas como ele fez isto? Bem, ele não se vendeu objetivamente,  como quem vende alguns bens, alguma coisa, algum objeto,  para alguém. Ele se vendeu a si mesmo subjetivamente _  ele se vendeu em sua alma. Ele realmente vendeu a sua alma ao Diabo. 
 
Mas o que aconteceu exatamente?  Vamos colocar da seguinte forma: Houve um dia  quando alguém bateu, e ele abriu a porta; e aquele alguém começou a falar, e  para falar traiçoeiramente,  usando uma bonita linguagem, e vestido em termos bem atraentes; e, ao invés de  bater a porta na cara daquele visitante, ele abriu um pouquinho a porta e escutou. Lembre-se _  este é sempre o primeiro passo para a escravidão, este é o primeiro movimento em direção a uma situação que exige redenção _ ouvir ao Diabo, e não reagir imediatamente com a pergunta: É esta a verdade de Deus, ou isto é falso para com Deus? É Deus uma pessoa como essa, ou Ele é diferente disso?  Se todo cristão reagisse desta forma às sugestões e insinuações de Satanás, que situação diferente iria ocorrer na vida de muitos cristãos!  Há muitos que estão em terrível escravidão porque eles ouviram e abriram a porta; nunca se confrontaram com esta questão: Você realmente acredita que Deus é um Deus como este?  Deixe-me exortá-lo a tomar esta questão ao seu problema atual _  situações e condições, acusações e condenações que o inimigo está sempre tentando lançar sobre você, a fim de levá-lo  para a escravidão _ e dizer: Deus é realmente assim?
 
A RAIZ DO PECADO: INCREDULIDADE
Quando o homem abre a porta de sua alma e ouve ao inimigo, ele abriu a si mesmo para a incredulidade. E lembre-se _  a incredulidade é a raiz do pecado.  Fiquemos bem certos sobre isto. Pode haver motivos por trás, mas a raiz do pecado é a incredulidade.  É uma coisa que Deus não irá ter, uma coisa que põe Deus para trás, que o desprende. Quando há qualquer incredulidade, Deus fica pra trás; enquanto isto persiste, a brecha aumenta. Deus jamais irá se engajar onde exista incredulidade. Isto parece elementar?  Isto é algo que nos persegue até o fim. Esta questão de fé em Deus é a base da nossa educação. Que seja dito que a medida na qual Deus não se compromete a Si mesmo, ou se compromete, é a medida da nossa fé. Quando o homem abre a porta para a incredulidade, Satanás põe o seu pé para dentro, diretamente para a alma do homem, e  nunca o tira dali. Ele mantém aquela pegada na alma do homem a partir de então. De modo que agora a alma do homem, como ele é por natureza, fica ligada com os poderes do mal, e a força dessa ligação é a incredulidade. Até que esta incredulidade seja totalmente quebrada, despedaçada, a união entre o homem natural e Satanás continua. 
 
A redenção, ou reivindicação, começa com a fé: isto é o que poderíamos chamar de  evangelho simples. A fé é o começo exato da redenção. Mas a fé é também a base da redenção contínua, contínua reconquista ou reivindicação. A redenção, embora em Cristo esteja completa e perfeita, é algo  que prossegue: nós estamos ‘recebendo o fim da fé, a salvação da nossa alma’ (1 Pe. 1:9). Esta questão prossegue continuamente; é progressivo. Embora final na obra de Cristo,  ela começa em nós com o primeiro exercício de fé _   crer em Deus _  e prosseguir nesta base até o fim. Quão verdadeiro isto é, quando falhamos em crer em Deus, cessamos de crer em Deus, e temos questões sobre Deus, imediatamente entramos em algum tipo de escravidão; Satanás obtém certo apoio, ou consegue algum ganho. Imediatamente alguma dúvida sobre o Senhor entra, e nos encontramos imediatamente presos; e a única maneira de se livrar é uma reconquista da fé em Deus novamente. 
 
Agora, devido a sua incredulidade, Adão trouxe e estabeleceu para toda a raça humana um elo da alma com os poderes do mal. E esta é a natureza da escravidão. Ele é vendido para um outro. Isto coloca o fundamento  para um real e  verdadeiro significado da redenção.  Por que a encarnação/  ‘Um último Adão chegou para a luta e para o resgate’: um outro Homem chegou para redimir o homem. Mas oh, veremos, enquanto prosseguimos,  que isto não foi mera atividade objetiva _  não foi apenas as coisas que Ele fez.  Ele era, em Seu mais íntimo Ser, o Redentor. Deixe-me colocar isto de outra forma: Ele era a redenção. Ele não apenas fez algo, mas Ele era aquilo. Isto irá ficar mais claro logo adiante. Porém aqui vemos a necessidade de um Homem que viesse para resgatar: um Homem que, devido a Sua não implicação pessoal na herança do pecado de Adão, possui uma vantagem clara e única. A encarnação foi para providenciar redenção para o homem em um Homem, e não apenas para o homem por meio de um Homem. Espero que você entenda o significado disso. É uma coisa tremenda ver não apenas o que Jesus fez, mas o que Ele era para resolver a situação.
 
(2) PARA A RE-CONSTITUIÇÃO DO HOMEM
Pelo ato de Adão, como vimos, o homem se tornou desordenado em sua constituição íntima, desarranjado, quebrado, um outro tipo de ser diferente daquilo que Deus o tinha feito e tinha intencionado que ele fosse. Ele foi roubado, e por causa disso deficiente; enganado, e por isso defraudado. Ele perdeu aquilo que tinha _ sua inocência. Ele perdeu aquilo que Deus queria que ele tivesse, e já tinha providenciado para ele, na base da fé em Si mesmo. Ele se tornou um ser culpado. Lendo atrás com nossa Bíblia em nossas mãos, e a revelação plena da Escritura, somos  agora capazes de entender o que o homem era pra ter. Tudo se torna claro agora. Ele era pra ter duas coisas. 
 
Primeiro, ele era pra ter o Espírito de Deus habitando dentro dele. Ele era pra ser o templo de Deus. Toda Escritura agora torna isto perfeitamente claro, que esta era a intenção inicial de Deus, que Ele pudesse habitar no homem, que o Espírito de Deus pudesse residir dentro dele. Segundo, ele era pra ter dentro dele  aquilo que é agora chamado no Novo Testamento “Vida Eterna” _ a vida que não acaba, a Vida Divina, a Vida não criada. Porém ele perdeu a vontade de Deus em ambos os aspectos. A encarnação teve o propósito expresso de gerar  uma ‘nova criação’ de homem, onde aquelas duas coisas pudesse se tornar realidade: o homem agora habitado pelo Espírito de Deus; o homem possuindo a Vida Eterna.  Esta é a resposta à pergunta: Por que a encarnação?  E deixe-me repetir que o Senhor Jesus não apenas  efetuou isto: Ele próprio foi o primeiro desta ordem, para gerar uma outra raça dessa espécie.
 
(3) PARA O APERFEIÇOAMENTO E A GLORIFICAÇÃO DO HOMEM
E finalmente, a perfeição e a glorificação do homem. Naturalmente, estas duas coisas são claramente vistas em Jesus, o Filho do Homem. Algumas das coisas mais sérias da Palavra de Deus são ditas nesta conexão. “Embora fosse Filho, contudo aprendeu a obediência por aquilo que sofreu”. (Heb. 5:8). “Ele foi aperfeiçoado através dos sofrimentos.” (Heb. 2:10). Não iremos parar com esta teologia ou doutrina. Podemos focá-la em uma palavra que já temos usado e sublinhado. Como foi Ele aperfeiçoado, ou tornado completo?
 
Penso em fé. Ele, como homem, aceitou voluntariamente uma base de fé _ para viver Sua vida sobre o princípio da fé em Deus, Seu Pai. E foi em relação a isto que cada prova e teste, e provação teve seu significado _ para ver se por algum meio o inimigo podia enredar o último Adão, como fez com o primeiro. Ele teve êxito com a primeira raça em apenas um ponto, e este ponto foi a incredulidade.  Uma manobra tão bem sucedida poderia levá-lo a crer que não havia melhor.   ‘Isto é o que produz o resultado - este é o ponto sobre o qual focalizar’, podemos quase ouvi-lo dizer.  Isto abre a vida do Senhor Jesus muito mais plenamente e claramente para reconhecer que o foco principal de todas as Suas provas, testes e assaltos satânicos, cada coisa inimaginável que estava trabalhando contra Ele _ e nós de modo algum temos a história toda _ tinha como seu objeto a insinuação de alguma questão sobre Seu Pai. O inimigo sabia que a devastação de uma nova criação poderia ser trazida sobre esta questão. E ele sabe isto hoje, em relação a você e a mim. Então, o Filho do Homem aperfeiçoado pelos sofrimentos. De que forma? Quais foram os Seus sofrimentos? Não me refiro aos Seus sofrimentos físicos. Seus sofrimentos físicos não foram outra coisa senão o inimigo tentando atingir a Sua alma. O verdadeiro sofrimento que o Filho de Deus, o Filho do Homem, conheceu foi esta constante e persistente pressão investida de todo lado, os esforços incessantes do inimigo em se posicionar entre Jesus e Seu Pai. Esta foi a essência de Sua agonia suprema quando gritou: ‘Por que me abandonaste’.  Eu não creio, e acho que você também não crê, que aquele grito de Jesus no jardim _ “Se for possível, afasta de mim este cálice” _ foi um clamor de um Homem que não estava preparado para morrer, até mesmo  o tipo de morte que ele estava para enfrentar. Este tipo de coisa tem, naturalmente, dado lugar para uma doutrina e uma teologia  extremamente falsa.  Jesus sabia o que Ele tinha que enfrentar ao ser feito pecado: sabia da última e terrível questão posta naquele momento, quando a face do Pai iria se retirar dele, e Ele seria abandonado, como a cabra expulsa para o deserto, sozinho, _ abandonado por Deus naquele terrível momento. Este foi o ponto do Seu sofrimento, e este foi a soma do Seu sofrimento. 
 
Porém, através de tudo isto, através de todos os sofrimentos, Ele foi tornado perfeito _  perfeito na fé. Que significado isto dá a palavras tais como essas, tão familiares a nós, e usadas tão superficialmente: “A vida que agora vivo na carne, vivo-a pela fé do Filho de Deus, o qual me amou e a Si mesmo se entregou por mim”. (Gal. 2:20, A.V.). Que fé para se viver por ela!  Se somente esta fé pudesse ser transmitida para nós _ se somente esta fé pudesse estar em nós no poder do Espírito Santo! Então poderíamos enfrentar tudo.  “Eu vivo pela fé do Filho de Deus” — provado até o último grau, e triunfante. Fico feliz que o final da história não ficou sobre a nota do abandono de Deus, mas sobre a nota do triunfo: “Pai, em Tuas mãos entrego o meu espírito”. Está tudo consumado _ É vitória!  Esta é a fé aperfeiçoada através do sofrimento, e tornada completa pela obediência _  pois a obediência é sempre a prova da fé. Não existe tal coisa de fé sem obediência.
 
POR QUE A TRANSFIGURAÇÃO
Neste ponto poderíamos colocar uma questão extra: Por que a transfiguração? A transfiguração representou o fim de Seu próprio curso, o final do Seu próprio caminho. Ele tinha viajado pela estrada da provação, a estrada da absoluta consagração ao Seu Pai. Em relação a Ele, pessoalmente, Ele não tinha mais que avançar. Tinha sido obediente _ aquilo foi o fim da estrada para Ele.  A partir daí a glória podia vir, então. Para Ele há glória _ a transfiguração: um Homem que tinha andado todo caminho com Deus em obediência de fé foi glorificado. Porém, quanto ao resto, isto é para nós _ esta é a nossa parte. Ele veio da glória, e, ‘pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz’ (Heb. 12:2). Ele tomou o nosso lugar, a fim de nos levar para o Seu lugar _ para a glória _ “muitos filhos à glória” (Heb. 2:10), e Ele por isso foi tornado ‘perfeito através do sofrimento’. Um Homem glorificado, através da fé, para o homem _ nada separado de nós. 
 
Sua glorificação, como veremos mais tarde, é uma parte da redenção. É uma parte da re-constituição; e por isso, uma vez que a redenção e a re-constituição são para nós em Cristo, a glorificação também é para nós Nele.  ‘Glorificados juntamente com Ele’ (Rom. 8:17). Ele foi capaz de dizer no final: ‘Pai, tenho glorificado a Ti sobre a terra’; e por isso Ele também podia falar: ‘Pai, glorifica-Me... com a glória que Eu tinha contigo antes da fundação do mundo’  (Jo. 17:4–5). O ponto é que aqui sobre esta terra o Senhor Jesus viveu uma vida de fé, e foi absolutamente dependente do Pai para tudo, como você e eu somos.  Ele teve uma vida de fé tão absoluta como jamais foi exigido de nós. E sobre esta base, como Homem, Ele caminhou em tal satisfação a Deus que pode ser glorificado. Mas lembre-se, a encarnação não foi para Ele mesmo: foi para nós, e tudo o que estava ligado à encarnação foi para nós. É nossa redenção, nossa re-constituição e nossa glorificação através do aperfeiçoamento Dele.
 
O QUE CRISTO É PARA NÓS
Agora, tudo isto lança o fundamento para o crer  — é uma pena que não tenhamos a tradução exata — ‘crer no, ou em Jesus’. Apenas dizer: “Crer no Senhor Jesus Cristo”, é insuficiente; deixa muito a desejar. Isto é posicional: indica uma mudança de posição, um movimento: ‘Crer no Senhor Jesus Cristo. ’ Realmente significa isto: que há na fé verdadeira algo que O faz, por assim dizer, em nós mesmos, e nós mesmos dentro Dele. Não me compreenda mal: Não estou falando sobre a Deidade _ estou falando sobre o Filho do Homem. Há algo de profunda significância espiritual nesta palavra na Tabela do Senhor: “Meu corpo, que é por vós”. Rejeitando as idéias erradas e extremadas associadas com a transubstanciação, e tudo mais, atrás disso existe algo deixado para a dispensação para reconhecer, até que Ele venha. Atrás disso existe este princípio: aquela apropriação da fé do Senhor Jesus faz em nós o que Ele é. Fomos redimidos pela fé Nele.  Fomos re-constituídos pela fé Nele. Fomos aperfeiçoados pela fé Nele. Estamos glorificados Nele pela fé. Mas isto não é apenas objetivo _ é uma questão de tomarmos a posição que tudo o que é verdade para Ele é verdade para nós. 
 
Quão impossível é explicar! Mas você e eu temos que aprender o que isto realmente significa tomar a nossa posição, em fé, em relação aquilo que Jesus Cristo é _ porque, então, algo acontece. Os nossos problemas surgem do permanecer no terreno do que somos, ou sobre aparências ou argumentos _ algo objetivo _ ao invés de assumir nossa posição  sobre o terreno de que o Filho de Deus se fez carne, não apenas para  realizar, mas para Ele mesmo ser a minha redenção. E por fé Nele há redenção. Ele veio para ser a minha re-constituição: e, pela fé Nele, através da ação do Espírito Santo, algo acontece, e eu sou re-constituído. Ele veio para ser a minha perfeição: e pela fé Nele o Espírito Santo realiza  a obra da minha perfeição. Ele veio para ser a minha glorificação: e a fé dá ao Espírito Santo o requisito, essencial, indispensável campo para nos levar para a glória de Cristo, para sermos juntamente glorificados com Ele. 
 
Até crermos, e crer no Senhor Jesus, o Espírito Santo permanece imóvel. Você pode talvez enganar a você mesmo, mas você não pode enganar o Espírito Santo. Você não pode ter um pé em um terreno e o outro pé em um outro terreno. Se você tiver um pé naquilo que você é, e o outro pé _ você pensa _ no que Cristo é, você é uma pessoa dividida. O Espírito Santo não se engaja: Ele fica imóvel e espera. Ele diz: Ponha ambos os pés sobre Cristo, e, então, irei começar a fazer algo.
 
CAPÍTULO 2 - A VIDA TERRENA DO SENHOR JESUS CRISTO 
Quando perguntamos: Por que a vida terrena do Senhor Jesus?  — é claro que esta questão implica e contém dentro de si mesma outras questões. Por exemplo: Por que foi necessário que Ele estivesse aqui por trinta e três anos? Novamente: Por que foi necessário que a maior parte do tempo fosse gasta numa vida privada, e, até onde sabemos, em segredo? Tentaremos responder essas e outras perguntas subsidiárias, até certo ponto, na medida em que prosseguimos. 
 
Muito tem sido feito da vida terrena de Cristo _ usualmente para o propósito de mostrar que havia uma pessoa chamada Jesus de Nazaré, e quão boa pessoa, e quão grande mestre Ele foi, muito mais do que os outros mestres; ou pelo menos para mostrar que Ele era mais do que um mero homem.  Pode haver outros propósitos em se escreverem livros sobre a vida de Jesus, porém, isto geralmente compreende usualmente o objeto. Naturalmente, vendo que Jesus se tornou uma grande figura histórica mundial, é interessante saber onde Ele nasceu, onde e como Ele foi criado, por onde Ele andou na terra, o que Ele ensinava, os milagres que Ele fazia, e assim por diante. Tudo isto fornece material para uma grande discussão e controvérsia. Os milagres forneceram muito alimento para os psicólogos, e seu ensino para os teólogos e doutrinadores. Mas, quando você disser e escrever tudo que podia  sobre essas questões, você pode não ter avançado muito além do que  história humana. A história humana, como tal, apela muito para a emoção, para a imaginação, mas ela não muda o caráter. Não importa quão fascinante, impressionante e comovente ela possa ser, se você apenas deixá-la lá, terá  obtido muito pouco do significado real da vida terrena do Senhor Jesus. 
 
A vida terrena de nosso Senhor não foi para essas intenções. O registro de Sua vida não foi meramente para nos fornecer uma data e uma informação e uma matéria interessante sobre certo homem _ embora grande e maravilhosa _ que viveu há muito tempo atrás, em tal e tal parte do mundo, e disse e fez tal e tal coisa. Ele não veio para isso. Ele não esteve aqui para trinta e poucos anos, absolutamente. Sua vida foi para mostrar _ não meramente que Ele era, em muitos aspectos, diferente dos outros homens, mas que Ele era uma ordem diferente de raça humana em relação ao resto. Até que você tenha reconhecido isto claramente, você não encontrou a chave para a vida terrena do Senhor Jesus. Ele encontrou alguns dos melhores tipos de homens de Seus dias, mas entre Ele e eles havia um grande abismo _ não havia passagem de um lado para o outro.
 
UMA DIFERENTE ORDEM DE RAÇA HUMANA
Jesus foi um mistério.  Ele não foi apenas misterioso _ Ele foi um mistério.  Ele não foi apenas mal compreendido. Tanto tem sido falado sobre Ele, ‘Ele foi um homem completamente mal compreendido’. Não, Ele não foi apenas mal compreendido _ Ele era uma pessoa não compreendida, e isto é muito diferente.  Jesus não se conformava com nenhum dos princípios e métodos que regulam este mundo. Ele não fazia o que se esperava que Ele fizesse, tanto por parte do mundo como por parte dos seus amigos. Muitas vezes Ele frustrava tais expectativas: Ele não cumpria o esperado porque lhe era pedido, ou porque era isso que se esperava Dele. Ele colocava uma brecha entre a expectativa e tudo o que Ele fazia. E dentro dessa brecha você pode colocar esta singularidade que havia sobre Ele, como uma ordem de Homem _ Sua ‘diferença’ dos demais homens.  Se você tentar adaptá-lo, tentar fazer dEle uma parte da ordem humana estabelecida, tentar mostrar como Ele fazia isto e aquilo, numa forma agradável, simplesmente porque Ele era tão amável, você perdeu totalmente o ponto. 
 
Por que, por exemplo, quando surgiu aquela situação embaraçosa no casamento em Caná da Galiléia, tendo sido levado a Ele como Sua oportunidade, recusou Ele aquilo como algo que soava bastante repulsivo? Em relação à expectativa do povo, nada mais podia ter acontecido.  E nós encontramos o mesmo tipo de coisa repetida em outras situações.  Ele não fazia o que as pessoas esperavam que Ele fizesse _ Ele muito frequentemente fazia aquilo que elas jamais esperavam que Ele fizesse. Ele fazia o inesperado _ tomava as pessoas, não somente em completa surpresa, mas levava-as aos seus limites. Elas simplesmente não podiam segui-Lo em algumas das coisas que Ele fazia. Ele não ia onde as pessoas esperavam que Ele fosse, conformando-se assim aos seus programas.  E ele certamente não falava o que elas esperavam que Ele falasse _ muito longe disso. Pelo contrário, Ele dizia muitas coisas inesperadas _ coisas difíceis, chocantes, que ofendiam. 
 
Agora, Jesus não era apenas um ser diferente, um ser singular. Há pessoas que se comportam desta maneira, porém em terrenos totalmente diferentes. Elas apenas tentam ser singulares, excepcionais, diferentes, fazer o inesperado, serem complicadas. Conheci um homem cristão, há alguns anos atrás, que ganhou um grande nome neste mundo, e que, devido à importância tremenda que se tinha dado a ele, desenvolveu uma ultra consciência de si mesmo. Numa ocasião, estava conversando com ele no jardim, e, após um pouco de tempo, sugeri que entrássemos em casa. Tomei-o pelos braços, e ele instantaneamente se endireitou, ofereceu resistência com os seus calcanhares e se recusou totalmente a sair do lugar!  ‘Bem!’ Pensei eu, ‘o que é isto?’ Tive que esperar um minuto ou dois _ evidentemente até que ele tivesse se convencido a si mesmo que deveria se mover _ e, então, relaxou e caminhamos juntos _ porém não de braços dados! Tinha aprendido minha lição.  Vim a saber que ele tinha adotado isso como um estilo: que ele jamais permitiria ser influenciado, ou afetado, ou conduzido, ou de alguma maneira movido, por um outro ser humano. Ele havia chegado numa ‘ultra’ posição na qual nem  mesmo caminharia de braços dados com um irmão cristão, a não ser que o Senhor lhe mandasse!  Enfim, naturalmente, isto se transformou num complexo muito sério. Mas você entende o que eu estou querendo dizer. É possível agir desta maneira numa base totalmente falsa. 
 
Jesus não agia assim. Pode ter parecido que Ele se comportava assim algumas vezes, mas não era sobre aquela mesma base.  Precisamos ser muito claros sobre isto _ esta maneira estranha e desconhecida Dele, muitas vezes perplexa e mistificada, que desapontava algumas vezes, e outras vezes até mesmo aborrecia e provocava ira. Mas esses são fatos; são características claramente reconhecidas da vida terrena do Senhor Jesus.  Essas características não eram da ordem que eu falei _ uma consciência ultra, um ficar distante deliberado, tentando ser diferente dos demais, vestir uma jaqueta apertada, dura e inflexível. Não havia nada disso sobre Ele. Temos que explicar isto, para não haver má compreensão. Lá está Ele, um Homem desconhecido.
 
O LADO NEGATIVO - `CIRCUNCISÃO NO CORAÇÃO´ 
Aqui, então, estava um homem _ com ‘M’ maiúsculo  — vivendo uma vida humana numa base diferente daquela dos demais homens.  Havia um aspecto negativo e positivo daquele fato.  O aspecto negativo era este: Ele era, se eu puder trazer na expressão aqui, ‘circuncidado no coração’. Isto é, Ele era totalmente separado de qualquer princípio particular, em Sua mente, coração e vontade. Ele não usaria a Sua mente, ou pensamentos, ou faria algum julgamento, baseado em qualquer princípio particular de qualquer ordem. Nem tinha Ele qualquer espaço particular em Seus sentimentos ou em Sua vontade. Aqui está um Homem que possui uma alma _ uma mente, um coração e uma vontade _ que fazia dele um verdadeiro ser humano, mas em cuja alma  a vontade própria tinha sido posta completamente de lado. 
 
