A IGREJA SEGUNDO O PENSAMENTO DIVINO

A IGREJA COMO CASA DE DEUS
DE ACORDO COM A MENTE DIVINA
 
Os dois principais aspectos pelos quais a Igreja é considerada no Novo Testamento são: como Corpo de Cristo e como Casa de Deus.
Analisada pela primeira perspectiva - como Corpo de Cristo -, a Igreja é composta de todos os crentes da terra, os quais constituem um único Corpo que é ligado à Cabeça, no Céu, pelo batismo no Espírito Santo (1 Coríntios 12:12-13; Cl 1:18).
Vista como Casa de Deus, de acordo com a mente de Cristo, a Igreja é composta de crentes judeus e gentios edificados juntos para habitação de Deus por meio do Espírito (Efésios 2:22).
O Corpo único expressa o aspecto celestial da Igreja. Os crentes são constituídos povo celestial por causa de sua união com Cristo no Céu - sendo Ele a Cabeça do Corpo. A Casa de Deus, por sua vez, sempre contempla a Igreja em conexão com a terra.
A formação e a manutenção do Corpo único estão além da responsabilidade do ser humano.
Por isso, nada que seja inconsistente terá parte no Corpo.
É certo que todos os crentes são responsáveis por manter a verdade do Corpo e por andar na medida da luz que têm dele - e nisso temos falhado horrivelmente -, mas o Corpo propriamente dito é constituído apenas de crentes verdadeiros, por ação do Espírito Santo. Já a Casa de Deus foi estabelecida sobre a responsabilidade humana.
Sabemos que o homem é passivo de falhas, e, em decorrência disso, matéria indigna acabou sendo introduzida na Casa de Deus, que resultou na solene afirmação do apóstolo Pedro de que o julgamento há de começar pela casa de Deus (1 Pedro 4: 17).
Contudo, antes de poder formar qualquer idéia apropriada de nossas responsabilidades no que diz respeito à Casa de Deus ou de avaliar a extensão de nosso fracasso em cumprir essas responsabilidades, é essencial entendermos claramente o conceito de Casa de Deus segundo o propósito divino original. Para isso, devemos retomar à Palavra de Deus, pois é impossível aprender de um cristianismo corrompido o sentido original da Casa que o divinoArquiteto edificou na terra.
Voltando-nos para as Escrituras, logo descobrimos que a Casa de Deus é um lugar muito amplo, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. A primeira menção a esse fato está em Gênesis 28, e a última, em Apoca1ipse 21.
Do primeiro ao último livro, da criação atual aos novos céus e nova terra (o estado eterno), a Casa de Deus constitui-se um dos maravilhosos e imutáveis desígnios concebidos na mente divina.
É certo que a composição da casa difere bastante de época para época. Nos dias do Antigo Testamento, foi edificada com tábuas e cortinas e mais tarde com pedras materiais. Hoje, no âmbito do propósito divino, compõe-se de "pedras vivas".
No entanto, enquanto os elementos variam, o propósito de sua existência permanece o mesmo.
Não importa a forma que assuma, o objetivo é que seja sempre uma habitação para Deus. Salomão expressa essa idéia quando declara: "Edifiquei uma casa para tua morada, lugar para a tua eterna habitação" (2Crônicas 6:2). Deus, para a própria satisfação, estava determinado a habitar com o ser humano.
Convém, evidentemente, que a Casa de Deus apresente certas características.
Independentemente da forma que assuma, tudo ali deve necessariamente corresponder a Deus. A Primeira Epístola a Timóteo foi escrita especialmente para nos instruir quanto ao comportamento adequado à Casa de Deus (1 Timóteo 3: 15). Mas, para que tenhamos um comportamento correto, é essencial que conheçamos as características determinantes da Casa de Deus.
A santidade é a sua primeira caracteristica distintiva, conforme lemos em Salmos 93:5: "Fidelissímos são os teus testemunhos; à tua casa convém a santidade, SENHOR para todo o sempre". Lemos também, em Ezequiel 43: 12: "Esta é a lei da casa. Sobre o cume do monte, todo o seu contorno em redor será santíssimo; eis que esta é a lei da casa" (ERC). A santidade,
portanto, é a primeira regra da Casa. Por essa razão, a Epístola a Timóteo instrui os que constituem a Casa de Deus a manter o "coração puro", a "consciência boa" e a "fé sem hipocrisia".