Você não pode fazê-lo agir ao longo de qualquer linha ordinária da razão humana, não importa quão boa e correta ela possa parecer.  ‘Eles não têm vinho _ por isso...’  Surge um argumento, uma razão. ‘Por isso’ ... isto e aquilo e qualquer outra coisa, constituindo um caso muito bom para Ele intervir e fazer alguma coisa. Poderia ser argumentado de quase todo ponto de vista como sendo uma coisa que Ele deveria fazer: do ponto de vista do homem, do ponto de vista da vindicação de Sua missão, o estabelecimento de Sua Pessoa Divina. Sim, você pode argüir isto de todo e qualquer ponto de vista, mas ele não se move sobre uma mente que está influenciada por qualquer tipo de argumento. Sua  única consideração é:  Meu Pai deseja isto? E: Meu Pai deseja isto agora? E: Meu Pai deseja isto desta maneira? Estas são as coisas que influenciam Sua mente e Seu coração, e Sua vontade, e Sua alma. Até que Ele esteja certo a respeito disso, nada neste mundo ou nesta terra, nenhum argumento ou apelo, ou caso, irá fazê-lo mover. Pois Ele está fazendo algo, e nós iremos ver presentemente o que é isto que ele está fazendo. 
 
Disse que Ele era totalmente ‘circunciso de coração’. Esta é uma frase bíblica  (veja Rom. 2:29). Precisamos compreender o significado disso. Significa que no coração ocorreu  uma divisão absoluta entre duas coisas. Se preferir, pode substituir ‘alma’ por ‘coração’; é a parte mais íntima do homem. Algo foi feito Nele, interiormente, e Ele se manteve firme neste terreno até o fim. Foi sobre este terreno, de uma forma ou de outra, que as batalhas mais terríveis de Sua vida foram travadas.  Algumas vezes a investida vinha por meio de um amigo e discípulo mais íntimo: “Senhor, tem compaixão de ti; de modo nenhum te acontecerá isso.” “Para trás de Mim, Satanás, pois só cogitas das coisas que são dos homens” (Mat. 16:22–23). ‘Sua perspectiva é aquela de homens _ meramente no nível de homens.  Eu não pertenço a este terreno dos homens no qual você se move. Outros homens podem ouvir o seu argumento, serem influenciados, persuadidos; mas quanto a Mim _ não!’ E assim é até o fim: Ele firmemente manteve-se apegado àquele terreno _ o terreno do qual nos contentaremos em chamar de o terreno da circuncisão interior do coração. 
 
Isto, como tenho dito, foi o foco principal do esforço persistente de Satanás: a razão, o argumento, quanto ao por que Ele deveria, ou não deveria, fazer certas coisas. É uma questão de argumento, algumas vezes o argumento da absoluta necessidade.  ‘O seu corpo precisa de pão, ou você irá morrer. A necessidade exige que você transforme estas pedras em pães’.  Assim dizem muitos homens, porém não o Filho Divino de Deus, não o Filho do Homem.  Jesus repudiou este argumento absolutamente. 
 
Sim, o ponto focal de Satanás de cada ataque estava justamente aí _ tentar fazer com que Ele fizesse, agisse, se movesse, decidisse, de acordo com os padrões humanos, ser influenciado pelos ditames ordinários da vida humana como você conhece; e Ele se negou. Sendo este o ponto focal de todos os ataques e esforços satânicos,  este foi o campo de Sua absoluta vitória sobre Satanás e sobre o mundo. “O príncipe deste mundo se aproxima: ele nada tem em Mim” (Jo 14:30). O que satanás procurava? — a independência. Se tão somente  ele pudesse conseguir isso, se tão somente ele pudesse colocar isto em ação, através da mente, do coração ou da vontade, a mesma coisa aconteceria ao último Adão como aconteceu com o primeiro, e o reino passaria novamente para as mãos do Diabo. Mas ele encontrou um tipo diferente de Homem, que não vinha a ele naquele mesmo terreno absolutamente.  Jesus não apenas disse, ‘O Diabo está vindo até Mim..., ‘Satanás se aproxima de Mim...’ ; Ele disse: “O príncipe deste mundo se aproxima” _  implicando todo o princípio deste mundo, como o reino de Satanás; o princípio particular do príncipe deste mundo. Mas _ “ele nada tem em Mim”.
 
LADO POSITIVO: COMPROMISSANDO COM A VONTADE DO PAI
Aquele, então, é o lado negativo. O aspecto positivo era que Ele estava absolutamente compromissado com a vontade de Seu Pai. Ele não estava apenas se negando, resistindo, reprimindo, suprimindo, pondo de lado. O motivo disso tudo era o Seu absoluto cometimento com a vontade do Pai. A vontade do Pai era a coisa dominante, a realidade mais positiva em Sua vida, do início ao fim. E a vontade do Pai prevalecia em cada detalhe, da forma mais meticulosa. Isto estava estabelecido em toda a Sua vida sobre a terra.
Foi estabelecido inicialmente nos primeiros trinta anos, do qual chamamos de Sua vida particular. Aqueles trinta anos também estavam divididos em dois. Você percebe esta divisão no evangelho de Lucas, capítulo 2.  Primeiro, de Sua dedicação no Templo até Ele alcançar a idade de doze anos: isto é o que é dito  “E a criança crescia, e se fortalecia, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre Ele” (v. 40). Então, da idade dos doze anos em diante: “E Jesus crescia em sabedoria e estatura, e em graça para com Deus e com os homens.” (v. 52).
Não iremos agora parar para analisar isto. É assunto para uma análise, que é muito proveitosa, se você procurar fazê-la.  Você vê as áreas em que este progresso foi feito _ física, mental e espiritual; e sobre tudo, o veredicto é: a graça de Deus. A graça de Deus, a Divina aprovação, a Divina satisfação, estava sobre a Sua vida. Ele crescia diante do Senhor como alguém agradável. Por quê?  “Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?”— ou, se preferir a tradução alternativa, “Que Eu devo estar na casa do Meu Pai?”  (v. 49). Seja o que for que isto significasse, certamente significou uma consciência do Pai acima do relacionamento ordinário, natural. Observe que isto está colocado bem no meio de algo que causava bastante dor de coração e perplexidade a Seus pais na carne.
Sim, havia um absoluto compromisso com a vontade de Seu Pai, e isto foi estabelecido por trinta anos na vida ordinária, comum. Penso que isto é uma coisa tremenda. Por que houve trinta anos em silêncio e em segredo, até onde sabemos? Temos tão pouca luz sobre isso. Por quê?  Simplesmente pela mesma razão. Se você quer a explicação, vá ao Velho Testamento. Você se lembra que os levitas iniciaram o serviço deles à idade dos trinta anos. Lucas nos fala sobre Jesus iniciando o Seu ministério: “Jesus... quando Ele começou... tinha cerca de trinta anos...” (Luc 3:23). O Senhor Jesus era, em tipo, um Levita, embora viesse da tribo de Judá. (Compare Heb. 7:13–14). Mas a entrada oficial de um levita no ministério à idade de trinta anos jamais era vacilante, indecisa. Havia uma história lançada por detrás disto. A história do levita, a vida do levita, o comportamento do levita. E, embora não tenhamos nada que faça isto muito claro para nós, talvez porque nuca houvesse qualquer ocasião para isso, eu me aventuro a dizer isto, se qualquer homem jovem da tribo de Levi naquela velha dispensação tivesse vivido uma vida libertina, ele jamais teria se tornado um oficial levita ao alcançar a idade de trinta anos. Não, o selo tinha que ser colocado sobre aqueles trinta anos, nos quais o homem tinha caminhado diante de Deus. E o mesmo princípio se aplicava à vida de Jesus: Deus o testou, o provou, nos caminhos da vida ordinária.
Isto deve falar muito seriamente a nós, como o princípio da aprovação de Deus. Você pode estar desejando muito entrar para o ministério: Deus pode estar muito desejoso em que você esteja pronto para ser trazido para o ministério!  Em todos os caminhos da vida ordinária você irá atravessar isto, você será provado; o olho de Deus está sobre você. Lembre-se de que quando Jesus, aos trinta anos de idade, veio ao Jordão, o Céu estava aberto e uma voz disse: “Em Ti me comprazo” (Mar 1:11). Eu penso que isto envolveu os trinta anos: isto falava da graça de Deus nos trinta anos da vida ordinária, o que tornou possível a Ele assumir o Seu ministério. Talvez não estejamos tão corretos em dizer ‘vida ordinária’, vendo como o Diabo tentou apanhá-lo logo no início. (Mat. 2:13–18).
Porém, seja lá o que possa ter representado os trinta anos, não há dúvida de que os três anos e meio de ministério público ratificou, através de fogos intensos, o fato de que Ele estava comprometido sem qualquer reserva à vontade de Seu Pai. Aqueles três anos e meio foram um período de fogos intensos, a fim de fazê-lo desviar um pouco de fazer a vontade de Seu Pai. Por cada sedução glória dos ‘reinos deste mundo’, e por cada ameaça da ignomínia da Cruz, Satanás procurou trazer este desvio da vontade de Deus. Jesus lutou contra isto até o fim.
 
A REALIDADE DA SUA HUMANIDADE
Por que a Sua vida terrena? Primeiramente, para estabelecer a realidade de Sua humanidade. Você sabe, na Velha Dispensação tinha havido muitas aparências Divinas em forma humana. Ninguém ousa ser dogmático nesta matéria, mas pode perfeitamente ter sido que o próprio Filho de Deus estava em algumas daquelas chamadas ‘teofanias’. Deus veio em forma humana, de modo que aquelas pessoas que foram visitadas a princípio falaram delas na condição de homens, ou um homem, e, então, despertaram e perceberam: ‘Eu vi Deus _ Deus esteve aqui!’ Mas estes trinta e três anos de vida terrena não era teofania: era humanidade real. Não era um tipo transitório, uma forma passageira, apenas uma visitação. Era um Homem, uma humanidade verdadeira, sobre esta terra por trinta e três anos. Não era um visitante angelical. Era um Homem. E penso que esta é uma razão ou  explanação, entre outras, porque na Sua entrada neste mundo Ele nasceu como um bebê, e começou desde o princípio. Ele não chegou como um visitante em plena maturidade; Ele começou exatamente no início — embora com uma diferença _  contudo pela mesma porta que os demais homens, e seres vivos aqui, através da infância, da adolescência e juventude, para o estado de homem adulto, aceitando uma vida na base da absoluta dependência de Deus, como qualquer outro homem. 
 
Se você refletir, verá que há muito apoio a isto. Por que deve Ele, na infância, ser levado para longe por José e Maria, para fora do país, por motivo de estarem à Sua procura? Por que o Céu não desceu e O protegeu de maneira miraculosa, a fim de preservá-Lo, opondo-se àquelas forças que estavam contra Ele?  Visto que Ele tinha que ser tomado e levado para longe, afastado do caminho, como qualquer outra criança! O fato é que Ele está vivendo a nossa vida, Ele está sujeito às nossas experiências. Pode haver elementos miraculosos trabalhando por trás, porém, aparentemente, Ele está faminto, sedento, cansado, perseguido _  Ele ‘suportou tudo’, da mesma forma que você e eu. Ele está vivendo uma vida humana. Ele aceitou voluntariamente a base da absoluta dependência de Seu Pai. E o Pai não está fazendo uma série de milagres _ embora na verdade a coisa toda seja um milagre.
 
UMA VIDA DE FÉ
Por esta razão, como outros homens, Ele tem que vencer pelo princípio da fé. Ele não tem outra vida, em princípio, mais do que você e eu: é a vida da fé. A fé tinha que ser exercitada a favor dele antes que Ele a pudesse exercitá-la por ele mesmo. Não tenho dúvida de que José e Maria tiveram um considerável exercício sobre este assunto. Eles tiveram que olhar diretamente para aquilo e dizer: “Bem, podemos confiar que Deus irá cuidar dEle; nós não iremos fazer coisa alguma, mas apenas confiar em Deus”; ou dizer ainda: “Iremos seguir e confiar em Deus”. Em ambos os casos, era fé _ fé a favor dEle. E, então, o tempo chegou para que Ele exercitasse a fé por Ele mesmo, e tudo para Ele tinha que estar sobre a base da fé, tanto quanto o é para você e para mim. 
 
Você está pensando: “E a Sua deidade?” O que dizer sobre Seus poderes miraculosos de conhecimento em ação? Certamente Ele conhecia numa forma sobrenatural; Ele exerceu poderes totalmente sobrenaturais. Isto não é humanidade!” Vamos ter isto bem esclarecido em nossas mentes. Isto não contradiz nada do que eu tenha dito. Observe: Jesus jamais usou os Seus poderes miraculosos da Deidade em Seu próprio favor. Há apenas um caso que poderia ser pensado como contrário àquela afirmação: a ocasião quando Ele não tinha dinheiro para pagar os Seus impostos, e mandou Pedro ir ao mar, e lá estava um peixe com uma moeda em sua boca.(Mat. 17:24–27). Você poderia dizer: ‘Seria muito bom ter aquele poder para pagar as nossas dívidas!’ Ah, mas seja cuidadoso _  não está tão claro como parece. Isto realmente não contradiz o que tenho dito. Ele jamais usou os poderes sobrenaturais em Seu próprio favor, e esses poderes nunca O tiraram do terreno da dependência de Deus e da base da fé. Observe que até mesmo nesse único caso não houve ação criativa. Foi inteligência superior. Havia um peixe, e aquele peixe tinha uma moeda, e de alguma maneira Ele sabia que ela estava lá.
 
A INCREDULIDADE NÃO É TOCADA POR MILAGRES
Mas vamos perseguir o seguinte. Tome os milagres. Os milagres faziam referência, de um lado, à Sua Deidade: mas, mesmo assim, eles não tinham um efeito característico de mudança sobre as pessoas que viam ou participavam deles. Eles eram apenas para um testemunho de quem Ele era. Você entende o significado disso? Com todos os Seus milagres, no fim o princípio de incredulidade não tinha sido arrancada de sequer um indivíduo!  Esta é a tragédia de tudo isto! Este é um tremendo argumento. Embora eles vissem tudo o que Ele fez, a profunda raiz da incredulidade permanecia intocável. A coisa impressionante _ mesmo com os próprios discípulos _ foi que eles ainda eram capazes tamanha incredulidade. “Ó néscios, e tardos de coração para crer ...!”  (Lucas 24.25). “Ele lhes lançou em rosto a sua incredulidade...” (Mar. 16.14). Com tudo o que eles viram, aquilo não tocou o caráter, não tocou a natureza deles.
Aquilo foi, por isso, dado mais para testemunho _ um testemunho em relação a quem Ele era. Este é um lado. Pois, você vê, há dois lados nesta questão. Há o lado de Sua Deidade, como João resume tudo: “Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome. (Jo.20.31). Foi para testemunho quanto a quem Ele era essencialmente. Porém, apesar disso, isto não teve tanto efeito sobre a natureza deles, a ponto de se livrarem da incredulidade. Sim _ por um instante eles puderam crer nele; mas isto não significa que a incredulidade lá no fundo foi radicalmente tratada. Os milagres não fizeram isto, e Jesus não esperava que eles tivessem este efeito. Ele deixou bem claro que Ele não estava edificando sobre os Seus milagres qualquer esperança nesta direção. Ele ainda era dependente do Pai para o efeito real.
 
E deixe-me dizer aqui, num parêntesis _ é algo para se pensar sobre _ não são as coisas que Ele faz para nós, mas a vida do Filho do Homem, em toda a sua poderosa potencialidade, seu poder, seu princípio em nós, que faz a diferença. Ele pode curar o seu corpo de uma doença crônica, de algo que certamente irá provar ser fatal, numa forma ordinária, porém, isto não significa necessariamente que a incredulidade que está lá no fundo do seu coração será tratada. Após alguns anos você pode argumentar, ou explicar isto psicologicamente, ou de outra forma, e perder o real impacto daquilo. Não, essas coisas feitas para nós, em qualquer área, mesmo que possam parecer milagres, não tocam a nossa real natureza. Não se engane: sinais e maravilhas não são o argumento final _ não são. O argumento final é a mudança da nossa própria natureza, enraizada, e tudo que não faz isto desviou-se do propósito final de Sua vinda. Não é o que Ele faria para nós, miraculosamente, por meio de coisas exteriores: é o que Ele próprio é em nós, como um outro tipo de Pessoa. Isto é o que importa. É ‘Cristo em você, a esperança da glória’; não Cristo fazendo milagres para você.
 
OS PODERES SUPERIORES DO HOMEM, COMO DEUS PRETENDEU
Mas, então, há algo ainda mais a ser dito. Ele realmente tem poderes superiores para fazer e conhecer. Embora eu não esteja por um momento sugerindo que aquilo não tinha nada a ver com a Sua Deidade, Sua Natureza Divina, pode muito bem ser que aquele poder e inteligência superior _ o que podemos chamar de sobrenatural _ se eu puder colocar isto desta forma, era o ‘normal’ para o tipo de ser que Jesus era, como Homem. Se, sem qualquer questão de participação na Deidade, um homem ou homens puderem ser trazidos para um relacionamento tal com Deus, semelhante àquele que Ele tinha, eles também podem ter aquela inteligência superior, e podem conhecer muito mais do que uma pessoa normal conhece sobre o que está acontecendo no mundo ao redor. Não apenas seria através de meios físicos, mas por meio da intuição de um espírito ligado a Deus. Eu me aventuro a sugerir que _ colocando de lado tudo aquilo que é físico _ tal poder não é absolutamente desconhecido por homens e mulheres cristãos. Pedro levantou o morto; os apóstolos curaram doenças, fizeram milagres. Eram eles Deus? Não, mas pelo Espírito de Jesus Cristo eles foram trazidos para um relacionamento tal com Ele, como se tivessem os poderes dEle delegados a eles. “Maiores obras do que estas fareis; porque Eu vou para o Meu Pai” (Jo. 14.12).
Há um significado profundo numa palavra que ele proferiu, como registrado para nós em João 5.26-27. Esta palavra, talvez, é tão profunda para a nossa compreensão, e não me aventuro nessas profundezas. “O Pai...deu...ao Filho...autoridade para executar juízo, porque Ele é o Filho do Homem”. Não porque Ele é o Filho de Deus _ “porque Ele é o Filho do Homem”. Isto abre um campo muito grande de inquirição, e nós não vamos entrar nele; porém o meu ponto é este: que, sem a Deidade _ Não estou argüindo por um momento contra a Deidade de Cristo em conhecimento ou poder, habilidade sobrenatural _ não poderia ser que a uma humanidade assim referida e habitada por Deus dessa forma, de acordo com o Seu plano original, devesse ter esses poderes que chamamos de 'sobrenaturais'? Significa apenas ‘de uma outra ordem de inteligência’, de conhecimento, de habilidade para fazer. Significa que o homem é elevado a outro nível de habilidade e conhecimento, acima do nível ordinário de homem, como o conhecemos. Não é isto verdade sobre os dons do Espírito Santo dados à Igreja?
Por que, então, a vida terrena? Para estabelecer o tipo de humanidade que Deus quer, para demonstrar através de uma vida humana o que o homem seria caso tivesse seguido o próprio coração de Deus. Creio que esta é a resposta. E, se foi apenas trinta e três anos e meio, o que isto significa? Vindo através dos séculos, ouço a voz dos profetas dizendo: “Ele foi cortado da terra dos viventes” (Is.53.8); “Sua vida foi tirada da terra” (At.8.33). Sua vida foi cortada no meio de sua virilidade. Os homens não a deixaram terminar. Os homens decidiram que aquilo não devia continuar. Os homens a trouxeram para _ sim, de um ponto de vista _ um final precoce. Ah, Satanás não mais terá  este tipo de homem aqui.
Mas este tipo de homem somente pode ser completado por um outro lado. Nós antecipamos nosso ‘oitavo’ quando acabamos de sugerir que Ele não deixou a Sua virilidade, Ele não deixou a Sua humanidade; Ele habita lá, do outro lado, como Homem. Porém Ele fez aqui tudo o que era necessário. Ele demonstrou o que o homem seria se Deus o tivesse conforme a Sua mente. E Ele providenciou que o restante da profecia seja cumprida: “Ele verá a Sua posteridade, e prolongará os Seus dias” (Is.53.10). Ele foi cortado, mas os Seus dias serão prolongados: os dias de Sua humanidade foram prolongados em Sua Igreja.  É para isto que somos chamados. Por meio de um processo doloroso, devido a fraqueza de nossa carne, Ele está trabalhando para fazer de nós homens e mulheres a Sua própria semelhança. E o ponto central de tudo isto é: a separação total do princípio da vida própria.
 
CAPÍTULO 3 - A CRUZ
Dissemos que esses oito aspectos, ou ‘notas’, na escala da redenção, se sucedem um após o outro numa seqüência harmoniosa, cada um seguindo o outro e levando ao próximo. Nossa resposta à primeira pergunta _ por que a encarnação? Foi tripartida: a redenção do homem, a reconstituição do homem, e a perfeição e glorificação do homem. Procurando responder a segunda pergunta _ por que a vida terrena? _ Buscamos indicar o fim em vista a todo esse processo redentor, como exemplificado na vida terrena do Senhor como o Filho do Homem _ o modelo. A vida terrena, tão plenamente vivida sob cada prova, foi planejada, no propósito de Deus, para estabelecer o tipo diferente de pessoa que Deus tem em vista através da redenção e reconstituição, e perfeição, e finalmente a glorificação. É necessário para nós tomar a questão inclusiva de todas essas fases, vendo como uma leva à outra, e ao mesmo tempo o que cada uma representa.
 
Porém, antes de seguir adiante, deixe-me dizer o seguinte. O ponto é que Deus tem colocado aqui neste mundo, no meio da humanidade, um novo tipo de Homem, que não apenas é melhor, mais ou menos, do que os demais homens, mas completamente diferente dos outros homens; e disse, em efeito, ‘Este é o Homem que tenho em vista, e eternamente este tem sido o Meu propósito de conformar a esta imagem’. Quão importante é, portanto, para nós compreender a natureza real e significado da vida de nosso Senhor Jesus, como foi vivida aqui neste mundo, há muito tempo atrás. Porém, atualmente, um Homem nos é apresentado, completamente diferente de nós em constituição, e ainda, como padrão de Deus para a Sua obra em nós. Isto é algo muito importante.
 
A PRESSÃO DO MALIGNO NA CRUCIFICAÇÃO 
Assim, então, aqueles dois pontos nos levam ao terceiro: Por que a cruz? Vamos abordar isto olhando por um momento para o registro, e tentar entrar na mesma atmosfera, terrível como era, daquilo que ocorreu naquele dia que comemoramos como a Sexta-Feira da Paixão. Vamos tomar dois versos do discurso de Pedro no dia de Pentecostes.
‘Homens israelitas, escutai estas palavras: A Jesus Nazareno, homem aprovado por Deus entre vós com maravilhas, prodígios e sinais, que Deus por ele fez no meio de vós, como vós mesmos bem sabeis; A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes pelas mãos de injustos’ (At. 2.22-23; A.S.V)
Se pudéssemos, por assim dizer, entrar naquelas palavras, e realmente compreender o seu significado, poderíamos ter a resposta a nossa pergunta: Por que a Cruz?
Vamos tentar sentir o que estava acontecendo. Se você leu recentemente nos Evangelhos os relatos dos eventos que levaram à crucificação, você será capaz de se lembrar da cena. Por um lado, é impossível, levando tudo em consideração, não reconhecer uma tremenda pressão sobre esta questão de crucificar Jesus. Isto não é apenas humano. Há algo aqui de força incitante, uma força maligna _ por trás. Nenhum argumento irá impedi-la, nenhum apelo  irá enfraquecê-la; ela não será influenciada por nenhuma consideração, seja qual for. Quando eles gritavam: “Caia o seu sangue sobre nós, e sobre os nossos filhos” (Mat. 27.25), é como se houvesse uma determinação implacável, posto a fazer com que a coisa seguisse _ não importando o que significava _ às últimas conseqüências, até o fim. Deste lado, havia uma pressão feroz, terrível, impressionante dos poderes malignos para fazê-lo morrer, e parecia que nada podia impedir aquela onda maligna.
 