Além disso, toda conduta que esteja em contradição com esse ensino deve ser rejeitada (1 Timóteo 1:5-10).
Outra característica distintiva da Casa é a dependência de Deus. Por conseguinte, a oração ocupa lugar importante nessa questão, pois é a expressão dessa dependência. Desse modo, lemos: "Quero, portanto, que os varões orem em todo lugar, levantando mãos santas, sem ira e sem animosidade" (1 Timóteo 2:8). Todos os que integram a Casa de Deus devem ser dependentes de Deus, que habita ali.
Temos ainda outra importante característica: a sujeição à autoridade. Na Casa de Deus, a mulher deve aprender em sujeição, sem usurpar a autoridade do homem (1 Timóteo 2: 11-12).
Finalmente, a Casa de Deus distingue-se pela supervisão e pelo cuidado - supervisão preocupada com o bem-estar espiritual do povo (1 Timóteo 3: 1-7) e cuidado quanto às necessidades temporais e físicas das pessoas (v. 8-13).
O mundo distingue-se pela maldade, pela auto-suficiência, pela rebelião contra a autoridade, pela ausência de supervisão espiritual e pela negligência para com as necessidades do ser humano. Na Casa de Deus, porém, predominam condições inteiramente opostas. Ali, em conformidade com o propósito da mente divina, a santidade precisa ser mantida, e tudo deve estar na dependência de Deus e sujeito à autoridade outorgada por Ele. Na Casa de Deus, alma e corpo recebem toda a atenção.
Estas são, portanto, algumas das principais características: santidade, dependência de Deus, sujeição, supervisão e cuidado. Além disso, essas caracteristicas são necessárias para que o propósito de Deus concernenteà Sua Casa seja devidamente realizado.
 
Qual seria, então, o principal propósito que Deus tinha no coração ao decidir habitar entre os homens? Primeiro, se Deus tem um lugar de habitação entre os seres humanos, é para que se tome conhecido por abençoar os homens. Segundo, se o ser humano é abençoado por Deus, é para que Deus seja louvado.
Estes são, portanto, os dois principais propósitos relacionados com a Casa de Deus: Deus se fazendo conhecer pelas bênçãos que concede, para que o homem, então, se volte para Ele em louvor.
Em face disso, torna-se evidente que o privilégio - e a responsabilidade - dos que têm parte na Casa de Deus consiste em expressar a Deus e em louvá-Lo. Esses princípios norteadores são belamente evidenciados na primeira porção das Escrituras que faz menção à Casa de Deus: Gênesis 28:10-22. Ali Jacó, o peregrino, tem uma visão da Casa de Deus. E podemos, nessa
cena, contemplar ao mesmo tempo o propósito de Deus e a responsabilidade do homem com relação à Casa de Deus. Deus revelou-se a Jacó como aquEle que está determinado a abençoar o ser humano em Sua graça soberana. Deus prometeu: "Em ti e na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da terra". E disse que iria cumprir a promessa. Ele seria fiel à Sua palavra: "Não te desampararei, até cumprir eu aquilo que te hei referido" .Assim, temos de nossa parte dupla responsabilidade.
Jacó exclamou: "Quão temível é este lugar! É a Casa de Deus, a porta dos céus" . Imediatamente, ele "tomou a pedra que havia posto por travesseiro e a erigiu em coluna, sobre cujo topo entornou azeite".
A porta representa o acesso ao Céu. Através dela, entramos em contato com o Céu para orar e louvar. E, diga-sede passagem, essa porta não é simplesmente um ponto longínquo além das fronteiras do planeta. A porta do Céu está situada na terra, e nós, enquanto estivermos aqui, poderemos usar essa passagem.
A coluna, conforme deduzimos da história da separação entre Jacó e Labão, fala de testemunho (Gênesis 31:52).
Portanto, temos dupla responsabilidade com relação à Casa de Deus: de um lado, aproximarmo-nos de Deus em oração e louvor; de outro, aproximarmo-nos dos homens como testemunhas de Deus. E o nosso testemunho só pode ser levado a efeito pelo poder do Espírito Santo, simbolizado na coluna ungida com óleo.
Voltando a 2 Crônicas 6, deparamos novamente com o propósito de Deus e a responsabilidade do homem, representados agora na dedicação do edifício erigido pelo rei Salomão. Primeiro, vemos o Templo como o lugar em que Deus revela a Si mesmo para abençoar o homem. O rei, simbolizando a atitude de Deus para com o homem, "voltou [...] o rosto, e abençoou a toda a
congregação de Israel" (v. 3).
Salomão deu também testemunho da fidelidade de Deus à Sua palavra: "Assim, cumpriu o SENHORa sua palavra que tinha dito" (v. 4,10,15). Desse modo, pela perspectiva da responsabilidade e do privilégio do homem, constatamos que o templo de Saio mão tornou-se a porta do Céu. Nove vezes o rei solicita que as oraçôes proferidas nesse lugar sejam ouvidas no Céu. A Casa tornou-se a porta de acesso ao Céu (v. 21-40).
Finalmente, a casa que Salomão edíficou, a exemplo da coluna de Jacó, serviria de testemunho acerca de Deus entre as nações da terra, como expressa a oração do rei, "a fim de que todos os povos da terra conheçam o teu nome, para te temerem como o teu povo de Israel e para saberem que esta casa, que eu edifiquei, é chamada pelo teu nome" (v. 33).
Retomando ao Novo Testamento, à Primeira Epístola de Pedro, percebemos que, apesar de a forma da Casa de Deus ter sido alterada, nem o propósito divino nem a responsabilidade humana sofreram modificação. Só que ela não é mais constituída de pedras sem vida, é agora casa espiritual, ediíicada com pedras vivas. Diz o apóstolo: "Vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual" (1 Pedro 2:5).
No primeiro capítulo da mesma epístola, aprendemos que os que constituem a Casa de Deus são alvo de Sua graça soberana, pois lemos: "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros".
Descobrimos ainda que essa graça nos é garantida pela "palavra do Senhor", que "permanece eternamente".
Avançando para o capítulo 2, deparamos mais uma vez com os nossos privilégios e responsabilidades quanto à Casa de Deus. De um lado, somos edificados juntamente "a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo". De outro, diante dos homens, existimos para "anunciar as excelências dEle" (JND), que "vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz". Eis, novamente, a "porta dos céus" e a "coluna" ungida com óleo. Aproximamo-nos de Deus para apresentar-lhe as nossas orações e oferecer-lhe o nosso louvor e aproximamo-nos dos homens para dar testemunho de suas virtudes.
Alguém pode perguntar: "Quando foi que a Casa de Deus, em sua forma atual, veio à existência?". As Escrituras dão-nos uma resposta categórica - isso não aconteceu antes de a redenção ser efetivada. Se Deus habita no meio de um povo que o louva, foi porque Cristo experimentou primeiro as trevas e o abandono na cruz.
Nós o ouvimos clamar: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?". E o mesmo Cristo que emitiu esse clamor solitário pode dar a resposta: "Tu és santo, entronizado entre os louvores de Israel". Para o Deus santo habitar no meio dos louvores de um povo foi necessário que Cristo redimisse esse povo por meio da morte.
Jacó, como vimos, pode ter aludido à Casa de Deus, mas só depois de ocorrer a redenção foi que Deus revelou a intenção de habitar entre filhos de Israel (ver Êxodo 29:45). Deus não podia habitar com o inocente Adão nem com o fielAbraão. Ele poder ter caminhado no jardim ou agraciado Abraão com o privilégio de Sua visita, mas nem a inocência nem a fidelidad egarantem um lugar para a habitação de Deus. A mera inocência foi insuficiente para corresponder à Casa de Deus, e a fé do ser humano não bastou para sustentá-Ia depois que a inocência se perdeu.
A habitação de Deus entre os homens é fruto da redenção, que preparou o ser humano para recebê-Lo e tomou o Deus santo conhecido dele. Assim, é óbvio que a "casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo", não existia até a redenção ser concretizada. Então, no dia de Pentecostes, quando os discípulos estavam reunidos em Jerusalém, o EspíritoSanto desceu, "encheu toda a casa onde estavam assentados", e "todos ficaram cheios do Espírito Santo". O povo de Deus, até então disperso pelo mundo, passou a constituir-se Habitação de Deus, e Deus passou a ocupar a Casa.