Do outro lado está Pilatos _  Pilatos buscando, por meio de todo recurso concebível a ele, tanto pessoalmente querendo sair disso, como oficialmente evitá-lo, pará-lo. Veja quanto há que vem para lhe dar uma justificativa, para fazer sua posição mais forte, até mesmo em relação à mensagem de sua esposa: “Não entres na questão desse justo” (Mat. 27.19). Mas é como se uma voz escondida dissesse: ‘Pilatos, não adianta: se esquivar, argumentar, dizer e fazer o que quer _ não adianta: isto irá acontecer. Você pode ser responsabilizado, a partir de um ponto de vista, mas você não pode ajudar você mesmo’. A pressão das forças malignas, a impotência humana e os poderes oficiais e temporais, e tantos outros fatores, devem ser levados em consideração neste caso.
 
"O DETERMINADO CONSELHO E PRESCIÊNCIA DE DEUS
Porém, por detrás de tudo isso está um outro fator. O Diabo pode estar forjando, e o homem pode estar inutilmente tentando impedir; mas antes do Diabo e do homem está o ‘determinado conselho e presciência de Deus’ (Atos 2.23). A cruz é a crise de Deus na qual Ele diz: ‘Vamos decidir isto, vamos estabelecer esta questão  finalmente, de uma vez por todas. Nada irá confundi-lo ou impedi-lo. O Diabo pode ser assassino; eu sei o que pretendo com isto. O Diabo pode estar cegamente conduzindo as coisas a fim de destruí-Lo, mas eu sei o que almejo. Irei tomar isto em relação ao conselho eterno e presciência. O homem pode tentar pará-lo, impedi-lo: mas não _ a hora chegou, e vamos estabelecer isto. Esta é a Crise dos Tempos; e todo o negócio será estabelecido hoje’. 
 
Mas que negócio? Naturalmente, a coisa toda vai muito longe, muito longe e de aspectos muito variados para que possamos compreender. A coisa vai muito acima e muito abaixo, e muito distante. Tudo aquilo que sabemos sobre a Cruz é apenas um fragmento comparado com aquilo que iremos conhecer através da eternidade. Podemos dizer muito pouco a respeito, resumindo em uma ou duas coisas que respondam a questão, por que a Cruz? A resposta, como disse, está inerente nas palavras que lemos em Atos 2.
Qual é o assunto? Qual é a crise? Por que a Cruz? Sempre que nos acharmos na presença da Cruz, seja em tipo no Velho Testamento _ o altar, o sacrifício, o fogo, e assim por diante _ seja em realidade no Novo Testamento, nós estamos sempre diante de três coisas: pecado, justiça e julgamento.
 
(1) O PECADO 
O que queremos dizer com pecado? O que a Bíblia quer dizer com pecado? _ esta coisa de amplas conseqüências, como um polvo, porém com inúmeros membros e ventosas _ esta coisa chamada ‘pecado’. O que a Bíblia quer dizer por pecado? Se a Cruz do Senhor Jesus foi a crise, e Deus estava para estabelecê-la de uma vez para sempre, o que era aquilo que tinha alcançado o ponto de crise, o que era aquilo que Ele estava estabelecendo? Vamos aqui excluir pecados _ não estamos falando sobre pecados. Os pecados apenas são frutos, ou o resultado, da raiz _ pecado. O pecado não começa com as coisas que fazemos ou deixamos de fazer. Pecado é algo muito mais profundo do que as nossas más ações _ nossas comissões ou omissões. Os pecados podem ser perdoados, pecados podem ser remidos; porém pecado é uma outra coisa.
 
Agora vamos perseguir isto até onde podemos. No Velho Testamento, o pecado, mesmo antes do ato de Adão, centrado em Deus e Sua alternativa. Deus, ou Sua alternativa _ este é o ponto focal do pecado. Há uma palavra inclusiva no Velho Testamento, uma palavra que inclui e abrange todas as demais palavras usadas para pecado, e esta palavra é ‘iniquidade’. Ela abrange palavras tais como ‘transgressão’, ‘violação’, e outras. A palavra inclusiva e abrangente para pecado é ‘iniquidade’, e enquanto não entendermos esta palavra, realmente não iremos compreender o que é pecado. Esta palavra ‘iniquidade’ em sua raiz significa ‘perversidade’, ‘injustiça. Não é simplesmente a violação de certas leis, mas um espírito de ilegalidade e rebelião. Isto encontrou sua primeira expressão, como a Bíblia nos relata, antes do pecado de Adão. Adão apenas foi apanhado em algo que já tinha começado. A rebelião aconteceu em algum lugar onde Deus está, em relação os propósitos de Deus. _ Seus propósitos, como temos razões para crer, em relação a Seu Filho, Jesus Cristo, como Herdeiro, ‘constituído Herdeiro sobre todas as coisas’. A rebelião foi achada no coração de um ser exaltado, e, então, disseminado por meio daquele entre os anjos; e assim, uma hierarquia rebelde se levantou, e foi expulsa, e nos é dito que eles estão reservados  em prisões eternas para o julgamento. (Judas 6)
 
Iniqüidade, então, é rebelião, é injustiça. “vós, por meio de injustos...”  Chegamos bem no coração da coisa, você vê?  Esta força motriz é do próprio inferno. Nenhum respeito é dado à lei, à razão, ao argumento, à consideração, à compaixão, à sabedoria, ou a qualquer outra coisa _ nem mesmo ao bem estar dos filhos. Não, esta coisa está possuída de fúria homicida, ficou descontrolada, foi manifestada enfim. No centro do palco humano, terreno, está Alguém que é o foco principal de tudo, Ele manifestou tudo. Aquilo não mais pode continuar escondido, não mais pode  seguir secretamente; está manifesto. Ele é a razão daquilo. As hostes do mal surgem ao redor dEle: a fim de usarem as palavras proféticas do salmo, ‘Cercaram-me como abelhas’ (sal. 118.12); porém, nas palavras do Apóstolo, ‘Ele despojou  os principados e potestades’ (Cl.2.15). 
 
Sim, no determinado conselho e presciência de Deus, a coisa já está decidida _ toda esta questão básica de rebelião, que se iniciou em Satanás, se espalhou às hostes angelicais, que foram cúmplices com ele, e desceu a este mundo. Por ter o homem aberto a porta, a porta de sua alma, como já vimos no início, a rebelião entrou nele, e agora todo filho de Adão possui uma raiz profunda de rebelião em sua natureza: rebelião contra Deus. Mais cedo ou mais tarde você a descobrirá, caso nunca tenha feito isso ainda. Deixe Deus colocar você em algumas provas nas quais Ele colocou o Seu Filho, e veja se não há nenhuma rebelião em seu coração, em sua natureza, contra Deus. Debaixo de prova, oposição, ou sofrimento, descobrimos que ela está lá, pronta para se manifestar. Está em nós.
Muito bem; isto foi considerado por Deus. Ele disse: ‘Vamos estabelecer isto’; e este é o significado da Cruz. Primeiramente, este espírito de injustiça e rebelião, em toda a sua fealdade, em toda a sua malignidade, em seu caráter sinistro, é arrastado para fora; e, então, na Cruz, não apenas o mal em abstrato, mas a pessoa responsável por ele, é tratada.
 
TERRENO PARA SATANÁS
Porque o pecado nunca é olhado apenas como algo abstrato; ele é sempre pessoal _ é sempre um assunto de Satanás. A questão toda é sempre esta: Está Satanás levando vantagem, está Satanás ganhando terreno? Muito freqüentemente não levamos essas coisas a sério. Achamos que é ‘falha’, ‘fraqueza’ e ‘imperfeições’. Ficamos ofendidos, perturbados; faltamos com amor, talvez perdemos nosso equilíbrio; e, então, dizemos que isto é fraqueza nossa, nossa falha, nossa imperfeição, nossa falta. Bem, pode ser isto, porém Deus sempre diz: ‘Isto é terreno para Satanás’; e isto é o que faz a coisa ser tão abominável, tão mais maligna. Porque, veja, é Satanás quem está o tempo todo tentando trabalhar em cima da nossa ‘fraqueza’ e conquistar tal terreno, e, então, entrar nele e usá-lo _ tanto como acusação contra nós, levando-nos de volta para a servidão da qual fomos redimidos, para ter uma acusação diante de Deus. Lembre-se sempre que é esta coisa pessoal que é a essência da iniqüidade, que constitui pecado. Deus não olha para o pecado separado da pessoa de Satanás: é sempre ele que Deus tem em vista. E Ele nos diria: ‘Agora, não se esqueça: se você escorregar, isto não é apenas algo em si mesmo _ isto é um ótimo terreno para Satanás; e, a menos que você remova isto dele, e  limpe e cubra, ele irá alargá-lo, estabelecê-lo, e consolidá-lo, e irá ficar cada vez mais difícil para você removê-lo. Isto não é apenas um incidente, um equívoco, um infortúnio: há uma pessoa, há todo um sistema diabólico em serviço, em relação a isto. ’
Sim, e qual é o efeito que ele está procurando trazer? Algo antagônico a Deus _ rebelião, injustiça. O Senhor Jesus, quando levou os nossos pecados em Seu próprio corpo sobre o madeiro, foi o Cordeiro de Deus, que tirou o pecado do mundo (1 Pd 2.24; Jo 1.29). Você não acha que isto é muito maravilhoso _ uma vez que o pecado é iniqüidade, rebelião e injustiça, é esta coisa que está sempre se irrompendo e se rebelando contra Deus _ que o Cordeiro pode tratar disso? Um cordeiro é um símbolo preciso de sujeição, não é? ‘Ele foi levado como um cordeiro para o matadouro’ (Is 53.7): não há rebelião aqui, injustiça. ‘Ele foi levado como um cordeiro para o matadouro’: exatamente o outro extremo da injustiça, da rebelião. O Cordeiro de Deus removeu o pecado pela Sua absoluta entrega a Deus.  Ele desfez a rebelião de Satanás. Eu acho isto impressionante. Você vê os princípios em ação, poderosos princípios corporificados em duas pessoas: o princípio da transgressão em Satanás, e o princípio da  obediência em Cristo. Essas duas coisas estão em mortal combate, e o Cordeiro vence.
Isso não diz muito da obra da Cruz, o efeito da Cruz? Você entende o porquê da Cruz, e o porquê da Cruz em você e em mim? O que nós herdamos da Cruz _ O que ela significa como um princípio de atividade em nós? Se a cruz realmente operar em nós, iremos nos tornar mais e mais sujeitos a Deus, submissos, complacente, pelo Espírito do Cordeiro. Que conflito isto foi! Foi o conflito entre duas naturezas: o conflito entre o pecado, no sentido específico de rebelião e transgressão, por um lado; e o espírito de _ ‘Eis aqui venho (No princípio do livro está escrito de mim), Para fazer, ó Deus, a tua vontade. ’ E ‘Por isso, entrando no mundo, diz: Sacrifício e oferta não quiseste, mas um corpo me preparaste’ (Hb 10.7,5), do outro lado; e por meio daquele corpo no madeiro Ele tratou daquela outra coisa _ com a iniqüidade corporificada deste universo em Satanás. ‘Agora é o juízo deste mundo: agora o príncipe deste mundo será expulso’ (Jo 12.31).
Sentimos a nossa falta de esperança em tentar lidar com este assunto da Cruz; isto foi uma coisa imensa que aconteceu, então eu volto a isto: Deus disse, ‘Vamos estabelecer isto aqui e agora, de uma vez para sempre’. O pecado, no sentido em que temos falado, foi tratado lá  plenamente _ ‘O Jordão enchendo toda a sua margem’ _  Que maré! _ e foi plena e finalmente exaurida.
 
(2) JUSTIÇA
Se dissemos que a justiça era apenas o oposto de pecado, devemos, naturalmente, ter dito numa palavra aproximada a tudo o que podia ser dito a respeito. Mas vamos olhar para isso mais de perto, e começar por examinar a palavra em si. Justiça é uma palavra inclusiva. Assim como ‘iniqüidade’ é inclusiva de outros aspectos do pecado, assim ‘justiça’ é inclusiva de outros conceitos. Existe a palavra ‘santidade’, por exemplo; existe a palavra ‘santificação’; existe a palavra ‘consagração’. Todas essas estão reunidas nesta palavra ‘justiça’.
Estou certo que não iremos esquecer o pecado. Ele está escrito agora em letras profundas, escuras e negras. O pecado é rebelião; pecado é aquilo que tira o governo de Deus e O remove do Seu lugar e faz uma escolha da alternativa a Deus. Naturalmente, quando pecamos nós queremos conscientemente fazer aquilo _ isto não é planejado e intencionado; mas é isto o que está  sugerido e o que está envolvido na realidade.
O que, então, é a essência desta palavra ‘justiça’? Justiça é aquela natureza de Deus que é perfeitamente consistente, perfeitamente pura, perfeitamente transparente. Diferentes símbolos são usados na Bíblia para a natureza de Deus, como o cristal, e o jaspe. É aquilo no qual não há qualquer mistura, no qual não há duas coisas contrárias uma à outra. Pois a Bíblia deixa perfeitamente claro que a mistura ou contradição é o que mais aborrece a Deus. Mais do que qualquer outra coisa, Deus abomina a mistura _ dois elementos contrários trazidos juntos, dois reinos diferentes trazidos em associação, os dois sendo diferentes em constituição. Lembramos alguns tipos do Velho Testamento de que: ‘Com boi e com jumento não lavrarás juntamente. Não te vestirás de diversos estofos de lã e linho juntamente.’( Dt 22.10,11). Esses são dois reinos diferentes. O linho remove o calor do corpo; a lã o mantém: assim, há um conflito nas duas coisas.
Esses são apenas ilustrações simples, ou figuras de algo muito profundo. Deus abomina mistura; a Sua própria natureza é contra elementos contrários. Sua natureza é absolutamente transparente, consistente, pura. E isto é justiça. Era por isso que os profetas estavam sempre apelando. A injustiça foi encontrada nos comportamentos; isto é, as pessoas estavam  sendo roubadas por métodos enganosos. Eles não eram justos, honestos, corretos. Satanás é o grande misturador, o grande enganador, o grande corruptor, o grande poluidor. Não há nada transparente nele, nada correto; ele está sempre em derredor, de alguma forma, a fim de obter vantagem através da injustiça, da covardice.
Agora, a cruz do Senhor Jesus foi a crise nesta questão de justiça. Ela foi o outro lado. Ele ‘ofereceu a Si mesmo sem mancha a Deus’ (Hb 9.14). Aqui está algo puro: não há mistura aqui, não há defeito aqui, não há duas coisas aqui; é apenas uma única coisa; é totalmente correta, clara, absolutamente puro, transparente. Você não pode encontrar nEle qualquer indício de corrupção. Não há película anuviada; nEle não há trevas. Ele estabeleceu esta questão de justiça em Sua própria Pessoa e corpo, e estabeleceu justiça para sempre, tipificado, quando Ele veio para o Seu batismo, que prefigurava a Sua cruz. Ele disse: ‘Deixa por ora: pois importa-nos cumprir toda justiça’ (Mt 3.15). Ele satisfez a Deus nesta questão da Sua natureza, como algo absolutamente puro. Quando Jesus disse, ‘importa-nos cumprir toda justiça’, Deus imediatamente respondeu e disse, ‘Meu Filho amado, em quem me comprazo’. Esta é a oferta que Eu desejo, a oferta que procurava: esta oferta Me satisfaz’. Ele ‘Se ofereceu a Deus sem pecado’. A questão de justiça está estabelecida nEle, na cruz.
 
(3) JULGAMENTO
Pecado, justiça; e agora julgamento. O que é isto? Usualmente limitamos a idéia de julgamento a um pensamento _ isto é, penalidade. A palavra ‘julgamento’ é uma palavra mais abrangente do que isto na Bíblia. Julgamento, poderíamos dizer, possui três partes. Para tomar uma ilustração do livro de Daniel: você se lembra da festa de Belsazar, e a mão escrevendo na parede, e como Daniel foi trazido para interpretar (Dan 5.1-28). Antes de tudo, significa trazer alguma coisa para se ter uma decisão sobre ela, sobre o que ela é. A primeira parte aqui é: ‘Pesado fostes na balança’. Esta é a primeira parte do julgamento: trazido para ser pesado. Em segundo lugar, colocá-lo em sua própria categoria: ‘achado em falta’. Quando foi determinado o que algo é, este é o lugar a que ele pertence. Em terceiro lugar, há o pronunciamento e a execução da sentença.
Isto é julgamento em seus três significados. É uma grande palavra. A Cruz foi isto. Deus estava dizendo, ‘Vamos estabelecer o que isto é em sua natureza; vamos colocá-la em seu próprio lugar a que pertence; e vamos tratar disso completa e finalmente’. A coisa estava determinada, em relação ao que é: o pecado não é chamado por outros nomes; é chamado por seu próprio nome _ injustiça, rebelião. Pois é isto que o pecado é. Ele é contra Deus. E ele pertence ao campo que está longe de Deus _ o deserto, a desolação, o lugar do bode expiatório, o lugar da criatura desgarrada, levada da presença de Deus para onde ela pertence. Quando Ele levou OS nossos pecados, quando Ele foi feito pecado por nós, quando, naquela hora medonha, Ele foi feito maldição por nós, Ele foi colocado no lugar ao qual você e eu pertencemos. A coisa estava estabelecida, em relação ao que ela era, e levada para longe da presença de Deus; a porta foi fechada sobre ela, e a face de Deus para sempre se virou dela. O julgamento foi feito.
Sim, há dois lados para a cruz, mas este foi o lado do julgamento. Do quê? Não, não do julgamento dos nossos pecados _ isto pode estar incluído _ mas o julgamento do nosso pecado. ‘Aquele que não conheceu pecado, Ele o fez pecado por nós, para que pudéssemos ser feitos justiça de Deus nEle’ (2 Co 5.21); isto é, para que pudéssemos ser trazidos para o lugar onde não há duas coisas em conflito, onde não há dois elementos contraditórios. E isto começa no mesmo dia quando nós _ para usar uma linguagem familiar _ vamos à cruz. Quando vamos ao Senhor Jesus e aceitamos a obra de Sua cruz por nós, lá nos é dada, lá é trazido para dentro de nós, aquela vida transparente, pura, santa, justa, do Senhor Jesus. É uma coisa sem mistura. Nós somos todos misturados, mas aquela vida não tem mistura.
 
CLARO COMO CRISTAL
E, então, quando vivemos por esta vida _ e isto não é apenas uma declaração de fato, mas um teste  de busca _ se você e eu viver por esta vida do Filho de Deus, iremos nos tornar pessoas mais e mais transparentes, absolutamente honestas,  absolutamente corretos, absolutamente direitos. Tudo o que não for desta maneira em nós mostra que, de alguma forma, estamos contendo, ou não estamos nos movendo com esta vida. A cruz nos envolve nisto. Assim, o final da Bíblia nos dá um quadro da Cidade, como um dos símbolos da Igreja. Em sua inteira constituição ela é, como diz, como o puro ouro, ou vidro, ou jaspe ( Ap 21.11,18), e seu rio é a água da vida, livre e clara como cristal ( 22.1). É tudo claro _ este é o término da obra. Esta é uma coisa verdadeiramente prática. Sobre cristãos verdadeiros _ cristãos que estão verdadeiramente crucificados com Cristo _ tem que haver uma progressividade firme em transparência, cada vez mais longe da duplicidade, da decepção, da escuridão, de tudo mais do gênero. Eles devem ser claros como a luz. 
 
Esta é a resposta, bastante imperfeita, à pergunta _ Por quê a cruz? Pecado, justiça, e a determinação em relação a “O que é o quê”: o julgamento determinando, o julgamento pondo no lugar. ‘Fostes pesado na balança’ _ esta é a primeira coisa. ‘Fostes achado em falta’ _ este é o segundo estágio. ‘Teu reino está dividido’ _ o terceiro estágio. É tudo julgamento. Na cruz o Senhor Jesus efetuou tudo isto.
 
Isto é, talvez, o lado escuro. Porém, é uma libertação maravilhosa que o Senhor Jesus trouxe para nós em Sua cruz. Apenas pense no que estávamos envolvidos! Estávamos envolvidos no pecado de Satanás, estávamos envolvidos em sua rebelião, a nossa natureza foi envolvida nisto: porém, por meio de Sua cruz Ele nos salvou _’libertou-nos do império das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do Seu amor’ (Cl 1.13) _ libertou-nos, deu-nos uma outra natureza, colocou-nos no caminho para a Cidade de Deus. Isto, como sabemos, não é geografia, mas condição espiritual; não uma coisa objetiva, mas um estado interior, subjetivo. Que dia será aquele quando formos parecidos com isto _ absolutamente livre do último vestígio do toque de Satanás, o toque da serpente, sobre a nossa natureza humana! Que grande dia será esse! Mas Ele nos colocou neste caminho quando viemos para a cruz. E ‘aquele que em vós começou a boa obra, Ele mesmo irá aperfeiçoá-la até o dia do Senhor Jesus Cristo’ (Fl 1.6).
 
CAPÍTULO 4 - OS QUARENTA DIAS
‘Vim lançar fogo na terra; e que mais quero, se já está aceso? Importa, porém, que seja batizado com um certo batismo; e como me angustio até que venha a cumprir-se!’ (Lc 12.49,50). (O real sentido da primeira sentença é, talvez, melhor dado na Versão Revisada Padrão Americano: ‘Vim lançar fogo na terra,  e como gostaria que já estivesse aceso!’)
’Aos quais também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas e infalíveis provas, sendo visto por eles por espaço de quarenta dias, e falando das coisas concernentes ao reino de Deus.’ (At 1.3).
‘E eu, quando vi, caí a seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-me: Não temas; Eu sou o primeiro e o último; E o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as chaves da morte e do inferno.’ (Ap 1.17,18).
Abordamos este aspecto particular com a mesma questão como aquela com que abordamos as outras, e perguntamos: Por que os quarenta dias? Resumiremos as nossas respostas a esta questão em três formas, embora haja muito mais detalhes do que podemos cobrir no momento.
É evidente que aqueles quarenta dias foram muito mais preenchidos do que indicam os registros. Temos apenas dez aparições registradas do Senhor durante os quarenta dias, e cinco deles aconteceram no primeiro dia, restando trinta e nove dias para os cinco restantes ( se é que dez foi o número das aparições). Mas João, falando das aparições do Senhor após A Sua ressurreição, disse: ‘Muitos outros sinais... fez Jesus na presença dos discípulos, que não foram escritas neste livro’ (Jo. 20.30), e penso que o contexto nos levaria a concluir que esses ‘muitos outros sinais’ foram feitos após a Sua ressurreição. Isto tem o apoio de Lucas, quando ele fala dos quarenta dias como contendo ‘muitas provas’.  Assim, foram evidentemente dias muito plenos, e sendo assim, o período foi de grande importância. Não é nosso propósito ficar com as várias aparições, mas buscar compreender o significado do todo.
Agora esta nota em a Oitava de Redenção não tem sido tocada tão fortemente e firmemente como devia ter sido. Sabemos como, algumas vezes, um martelo  fica ligeiramente gasto ou danificado, e, quando você sobe a escala, aquela nota em particular é mais fraca que as demais, e você percebe isto. Da mesma forma, penso que esta nota dos quarenta dias tem perdido muito de sua força, ou não tem sido dada a devida força e positividade e plenitude de volume que se devia. Creio que veremos isto na medida em que prosseguirmos. Pois este foi o grande ponto de virada, e tudo para a cristandade se baseia sobre este aspecto do plano da redenção.
Podemos mencionar apenas algumas coisas que se apoiaram nesses quarenta dias, porém elas são suficientes para indicar que tremendo período foi este. Vamos, contudo, observar primeiramente que este é um dos grandes ‘quarentas’ da Bíblia _ Deixo que você os procure _ mas menciono alguns.
Houve os grandes quarenta anos de Moisés no Egito, um tempo de profunda preparação e prova, especialmente prova de seu coração. Se todas as riquezas, e tesouros, e aprendizado de um dos maiores impérios da história está aberto para você, à sua disposição, sua atitude em relação a isto constitui um teste muito bom de onde está o seu coração! E Moisés passou por um teste como esse. Ao final daqueles quarenta anos, foi visto que seu coração não estava naquilo: seu coração era para Deus e para os interesses de Deus. Quarenta é sempre o número da provação, do teste e decisão, e foi muito decisivo, não foi, para Moisés no final daqueles quarenta anos.
Mas, então, começaram outros quarenta anos para Moisés, na terra de Mídia; e, se o primeiro foi um teste para o seu coração, o segundo quarenta foi um tempo de teste para a sua fé. Que provação tremenda foi aquela _ desapontou empreendimentos, desapontou esperanças e expectativas, e a consciência de que ele era o principal responsável por aquilo, por sua própria insensatez. Foi um tremendo teste de fé. Porém, ele foi aprovado.
Então, houve os quarenta dias e quarenta noites passados por Moisés no Monte. E que tempo de teste foi esse para Israel lá em baixo! Sim, esse tempo teve a finalidade, penso eu, de  desmascará-los; e nós sabemos como eles saíram daquela situação. Foram provados, sem qualquer dúvida. Este assunto foi decidido muito definitivamente, e a partir dali Deus se moveu em relação aos levitas. Este é um assunto cheio de instrução; porém devemos deixá-lo lá.
E, então, houve os quarenta anos do próprio Israel no deserto. Que tempo de teste, provação e decisão foi esse!
Houve outros quarentas, porém, saltamos de lá para o Novo Testamento, para o teste do nosso Senhor por quarenta dias no deserto _ um tempo de teste incomparável; e, finalmente, para esses quarenta dias após a Ressurreição. Você vê a característica, a natureza e o significado de quarenta, como um tempo de teste e prova, de estabelecimento, de decisão. Tudo isto foi reunido em quarenta dias, que vamos agora considerar.
Mas olhe para alguns dos fatores incluídos nesse período, como tendo influência sobre o Cristianismo, sobre a Igreja, sobre o futuro. Toda obra dos apóstolos dependeu disso, como veremos. É muito claro. De que serviam eles antes do início daqueles quarenta dias? O que podiam eles ter feito na condição que estavam, enquanto Jesus estava no túmulo? Ele poderia ter ressuscitado e ido para o Céu sem que eles O vissem, e então, de alguma forma, poderia ter ocorrido a eles que Ele estava no Céu _ ah, mas  teria havido uma lacuna muito grande se isto tivesse sido assim! A porta teria sido aberta para que todos os  tipos de coisas entrassem. Mas o Senhor não deixou as coisas desta maneira. A obra futura deles dependia desses quarenta dias. O Senhor estava lançando a fundação de tudo para eles durante aquele período.
 