 
A IGREJA NOS CONSELHOS DE DEUS
(Efésios 1; 2:1-10)
 
Em Mateus 16, temos o anúncio profético da Igreja, feito pelo próprio Senhor. Em Atos, encontramos o relato histórico da formação da Igreja por meio do ministério dos apóstolos. Nas
epístolas, deparamos com o ensino do Espírito Santo no tocante à Igreja. A Epístola aos Efésios apresenta esse ensino em sua plenitude.
O primeiro capítulo apresenta os conselhos de Deus com referência a Cristo e a Igreja.
Somos transportados a um tempo anterior à fundação do mundo a fim de descobrir a fonte de todas as nossas bênçãos nos propósitos eternos de Deus.
Somos também levados à plenitude dos tempos para contemplar ali a herança da glória, num tempo em que todos os conselhos de Deus serão cumpridos. No capítulo 2: 1-10, temos a obra de Deus em nós, na perspectiva de Seus conselhos a nosso favor, por meio da qual Ele vivifica os mortos, dá-lhes vida juntamente com Cristo e os faz assentar nos lugares celestiais em Cristo.
Ainda no capítulo 2: 11-22, são-nos apresentados os caminhos de Deus para conosco no tempo presente de modo a realizar os planos que tem para nós na eternidade. Aqui encontramos o que Deus propõe para nós e o que opera em nós.
Ele opera em nós para que sejamos vivificados em Cristo e para que sejamos unidos em um só Corpo, bem ajustados para santuário dedicado ao Senhor e edíficados para habitação de Deus no Espírito.
Podemos, contudo, compreender prontamente por que a epístola começa revelando os conselhos de Deus. A razão é que sem conhecermos os Seus propósitos para a eternidade jamais compreenderemos os Seus caminhos em relação ao tempo. Podemos ficar confusos pelo modo que o pai treina o filho se não soubermos o objetivo dele para a criança. Portanto, se restringirmos o nosso pensamento ao início da epístola (Ef 2:1-10), veremos a Igreja apresentada pela perspectiva dos conselhos e da obra de Deus. A obra e as responsabilidades do homem não têm lugar nessa passagem. Tudo é deliberado or Deus e tudo é levado a cabo por Ele. E, vindo de Deus, tudo é perfeito.
Os versículos 3-7 revelam os conselhos de Deus para cada um de Seus santos individualmente - os que compõem a Igreja. Nessa importante passagem, percebemos o caráter e a fonte de nossas bênçãos, o fim que Deus tem em vista, bem como os meios pelos quais esse fim será alcançado.
No tocante ao caráter de nossas bênçãos, é importante lembrar que elas são espirituais - celestiais - e estão em Cristo, pois somos propensos a buscar bênçãos materiais - terrenas -, as quais estão ligadas a Adão. A compreensão do verdadeiro caráter de nossas bênçãos deveria ter imenso efeito sobre o nosso testemunho. Porém, qual o objetivo da grande massa de retensos ministros hoje em dia? Não é, essencialmente, fazer cristãos morais s em vez de espirituais? Não é melhorar a sua posição terrena, em vez de chamá-I os do mundo para o céu? Não é melhorar o primeiro homem em vez de conduzi-I o à nova posição em Cristo? Deus forma o nosso caráter e o nosso testemunho instruindo-nos no verdadeiro caráter da bênção e ensinando-nos a desfrutá-Ia.
Quanto à fonte de nossas bênçãos, lemos: "O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo ... nos escolheu nele antes da fundação do mundo" (Ef 1:3-4).
Todas as nossas bênçãos têm a sua fonte nos conselhos do coração do Pai. Descobrimos que o Seu coração estava voltado para nós antes da fundação do mundo. Ele se deleita em que saibamos disso. E, amando ao Pai, consideremos um de nossos mais excelentes privilégios este fato: Ele nos revelou os segredos de Seu coração. Ter sido escolhido nEle antes da fundação do mundo indica uma escolha independente da cena da criação.
Assim, o propósito de Deus para conosco não depende de coisa alguma que tenhamos feito ou que possamos fazer.
Encontramo-nos num mundo de dor e sofrimento, de oposição  perseguição, mas nada que  pertença à vida temporal poderá alterar o propósito de Deus. O diabo não hesita em valer-se das dificuldades do caminho para suscitar em nosso coração desconfiança acerca de Deus e despertar dúvida quanto à realidade de Seu amor. Mas o texto nos mostra que o amor do Pai está por trás de tudo e que, antes da fundação do mundo, Ele  derramou esse amor em nós, visando às nossas bênçãos  eternas e projetando-as no futuro, num tempo em que o mundo já terá deixado de existir. Isso fortalece a alma em sua jornada pelo mundo, pois nenhum fato temporal que cruze o caminho de Deus terá força para alterar os conselhos de amor estabelecidos na eternidade e para eternidade.
Além disso, não somos apenas transportados para a época anterior à fundação do mundo, em que descobrimos a fonte de todas as bênçãos no coração de Deus. Somos também levados em espírito a contemplar o desfecho de todos os conselhos de Deus, na glória.
Assim, aprendemos que Deus pretendia ter os santos diante dEle numa condição que lhe é própria: "... santos e irrepreensíveis perante ele ... em amor" - santo em caráter e irrepreensível na conduta e no amor. Nada menos que isso satisfaria o coração de Deus.
Pois, se for para Deus ter diante de si um povo numa condição condizente com a Sua, tal povo terá de ser semelhante a Ele.
Somente o que é semelhante a Deus é apropriado para Ele.
Deus é santo em caráter, irrepreensível em todos os Seus caminhos e amor em essência. E somente nessa condição Ele nos aceitará, só assim se deleitará em nós e nós nEle. Nada menos que isso irá satisfazer o Seu coração e nada menos que isso nos fará felizes em Sua presença. Nessa cena, nenhum questionamento quanto ao caráter, à conduta ou à natureza será suscitado. Nada poderá frustrar o nosso prazer em Deus ou a Sua satisfação em nós. Em nossa alma, hoje, o Espírito forja o que será realizado em sua plenitude. A condição é tentarmos corresponder aqui na terra ao que seremos lá em cima, no céu, em perfeição.
Além do mais, não somos apenas escolhidos para estar numa condição condizente com a de Deus. Somos também predestinados a desfrutar o relacionamento de filhos perante o Pai. Os anjos, indubitavelmente, estarão diante de Deus numa condição condizente a Ele, porém na posição de servos, enquanto nós somos introduzidos num relacionamento de filhos - privilégio ao qual somos predestinados segundo o beneplácito de Sua vontade, para louvor da glória de Sua graça.
Tendo em vista a consumação dos propósitos de Deus, somos ainda redimidos dos pecados pelo sangue de Cristo, segundo a riqueza de Sua graça. O apóstolo antes associara a predestinação com "a glória de sua graça". Agora  associa a redenção com "as riquezas de sua graça". As nossas necessidades são satisfeitas pelas riquezas da graça divina, mas a glória de Sua graça realiza algo mais: eleva-nos à posição de filhos. Satisfeitas as necessidades do pródigo, descobrimos quão abundantes são os recursos da graça existente na casa do Pai.
Mas dar a ele o lugar de filho revela a glória da graça contida no coração do Pai. Na Epístola aos Romanos, a morte de Cristo é completamente revelada ao lado de nossa responsabilidade, e, assim, o apóstolo exclama: "Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus!" (Rm 11:33). Na Epístola aos Efésios, o apóstolo vai além da responsabilidade e revela os  nossos privilégios. Como conseqüência, não temos apenas as riquezas de Sua graça, mas também a glória de Sua graça.
Tendo, portanto, revelado nos primeiros sete versículos os conselhos do coração do Pai com respeito ao Seu povo, o apóstolo prossegue narrando outras maravilhas. Ele desvendanos o mistério da vontade do Pai concernente a Cristo. O nosso coração se satisfez ao ver revelados os propósitos do amor.
Isso deu descanso à nossa consciência mediante a obra de redenção. Assim, livres, podemos penetrar os pensamentos de Deus com respeito a Cristo e à Igreja.