E a própria existência da Igreja dependia disso; ela precisou desses quarenta dias. Isto veremos daqui a pouco, mais plenamente. A capacidade dos cristãos de sofrer, de suportar e de vencer necessitou desses quarenta dias. As muitas provas _  o terreno completa e firmemente estabelecido _ para o fato de que Ele estava vivo, foram essenciais para a segurança dos crentes e sua capacidade de superar todos os sofrimentos dos dias que estavam adiante.
 
Novamente, a segurança de um futuro eterno para os cristãos dependia disso. Aquela morte não é o fim; há uma vida que venceu a morte; e esta vida é a favor deles, e que um futuro eterno está assegurado _ tudo isso dependia daqueles quarenta dias. 
 
Novamente, a própria natureza do corpo ressurreto dos cristãos é estabelecido por esses quarenta dias. O apóstolo Paulo deixa isto muito claro. Em 1 Coríntios 15, está positivamente declarado que o mortal e o corruptível será revestido de imortalidade e incorrupção (vv 53,54). O corpo do cristão será ‘conformado ao corpo da Sua glória’ (Fl 3.21). Mas como é tal corpo? Temos nós alguma coisa para nos basear? Há alguma prova sólida para se crer que após a ressurreição nós teremos um corpo?  Bem, o Senhor fez o máximo para deixar bem claro que Ele não era nenhum fantasma, nem um espírito desencarnado. ‘Apalpai-Me, e vede; pois um espírito não tem carne nem ossos como vedes que eu tenho’ (Lc 24.39). Nosso conhecimento de um corpo ressurreto, sua característica e natureza, foram determinados durante aqueles quarenta dias.
 
E o que dizer da esperança em relação àqueles que dormem? Esta esperança é determinada por este período. Ainda outros fatores poderiam ser mencionados, mas a menção de apenas esses é suficiente para indicar que esta não foi uma fase sem importância da grande oitava redenção. É a própria redenção que está focada neste período. Tudo tinha que ser bem fundado e fundamentado, com ‘muitas provas’. Como já vimos, João disse que o Senhor fez ‘muitos outros sinais...na presença dos Seus discípulos’. O objetivo? Estabelecer a evidência, deixar as coisas _ ou melhor, uma coisa _ sem qualquer dúvida. Qual era? O fato de que Jesus vive _ Jesus vive novamente após a morte! Em outras palavras: O Senhor ressuscitou! Vamos agora olhar para as três coisas mais específicas que, de certa forma, resume a resposta à pergunta: Por que os quarenta dias? O que já temos visto já oferece, naturalmente, uma boa resposta, porém, esta não é a resposta completa.
 
A LIBERTAÇÃO DO SENHOR
Primeiramente, o que o próprio Senhor Jesus concebeu ser o valor particular para Ele mesmo em Sua ressurreição? A resposta está naquelas palavras que lemos em Lucas 12.49,50: ‘Eu vim para lançar fogo sobre a terra... E como gostaria que já estivesse aceso!... Tenho um batismo para ser batizado, e como me contenho até que isto se suceda!’ Não há dúvida de que Ele está falando sobre o batismo de Sua Cruz e paixão; e Ele está olhando através do batismo e pensando do outro lado como Sua libertação. Assim, a primeira coisa sobre esses quarenta dias é que isto significava a libertação do Senhor. ‘Como estou Eu limitado, como estou Eu contido, como estou Eu confinado! Eu vim para lançar fogo _ para incendiar toda a terra: mas aqui estou Eu, amarrado a essas poucas milhas de um pequeno país, preso ao tempo, preso a todas as condições de vida aqui’. Oh, quão limitado Ele era! Limitado em Seu próprio movimento, limitado em Seus discípulos, limitado de toda forma. Ele estava desejando ficar livre, estar solto, ser liberto. Ele olhou para a ressurreição como Sua libertação, e para a cruz como o caminho para ela.
Agora, o Senhor tinha, no começo de Seu ministério, feito uma grande declaração. Você se lembra de que o primeiro registro do Seu ministério foi em Nazaré, quando Ele tomou Isaías 61 e disse dos sete aspectos de Seu ministério: ‘O Espírito do Senhor está sobre Mim...Ele me enviou para proclamar libertação aos cativos... para proclamar o ano aceitável do Senhor’ (Luc 4.16-19). Agora não há dúvida de que em Sua mente Ele estava pensando sobre o ano do Jubileu: porque essas palavras de Isaías são um eco das palavras usadas em Levítico 25.10, concernente ao ano do jubileu, o ano qüinquagésimo, o ano da libertação, quando todas as coisas que estavam em servidão _ homem, mulher, criança, casas, terra, e tudo mais _ tinha que ficar livre. E assim, já no início de Seu ministério, Ele disse: ‘Vim por causa do Jubileu de Deus, o qüinquagésimo ano de Deus, o ano da libertação do Senhor’.
Do êxodo de Israel ao início do ministério do Senhor Jesus, houve trinta jubileus _ um interessante pedaço da Bíblia para o seu estudo, caso queira! Aqui está começando o trigésimo jubileu. Agora, quando o Senhor Jesus fez a declaração nas palavras da Escritura _ ‘liberdade aos cativos... restauração da vista aos cegos... liberdade aos oprimidos’ _ Ele sabia o que dizia. Ele declarou que tinha vindo para trazer o maior de todos os jubileus. A realização, o real cumprimento daquilo, estava ainda um pouco adiante _ talvez trinta e três anos à frente _ mas  isto se efetivou durante, e como resultado dos quarenta dias.
Efetivou-se, antes de tudo, em relação a Ele próprio. Pela ressurreição Ele alcançou a Sua própria libertação, Sua total emancipação. Ele estava livre. Veja-O agora: nenhum confinamento geográfico pode detê-lo; _ Ele está livre de tudo isto. Nenhum limite de tempo pode prendê-lo; nenhum daqueles antigos  tipos de limitações e estreitezas podem detê-lo. O tempo já não importa, a distância já não importa: Ele está livre. No dia da Sua ressurreição Ele caminhou com os dois discípulos a Emaús, partiu o pão com eles, e... desapareceu! Eles correram de volta para Jerusalém, a fim de relatar _ porém Ele estava lá diante deles! Foi desta maneira o tempo todo. É um exercício instrutivo para registrar todas as marcas de Sua libertação durante aqueles quarenta dias.
Veja agora o que Ele está fazendo com esses discípulos, uma grande companhia que passa a ser o núcleo de Sua Igreja. Ele apareceu para mais de quatrocentas pessoas de uma vez só, diz Paulo (1 Co 15.6). O que está Ele fazendo? Ele está estabelecendo a evidência para o fato de que Ele agora não conhece limitações, Ele não conhece barreira, ou barreiras. Ele está livre! Esta é uma tremenda herança para a Igreja, para nós. Como estamos felizes por isso hoje! _ em perceber que a geografia não mais interessa, seja cinqüenta, ou quinhentas, ou cinco mil milhas; que o tempo também não importa _ nada disso mais importa. Ele está livre! É uma coisa tremenda para a Igreja ter isso estabelecido por meio de ‘muitas provas’. Nossa Versão Autorizada do Rei James costuma colocar em outras palavras _ ‘muitas provas infalíveis’. Mesmo que isto não esteja no texto original, o epíteto é plenamente aplicável.
 
A LIBERTAÇÃO DE SUA GENTE
Este era o Seu lado. Mas Ele não veio apenas para proclamar Sua própria libertação e garantir isto por meio da cruz. Havia o outro lado, a libertação do Seu povo: a libertação dos homens e a libertação da Igreja. Olhe para os homens antes: eles estavam terrivelmente presos em si mesmos, não estavam? Estavam manifestadamente limitados em todos os sentidos: em sua capacidade para as coisas espirituais, em sua compreensão, em sua inteligência espiritual. A palavra de Paulo aos coríntios poderia muito bem ser aplicadas a eles: ‘estais estreitados em vossos próprios afetos’ (2 Co 6.12). Mas olhe para a libertação deles nesses dias! Não há dúvida que isto aconteceu _ e está acontecendo o tempo todo: você pode vê-la crescendo! Eles estavam livres. Você tem apenas que pensar na diferença entre Pedro no saguão do julgamento e Pedro no dia do Pentecoste. Um homem limitado, preso, estreitado, vencido; o outro Pedro _ um homem emancipado.
Com todos eles foi desta forma. Era o ano do jubileu para eles! O Senhor Jesus o tinha proclamado; através de Sua ressurreição Ele o trouxe (o jubileu); e pelo envio do Espírito Santo no dia do jubileu, o qüinquagésimo dia (‘Pentecoste significa ‘quinquagésimo’), Ele finalmente o tinha selado. O qüinquagésimo ano é jubileu, e o Pentecoste é o qüinquagésimo dia. Sim, é jubileu, é libertação; tudo leva este selo. E assim, o Pentecoste foi a coroa daqueles cinqüenta dias, e  o cumprimento especialmente dos valores dos quarenta. Era o dia da libertação deles!
Se você e eu realmente experimentássemos o benefício daqueles dias, nós, também, deveríamos ser homens e mulheres livres. Pense em Tomé. Alguma outra pessoa estava mais presa do que ele? Ele estava amarrado consigo mesmo, e amarrado com o seu próprio temperamento. Ele tinha aquele tipo de temperamento, você sabe, que não cria em nada, a menos que houvesse prova absoluta. Jamais aceitava a palavra de alguém _ tudo tinha que ser provado e demonstrado. Que sujeito infeliz ele era! ‘Exceto se eu ver...jamais crerei’ (Jo 20.25). Isto o prendeu numa pequena prisão de sua própria alma. Nenhum evangelho, nenhuma boa notícia, nem mesmo a melhor notícia que você possa trazer, é boa o suficiente para alguém como ele, porque pessoas assim não irão aceitá-la, simplesmente não podem crer. ‘Sim, mas isto é apenas, a final de contas, o que você diz’ _  Esta é a reação delas. ‘Você diz isto, você crê nisto: Eu não tenho prova de que isto é assim’. O pobre Tomé é o representante de toda turma temperamental.
Mas olhe para o homem alguns dias mais tarde. O Senhor logo esclareceu tudo isto para Tomé _ esclareceu tão exaustivamente que quando, oito dias mais tarde, ele foi convidado pelo Senhor, com as palavras: ‘Põe aqui a tua mão...’, a fim de considerar e provar a evidência por ele mesmo, nunca foi registrado que ele fez isso. Ele podia apenas dizer: ‘Meu Senhor e meu Deus’. Ele está rendido _ e esta libertação veio durante os quarenta dias. Então eles se tornaram homens livres! Lá estavam eles, permanecendo em pé juntos no dia de Pentecoste _ homens livres! A ressurreição do Senhor Jesus pode ter este efeito em você e em mim. Pode nos libertar de nós mesmos e de nosso próprio pequeno mundo _ e graças a Deus que ela faz isto, se entrarmos vitalmente nela. Se você não conhecer isto por experiência, contudo isto é sua herança. Esses quarenta dias não são apenas um capítulo na história; o valor deles é a sua herança: é para você _ para todos nós. Isto não é um ponto doutrinário; isto é um poder atual  para cada vida, oferecido para que nos agarremos por fé, para a nossa libertação de nós mesmos. Era o ano da libertação deles, mas também é o ano para a nossa libertação, para a libertação da Igreja. O jubileu ainda não acabou.
 
A REUNIÃO DO REBANHO DISPERSO
Chegamos agora a terceira coisa. O Senhor Jesus tinha dito a eles, quando estava indo para a Cruz, quando estava com eles no monte das oliveiras nas últimas horas antes da paixão: ‘Todos vocês se escandalizarão de Mim esta noite: pois está escrito, ‘ferirei o pastor, e as ovelhas serão dispersas por todos os lugares’ (Mt 26.31). Que dispersão foi aquela! Todos eles O abandonaram; foram quebrados em fragmentos, ‘por todos os lugares’, como podemos dizer, como um vaso quebrado. Eles estavam exteriormente em pedaços, como um bando, e interiormente em pedaços, como homens. Sua palavra ‘dispersos’  foi verdadeiramente cumprida. Agora olhe para os quarenta dias. O que Ele está fazendo? Ele está ajuntando novamente todos os pedaços, Ele está colhendo todos os fragmentos. Aqui e ali, e acolá, Ele está encontrando esses pedaços. Dois tinham ido nesta direção, um está aqui, os outros estão lá; não há qualquer sinal de qualquer unidade sobre eles. Mas, agora, durante os quarenta dias, Ele está achando a todos, colhendo-os, ajuntando-os. Ao final Ele tem todos reunidos, e numa união que nunca antes tinha havido, numa união que eles jamais tinham conhecido. Este é o valor dos quarenta dias.
Mas lembre-se, as coisas não poderiam ter sido de outra forma. Havia todos os elementos de desintegração neles antes, e assim tinha que ser _ não poderia ser de outra forma. Agora precisamos pensar sobre isso, porque naqueles onze homens você tem a Igreja em representação. Eles são um quadro da igreja em divisão, todos quebrados em fragmentos, sem qualquer confidência mútua _ suspeitando um do outro, não crendo um no outro _ uma Igreja quebrada, uma Igreja dividida, uma Igreja dispersa. Era assim que eles estavam, simplesmente por causa das condições que  estavam neles antes da cruz; o quadro estava lá para isso. Mas apenas pense: eles tinham tido uma associação com Ele por três anos e meio, eles o acompanharam durante todo aquele tempo, eles estavam sob a Sua influência  e palavra, eles ouviram todo o Seu ensino, viram Suas obras _ eram os Seus discípulos; e, contudo, havia todo esse potencial latente que tornou possível essas divisões e suspeitas, e questionamentos.
Se o nosso relacionamento com o Senhor Jesus é algo meramente objetivo e externo: se é uma questão de conhecer o Seu ensino _ naturalmente crendo que o Seu ensino está correto _ e de ter alguma medida de devoção a Ele: todo aquele tipo de relacionamento doutrinário, teológico e histórico com o Senhor Jesus, porém carecendo de algo profunda e drasticamente trabalhado no interior; carecendo daquela ação tremenda da Cruz, a fim de quebrar o homem natural e abrir o caminho para algo do Céu: então, isto pode e será obtido. Dizendo assim, estou dizendo mais do que as minhas palavras podem transmitir. Porém, muito freqüentemente, esta é a situação de toda dispersão e divisão, e brigas, e suspeitas, e questionamentos, e de qualquer outra coisa. A cruz não fez a sua obra para quebrar o homem natural _ até mesmo em seu relacionamento com Cristo, em sua apreensão das coisas de Cristo; para quebrar toda a sua vida natural e, por assim dizer, parti-lo amplamente para algo do céu. Há uma longa, longa história ligada numa afirmação como esta, e uma terrível história. E assim, este é o porquê de eu dizer que a dispersão e o desapontamento deles não foram apenas porque Cristo foi crucificado: foi porque as sementes daquela dispersão estavam neles _ o potencial já estava lá.
Mas agora, o que aconteceu? Eles foram quebrados e espalhados, e agora uma nova condição está sendo colocada, a condição de uma outra vida e de um outro tipo de conhecimento do Senhor. Esta é a grande coisa sobre os quarenta dias. Eles jamais haviam-No conhecido desta forma antes. De fato, eles  algumas vezes encontram dificuldade em crer que é Ele. ‘Quando eles O viram.. alguns duvidaram’ (Mat 28.17). ‘É Ele?’ Quando Ele primeiramente encontrou com eles que vinham do túmulo, Ele tinha dito: ‘Não temam...’ (V. 10). Não, eles ainda não estavam seguros. Este é um outro tipo de conhecimento Dele; é conhecê-Lo numa outra esfera. Paulo disse: ‘Embora tenhamos conhecido a Cristo na carne, contudo agora já não O conhecemos mais desta maneira’ (2 Co 5.16). Daquela maneira, não mais! Este é um diferente tipo de conhecimento Dele, como a base essencial de uma verdadeira unidade: um conhecimento que veio, por um lado, através de uma terrível dispersão de todo conhecimento natural, e, por outro lado, através de uma nova vinda do Senhor, pessoalmente, para aqueles que tinham sido dispersos. É sempre desta maneira. Até que tenhamos sido quebrados, não estamos numa posição para o Senhor vir e nos mostrar as coisas maiores, as coisas mais profundas, as coisas verdadeiras. Esses são princípios permanentes.
E assim, Ele os uniu _ ou devemos dizer ‘reuniu’ _ e, então, sobre esta base de um novo tipo de vida, sobre um novo tipo de conhecimento dEle mesmo, Ele estabeleceu entre os discípulos uma unidade totalmente nova. Eles estão libertos da esfera de suas próprias vidas agora; eles estão agora na dimensão da vida dEle. A vida deles era uma vida dividida; a vida dEle é uma vida que une. Podemos muito bem dizer que somos ‘um em Cristo’ porque todos nós compartilhamos de uma mesma vida. Naturalmente, isto é verdade, porém pode ser uma afirmação bastante superficial. Nós de fato somente entramos no valor prático desta Vida se a Cruz fez algo em nós. A expressão prática de unidade desta Vida requer esta obra profunda da Cruz. Que somos todos um em Cristo, porque compartilhamos de Sua Vida, a Vida eterna que Ele nos deu, pode ser posicionalmente verdadeira; porém a expressão disso ainda pode estar faltando.
Não é isto verdadeiro hoje? Podemos dizer que todos os verdadeiros crentes no Senhor Jesus Cristo, que receberam a dádiva da vida eterna, são um _ um por causa da Vida que compartilham com Ele e nEle. Sim, porém, olhe para a expressão disto entre os cristãos! Onde está a manifestação de unidade desta vida? Isto está tragicamente faltando. Com os discípulos, a manifestação disto aconteceu quando a Cruz tinha feito sua obra profunda em suas vidas naturais, e os trouxe para um outro terreno, onde toda a sua apreensão e conhecimento dEle era espiritual. Estava num terreno de algo tremendo que estava acontecendo dentro deles. Aqueles quarenta dias não foram apenas dias de coisas acontecendo a eles: você poderia ver algo correspondentemente acontecendo neles o tempo todo. Antes, quando Ele fez uma leve referência, ou deu uma pista de Sua partida, eles ficaram consternados e aterrorizados. Agora, eles estão se movendo rapidamente em direção a um lugar onde, longe de se sentirem consternados por estar Ele se apartando dEles, eles estão muito felizes com isso _ cheios de alegria. Todo aquele medo tinha sumido; está tudo bem agora. Quando Ele aparece, durante os quarenta dias, algo está acontecendo dentro deles.
 
A NOVA DISPERSÃO
Há um outro fator aqui que para mim é de grande significado e conforto. Você  lembra que não foi muito tempo depois disto que a perseguição se levantou sobre Estevão, e todos eles foram dispersos mais uma vez (At 8.1,4; 11.19). Eles foram todos dispersos _ e agora é perfeitamente seguro para eles serem dispersos. A antiga dispersão foi uma coisa devastadora: tudo perda, tudo fraqueza _ tudo errado. Porém eles podem ser dispersos para qualquer lugar, por todo o mundo, agora, e isto é tão seguro quanto a eternidade. Uma vez que a coisa é feita por dentro, está tudo certo, tudo bem. Um etíope não mais precisa de um Felipe para aprender: ele pode seguir seu próprio caminho, regozijando, sem Felipe ou qualquer outra pessoa, quando a coisa é feita no interior. Quando isto tem acontecido, podemos ter confiança de que as pessoas irão prosseguir. Graças a Deus que é desta forma! Pode haver  perseguição, dispersão, prisões, mas eles seguem adiante.
 
Esses, então, e muitos outros, são os valores que surgiram daqueles quarenta dias. Porém, lembremo-nos de que  isto está aqui na Palavra para nós, foi passado de mão em mão para nós. Não é apenas história, história da Igreja, daquilo que aconteceu muito tempo atrás. Este livro de Atos _ que, como dissemos, pode muito bem ser chamado de ‘O Livro da Libertação do Senhor’ _ é dado para a igreja como a base da vida da igreja. É para nós mesmos, e nós temos uma tremenda herança nesses quarenta dias. Se tão somente estivéssemos estabelecidos sobre aqueles valores, que diferença isto iria fazer!
 
Deixe-me enfatizar uma vez mais aquele fator da re-união e da consolidação em uma nova comunhão. Isto é o que é necessário. Não é a deplorável atual situação entre os cristãos, com todos os fragmentos e divisões, todos os questionamentos e suspeitas, e assim por diante, não é isto uma prova clara de que os crentes não estão realmente permanecendo no significado daquilo que foi realizado na Cruz, em destruindo o campo natural e a vida natural, e abrindo espaço para a espiritual e celestial? Isto é onde tudo está focado. Quanto mais profundo a cruz opera em nós, tratando com a nossa vida natural em todas as suas formas, mais ficamos abertos para a vida celestial, e tanto mais ficaremos unidos e estabelecidos. Esta é uma afirmação de fato, mas também é uma prova real de nossa própria posição.
 
Creio que falei o suficiente, a fim de mostrar que esses quarenta dias foram muito, muito importantes, e que eles permanecem por todos os tempos como a época mais significativa para a vida da Igreja.
 
 
CAPÍTULO 5 _ A ASCENSÃO E A GLORIFICAÇÃO DO SENHOR JESUS
‘Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, a respeito de tudo o que Jesus começou a fazer e a ensinar, até o dia no qual foi recebido em cima, após ter dado mandamento através do Espírito Santo aos apóstolos a quem Ele escolheu’ (At 1.1,2).
 
‘Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte’ (Hb 2.9).
 
‘Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome; ’ (Fp 2.9).
 
Nós não temos dado importância suficiente à ascensão. Valorizamos bastante o nascimento do Senhor Jesus; muita importância é dada à Sua ressurreição; e  certo valor é dado ao Pentecostes: porém à ascensão é dada muito pouca atenção, quase passa desapercebida. Contudo ela tem uma significação imensa: é ela, de fato, um dos maiores aspectos na escala da obra da redenção. Não a considere, e a escala ficará incompleta.
 