Era desejo de Deus que conhecêssemos o mistério de Sua vontade, segundo o beneplácito que propusera em Cristo, na dispensação da plenitude dos tempos. O que a palavra "mistério" quer dizer: algo que não podemos entender, misterioso, enigmático? Nada disso! Nas Escrituras, mistério é um segredo que não pode ser conhecido até que seja revelado por Deus. E, quando revelado, só pode ser conhecido pelos iniciados. Esse mistério é segundo o Seu beneplácito, um segredo em que o Seu coração se deleita, pois diz respeito a Cristo. Podemos afirmar que não estamos interessados em mistérios, que deixamos essas coisas profundas para outros? Certamente que não, pois isso significaria contentar-se em saber o que Deus tem em Seu coração por nós sem qualquer interesse quanto ao que Ele tem em Seu coração por Cristo.
Aqui, o mistério faz referência à "plenitude dos tempos", momento em que Deus administrará todas as coisas segundo a Sua mente. Isto é, o tempo em que tudo que foi instituído por Ele em outros tempos e fracassou nas mãos dos homens será administrado em sua plenitude por Cristo. O governo, o sacerdócio e a realeza foram instituídos por Deus no passado, mas estavam fadados ao colapso, visto que envolvia a responsabilidade humana. Mas chegará o tempo em que tudo isso será vivido em perfeição e na sua plenitude - quando Deus fizer convergir em Cristo todas as coisas, tanto as do céu quanto as da terra. No presente, Cristo está oculto, mas quando aparecer em glória, toda confusão, dor e desordem deste mundo será passado. O reino de Satanás chegará ao fim, o tempo da cegueira de Israel acabará, o domínio perverso das nações gentias cessará, o gemido da criação será silenciado e a maldição será removida do planeta. Tudo será consumado, não mediante a difusão do Evangelho, como alguns presunçosamente imaginam, nem por qualquer outra coisa que o homem possa realizar, mas somente por Cristo.
Quando Ele estabelecer o Seu trono, tudo será administrado para o prazer de Deus.  a Antigo Testamento faz abundantes predições "sobre os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam" (1 Pedro 1: 11), glórias que, embora cheguem até os confins da terra, continuam sendo terrenas, não são celestiais. Isso não é segredo: os profetas são veementes ao descrever o reino terrestre de Cristo. a Novo Testamento, contudo, revela-nos o grande mistério. a domínio de Cristo estender-se-a além dos limites da terra, e, como homem, Ele não só dominará "de mar a mar e desde o rio até aos confins da terra", como também sobre o vasto universo de Deus, até os confins da criação. Ele se assentará acima de todo principado, potestade, poder, domínio ou nome que se possa referir, não só no presente século, mas também no vindouro. Por fim, todas as coisas no céu e na terra serão colocadas debaixo de Seus pés - Ele será o Cabeça de todas as coisas.
Deus derramou a Sua graça abundantemente sobre nós, com toda sabedoria e prudência, desvendando-nos não somente o propósito que tinha para o Seu povo, mas os mistérios de Seu coração propostos em Cristo.
Revelou não apenas o Seu propósito com respeito à terra como também mistérios referentes a todo o universo. as céus estão agora separados da terra, mas não será assim para sempre. Deus tem o propósito de unir o céu e a terra sob os pés do, Cristo homem. Esse é o mistério de Sua vontade, mas, ainda assim, não é todo o mistério.
Pois este diz respeito "a Cristo e à igreja" (Efésios 5:32). Não apenas a Cristo ou apenas à Igreja, mas a Cristo e à Igreja.
Isso nos conduz à mais surpreendente parte do mistério: ao assumir o domínio do universo, Cristo será acompanhado por um grande número de pessoas - os que foram salvos da ruína e da destruição deste mundo caído - preparadas, como Ele, pelo Espírito Santo para compartilhar de toda a glória do domínio universal, como Seu corpo e Sua noiva.
 
O restante do capítulo 1 continua apresentando-nos essa verdade. a apóstolo prossegue: "... no qual fomos também feitos herança". Nos versículos 11 e 12, ele menciona os crentes judeus e, noversículo 13, os crentes gentios.
No versículo 14, ao falarde "nossa herança", refere-se aos crentes judeus e gentios reunidos. Assim, como disse alguém, o grande mistério é "Cristo e a Igrejaunidos na bem-aventurança e no domínio celestiais sobre tudo que Deus fez ".
Cristo reinará sobre Israel, sobre os gentios e sobre todo o universo, mas nunca é dito que Ele reinará sobre a Igreja. Cristo, de fato, será sempre supremo.
Mas, para o louvor de Sua glória, a Igreja reinará com Ele.