Temos falado sobre a Oitava, a escala ascendente. O som, como sabemos, é produzido pelas vibrações no ar, porém ele é discernido por meio de um maravilhoso mecanismo no ouvido. No ouvido humano há uma  pequena estrutura, como uma pequena harpa, que não tem menos do que 10.000 cordas. Quando o som a alcança, a corda correspondente aquele som vibra, e a vibração é transmitida, é interpretada pelo cérebro, de modo que sejamos capazes de distinguir os diferentes sons e reconhecer a sua origem. Agora, na escala, ou a oitava, quanto mais alto subimos, mais vibrações obtemos. Existem apenas, comparativamente, poucas vibrações nas notas baixas. Mas quanto mais subimos, mais vibrações há, e quanto mais vivo e afinado o ouvido precisa estar. Há alguns sons que são tão altos que o ouvido humano não pode escutá-los.
 
Minha observação é apenas esta: que quanto mais alto chegarmos nas coisas espirituais, mais sensíveis precisamos ser, a fim de discernir. Talvez o Senhor tivesse isto em mente quando disse: ‘Aquele que tem ouvidos, ouça’ (Mt 11.15). É necessário haver uma resposta correspondente àquilo que está sendo dito. E, quando chegamos à ascensão, começamos bem em cima na escala. Aqui está algo de muitíssima importância em toda a oitava de redenção. É um grande ponto de virada, sobre o qual tudo gira. Temos que tentar agora responder de maneira breve a pergunta: Por que a ascensão e a glorificação?
 
A ALEGRIA DOS DISCÍPULOS
 
É seguramente um dos argumentos mais fortes da ressurreição do Senhor Jesus que os discípulos, e aqueles que tiveram estado com Ele durante Sua vida terrena, ficaram tão alegres finalmente em deixá-lo partir. Como já salientamos anteriormente, sempre que Ele se referia a Sua partida que estava próxima, essa idéia aterrorizava e consternava os seus corações. De fato, aquelas palavras de Jesus, registradas em João 14 _ ‘Não se turbe o vosso coração’ _  foram faladas exatamente por causa disso. Ele estava falando sobre a Sua partida, e eles ficaram cheios de perplexidade  e desânimo. Se Ele partisse, eles não viam esperança alguma, nenhum futuro: tudo para eles simplesmente iria se desintegrar. Eles não podiam suportar pensar em Sua partida. Quanto de Seu tempo, naqueles dias derradeiros com eles, foi ocupado com esta matéria da Sua partida, e com os Seus esforços de acalmar os temores deles, e  renová-los! Eles não podiam aceitar isto. Foi uma sombra escura no horizonte deles.
 
Porém aqui, quando chegou a hora da partida, que mudança! Nenhum sinal de tristeza de qualquer espécie. Ele ergue as Suas mãos e os abençoa, e, enquanto assim o faz, é recebido em cima, no Céu, fora da vista deles. Não há qualquer sugestão de terror, ou até mesmo de perda.  Se pudermos discernir corretamente a atmosfera, aquele momento foi tudo, menos de tristeza. Algo tinha acontecido que os fez perceber que tudo o que Ele tinha dito sobre isto era verdade. Esta não foi uma ocasião para pior, mas sim infinitamente para melhor. Eles ‘retornaram para Jerusalém com grande alegria’ (Lucas 24.52). Algo tinha acontecido. Repito: Penso que uma mudança tal como esta que aconteceu com eles seja o argumento mais forte da ressurreição. E sinto que você e eu, e todo o povo de Deus de hoje, precisamos tirar algo disto que estava no coração deles. Precisamos capturar alguma daquela alegria _ que o Senhor tenha ‘ascendido’ (Os. 47:5)! Nós não O perdemos; pelo contrário, por Ele ter voltado para o Pai, temos nós grande ganho. Nosso ganho em Sua partida é algo sobre o qual refletir.
 
UM NOVO COMEÇO
 
Voltemos à nossa pergunta novamente: Por que a Ascensão e a Glorificação? Para começar, foi um ponto de virada na dispensação; marcou um novo início de coisas. Temos um vislumbre do que estava acontecendo a partir de alguns salmos. Salmo 22: ‘Meu Deus, Meu Deus, por que Me abandonaste?’; salmo 24 (que seguramente é um salmo profético): ‘Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó entradas eternas, e entrará o Rei da Glória.’ (v.7; A.S.V). Se o salmo 24 começa, como diz: ‘Do Senhor é a terra...’, e continua: ‘Quem subirá ao monte do Senhor, ou quem estará no seu lugar santo?’ (v.3), a resposta está no salmo 23. É o Pastor das ovelhas quem irá ‘habitar na casa do Senhor para sempre’ (v.6). É Ele quem sobe para o monte do Senhor, quem de ‘mãos limpas e coração puro, que não entrega a sua alma à vaidade’ (24.4). É Ele. E agora os portais eternos estão esperando por Ele.
 
Assim podemos capturar o quadro. É como se o Céu estivesse em suspense, e a terra em silêncio. Há uma pausa. Todo o salmo 22  já  executado _ a terrível cruz, o terrível abandono, a desolação. Ele foi colocado na sepultura. E agora Deus o ressuscitou dos mortos. Mas o Céu está esperando por algo. E, então, sai o brado: Ele está vindo! Os anjos e as hostes celestiais gritam: ‘Ele está a caminho, Ele está vindo: abram os portais para Ele!’ É o quadro de Sua ascensão, Sua exaltação, de Seu regresso ao Céu. O ponto é que tudo estava esperando por isto. Nada mais poderia acontecer até que isto acontecesse. Sim, a preparação foi feita lá em baixo, na terra; todo serviço foi feito pela cruz; tudo está pronto. Mas no Céu a disposição é: ‘Estamos esperando _ não podemos prosseguir até que Ele esteja de volta aqui, até que Ele esteja em Seu lugar’. Tudo espera por isso. Tudo está em suspense até que isto aconteça. Esta ascensão, esta exaltação, esta glorificação do Senhor Jesus é algo momentâneo. Isto deve, portanto, ter algum significado muito grande para nós.
 
TUDO AGORA ESTÁ CENTRADO NO CÉU
 
Eu dizia que isto é um novo início, para a qual toda a preparação foi feita na cruz. Qual é o novo começo? Bem, uma tremenda mudança aconteceu na característica, na natureza da dispensação. Na velha dispensação, sob a velha aliança, tudo estava centrado num lugar sobre esta terra, e numa nação entre as nações: Jerusalém é o ponto focal, a Palestina é o país, os judeus a nação. Tudo centrado lá; focalizado sobre algo terreno, algo temporal e algo transitório _ algo, de fato, que era capaz de completo colapso, e isto foi feito. Agora a coisa toda foi removida da terra, e o ponto focal de tudo está no Céu. O Céu detém o centro de todos os interesses Divinos, a fonte  de, e os recursos para todas as atividades Divinas. O Céu é o lugar agora _ pois Ele próprio está lá! A nova dispensação é marcada por isto: mas, oh, isto a Igreja nunca esqueceu, nem falhou em ver! O centro, o quartel general, o lugar de governo está agora no Céu, além do alcance e do toque do tempo, da terra, de mudança e da possibilidade de colapso! Estamos nós tão familiarizados com o ensino para sermos lembrados que a Igreja é agora um povo celestial, e não terreno, e que todas as nossas bênçãos espirituais estão nos lugares celestiais em Cristo Jesus (Ef 1.3)? Mas isto realmente tem alguns significados muito práticos.
 
Considere isto sobre o Senhor Jesus, por exemplo. Quando Ele estava aqui na terra, Ele estava, numa forma de falar, à mercê dos homens e coisas; Ele era governado muito pelas condições terrenas. Os homens podiam ameaçá-Lo como quisessem – e eles o fizeram. É uma coisa realmente espantosa, não é, que eles pudessem ter ameaçado o Deus encarnado como eles fizeram? E, finalmente, eles o levaram  para a Sua morte. Foi assim que eles O ameaçaram, como eles manobrá-Lo com Ele _ falando de um ponto do vista  do mundo e dos homens. Porém, ninguém pode fazer isto agora: ninguém pode tocá-Lo agora, ninguém pode de algum modo  controlá-Lo agora. Ele está muito acima de tais condições e possibilidades. Não traz um tremendo descanso, satisfação, e conforto para os nossos corações saber disto? Ele está fora do alcance de todas essas coisas que são contra Ele. Ele está além do toque de todas as forças antagônicas que buscam Sua destruição. Ele está muito acima de todas elas, acima de todo governante e autoridade, e principado, e poder (Ef 1.21), absolutamente seguro, e nós não precisamos ter nem sequer um momento de medo por Ele, nem ter um momento de intranqüilidade.
 
A VERDADEIRA IGREJA AGORA COM CRISTO NO CÉU
 
Por que estou dizendo isto? Porque é de um valor e de uma aplicação prática muito grande. Pois a Igreja é um corpo celestial, que está assentada junto com Ele (Ef 2.6). Nós, portanto, não precisamos ter nenhum momento de preocupação a respeito da verdadeira Igreja. Desça para a terra e veja como os homens se preocupam com as suas ‘igrejas’, e suas ‘coisas’. Eles têm que cuidar da ‘coisa’: têm que tomar conta dela, te que mantê-la. São os administradores dessa coisa, e cuidam zelosa e ferozmente dela. Quanta preocupação eles têm, e quantos problemas _ tão somente porque é algo terreno que precisa ser cuidado. Que coisa grandiosa é, então, ficar no campo da Igreja celestial, onde não há necessidade de se preocupar em tentar preservar algo e mantê-lo funcionando, e ver que ele não acaba! Aí está toda a diferença quando você está no campo celestial. Você não precisa se preocupar ou se desgastar para manter a coisa funcionando, caso contrário de desintegraria, e você ficaria sem o seu ‘brinquedinho’, sem  a coisa pela qual vocês gastam todo o seu tempo e recursos. Uma coisa celestial está sob a custódia de Alguém que _ graças a Deus _ está acima de todas essas coisas, e em descanso.
 
Isto é o que Jesus disse: ‘Na casa de Meu Pai há muitas moradas... Vou preparar lugar para vós’ (Jo 14.2). Quando você entra no terreno celestial, você chega ao descanso, da mesma forma como Ele entrou no descanso. Você não precisa se preocupar _ apenas se mantenha neste terreno. Se você for se preocupar _ se tiver que se preocupar _ preocupe-se, então, em não descer para o campo terreno, pois este é o campo da preocupação. Mantenha-se em cima. As coisas celestiais estão seguras _ sob a guarda de Alguém que está ‘acima de todas as coisas’.
 
Mas a coisa significa mais do que isto. ‘Todas as  bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo’, e nós assentados lá com Ele. Esta união celestial com Cristo significa tal abundância, tal plenitude, que jamais precisamos nos preocupar com os suprimentos espirituais. É simplesmente maravilhoso que os recursos, que os suprimentos, virão, se tão somente permanecermos no campo certo, na posição correta. Se você estiver espiritualmente sobre esta terra (uma contradição em termos!), terá que se preocupar com os suprimentos. Se você estiver aqui em baixo, no nível natural de ministério, apenas veja quão difícil terá que trabalhar a fim de conseguir que alguma coisa aconteça. Mas suba para o Céu aberto, no campo celestial, e toda benção espiritual, abundância, plenitude, seguirá. Elas não são coisas abstratas; são realidades. É um dos milagres do sustento celestial _ o suprimento que nunca acaba ao longo de todo o caminho. Você sente que chegou ao final, e que não há mais nada e, então, lá vem uma outra plenitude; e novamente você parece ter exaurido tudo, e não tem um outro bocado _ e, contudo, uma outra plenitude  chega. Toda vez que Ele quer, e que haja necessidade de algo, é desta forma. E, assim, você prossegue através dos anos.
 
Tudo isto é uma parte dEle estar no Céu, e da Igreja estar unida com Ele no Céu. Esta é uma parte da resposta para a nossa pergunta: Por que a ascensão e a glorificação do nosso Senhor Jesus?
 
A ATESTAÇÃO DE DEUS PARA UMA VITÓRIA CELESTIAL
 
Mas, além disso, A Sua ascensão e Sua glorificação é a própria atestação de Deus de Sua Pessoa e obra. Isto é o que as Escrituras dizem. Este é o significado de passagens tais como: ‘Ora, ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem, que está no céu.’ (Jo 3.13) Esta é a atestação de Sua Pessoa. Temos percebido que o Salmo 24 segue o Salmo 22. O Salmo 24  é a atestação da Pessoa que no Salmo 22 clamou: ‘Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?’  O Céu irrompe em atestar aquela Pessoa e A Sua obra na Cruz. No início deste capítulo, lemos Filipenses 2.9: ‘Por isso’ _ através da ‘obediência até a morte, e morte de cruz’ _ ‘Deus o exaltou soberanamente’. Esta é a atestação Dele e da Sua obra. O mesmo é verdade sobre a passagem que lemos em Hebreus 2.9: ‘Vemos, porém, coroado de honra e glória... por causa da paixão da morte’ Sua exaltação e glorificação proclamam a Sua vitória. ‘Quem é o Rei da Glória?’ ‘O Senhor Poderoso na batalha’ ( Sl. 24.10,8). Ele entra, e proclama a Sua vitória.
 
Agora, embora possamos estar familiarizados com isto, e isto possa não ser uma informação nova para nós, é muito necessário mantermos em mente que o real conflito e a real vitória estavam nos lugares celestiais. O conflito não era contra carne e sangue, não era contra os líderes judeus, não era contra os oficiais romanos, ou contra o Império Romano em si. Por trás de todas essas coisas estava um outro, um império espiritual, invisível, porém, muito real, e nós o conhecemos. Foi nesse campo que o real conflito aconteceu. Foi o encontro entre dois reinos e impérios espirituais, e foi lá que a real vitória foi ganha. Foi uma vitória sobre esses ‘principados e potestades, e dominadores das trevas, e hostes da maldade’. Ele foi por detrás deste sistema mundial exteriorizado e enfrentou tudo que lá havia; e foi nesse território que ele estabeleceu a Sua vitória.
 
É verdade que as dificuldades surgem em nossas mentes quando vemos as coisas indo mal _ um Tiago morto, um Estevão martirizado, milhares lançados para dentro da arena e despedaçados; quando, como hoje, vemos incontáveis lares e famílias arruinadas, e servas e filhos de Deus lançados na prisão. Não é difícil imaginar _ Será que Ele está no trono? Será  verdade que Ele está acima de tudo? Mas o Reino Dele é uma coisa a ‘longo prazo’, se formos usar a expressão. Talvez você tenha visto uma corrida de corredores de trilha em que há notável e famoso atleta. Começa a corrida, e ele parece ser o mais indiferente de todos. Ele deixa que todos passem à sua frente, e, ao passarem à sua frente, não há o menor sinal de ansiedade em sua face. Ele os deixa seguirem a frente. Todo mundo pensa que eles estão ganhando e que ele está derrotado. Porém _ espere até o final. Ele possui uma reserva tal de energia que, no último minuto, quando todos os demais já esgotaram as suas reservas, ele recorre às suas reservas e vence a corrida muito facilmente. É a tremenda vitória de competência e reserva.
 
O Senhor Jesus é desta forma. Isto é exatamente o que está acontecendo hoje. Parece que Seu rival está passando na frente, e não parece nem um pouco que o Senhor esteja preocupado com isso. Nós não conseguimos descobrir nenhum sinal de ansiedade, ou  de preocupação, ou de agito em relação ao Senhor. Não é que ele esteja indiferente, mas ele sabe quais são as Suas reservas _ Ele sabe o que ele pode fazer. E novamente, e mais uma vez, está provado que é desta forma.  No final Ele chega em primeiro _ Ele venceu a corrida. Ele fez isto sobre o Império Romano no início, e Ele tem feito isto repetidamente desde então. Ele apenas deixa o inimigo passar na frente, dando a entender que ele está na vantagem, e, então, com a Sua competência e reservas infinitas, Ele toma conta da situação _ Ele tem colecionado todos os prêmios.
 
A GARANTIA DA VITÓRIA FINAL
 
É desta forma para a Igreja. Podemos sentir hoje que o inimigo está prosperando em seu caminho. Às vezes parece  que é como se o Senhor estivesse muito atrás do inimigo. Porém, espere! Ele disse para os Seus discípulos, como última palavra: ‘Estou convosco...até a consumação dos séculos’ (Mt. 28.20); ‘Vou estar lá no final’. O Senhor Jesus não ficará de fora no final, Ele estará lá. Será o inimigo quem ficará de fora.
 
Em dias como os nossos, penso que precisamos reunir algo da força, da consolidação e da ajuda dessa verdade. Poderíamos facilmente ficar oprimidos. Alguns anos atrás, ouvimos, do longínquo Leste, sobre a prisão em todo o país de milhares de irmãos, irmãs, e obreiros, que tinham servido ao Senhor plena e fielmente por muitos anos. Podemos não ter a mesma história real de sofrimento físico e prisão que eles tiveram, mas estamos na mesma batalha, e o espírito da opressão é terrível. A atmosfera está simplesmente cheia de antagonismo. Precisamos de ajuda, encorajamento. E de onde pode vir esta ajuda, senão do fato de que Ele, o Senhor, subiu nas alturas, e está lá no trono?
 
Esta é apenas a primeira coisa sobre isto, mas é algo muito mais poderoso. Isto é apresentado a nós  na Escritura, do efeito manifesto que tinha sobre aqueles que estavam lá. E devemos lembrar que Lucas era um historiador muito meticuloso. Ele nos conta que se esforçou muito em procurar e reunir os dados corretamente, acuradamente. Lucas jamais colocaria isto em seu registro se ele tivesse tido qualquer dúvida a respeito. Ele tinha muitas evidências para tudo que escreveu em seu livro de Atos. Aqui você tem esses homens, sob circunstâncias e condições que teria naturalmente resultado em algo bem ao contrário, exatamente este _  triunfante, positivamente triunfante! O Senhor os deixara, tendo sido recebido por uma nuvem fora da vista deles. Ele tinha ido: O que eles deveriam sentir? Porém, eles não estão tristes. Eles vão triunfantes, e para triunfar, porque Ele tinha subido!
 
A exaltação do Senhor Jesus é aqui apresentada para a nossa fé como uma grande nota na oitava de redenção. O conhecimento de que o Senhor  está em cima tem a finalidade de nos redimir do medo e da incerteza, de nos redimir da depressão esmagadora no dia de aparente calamidade. É como se o Espírito Santo procurasse dizer, se não em palavras, em efeito, naqueles que estão sofrendo: ‘Está tudo bem _ Ele está no trono! Jesus reina _ Ele está no trono _ Ele está exaltado nas alturas!’ Creio que essas pessoas irão vencer por causa desta verdade. É um grande fator na redenção
 
UM HOMEM REPRESENTANTE ALCANÇOU O OBJETIVO
 
Mas eu disse que isto é apenas uma parte da grande verdade. Há uma outra parte maior da qual podemos apenas dar uma ‘dica’ agora. ‘Que seria, pois, se vísseis subir o Filho do homem para onde primeiro estava?’ (Jo. 6.62) ‘O Filho do Homem subir...’ Este título é indicativo de uma grande e maravilhosa verdade. Ele nos traz direto para a Carta aos Hebreus. ‘Mas em certo lugar testificou alguém, dizendo:Que é o homem, para que dele te lembres? Ou o filho do homem, para que o visites? Tu o fizeste um pouco menor do que os anjos, de glória e de honra o coroaste, e o constituíste sobre as obras de tuas mãos; todas as coisas lhe sujeitaste debaixo dos pés. Ora, visto que lhe sujeitou todas as coisas, nada deixou que lhe não esteja sujeito. Mas agora ainda não vemos que todas as coisas lhe estejam sujeitas.’ (Hb. 2.6-8) O homem ainda não chegou naquilo para o qual foi criado; isto não está todo realizado ainda. ‘Vemos, porém, coroado de glória e de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos.’ (v.9). O que significa tudo isto?
 
Aqui está o Filho do Homem, em Quem, como o Primeiro, foi realizado toda a intenção Divina em relação ao homem, a Sua criação. Seria proveitoso, à esta altura, entrar em um estudo detalhado da Carta aos Hebreus, especialmente nos seus primeiros capítulos. ‘Porque não foi aos anjos que sujeitou o mundo futuro, de que falamos. Mas em certo lugar testificou alguém, dizendo: Que é o homem, para que dele te lembres? Ou o filho do homem, para que o visites?’ (2.5,6). A sujeição ao homem da futura terra habitada é o que está em vista. Nós ainda não vemos toda esta sujeição ao homem; mas vemos o seu Representante no Céu, com todas as coisas sujeitas a Ele, para o homem. Está assegurado para o homem no Homem Representante no Céu.
 
O escritor continua: ‘Por isso, irmãos santos, participantes da vocação celestial... ’ (3.1). É tudo de um pedaço, você vê. A ‘vocação celestial’ _ O que é?  Estar em sociedade com Ele, em parceria com ele _ ‘Porque, assim o que santifica, como os que são santificados, são todos de um; por cuja causa não se envergonha de lhes chamar irmãos, dizendo: Anunciarei o teu nome a meus irmãos...’ (2.11,12). ‘Por isso, irmãos santos, participantes da vocação celestial...’ O que é isto? Ter o domínio sobre a terra habitada que está por vir. Ele está lá, tendo assegurado este propósito de Deus em Sua própria Pessoa, representando o povo, os ‘muitos filhos’ que Ele está ‘trazendo à glória’ (2.10). Este é o motivo pelo qual Ele ‘subiu nas alturas’ (Sl. 68.18; Ef.4.8). Significa um Homem instalado, em plena possessão da eterna intenção de Deus em relação ao homem; instalado lá como o primeiro de muitos filhos sendo trazidos à glória.
 
Talvez você pergunte: Qual é a diferença entre o governo celestial e o governo hoje, e aquele na velha dispensação? Pois os céus governavam. Nos dias de Daniel, os céus estavam governando (Dn. 4.26; cf. vv. 17,25,32). Sim, eles estavam governando na velha dispensação. Porém, qual é a diferença? Esta pergunta abre uma imensa porta, e toda esta carta aos Hebreus irá dar a resposta. É a grande diferença entre uma dispensação puramente terrena e temporal, e uma que é eterna, celestial, e espiritual. Isto compreende todas as diferenças que foram mencionadas nesta carta _ a carta das ‘melhores’ coisas. No governo celestial do Filho do Homem você chega a algo muito melhor do que a soberania geral de Deus na velha dispensação. Esta é uma matéria muito grande para considerarmos aqui, mas toda ela se centraliza na questão do por que Ele está lá na glória _ por que Ele subiu, por que Ele ascendeu e está glorificado. Isto implica algumas coisas muito grandes e desafiadoras do por que Jesus está no céu.
 
(1) A Encarnação
 
Vamos dar uma olhada sobre isso. A primeira nota, ou fase, da oitava, foi a encarnação do Filho de Deus: O Filho de Deus vindo em forma humana a este mundo. Você irá se lembrar de que tentamos explicar que houve um objeto tripartite na encarnação _ ele tinha três significados bem definidos. Primeiramente, a redenção do homem: vimos algo da natureza de homem, do qual o homem tinha que ser redimido; em segundo lugar, a re-constituição do homem ao padrão original de Deus; e, em terceiro, o aperfeiçoamento do homem. Essas três coisas foram absorvidas pelo Filho de Deus, sob o título de ‘O Filho Do Homem’, e pessoalmente em Si mesmo elas se tornaram reais. Ele não foi apenas o Redentor, mas Ele próprio era a Redenção. A Redenção se tornou uma Pessoa. Será que é necessário que eu defenda o que estou dizendo? Deixe-me repetir isto. Jesus não era apenas o Redentor, e a Redenção não foi apenas o que Ele fez: Ele esteve lá como  a corporificação e representação  pessoal da Redenção; Ele era a representação de homem redimido, do tipo de homem que iria surgir quando fosse redimido.
 
Ele, então, foi um como re-constituído de acordo com a mente de Deus; o Homem, em representação, reconstituído e diferente. E, em Si mesmo Ele foi ‘aperfeiçoado através dos sofrimentos’ (Hb 2.10). Ele representou o homem aperfeiçoado através dos sofrimentos e provas: não, naturalmente, no sentido de se tornar bom ou sem pecado, mas trazido à plenitude. Devemos sempre lembrar de que a palavra ‘perfeito’ na Bíblia  não significa apenas um estado: significa uma medida, uma maturidade, uma plenitude, uma inteireza, uma finalização, ou realização final de alguma coisa. Nele a perfeição não era fazer o homem melhor _ nada podia fazer isto _ mas poderia, como Homem, crescer. E Ele de fato cresceu. Observamos que foi dito duas vezes a respeito dos seus primeiros anos, primeiro à idade dos doze anos, e novamente mais pra frente, que Ele ‘crescia em sabedoria e estatura’, que ‘a graça de Deus estava sobre Ele’, e que Ele estava ‘no favor de Deus e dos homens’. (Lc 2.40,52). Ele crescia. E, então, quanto aos  três anos e meio, que aumento de paciência, que aumento de fé, que aumento de amor. Ele era o Homem aperfeiçoado, tornado perfeito por meio do sofrimento; isto é, Ele se tornou completo. Isto é encarnação.
 
(2) A Vida Terrena
 
Então consideramos a sua vida terrena. Como o vimos nos trinta anos, e, então, os três anos e meio, resumimos tudo dizendo: Aqui está o tipo de homem que Deus procura. Sob cada teste e prova, em todas as circunstâncias adversas, Ele é mostrado a nós como o tipo de homem que Deus deseja ter _ uma verdadeira humanidade: não, como dissemos, uma ‘teofonia’, uma mera visitação passageira de Deus em forma de homem, mas vivendo da infância até a maturidade de vida, como homem, e permanecendo lá como alguém aprovado por Deus, de quem Deus poderia dizer: ‘Nele está todo o meu prazer’ (Mt 3.17, 17:15), satisfazendo a Deus como Homem. Na vida terrena, lá está mostrada a nós, colocada diante de nós, o Homem que Deus deseja ter, o Homem que Deus procura.
 
Se tão somente tivéssemos olhos para ver, e entendimento para compreender, tudo o que Ele era em si mesmo, e todas aquelas leis e princípios pelos quais Ele era governado! Quão diferente Ele era de qualquer outro homem _ completamente diferente, um mistério para todos. ‘no meio de vós está um a quem vós não conheceis.’ (Jo. 1.26). Não era apenas que Ele era o Filho Divino manifestado em carne. Foi verdadeiramente provado que, mesmo como homem eles não podiam  compreendê-lo. O amigos mais íntimos não o compreendiam, ou falhavam em compreendê-lo. Há algo a respeito dele como Homem que é diferente e inexplicável. Mas Ele é o tipo de homem que Deus vai ter.
Eu deveria, talvez, dizer aqui em parêntesis, que, numa medida _ pode ser uma pequena medida, mas uma medida muito real _ isto é, ou deveria ser, verdade sobre cada cristão. O mundo não nos conhece porque não conheceu a Ele (Jo. 1.10; 16.3; 1Jo 3.1b). Deve haver sobre um verdadeiro cristão algo que o mundo não pode compreender, algo que não adianta tentar fazer com que o mundo entenda, pois jamais irá entender. Há algo diferente. Não temos necessidade de tentar ser diferente e singular, e estranho, pois certamente seremos assim, se caminharmos com o Senhor!
 
(3) A Cruz
 
Então, chegamos à cruz, e na cruz vimos três coisas. Vimos, primeiramente, um homem, um tipo de homem, exposto. A cruz do Senhor Jesus foi uma terrível exposição, um descortinar, do homem como ele é. Se alguma vez o homem revelasse com o que ele se parece, mostrasse o que ele é e pode fazer, ele o faria então. Se alguma vez fosse manifesto que o homem é realmente impulsionado e dirigido pelo próprio diabo, que segue as suas pisadas, e apenas precisa de uma ocasião para que ela seja revelada, isto seria feito então. Não vamos pensar: ‘Oh, eles eram pessoas muito terríveis! Nós somos muito diferentes daquelas pessoas; jamais faríamos aquilo’. Espere até sermos colocados sob teste. Não há nada _ nada _ de que não sejamos capazes, se tão somente as circunstâncias  forem tais que descortinem as profundezas de pecado que existe em nossas naturezas, e nos traga para fora. Sim, o homem foi exposto na cruz.
 
Em segundo lugar, vimos o homem classificado: o homem mostrado o que ele é e o lugar onde ele pertence, colocado em sua própria categoria. Não é verdade em nosso próprio caso, como cristãos, que, na medida em que chegamos, sob a luz do Espírito Santo, realmente entender algo de nossos próprios corações, em alguma medida para conhecermos a nós mesmos _ não é verdade que sabemos o lugar a que pertencemos? Porém, pela misericórdia e graça de Deus, sabemos onde devemos estar no final _ devemos ir para ‘o nosso próprio lugar’, aonde pertencemos. A cruz classificou o homem e mostrou o lugar de onde ele pertencia.
 
Em terceiro, a cruz colocou tudo sob julgamento e morte, pois ‘todos pecamos’. Um homem exposto, um homem classificado, um homem julgado e colocado de lado _ esta é a cruz.
 
(4) A Ressurreição
 
A Ressurreição fala de um outro Homem produzido e atestado. Nas palavras do apóstolo Paulo: “Jesus Cristo... foi declarado”, ou ‘marcado como’, ‘o Filho de Deus com poder, de acordo com o Espírito de Santidade, pela ressurreição dentre os mortos’ (Rm 1.1,4). Isto resume tudo. A ressurreição foi a atestação do Homem que _ longe de ser posto de lado _ é trazido no lugar do homem que foi rejeitado.
 
(5) A Ascensão
 
A ascensão e a glorificação estão todos reunidos nisto: a instalação do novo Homem, representativamente, como o primeiro dos filhos sendo trazidos à glória; o novo Homem instalado no Céu.
 
O ESPÍRITO VEIO PARA FAZER ESSAS COISAS REAIS NOS CRENTES
 
Com este breve lembrete dos cinco pontos na oitava, chegamos ao advento do Espírito Santo. Você percebe que cada passo deve seguir o precedente, cada um é uma parte do outro. O advento do Espírito Santo foi para absorver todas aquelas coisas que tinham precedido, para  trazê-las à terra, do Senhor glorificado no Céu, e para torná-las reais em você e em mim. O Espírito Santo veio para tornar eficaz em você e em mim a redenção para a qual Cristo veio _ ‘a redenção que está em Cristo Jesus’ (Rom 3.24) _ a reconstituição do homem demonstrada em Cristo. Ele veio para continuar aquela obra que foi aperfeiçoada Nele, e levá-la à perfeição em nós _ para nos aperfeiçoar também, para nos fazer completos com a plenitude de Cristo.
 
Assim, a base da operação do Espírito Santo é nada menos do que todo o significado da Encarnação, naqueles aspectos. Quanto à vida terrena, aqui está o Homem, o tipo de homem que Deus procura, e o Espírito Santo veio para nos conformar a este  tipo de homem, à imagem do Filho de Deus: numa palavra, tornar-nos semelhantes a Cristo. Esta é a obra do Espírito Santo; esta é a coisa pela qual Ele veio. Esta é a gloriosa esperança para nós.
 
Quanto à cruz _ sim, é igualmente verdade que a atividade do  Espírito Santo é constantemente dar testemunho contra aquele homem que foi colocado de lado. Se você e eu somos habitados e governados pelo Espírito Santo, saberemos quando tocamos aquele homem. Saberemos que este é um terreno proibido; saberemos que há um aviso lá: ‘Não ultrapasse _ mantenha-se afastado. ’ Todo cristão que não sabe, por meio de uma ferroada ou um chute por trás, quando ele ou ela toca o velho homem, está faltando sensibilidade ao Espírito Santo.  Mas há outro lado. O Espírito Santo nos mantém do lado positivo, dizendo: ‘Agora este é o caminho, o caminho da vida. Largue o velho caminho _ mantenha-se no caminho da vida!’ Caro cristão, guarde isto no coração: acabe com aquele velho homem! Não esteja constantemente desenterrando-o e olhando para ele, indo sobre ele e ao redor dele, tentando encontrar algo de bom nele _ isto é, em você mesmo; pois você nunca conseguirá! O veredicto de Deus é que nele ‘não há bem algum’ (Rm. 7.18); assim, mantenha-se longe deste terreno, e mantenha-se no campo do novo homem. O velho homem foi exposto: certamente você sabe quão mau ele é. Por que ter alguma coisa com ele?
 
O Espírito Santo veio para nos fazer saber que há um outro terreno sobre o qual devemos viver nossas vidas. Ele veio para levar a termo o efeito da obra da cruz, afastando de lado um, e trazendo o outro: em outras palavras, para fazer caminho para a ressurreição. Você e eu somos agora pelo Espírito Santo chamados para viver no terreno da Sua ressurreição, pela vida da ressurreição. A ressurreição é a grande característica desta dispensação. Essas são duas verdades _ o afastamento de um, a fim de abrir caminho para o outro. E o Espírito Santo veio para trabalhar neste terreno.
 
Finalmente, tudo isto está reunido no Homem que está na Glória. Ele é a corporificação de todas essas coisas divinas. Ele está instalado lá, longe de quaisquer riscos terrenos, longe de qualquer possibilidade de interferência aqui da terra. Ele está fora de alcance de qualquer toque aqui deste mundo que procurasse alterar as coisas. Ele está bem acima de tudo. E, então, o Espírito Santo vem para continuar tudo isto que está corporificado Nele, e trabalhá-lo em nós e na Igreja.
 
Isto, então, é a resposta à questão: Por que o Espírito Santo? Para cumprir o significado da encarnação, no que ela se refere ao homem; para cumprir o significado da vida terrena; para cumprir o significado da cruz; para cumprir o significado da ressurreição; para cumprir o significado da ascensão e glorificação do Senhor Jesus. O Espírito Santo absorve todas essas coisas, com o objetivo de realizá-las nos crentes.
 
O ESPÍRITO SANTO ESTÁ COMETIDO AO SENHOR JESUS
 
Assim, o Espírito Santo está completamente cometido ao Senhor Jesus. Ele tem um interesse que inclui e abrange todos os demais: Ele está focado com toda a Sua atenção e recursos sobre o Senhor Jesus, a fim de fazê-lo glorioso, e isto nos crentes. Como sabemos, o Senhor Jesus disse: ‘Ele Me glorificará’ (Jo 16.14). Esta é a Sua obra. Talvez isto seja algo muito familiar para se criar qualquer espécie de barulho, porém, encontro bastante conforto  para o meu coração a partir de cada contemplação fresca no fato de que o advento do Espírito Santo foi centralizado e resumido sobre este único assunto: realizar em você e em mim _ isto é, na Igreja _ tudo aquilo que o Senhor Jesus foi e fez na qualidade de Filho do Homem. Isto abre um espaço para confiança em oração, um campo de garantia da esperança. É assim que o Espírito Santo tem governado nesta dispensação.
 
Este foi o tema principal de nosso Senhor durante aqueles últimos dias com os Seus discípulos. Ele terminou o Seu ministério público, retirou-se das multidões, e, por muitas horas antes do fim, entregou-se a Si mesmo, com atenção concentrada, aos seus discípulos. E, se você olhar para aqueles últimos dias e horas, tão firmemente embalados com esta instrução, este ensino, este abrir do Seu coração, você descobrirá que o seu tema principal durante todo aquele tempo se referia ao dia que estava chegando. ‘Naquele dia...’, ‘No dia...’, Ele dizia; e ‘aquele’ dia era o dia do Espírito Santo. ‘Quando Ele vier...’; ‘Naquele dia, quando Ele vier...’ Ele deu a maior importância e valor sobre a vinda do Espírito Santo, porque Ele sabia muito bem que tudo aquilo para o qual Ele tinha vindo, como a encarnação e a vida terrena, e a cruz, ficaria sem qualquer valor caso o Espírito Santo não reproduzisse aquilo orgânica e vitalmente em seu povo.
 
Ele reuniu aquilo numa declaração muito familiar: ‘se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto. ’ (Jo. 12.24). Agora, Ele disse isto em resposta a certas pessoas que tinham expressado um desejo de ‘ver Jesus’ (v.21). Foi uma resposta estranha, misteriosa. ‘É chegada a hora em que o Filho do Homem será glorificado... se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só...’ Certamente o que Ele queria dizer era: ‘Embora você peça, embora você busque, mesmo com sinceridade, você jamais irá ver o Filho do Homem glorificado, somente se Ele for reproduzido em outra pessoa, como o grão reproduzindo a si mesmo. Aí você Me verá, aí você verá a minha glória’.
 
Porque há um senso no qual não se vê o Filho do Homem, o glorioso Filho do Homem, exceto na Igreja, nos crentes. Que pobre exibição fazemos disso! Mas este é o Seu caminho. Digo, Ele gastou aquelas horas e aqueles dias concentrado nisto. ‘Por tudo aquilo que vim a ser e a fazer, a necessidade é de que o Espírito Santo venha. É muito mais importante que Ele venha do que Eu fique. Se Eu ficar, sou como o grão de trigo sozinho; se Eu for, abro espaço para Ele reproduzir’. Ele ensinou, portanto, que a única maneira de conhecê-Lo, a única maneira de vê-lo, era dessa forma.
 
A MORTE, O OBSTÁCULO PARA O PROPÓSITO DE DEUS, FOI REMOVIDA
 
Que efeito deve isto ter sobre nós? Certamente, antes de tudo, deve nos dar um real exercício sobre a questão do Espírito Santo ter o seu lugar legítimo em nós, sem obstrução alguma, estando livre para fazer a Sua obra. Vamos nos lembrar de que Deus, do seu lado, tem se movido para remover a grande obstrução de todos. Quando, na carta aos Hebreus, o Senhor Jesus é apresentado como o Homem instalado no Céu _ ‘Vemos a Jesus, coroado com glória e honra’ (2.9) _ isto significa que é possível agora para Deus continuar com a Sua obra em relação à humanidade. O plano de Deus está sempre voltado para o homem. ‘Que é o homem, para que te lembres dele? Ou o Filho do Homem, para que o visites?’ (2.6). Aqui está O Homem a quem os homens devem ser conformados: porém havia uma grande obstrução, um grande obstáculo que tornava aquilo impossível, e este era a morte. A morte estava no caminho. O homem jamais podia chegar àquilo enquanto a sentença de morte repousasse sobre tudo. Pois, quando o homem pecou em seu primeiro pai, a morte, o grande inimigo a todo propósito de Deus, foi passada como uma sentença sobre todos os homens; e assim, ela se põe no caminho. Aquele homem, aquela raça jamais pode chegar lá e ser daquela maneira.
 
Porém, ‘Vemos ...a Jesus, por causa do sofrimento de morte, coroado com glória e honra’. Ele removeu aquela obstrução, o obstáculo, e a destruiu. ‘para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte’ (Hb 2.14). Ele ‘experimentou a morte por todos os homens’ (v.9). Ele removeu o grande obstáculo e o tirou do caminho. Agora podemos alcançar aquela semelhança! Do lado de Deus, o maior obstáculo ao cumprimento do Seu propósito Divino foi removido _ e, se você lidar com o maior, terá lidado com todo o resto _ e assim, o caminho está aberto.
 
O efeito disso sobre nós, então, deve ser que nos damos conta de que escapamos, e nos mantemos afastados do terreno da morte _ a morte que repousa sobre o velho homem. Isto pode soar misterioso, confuso, porém, de fato isto é muito real, prático. Se você e eu começarmos a ter qualquer envolvimento com nós mesmos, como estarmos em nós mesmos, sabemos que a morte começa a operar. É sempre assim. E o inimigo sabe disso também. Se ele puder colocar em movimento esta ‘roda da natureza’ (Tg 3.6), fazê-la ficar estimulada e nos fazer ficar envolvidos, ele sabe que nos terá novamente debaixo do poder da morte. O Espírito Santo é o Espírito da Vida, e Ele trabalha nesse sentido, e apenas neste sentido, o terreno da vida. Você e eu, portanto, deveríamos fazer disto o nosso exercício para sempre permanecermos no terreno da vida. Precisamos nos lembrar de que o plano de Deus para nós é vida, não morte. Se nos apegarmos à vida, Deus irá reagir: o Espírito Santo irá se mover. Nós aceitamos a morte muito facilmente. O inimigo está sempre oferecendo morte para nós, de uma forma ou de outra, tentando  nos fazer aceitá-la. Se começarmos a brincar com a morte, simplesmente estaremos dando terreno para o Diabo, e ele irá arruinar tudo. É contra o Espírito Santo. Que o Senhor nos ensine o que isto significa.
 
O Espírito Santo, então, está comprometido com o Cristo ressuscitado, para a realização de tudo o que a Sua vida ressurreta significa, visando no final a glorificação.
 
A PRESENTE DISCIPLINA LIGADA AO GOVERNO FUTURO
 
Há em Cristo um propósito muito completo em relação ao homem, um propósito muito completo de fato. Dissemos alguma coisa a esse respeito, a partir de Hebreus, em seu último capítulo. ‘E o constituíste sobre as obras das tuas mãos’; ‘Todas as coisas lhe sujeitaste debaixo dos pés.’ (Hb 2.8). ‘Porque não foi aos anjos que sujeitou o mundo futuro, de que falamos.’ (Hb 2.5). Este este é um tremendo chamado, uma tremenda vocação: nada menos do que governar este mundo, em união com Cristo, na época vindoura. Você diz: ‘Esta é uma idéia maravilhosa, uma linda concepção _ porém, qual é o valor de concepções e idéias  maravilhosas que estão  distantes nos séculos vindouros?’  Após esta maravilhosa apresentação que vimos em Cristo, e do homem em relação a Cristo, e de sua associação  e participação no governo do mundo vindouro, há duas coisas que resultam desta carta aos hebreus.
 
Uma é que, em relação a este propósito, Deus está fazendo algo nos crentes agora. Você se lembra de Hebreus 12? ‘tivemos nossos pais segundo a carne, para nos corrigirem, e nós os reverenciamos; não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos, para vivermos?’ (vv. 9). A carta toda realmente leva a isto. Com o capítulo 12 o escritor se aproxima do final da sua mensagem; ele está resumindo. Do que se trata tudo isto? ‘Por isso, irmãos santos, participantes da vocação celestial...’ (3.1). O governo do mundo vindouro em união com Cristo _ esta é a nossa chamada. Porém, temos que ser preparados para isto; e o que está nos acontecendo agora, em nossa vida espiritual, é o nosso treinamento para isto, e é muito prático.
 
Se há uma coisa que você e eu descobrimos que precisamos aprender, é como obter ascensão de espírito. Por que o Senhor permite todas essas coisas _ essas coisas adversas, penosas? Por que ele não as impede? É para que possamos aprender ascendência de espírito: porque este governo não é oficial _ é um governo espiritual. O real governo deste mundo é espiritual. Por trás dos homens e de tudo o que está acontecendo há um sistema espiritual em ação. É algo diabólico. Deus irá varrer isto do universo e colocar  algo bom em seu lugar. Irá ser um governo espiritual, celestial, e, quando houver um cenário celestial neste mundo, que diferente tipo de mundo será. Deus irá tornar este mundo um lugar saudável, colocando sobre ele um governo espiritual salutar, e este governo será colocado nas mãos dos santos.
 
Porém, com isto em vista, teremos que passar por um exaustivo ensino nas mãos do Pai dos espíritos. Tudo visando esta questão de obter ascendência espiritual. Cada dia temos algo para galgar, espiritualmente; algo que deve ser colocado em sujeição sob os nossos pés. Muito freqüentemente as coisas alcançam o topo e  põe os pés sobre nós. A fim de trazê-las em sujeição, temos que cooperar com o Senhor, e o nosso treino é, assim, para que possamos aprender a trazer as coisas sob os nossos pés. O Espírito Santo está aqui para isto. Todas aquelas palavras sobre sermos ‘fortalecidos com poder através do seu Espírito no homem interior’ (Ef 3.16), ‘fortalecei-vos na força do Senhor’ (Ef 6.10; 1 Pd 4.11) _ todas essas palavras têm a ver com o assunto de ganhar ascendência espiritual, chegar no topo.
 
NECESSIDADE DE ENCORAJAMENTO E CONSELHO
 
A outra coisa que advém desta carta aos Hebreus é aquela nota constantemente tocada de exortação, de encorajamento. ‘Vamos em frente...’ Há muita exortação e súplica. Por quê? Por causa deste alto chamado, por causa desta grande vocação, por causa deste propósito em nossa nova criação e união com o Filho de Deus. É nossa herança _ o mundo vindouro e o governo dele. Precisamos de muito encorajamento, precisamos de muita exortação, precisamos de conselho constante; trata-se de algo muito grande. Creio que é isto a que o escritor se refere quando diz: ‘Como escaparemos nós se negligenciarmos tamanha salvação?’ (Hb 2.3). A ‘grande salvação’ não é apenas escapar do inferno e de alguma forma arranhar o céu _ é tudo isto que está nesta carta: ‘Companheiros num chamado celestial’.
 
O Espírito Santo veio para o propósito de efetivar isso. Talvez os nomes pelos quais o Senhor Jesus o chamou não nos impressione muito: por exemplo, quando Ele o chama, em nossa língua, de ‘o Consolador’. Naturalmente, isto é muito bom: precisamos de consolo; mas isto é apenas uma parte do significado do Seu Nome. Seu nome completo é: ‘Aquele chamado ao lado’, co-operando conosco; ‘o Encorajador’, ‘o Advogado’. Ele veio para estar ao nosso lado _ para ser o nosso Ajudador e Encorajador nesta grande obra de se conformar ao Filho de Deus e realização da vocação eterna nos séculos vindouros.
 
CAPÍTULO 7 _ A IGREJA: SEU NASCIMENTO, VOCAÇÃO E COMPLETUDE
 
Por quê Igreja?
 
A maior preocupação ou interesse de Deus é Seu Filho. O segundo maior interesse ou objetivo de Deus no universo é a Igreja. E, nas Escrituras, essas duas são colocadas juntas. Aqui está a afirmação: ‘e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos.’ (Ef 1.23).
 
A Igreja é a ‘plenitude’ de Cristo. Se a Igreja precisa de Cristo, Cristo precisa da Igreja.
 
O QUE É A IGREJA?
 
Iremos procurar responder a pergunta: ‘O que é a Igreja?’, em algumas sentenças concisas.
 
Primeiramente, a Igreja é um corpo particular de pessoas, escolhidas em Cristo antes do mundo existir. Isto é precisamente afirmado em Efésios 1.4. Lá, é afirmado que a Igreja, este corpo particular de pessoas, foi ‘escolhida Nele’. Exatamente como Cristo foi definitivamente escolhido (Lc 9.35; Sl 89.19; Is 42.1) e ungido (Hb 1.2; 3.2), assim foi a Igreja.
 
Em segundo, a Igreja é um corpo de pessoas chamadas das nações para ser um povo celestial agora: não no futuro, nos séculos vindouros, mas agora. Isto está claramente implícito em Atos 15.14: ‘Deus visitou os gentios, para tomar deles um povo para o seu nome.’ E é a isto que o Senhor se refere, quando disse: ‘Eu edificarei a minha Igreja’ (Mt 16.18).
 
Em terceiro, a Igreja é um corpo de pessoas que, embora chamado individualmente, são apenas muitos indivíduos. Eles nunca foram escolhidos individualmente, nunca foram escolhidos separadamente, mas como um todo. É muito importante lembrarmos disto. E, como a obra do Espírito Santo é sempre tornar real aquilo que foi eternamente determinado e ungido por Deus, assim, é Sua obra _ não como um pensamento secundário, mas conforme o plano _ tornar real e operante esta unidade eterna em e com Cristo: pois este é o propósito de Deus.
 
MAGNIFICÊNCIA DA CONCEPÇÃO DIVINA 
 
À esta altura, quero citar uma passagem de um livro publicado alguns anos atrás, que coloca a matéria numa forma muito melhor do que eu, e eu a reproduzo, porque não é minha.
‘É essencial para uma consideração exata desta matéria (isto é, a Igreja) que a magnificência do conceito de Igreja do Novo Testamento seja apreendida. Nas epístolas aos Efésios e aos Colossenses a visão da Igreja, que é o Corpo de Cristo, é anunciada. É vista lá como a ideal, invisível, indivisível, inviolável companhia de redimidos da presente era. Ninguém a não ser os regenerados tem parte nela; ninguém, exceto o eleito, participa de sua bem-aventurança. Falha e defeito são desconhecidos em relação a ela. Nela o fingido e o hipócrita não pode entrar. Ruptura ou divisão ela não conhece. Sua unidade é inquebrável; sua vocação e glória são celestiais; seu relacionamento com Cristo é santo e íntimo; e seu destino está ligado a Ele em esplendor inconcebível. Através dos séculos da nossa era, cada geração que marcha traz uma contribuição a ela. Enquanto historicamente seus membros estão sendo chamados, um por um, sendo incorporados a ela, em sua plenitude e glória ela está sempre diante dos olhos de Deus. De fato, ela tem estado em Seu coração antes dos tempos. As ordens angelicais, de seu ponto de vista superior observam-na e ficam impressionados e iluminados com a multiforme sabedoria de Seu Arquiteto Divino. Através dos anos desta era, o próprio Cristo é o seu construtor, adicionando pedra a pedra a este magnífico templo,que é Ele mesmo, enquanto espera aquele dia quando finalmente ela, completa, santificada, maravilhosa, sem mancha e radiante com a glória celestial, seja apresentada a Ele mesmo, tomada de pleno gozo de uma associação eterna de bem-aventurança, marcas desconhecidas no presente’.
Estou certo de que você concorda com isto. Por um lado, isto não é nenhum exagero, e isto, por outro lado, é uma apresentação de algo que é de valor tremendo para Deus, para Cristo, e para nós mesmos.
Se você encontrar dificuldade com algumas das asserções, você deve lembrar que a declaração toda é feita do ponto de vista de Deus e do Céu, não do nosso. É assim que Ele vê, eternamente. O que Ele pode estar vendo quanto à condição presente das coisas aqui em baixo é uma outra questão; mas esta é a eterna concepção de Deus, e é assim que Ele a terá eternamente. Será assim. E, no seu tempo devido, será provado que é desta forma. Pode ser difícil para nós vermos; contudo, se pudéssemos ver do ponto de vista de Deus, veríamos que toda afirmação daquela sentença é verdadeira.
 
EVIDÊNCIA DA OPOSIÇÃO
 
Vamos suspender nossas dificuldades por um instante e prosseguir. A Igreja é um objeto definido, uma entidade. Ela não é simplesmente uma idéia abstrata _ não é uma coisa imaginária. É uma realidade _ não apenas na mente de Deus, mas, quando é vista de acordo com a sua real constituição, e não com a constituição humana, ela também  é uma realidade em sua existência atual. A Igreja é de uma importância imensa para Deus e para Cristo. Como lemos, ela é declarada ser Sua ‘plenitude’. Todos os grandes valores de Cristo _ Sua plenitude _ são para a Igreja, na Igreja, e através da Igreja. Temos a declaração da Palavra de Deus sobre isto, e temos a história da Igreja _ em sua continuação, persistência, e sobrevivência _ que sustenta isto. E, se precisarmos de mais evidência quanto à sua importância e valor, podemos sempre obtê-la de certa medida, que evidencia uma solicitude bastante irreligiosa para com os interesses de Deus. Satanás odeia a Igreja, como ele odeia Cristo. Ele tem despendido mais preocupação com a Igreja do que com qualquer outra coisa. 
Quero fazer mais uma citação do livro, e estou muito feliz por dizer que isto não é de primeira mão.
‘Através de toda a era Cristã, uma minoria tem se esforçado em realizar numa vida corporativa esses princípios escriturísticos. A oposição mais severa e implacável veio sobre eles, não do mundo, mas  da cristandade organizada, isto é, o sistema que os homens chamam de igreja. Por meio dessa poderosa organização eles foram oprimidos, mal representados, perseguidos, ultrajados, ridicularizados, e ignorados. Porém, a persistência deles, de século para século, supriu a prova da praticabilidade desses princípios, e de que a Igreja pode estar na vontade de Deus’. 
E uma outra porção de um outro livro _ este é sobre a Igreja:
‘Contra tal verdade transcendente, do modo como ela toca a glória de Deus e a pessoa de Cristo, não é surpresa que o arqui-inimigo devesse se colocar com toda a sua força e seus dispositivos mais persistentes e engenhosos, tanto por oposição como por imitação...’ 
Sim: se há uma coisa, próxima ao próprio Senhor Jesus, que Satanás odeia, é a Igreja, e qualquer representação verdadeira dela. Eu deveria gastar mais tempo com este assunto da representação da Igreja _ a necessidade, a possibilidade e a natureza disso _ e nós podemos retornar à uma palavra mais conclusiva mais adiante.
 
TÍTULOS OU PINTURAS DA IGREJA
 
Perguntamos: Por que a Igreja? Penso que a melhor forma de responder esta questão é por meio de uma consideração de várias representações ou pinturas dela, os vários títulos dados a ela, na Palavra de Deus. Há na Palavra talvez nove títulos principais, ou ilustrações da Igreja. Pode haver outras secundárias, mas, no principal, há nove. Se considerarmos cuidadosamente essas telas ou títulos, chegaremos muito próximos de uma resposta para a nossa questão. Vamos percorrê-las  com alguns comentários sobre cada uma.
 
(1) A Casa de Deus
 
O primeiro título dado à Igreja é a Casa de Deus. Mas aqui é necessário sermos claros quanto aos nossos termos. Quando falamos de uma casa, imediatamente pensamos de uma estrutura, um edifício. Passamos por uma rua e dizemos: ‘Esta é uma bonita casa’, ou, ‘uma casa  incomum’; é assim que usamos a palavra. É necessário entendermos que este não é o significado pleno da palavra como é usada na conexão ‘Casa de Deus’. Deveríamos estar mais próximos da verdade se mudássemos a palavra para ‘lar’, pois este é realmente o propósito, e inclui três idéias. Uma, a estrutura _ o edifício de Deus; dois, os conteúdos da casa _ O que tem nela; três, o arranjo ou ordem da casa _ como os conteúdos são dispostos, desdobrados; seus lugares, suas posições, e assim por diante. Com isto, naturalmente, está estreitamente associada a idéia de governo. A estrutura, os conteúdos, o arranjo, ordem e governo da casa: tudo isto está contido nesta expressão, ‘A Casa de Deus’.
Primeiramente, a Casa de Deus é o edifício de Deus, a estrutura de Deus. ‘Eu edificarei a minha Igreja’. Ela é de Deus. O homem não faz isto, e é impertinente pegá-la e fazê-la do homem. A propriedade deste edifício pertence somente a Deus.
Então, o que está nesta casa está lá porque Deus a colocou, nada pode ter um lugar, como uma ‘pedra viva’, na Casa de Deus, a não ser que seja colocado lá pelo próprio Deus. Você não pode ‘se ligar’ à Casa de Deus por sua própria escolha. Você pode falar sobre ‘unir-se à Igreja’, mas isto pertence a um outro campo de coisas. No Novo Testamento ‘o Senhor acrescentava à Igreja aqueles que eram salvos’ (At 2.47). O Senhor acrescentava. Somente aqueles a quem o Senhor inclui estão na Casa de Deus.
Terceiro, a ordem na Casa de Deus é ordem de Deus. Deus é um Deus de ordem; Satanás é o deus da anarquia e da falta de lei. Deus tem uma ordem para a Sua Casa, e Ele é muito meticuloso quanto a isto. Isto está claro o suficiente na primeira carta aos Coríntios. Se ignorarmos esta ordem, desprezá-la, pô-la de lado, será para o nosso próprio prejuízo, nosso próprio detrimento. Descobriremos que em nossas vidas haverá frustração, limitação; Deus não estará colocando o Seu selo sobre nós. O Espírito Santo possui a custódia da ordem Divina, e assim, chegaremos à esta ordem se estivermos sob o governo do Espírito Santo.
O nosso lugar na Casa de Deus é uma prerrogativa de Deus por meio do Espírito Santo. O lugar que ocupamos, a função que desenvolvemos, deve ser ungida por Deus. Se tentarmos fazer aquilo que Deus jamais nos chamou para fazer, estaremos mal encaixados na Casa de Deus. Porém, se, debaixo do governo do Espírito Santo, estivermos contentes com aquilo para que o Senhor nos trouxe em Sua própria Casa, estaremos em descanso; será tranqüilo, sem atrito. Deus supervisiona Sua própria Casa: é Seu governo, porque é a Sua Casa. E, como disse em outra conexão, não há nada mais impertinente do que vir para a Casa de Deus e tentar desarranjar a ordem, ou impor a nossa própria ordem. Devemos sempre procurar estar sujeitos ao Espírito Santo, e a Sua ordem, na Casa de Deus.
 
(2) O Tabernáculo e o Templo
 
A segunda representação da Casa é encontrada no Tabernáculo e no Templo. Eles são idênticos em propósito. Há, no principal, duas idéias conectadas a essas designações.
Primeiro, são o lugar onde Deus está, o lugar onde Deus escolhe estar. Lá é um lugar onde Deus escolhe estar e onde Ele pode ser encontrado, e, normalmente, este lugar é em Seu Templo _ na Igreja. A Igreja é para ser o lugar, foi intencionado para ser, o lugar onde você irá encontrar Deus, onde Deus está. Ela não é uma construção; é um povo de Deus. Ele escolhe um lugar para Si mesmo. Quanta ilustração há no Velho Testamento sobre isso. (Sl 132.13,14). Mas as palavras de Seu próprio Filho são: ‘Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali eu estou’ (Mt 18.20), isto é a enunciação de um princípio eterno. Deus escolhe estar ou se localizar: Ele escolhe estar num certo lugar, e lá você O encontra. Como uma pessoa é tentada a ampliar isso! Mas se você, como crente, como cristão, separar-se do povo de Deus, e seguir seu próprio caminho de independência, você não irá encontrar o Senhor até que volte para os outros discípulos. Deus escolheu o Seu Templo, Seu Templo Espiritual, como o lugar aonde Ele irá nos encontrar, o lugar onde Ele pode ser encontrado.
E, quando as coisas são como devem ser, quando estiver de acordo com o Seu propósito, este lugar é também onde Ele fala. Arrisco-me em dar um passo além, e dizer que, quanto mais íntimas forem as condições num grupo, em relação à vontade de Deus, o propósito de Deus para a Igreja, mais plenamente você ouvirá Ele falar ali. Você irá ouvir mais do Senhor em tais condições do que num lugar onde há menos aproximação ao Seu conceito de Templo.
O segundo pensamento ligado ao Tabernáculo ou Templo é que ele é o lugar onde Deus é adorado. É  ‘santo ao Senhor’. A Casa espiritual de Deus, contudo, não é uma estrutura, mas um povo, e assim, o Templo carrega a idéia de um povo que adora. E o que é adorar? Temos definido adoração como o ato de se levar tudo a Deus; tudo direcionado ao Senhor. Isto é ‘santo _ ou completamente do Senhor’, tudo sendo para Ele. É assim que a Igreja deve ser; este é o plano de Deus.
 
(3) Uma Nação Santa 
 
De Pedro, aprendemos que a Igreja é uma nação _ ‘uma nação santa’ (1 Pd 2.9, citação de Ex. 19.6). Muita luz é lançada sobre isto no Velho Testamento, como sabemos. Como dissemos no início, é um povo tomado das nações por causa do Seu Nome, para ser feita, aqui e agora, uma nação santa, uma nação de uma ordem diferente _ a exata palavra ‘celestial’, naturalmente, carrega isto consigo _ uma nação celestial tirada das nações, embora no meio das nações. Mas aí estão as três coisas a ser observadas em conexão com esta concepção da Igreja como uma nação.
A primeira coisa é o princípio ou lei de separação. Isto é claramente ilustrado e efetivamente no caso de Israel, como o tipo terreno desta Igreja, separada das nações. Israel perdeu sua própria integração, sua vocação, seu poder, sua glória _ tudo _ quando perdeu aquela distinção das outras nações, quando permitiu que uma ponte fosse construída entre ela e eles, e começou a adorar os seus deuses. Foi por causa da perda de sua distinção como uma nação que Israel foi para o cativeiro. O Velho Testamento é uma lição muito poderosa de princípios espirituais. Se isto é verdade no temporal e no campo terreno, quanto mais verdade deve ser no espiritual, no celestial, no eterno! Uma coisa que contou, talvez, mais do que qualquer outra, pela perda de glória, poder, influência, e a presença de Deus, na Igreja durante os séculos, tem sido a infiltração do mundo nela, e a ida dela para o mundo _ uma perda de distinção, uma perda de separação.
Além disso, a nação era um povo constituído tanto quanto separado. Certamente era separada _ não havia dúvida sobre esta separação do Egito! Faraó tentou discutir sobre isto; sugeriu que eles devessem viver mais perto, um pouco ligado. ‘Não’, disse o Senhor por meio de Moisés, ‘nem uma unha de animal!’ (Ex.10.24-26). E, então, olhe para a separação que o Senhor fez, a brecha que Ele colocou entre Israel e o Egito. É tudo muito ilustrativo. Mas então, quando Ele os tirou de lá, Ele os constituiu numa nação. Eles partiram numa multidão _ podemos também dizer uma população; e, então, Deus os tomou nas mãos para formá-los e constituí-los numa entidade, com leis espirituais e princípios que governam cada detalhe das suas vidas. Eles foram trazidos diretamente sob o controle do Céu, para um lugar onde nada deste mundo poderia suprir as suas necessidades. Seus recursos eram todos do Céu; eles eram um povo constituídos sobre princípios celestiais, sob governo celestial. E isto é a Igreja!
Terceiro, Pedro nos fala, nesta declaração abrangente, que o propósito de nossa chamada é o de ‘contar as excelências Dele que nos chamou’ _ daquele que ‘nos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz’. A vocação da nação é mostrar as Suas ‘excelências’: em outras palavras, mostrar como Deus excede, como Ele transcende. Esta foi a chamada de Israel; e, se isto era verdade numa forma terrena limitada, quanto mais é verdade na forma celestial, universal, da Igreja. Para mostrar as Suas excelências, como Ele excede: é isto que Ele está buscando o tempo todo. Como freqüentemente temos dito, Ele permite ao inimigo ir um longo caminho, ter bastante corda, e, então, Ele mostra quão mais longe Ele pode ir. Ele permite ao inimigo fazer muito. E, então, ele mostra como Ele pode fazer com que tudo aquilo redunde em Sua própria glória.
As ‘excelências Dele’, mostradas na Igreja e por meio da Igreja: isto é algo para se apoiar. Olhe para o livro de Atos, a partir deste ponto de vista apenas, e veja o desenvolvimento do que Paulo disse, muitos anos mais tarde: ‘E quero, irmãos, que saibais que as coisas que me aconteceram contribuíram para maior proveito do evangelho;’ (Fp 1.12). Apenas pense nas coisas que lhe sobrevieram _ tudo para auxílio do evangelho! Esta é uma das maneiras em que Suas excelências são mostradas. Se os anjos estão observando, estou certo de que estão cobrindo suas faces e cobrindo seus pés em adoração, na medida em que vêem a graça de Deus em Seus servos e filhos _as Excelências de Sua graça.
 
(4) A Igreja
 
Para nossa quarta designação, chegamos à própria palavra ‘Igreja’ em si. Esta, como sabemos, representa a palavra grega 'ekklesia', uma palavra muito rica e plena que foi apropriada por Cristo e pelos apóstolos e aplicada a este corpo eleito eternamente, a Igreja. O equivalente moderno desta palavra é a nossa ‘assembléia’, uma palavra que carrega em si todos os elementos do significado no original grego. No mundo grego, certas pessoas eram escolhidas, eleitas, para uma posição tanto no conselho municipal, como no governo provinciano ou nacional, conforme a eleição fosse numa cidade, ou numa província, ou num país, respectivamente. E, num determinado tempo, quando havia negócio de estado a ser tratado, e uma sessão marcada, os mensageiros saíam para chamar os homens juntos, para convocar a assembléia, a fim de transacionar o negócio de estado ou cidade. Tal corpo de homens era chamado de ekklesia.
Não era um assunto de igreja, um assunto ‘eclesiástico’, como pensamos; era um assunto puramente político, fosse da municipalidade, da província, ou do estado _ a ‘Assembléia’. Isto incorporou a idéia de uma companhia eleita, trazida junta para transacionar o negócio do reino. Esta é a palavra que foi apropriada e aplicada à Igreja. Como ela é rica! Uma companhia eleita, chamada junta para o propósito de tratar de um negócio do reino! Uma companhia eleita _’escolhida Nele antes da fundação do mundo’ (Ef 1.4), ‘chamada para a comunhão de Seu Filho’ (1Co 1.9), chamada ‘de acordo com o Seu propósito eterno’ (Ef 3.11): chamada junta, e, com Ele, conferida com os negócios do Seu governo.
 
(5) O Corpo De Cristo
 
A seguir chegamos à ‘Igreja que é o Seu Corpo’. Lemos sobre isto em Efésios 1.22,23, e há, naturalmente, muitas outras referências à igreja sob esta designação ou título. Qual é a idéia, ou a função, de um corpo físico? Primeiramente, o corpo de um homem é um veículo para a expressão de sua personalidade. Nem sempre você pode ler a personalidade através das características e do corpo, mas as pessoas usualmente se dão a conhecer até certo ponto por meio dos seus corpos. Até mesmo se, como em alguns casos, você achar difícil de ler o que está do lado de dentro, o próprio fato de ser difícil já mostra a você que eles não querem que você saiba _ e você percebe. Não podemos facilmente nos livrar do fato de que, seja por gesto, pelo olhar, pela expressão, ou de muitos outros modos, traímos a nós mesmos por meio do nosso corpo. Este, até certo ponto, é um propósito do corpo, ser a expressão do homem interior, a fim de prover-lhe um meio de expressar a si próprio.
Da mesma forma, ‘a Igreja que é o Seu Corpo’ é o instrumento, a ‘corporificação’, do Espírito do Senhor, no qual e pelo qual Ele se expressa a Si mesmo. Se a Igreja, como a conhecemos e nos movemos entre os seus membros, acordasse para o propósito Divino, poderíamos conhecer como o Senhor é. Guardemos isto em nossos corações: que a nossa própria existência como a Igreja é para que as pessoas possam conhecer como Cristo é. Alias, nós falhamos muito nisto. Geralmente é tão difícil detectar o caráter real do Senhor Jesus em Seu povo. Mas este é o exato significado do Corpo de Cristo.
Mais ainda _ e aqui estamos num campo familiar _ um corpo físico é um todo orgânico. Não é algo colocado junto do exterior. É algo marcado pela unicidade, por causa de sua vida interior; ele está relacionado e inter-relacionado em cada parte, dependente e inter-dependente; cada parte remota é afetada por aquilo que acontece em qualquer outra parte. Isto poderia ser bem mais expandido. Mas nós temos muito ainda para aprender quanto à real aplicação espiritual desta realidade a respeito da Igreja como o Corpo de Cristo. Precisamos ser trazidos exatamente para este grande ‘sistema solidário’ do Corpo. E isto exige uma obra real da graça em nós. Há muitas formas nas quais isto é expressado na palavra. Precisamos ‘lembrar dos presos, como se estivéssemos presos com eles, e dos maltratados, como sendo-o nós mesmos também no corpo.’ (Hb 13.3); isto é, precisamos entrar na situação deles pelo Espírito. Isto é um conjunto orgânico. ‘Se um membro sofre, todos os demais membros juntamente sofrem’ (1Co 12.26). É provável que soframos bastante por coisas que não sabemos nada a respeito. Há um sofrimento em curso, e estamos envolvidos nele: o Senhor está procurando nos envolver nas necessidades dos outros, trazer-nos para os seus conflitos.
Porém, aprendamos ou não esta verdade, estejamos ou não conscientes disso, e compreendamos ou não isto, é fato de Deus que isto é assim. Crentes de um lugar são dependentes de outros crentes em outro lugar; eles são afetados. Isto é um  todo; há um sistema-nervoso solidário através de todo o corpo. Se apenas você e eu nos tornássemos espiritualmente mais vivos, a expressão do Corpo seria muito mais perfeita. Nossa morbidez, nossa insensibilidade, nossa falta de vida espiritual, resulta em mais sofrimento, mais perda, do que precisa haver.
Se apenas pudéssemos _ não mecanicamente, e não por meio de informação, mas no princípio do Corpo _ ser movidos para dentro de uma solidariedade e cooperação universal para com o povo de Deus! Nosso mover é usualmente mecânico; temos que ler ou ouvir cartas, de alguma maneira receber informação, a fim de sermos estimulados à alguma medida de oração. Porém, creio que, se estivéssemos realmente no Espírito, o Espírito iria colocar os fardos das pessoas em nossos corações. Você não acha que esta é uma questão que devemos continuamente trazer diante do Senhor? ‘Senhor, há alguém orando hoje por alguma coisa: será possível que eu possa ser a resposta à oração dessa pessoa? Se for assim, mostra-me, guia-me, coloca isto sobre mim’. Isto é vivacidade e relacionamento espiritual. A unidade do Corpo é uma grande vocação.
 
(6) Um Sacerdócio Real
 
A sexta designação é encontrada novamente em Pedro: ‘um sacerdócio real’ (1Pd 2.9). Ele está novamente citando Êxodo 19:6 _ ‘um reino de sacerdotes’. Note a combinação das duas idéias _ rei e sacerdote, reino e sacerdócio: duas funções trazidas juntas _ o trono e o altar. O que isto significa? Certamente significa isto: que é através do render-se, do abrir mão, do deixar ir, pelo auto-esvaziamento e pelo sofrimento que o Trono opera, que o poder Divino é exercido neste universo. É sofrimento e glória, é fraqueza e poder _ parecem contradições em termos. Mas aqui está na palavra: ‘no meio do trono...um Cordeiro’ (Ap 5.6). Aqui está o símbolo da mais absoluta rendição, e, no sentido correto, da não resistência, até mesmo para o mal (não estou falando de não resistência ao pecado, mas à injustiça): um Cordeiro conduzido à morte, e, através da morte, ao Trono (Is 53.7; 52.13).
Esses são princípios espirituais tremendos. ‘Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de Mim; porque sou manso e humilde de coração’ (Mt 11.29). Este é o Rei falando: é a Ele em cujas mãos foi entregue ‘toda autoridade no Céu e na terra’ (Mt 28.18). Veja como Ele recebeu a autoridade, como Ele alcançou o Trono! A Igreja é pra ser assim desta forma: um reino sacerdotal, por um lado envolvida em sacrifício e sofrimento, como o sacerdote, e, ao mesmo tempo, governando e reinando no Trono, como um rei.
 
(7) Um Novo Homem
 
O sétimo quadro é ‘um novo homem’ (Ef 2.14-16; Gl 3.28). Jesus chamou a Si mesmo, e era Seu título favorito, ‘o Filho do Homem’. Naturalmente, a ‘peculiaridade’ referida por Paulo é o resultado de diferentes tipos de povos que desapareceram. Não há mais Judeus e Gentios: como tipos diferentes, como representantes de duas ordens raciais de homens, eles desapareceram, se foram. Eles desvaneceram, e em seu lugar há ‘um novo homem’. Considerando tudo isto que dissemos no início sobre o significado da Encarnação, devemos dizer que a Igreja é um tipo diferente de entidade, representando um tipo diferente de humanidade, de raça; de uma ordem diferente, assim como Cristo era diferente.
Com Ele a diferença era interior. Olhando para Ele do exterior, as pessoas não discerniam a grande diferença. Pode ter havido algumas características que eram diferentes de outros homens, mas, se este é o caso, as pessoas não ficaram impressionadas com elas. As pessoas não podiam ver a diferença entre Ele e outros homens. ‘Não é este o carpinteiro?’ (Mc 6.3). Eles falavam sobre Ele como falariam de outros homens, olhando para Ele do lado de fora. Porém, Ele era diferente como um Homem. O Homem dentro do corpo era um Homem diferente, governado por diferentes leis, concepções completamente diferentes, daquelas pelas quais as outras pessoas eram governadas; governado a partir de um campo diferente, e, assim _ neste sentido _ sempre um mistério.
Muitos anos mais tarde, João disse, ao escrever esta carta: ‘Por isto o mundo não nos conhece, porque não conheceu a Ele’ (1 Jo 3.1b). Nós, também, somos um outro ser; e isto deve ser, se posso eu colocar desta forma, bastante natural. O real segredo, o real significado está no interior, não está? Exteriormente talvez não haja diferença das outras pessoas _ embora deva haver alguns traços exteriores; não auto-consciente, não sempre tentando ser um outro tipo, não representando: apenas o fato _ de que nós mesmos somos os mais inconscientes _que há algo lá que não pertence a esta criação; algo que fala de um outro mundo, uma outra ordem, uma outra vida, uma outra natureza. Nós simplesmente não nos comportamos, sob certas circunstâncias, como as outras pessoas se comportariam. E a Igreja, composta de muitos indivíduos, é pra ser desta forma _ um ‘novo homem’.
 
(8) A Noiva
 
O oitavo título é ‘a Noiva, a esposa do Cordeiro’. Aqui devemos fazer referência a grande parte das Escrituras, de Gênesis, de Mateus e Marcos, de Efésios, de Apocalipse. Quase que a última palavra do anjo ao apóstolo João foi: ‘Vem, mostrar-te-ei a noiva, a esposa do Cordeiro.’ (Ap 21.9b). Quase termos sinônimos, e, contudo, não muito idênticos no sentido. Primeiramente vamos relembrar algo do início deste relacionamento. A primeira palavra concernente veio do próprio Deus: ‘Não é bom que o homem esteja só’ (Gn 2.18). A idéia deste relacionamento, então, no princípio, foi de companheirismo: a idéia sublime do relacionamento entre Cristo e Sua Igreja. ‘Cristo...amou a igreja, e se entregou a si mesmo por ela’. (Ef 5.25) Deus, por assim falar, olhou para o Seu filho, e disse: ‘Não é bom que Ele esteja só’. A Igreja _ o mistério dos mistérios!_ é pra ser neste relacionamento com Cristo Sua companheira, ter um relacionamento com Ele, ter troca de mente, de coração, mover-se junto.
E, então, Deus disse: ‘Far-lhe-ei uma auxiliadora’ (Gn 2.18). ‘Farei para Ele alguém que o ajude’. Uma idéia muito simples, mas transfira isto para a Igreja. Para ministrar a Cristo, cuidar das necessidades de Cristo, dos desejos de Cristo, ter todo o equilíbrio em Sua direção. ‘Como posso prever os Seus desejos, as Suas necessidades? Como posso melhor servir aos Seus interesses?’ Isto, naturalmente, é a idéia bíblica de uma esposa, mas a Bíblia, de qualquer forma, pretende que o relacionamento terreno seja um reflexo do celestial _ ‘assim como Cristo e a Igreja’ (Ef 5.25,29,32). O ponto é este: que você e eu, se somos da Igreja, temos que ter todo o nosso equilíbrio voltado para Ele. Como podemos melhor serví-lo, como podemos ser bem agradáveis a Ele? Como podemos prever as Suas necessidades e desejos, e quais serão os Seus interesses? Esta é a primeira idéia associada à Noiva, a esposa do Cordeiro.
Com isto, naturalmente, vai a idéia de identidade: ‘os dois serão uma só carne’ (Gn 2.24; Mt 19.5; 1 Co 6.16). Eles são um: não mais dois, mas um _ uma carne. Lembre-se de Efésios 5 sobre este assunto. E ainda, a idéia do relacionamento é o Seu crescimento: ‘Frutificai e multiplicai-vos’ (Gn 1.28). ‘Ele verá a Sua descendência...Ele verá o trabalho de Sua alma...’ (Is 53.10,11). Como? Não há outra forma senão através da Igreja. Observemos o seguinte: o trabalho de Sua alma será satisfeito ao gerar a Igreja novos filhos. Isto coloca o evangelismo numa nova luz, não coloca? É para Ele. Não é simplesmente o interesse de salvar as almas: é para que Ele possa ver o trabalho de Sua alma e ficar satisfeito. A Igreja é o instrumento no qual e através do qual Cristo é reproduzido _ através do qual, podemos dizer, Ele é propagado. E qualquer ‘igreja’, que assim se chame a si mesma, que não é reprodutora, à qual o Senhor não é acrescentado, na qual não há nascimentos espirituais, perdeu o ponto de seu relacionamento com Cristo.
 
(9) A Cidade
 
A última pintura é a da Cidade. No final de Apocalipse, é-nos dito que o anjo, após ter dito: ‘Vem, mostrar-te-ei a esposa, a esposa do Cordeiro.’ (21.9), levou o apóstolo ‘no Espírito para um grande e alto monte, e me mostrou a cidade santa...’ (v.10). Essas não são duas entidades separadas. Todos esses títulos pertencem à mesma entidade, porém, são a mesma entidade vistas de posições diferentes. Se você estudar isto, penso que irá descobrir que o título de ‘a Cidade’ reúne em si mesmo todos os elementos dos demais; eles vêm juntos neste.
Observe algumas das características desta Cidade. Primeiramente, sua grandeza. Que cidade ela é! Ele apresenta a grandeza espiritual da Igreja em união com Cristo. Olhe novamente para sua força _ seus ‘altos e grandes muros’ (v.12): que força há nesta Cidade! É a força espiritual da Igreja em união com Cristo. Foi provado que ‘as portas do inferno não prevalecerão contra ela’ (Mt 16.18). O inferno se moveu de suas profundezas,, exauriu todas os seus recursos contra a Igreja; mas a Igreja continua _ ela é uma Igreja poderosa. Sua força não é a força de homens. Olhe novamente para a sua pureza: ‘sua luz...como se fosse de pedra de jaspe, claro como cristal’ (v. 11): tudo transparente _ sua rua de ouro transparente (v. 18), seu rio de água clara como cristal’ (22.1) _ a pureza da Igreja no final. Olhe novamente para a sua beleza: ‘todos os tipos de pedras preciosas’ (v.19). É uma linda cidade. Seus portões de pérola (v. 21) falam dos sofrimentos e do sacrifício do relacionamento com o seu Senhor e as Suas aflições. Olhe para a sua vivacidade (21.1,2), para a sua luminosidade (21.11,23,24; 22.5) sua vida e sua luz. Olhe para a plenitude de recursos: as árvores dando os seus frutos durante o ano todo (22.2). Constante reprodução, sem fim _ algo completamente fenomenal e diferente. E, finalmente, em todo lugar o número doze escrito: doze fundações, doze portões, doze anjos, doze mil estádios: tudo falando de governo espiritual.
Tal é a representação que nos é dada da Igreja, como ela será quando, finalmente, a obra terminar. Vamos observar que isto é representado para nós como um fato. Podemos muito bem nos desesperar, agora, de que isto jamais será realizado, porém, temos recebido a revelação desta profecia daquilo que ela (a Igreja) será no final. Em um certo sentido, não importa como as coisas estejam agora, importa que é desta maneira que a Igreja será. Voltando a um verso similar anterior: Ele irá ‘apresentar a Igreja a Si mesmo como uma Igreja gloriosa’ _ uma Igreja santa, uma Igreja pura, uma Igreja santificada, sem mancha, nem ruga, ou qualquer outra coisa.’ (Ef 5.27).
 
CAPÍTULO 8 - A VINDA NOVAMENTE DO SENHOR JESUS
 
Assim, chegamos à última nota da oitava redenção: A Vinda Novamente do Senhor Jesus. Nenhuma tentativa foi feita para dar uma apresentação abrangente de qualquer um desses aspectos da redenção, mas somente para prover, se possível, uma resposta concisa à questão perguntada sobre cada um deles: Por que isto...? Por que aquilo...? Isto é particularmente verdade sobre este último aspecto. Não irei tentar por um momento cobrir todo o assunto da segunda vinda do Senhor.
Por que, então, a Vinda Novamente do Senhor Jesus? A vinda do Senhor é mais comumente pensada como um evento; algo que irá acontecer em um determinado tempo, como um item em um programa; apenas um evento que irá um dia ocorrer. Naturalmente, até certo ponto, isto é verdade; porém é muito importante que pudéssemos saber por que ela deve ocorrer _ Por que Ele virá novamente. Vamos ser claros de que Deus poderia efetivar todas as coisas associadas à vinda de Cristo sem a Sua real vinda. Por exemplo, se é uma questão de levar os cristãos para o Céu, Ele poderia fazer isto sem que Cristo precise vir nos buscar; e há muitas outras coisas como esta que Deus poderia fazer direta e independente. Porém as Escrituras nos mostram que elas estão todas ligadas e centradas na vinda pessoal de Cristo, e é este fato que dá margem à pergunta: Por que deve ser desta forma? Por que deve ser uma questão de Cristo voltar novamente?
 
A CONSUMAÇÃO DA REDENÇÃO
 
A resposta é realmente encontrada em tudo que temos dito nos estudos anteriores. A vinda novamente do Senhor é simplesmente a Sua própria consumação de tudo aquilo. Para os apóstolos Ele disse, ao deixá-los: ‘Estou convosco...até a consumação dos séculos’ (Mat 28.20). Então, o que é isto que, nesta era, será consumado no final? Será tudo aquilo que temos dito sobre Ele nessas páginas. Vamos bem apressadamente passar nossos olhos sobre isto, a fim de ver o resumo de Sua vinda.
A primeira e a última vinda estão claramente unidas em propósito e realização. O primeiro estágio da redenção com o qual estivemos ocupados foi a encarnação do Filho do Homem _ Sua vinda na forma humana a este mundo; e nós indicamos que na encarnação houve três propósitos. Primeiro, a redenção do homem pelo Homem. O pecado veio pelo homem: pelo Homem o pecado deve sair. Pelo homem vieram as consequências: pelo Homem as consequências devem ser destruídas e afastadas. Este é todo o ponto de ter Ele se tornado Homem. Segundo, a redenção do homem: a re-constituição do homem, para fazer dele o tipo de homem que Deus planejou, mas o qual ele gravemente deixou de ser. Terceiro, o aperfeiçoamento do homem para a glória. Essas eram as três coisas ligadas à Sua vinda em forma de homem na primeira instância. 
A segunda fase foi a Sua vida terrena. Nós a resumimos dizendo que, estando aqui desde o nascimento e infância, até a maturidade como homem, através de cada provação e teste, até o último momento na Cruz, quando o fogo foi aquecido sete vezes, Ele ofereceu a Deus um corpo sem a marca do pecado, ou falha. ‘Um corpo Me preparaste’, disse Ele (Hb 10.5); e, tendo passado por todo tipo de prova, Ele ofereceu o corpo sem mancha, sem qualquer perda da característica espiritual. Ele o apresentou a Deus, como uma oferta queimada (Hb 9.14), aceitável a Deus. Ele representou o Homem que Deus procura, do início ao fim, vivendo uma vida que foi absolutamente triunfante sobre tudo aquilo que a humanidade tem carência; e assim, Ele Se tornou o modelo de Homem de acordo com o coração de Deus, o Homem que Deus procura e terá.
 
A TERRA É DO SENHOR
 
Havia algo de grande significado no Filho de Deus, como Filho do Homem, ao colocar os Seus pés sobre esta terra. Num estudo anterior, citamos o salmo 24. Você observa que ele começa com: ‘A terra e toda a sua plenitude é do Senhor’. Este é o começo do primeiro verso. O segundo verso começa (v.3): ‘Quem subirá até o monte do Senhor?’  E a resposta vem: ‘Aquele que tem mãos limpas, e um coração puro; que não entrega a sua vida à vaidade, que não jura enganosamente’. Ele _ Ele é esta Pessoa! Então, o terceiro verso: ‘Levantai as vossas cabeças, ó portais eternos, para que entre o Rei da Glória’. Você percebe o movimento? A terra é do Senhor: e Ele pôs os Seus pés sobre ela, Ele realmente pisou nesta terra. Ele viveu a Sua vida aqui sem mãos sujas, sem coração impuro, e por isso Ele, e somente Ele, é Aquele que está apto a subir ao monte do Senhor. Porque Ele veio aqui e assim venceu, e assim triunfou, os portais eternos estão totalmente abertos: Ele pode entrar.
Agora o ponto é este. A terra é do Senhor, e Ele pôs os Seus pés aqui, e disse: ‘Esta terra pertence a este tipo de Homem, e o Céu irá atestar isto!’ Este é o significado do salmo 24. E este é o porque, quando Ele viveu a vida, obteve a vitória, e ressuscitou triunfante, disse para os Seus discípulos: ‘Vão por todo o mundo: vão e ponham seus pés em toda a terra, e a requeiram. Ela é minha herança, por direito de criação, por direito de redenção. Vão e coloquem seus pés sobre ela: ela Me pertence. Isto está tudo no curso da redenção’.
A Cruz efetivou esta redenção que foi o propósito da encarnação _ efetivou a redenção da terra sobre a qual Ele pôs os pés e viveu Sua vida triunfante. Por Sua Cruz Ele tomou a terra das mãos do príncipe deste mundo, e a tomou de volta para a Sua possessão de direito. ‘Hoje, disse Ele, ‘o príncipe deste mundo é expulso’ (Jo 12.31).
Na Ressurreição Ele está na possessão disto, e por quarenta dias Ele estabelece o grande fato de que Ele está vivo. Ele está vivo! Ele ‘morreu’: ‘Ele está ‘vivo para todo sempre’. Ele possui as chaves da morte e do inferno’. (Ap 1.18), e Ele estabelece isto no núcleo de Sua Igreja, bem no seu início, para todo sempre.
E, então, Ele vai para a glória na presença deles, e a coisa toda _ a encarnação com o seu significado, a vida com o seu triunfo glorioso, a Cruz com a sua maravilhosa destruição da obra do Diabo _ a coisa toda é tomada e colocada para fora do alcance de qualquer coisa aqui, homens ou diabo, para que não possam tocá-la. Alterá-la. É colocada no Céu. Você se lembra o que Ele mesmo nos diz sobre o Céu: ‘Lá nem traça nem ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam’ (Mt 6.200. Está fora do alcance. ‘A vossa vida está escondida com Cristo em Deus’ (Cl 3.3). Está lá em cima; nada aqui pode interferir com ela. Esta é a Ascensão.
O Espírito veio como o Espírito do Cristo glorificado no Céu, enviado para trazer _ potencialmente _ todas essas virtudes do Céu para a terra; para efetivá-las nos crentes para esta dispensação. 
A Igreja nasceu como um vaso, o ‘novo homem’. Sejamos cuidadosos, nesta conexão, para que não falemos da Igreja como sendo Cristo encarnado novamente. O Espírito veio para habitar na Igreja: para fazê-la, como o Corpo de Cristo, Sua cópia, para expressar toda obra que Ele mesmo realizou e levou para a glória.
 
A SEGUNDA VINDA
 
Finalmente Ele está vindo novamente! Por quê? Para terminar tudo! Para completar a redenção do homem! Para completar aquilo que Ele veio fazer da primeira vez, em cada esfera. O oitavo capítulo da carta aos Romanos trata dessa consumação da redenção em dois aspectos.
Primeiro, a manifestação, a revelação, dos filhos de Deus (Rm 8.19). Eles têm estado em secreto, têm estado escondido; somente entre as Pessoas da Trindade é conhecido quem é de Cristo; porém eles serão revelados. Esta é a consumação da redenção: o trazer para fora e manifestar os filhos de Deus; tornando-os conhecidos, mostrando-os em glória. Sempre penso que esta é uma palavra muito maravilhosa do apóstolo Paulo aos tessalonicenses neste mesmo ponto: ‘Quando Ele vier para ser glorificado nos Seus santos, e para se fazer admirável em  todos os que crêem...’ (2 Ts 1.10). Aí está a conclusão do propósito da Encarnação: redenção, reconstituição, aperfeiçoamento, glorificação, tudo trazido à plenitude em Sua vinda. ‘Maravilhado em todos os que crêem’: esta frase sempre me fascina. O que ela significa? Certamente, todos os observadores, todas as inteligências, quando olharem para os santos, irão dizer: ‘Olhem para eles! Não é Ele maravilhoso?!’ ‘Maravilhado em todos os que crêem’, ‘Quando Ele vier’. É a consumação da obra e do propósito da Encarnação, e a consumação nos crentes de todo o significado de Sua vida terrena.
Mas, então, Romanos 8 toca o outro aspecto da redenção. É-nos dito que ‘toda a criação’ está esperando por esta ‘revelação dos filhos de Deus’, e ‘gemendo e está juntamente com dores de parto até agora’ (v.19,22). ‘A própria criação’, diz o apóstolo, ‘será libertada...’ (v.21). Ele coloca os Seus pés sobre a terra e diz: ‘Ela é minha’. Ele veio a esta terra, viveu nela e triunfou sobre ela, e obteve a vitória por ela e sobre ela; e agora, em Sua vinda, ela é redimida, como a consumação da redenção. ‘A própria criação’ é ‘libertada da corrupção’. Mas não é somente a criação que é libertada. Nossos corpos alcançarão o benefício desta consumação da redenção. ‘Nós mesmos gememos, esperando... a redenção do nosso corpo’ (v.23). Os corpos físicos dos crentes serão ‘libertados da corrupção’.
Tudo isto é o que Ele veio fazer. Tudo que Ele realizou em Si mesmo, tudo o que foi verdade sobre ele, Ele está agora realizando nos crentes. Sei que essas palavras se aplicam primeiramente à Sua Deidade, contudo há uma segunda aplicação delas: ‘Não era possível que Ele fosse detido pela morte’ (At 2.24); “Tu não permitirás que o Teu Santo veja a corrupção’ (v.27). Porque Ele era o Santo, não foi possível que Ele fosse preso e detido pela morte, porque esta é a pena do pecado. Como digo, primeiramente isto se refere a Ele como o Divino Filho de Deus, incorruptível e sem pecado; porém agora, Ele liberta os crentes do pecado e da corrupção, e conseqüentemente da morte, e realiza neles aquilo que foi verdade Nele próprio. Ele não os está levando para a Deidade, mas pela graça Ele está conferindo a eles todos os valores de Seu próprio triunfo. E isto inclui a redenção física.
Você entende o porque da vinda novamente?  Para concluir tudo para o qual Ele veio e tudo o que Ele fez na primeira vinda. E isto não é tudo. Na Cruz, enquanto Ele estava lá tratando de toda questão do pecado _ e em Si mesmo Ele tratou dela de forma plena e final _ Ele estava, muito mais do que isso, tratando com toda a questão de Satanás. Temos procurado enfatizar o fato de que a batalha real da Cruz se deu naquele campo cósmico dos principados e potestades. É lá que a batalha real ocorreu; e foi uma batalha terrível, com cada maligno, sinistro, e coisas das trevas do reino de Satanás. E foi lá que o triunfo total do Senhor Jesus foi vencida. Sua vinda novamente é para tornar este triunfo absoluto, final; para levar a Igreja a gozar o Seu triunfo.
Estamos em batalha; e é muito verdadeiro que, quanto mais você permanece no terreno do Calvário, da Cruz, a furiosa batalha começa. Satanás odeia aquela Cruz. Se você realmente permanecer em espírito no terreno da Cruz, você entra na batalha: ele irá fazer de tudo para tirar você deste terreno. O Senhor Jesus irá voltar simplesmente para por fim em todo este conflito para a Igreja, do mesmo modo como Ele fez em Si mesmo. Quando Ele voltar, Sua vinda irá acabar de uma vez para sempre com o reino de Satanás, com o reino das trevas. Este é o porque de Sua vinda.
 
A VINDA DO FILHO DO HOMEM
 
Deixe-me apenas enfatizar um ponto novamente: é a “vinda do Filho do Homem” (Mt 24.27,37,39). É assim que Ele coloca: ‘a vinda do Filho do Homem’. Sinto muito que Sankey mudou estas palavras naquele seu hino que às vezes cantamos: ‘Oh, maravilhoso dia! Oh, glorioso dia, quando o Filho de Deus voltar’.
O Senhor e as Escritura falam da vinda do Filho do Homem, não do Filho de Deus. É verdade, é o Filho de Deus quem está vindo; porém, você compreende o real sentido aqui. Foi o Homem para o homem, como Homem, ao longo de toda trajetória; e será assim no final. A Encarnação não tem significado se não for o Homem para o homem. A vida terrena não tem significado se não for o Homem para o homem, A Cruz não tem significado se não for o Homem para o homem. O mesmo da ressurreição, o mesmo da ascensão e da entronização: É o Homem na glória. ‘Vemos porém...Jesus’  _ Jesus, este é o Seu título humano _ ‘coroado de glória e de honra’ (Hb 2.9). É o Homem para o homem no Céu. A Igreja é o nascimento de ‘um novo homem’ pelo Espírito Santo, enviado do Céu (1 Pd 1.12b). E a nova vinda é o Homem para o homem: é o Homem consumando tudo em relação ao homem, e o homem entrando em sua herança em Cristo. Toda esta coisa maravilhosa é para o homem _ para você e para mim! Ele está vindo como o Filho do Homem.
Há coisas imensas ligadas a este título. Este título denota relação com a raça humana: toda obra do Senhor para com a raça humana, e Sua representação da raça humana no Céu. O presente apelo é para os homens, na base de tudo isto. Oh, que paródia de tudo isso surgiu com o ‘natal’! Pense nele à luz do que temos dito sobre a Encarnação, a redenção, a reconstituição e a glorificação do homem: onde isto entra, no natal de nosso tempo? O Diabo simplesmente mudou a coisa toda, e fez dela uma contradição ao seu significado real. Ele a tem usado como um meio de atrair aquele outro homem, o velho homem, para a satisfação de si próprio. E assim em tudo mais _ tem sido dada uma volta errada. Na vinda do Senhor Jesus isto será corrigido. 
Porém, nesse meio tempo, Seu apelo a nós _ para o homem _ está neste campo, que Ele veio para a nossa redenção. Ele veio para nos fazer diferente, para nos reconstituir: Ele veio para nos aperfeiçoar segundo a Sua própria imagem: Ele veio para nos glorificar. Ele mostrou em Sua própria vida aqui que isto pode ser feito. Isto foi feito em um Homem. Pode ser feito, pois Ele o fez. Nos é dito: ‘Para isto o Filho de Deus se manifestou, para destruir as obras do Diabo’ (1 Jo 3.8b). Ele veio para destruir as obras do Diabo, e Ele fez isso na Cruz. Ele está nos chamando para um terreno muito amplo. Tudo isso é redenção: redenção é uma coisa tremenda. Temos uma grande redenção, porque temos um Grande Redentor. Temos estado pensando sobre o tempo quando Ele vier para dar o último grande toque em tudo isto, para dar o toque final nesta grande redenção _ do homem, da terra, em toda a criação: ‘Quando Ele vier para ser glorificado em Seus santos’ (2 Ts 1.10).
Creio que falo mais pra mim mesmo, quando digo que parece haver algo no ar que diz que a Sua vinda deve estar próxima. Parece que sentimos que isto não pode estar longe. Como filhos de Deus, nós ‘gememos’ mais do que nunca; e há um gemido aumentando em toda a criação. A angústia nesta criação está ficando quase insuportável. Esta terra precisa de redenção; somente Deus sabe o que irá acontecer a ela, se ela não for redimida. Porém, seja como for, há algo dentro do espírito do verdadeiro filho de Deus que diz que Sua vinda está próxima. É a única esperança _ não há esperança em qualquer outra direção. Todos reconhecem isto, salvos e não salvos. A menos que o Deus Todo Poderoso intervenha, não há esperança para este mundo.
Ah, mas Ele está vindo para intervir! Ele está vindo para intervir em Seu Filho, e existe esperança. E assim o apóstolo fala desta ‘bendita esperança’ _ a ‘bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Senhor Jesus Cristo; ’ (Tt 2.13). Que o Senhor nos encha com nova alegria na contemplação de Sua vinda que está próxima, para completar tudo o que Ele começou. 
 
FIM

 

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