Isso fica evidente na oração do apóstolo ao encerrar o capítulo. Tendo desvendado a esperança do chamado divino (Ef 1:3-7) e a nossa herança (Ef 1:8-14), o apóstolo ora a fim de que conheçamos essas coisas e também a grandeza do poder que nos levará a usufruir essas gloriosas verdades. Esse poder foi manifestado quando Deus ressuscitou a Cristo dos mortos e o assentou acima de tudo, pondo "todas as coisas debaixo dos [Seus] pés". E, ao mesmo tempo em que é posto como Cabeça sobre todas as coisas, Cristo é colocado como Cabeça da Igreja, a qual é o Seu corpo, "a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas". Aqui a Igreja é vista como o corpo de Cristo, não segundo os planos de Deus na terra, mas segundo os conselhos de Deus na glória.
No princípio do capítulo, temos a revelação dos conselhos de Deus para com os que fazem parte da Igreja. Na parte final, temos os conselhos de Deus relacionados a ela, como um todo, sob a figura de um corpo.
Somos transportados a um tempo em que o Corpo, completo na glória, será unido à sua Cabeça - quando Cristo exercer domínio sobre todas as coisas. Adão e Eva são a figura de Cristo e da Igreja. Eva não dominou diretamente este mundo inferior, mas Adão sim. Éverdade que Deus disse a ambos: "Sede fecundos... dominai", mas, na verdade, o domínio foi entregue a Adão antes mesmo de Eva ser formada. A criação animal foi trazida a Adão para que lhe desse nome. Ele tinha relação com todas as coisas, como cabeça de tudo, e Eva, associada com ele, compartilhava desse domínio.
A Igreja, associada a Cristo, compartilhará de Seu domínio sobre toda a criação. E, assim como foi dito a Eva que fosse uma auxiliadora idônea para Adão - seu complemento - também a Igreja foi chamada para ser "a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas" .À parte da Igreja, Cristo careceria de plenitude. Como alguém disse: "Como Filho de Deus, Ele, naturalmente, não necessita de mais nada para completar a Sua glória, mas como homem sim. Sem a Igreja, Ele não seria mais completo na Sua ressurreição em glória do que Adão teria sido sem Eva".
 
A IGREJA PROFETICAMENTE ANUNCIADA
(Mateus 16:1-18; 18:15-20)
 
Talvez nenhuma outra passagem das Escrituras nos transmita sentido mais profundo do valor da Igreja para o coração de Cristo do que esta: "Cristo amou a Igreja, e a si mesmo se
entregou por ela" (Efésios 5:25).
 
Ele não somente abriu mão de seu reino e seu trono com todos os direitos terrenos e glórias, mas também "a si mesmo se entregou". Se Cristo amou a Igreja com amor tão grande, podemos nos dar ao trabalho de perguntar:
O que é a Igreja?
Por quem é composta e por que é tão preciosa aos olhos dEle?
Quais são seus privilégios e suas responsabilidades? E qual é o seu glorioso destino?
 
Além disso, a Igreja é o principal interesse de Cristo na terra - a essência de todas as operações de Deus no tempo presente. Durante o período compreendido entre a vinda do Espírito Santo, no dia de Pentecostes, e a vinda de Cristo, no arrebatamento, Deus não trata diretamente com o mundo, quer judeu, quer gentio. Ele retira do mundo um povo para formar a Igreja - cuja vocação é o céu.
Sem considerar o que as Escrituras dizem sobre o grande mistério referente a Cristo e a Igreja, não podemos compreender nem desfrutar de modo inteligente a comunhão cristã, dedicar-nos ao serviço do Senhor, nem tampouco cumprir as tarefas simples da vida. Isto porque, se examinarmos as epístolas, vamos descobrir que tudo no cristianismo tem o caráter de Cristo e da Igreja.
É bom, desde já, definir o que queremos dizer quando usamos a palavra "Igreja". Essa palavra tem sido empregada em associações tão diferentes que passou a ser extremamente ambígua. Contudo, no texto original grego não existe essa ambigüidade. O vocábulo grego é utilizado 150 vezes no Novo Testamento. No meu entender, a palavra "assembléia" é, inquestionavelmente, a tradução mais apropriada. Mas poucas vezes os termos "assembléia" ou "congregação" foram empregados na tradução que usamos.
O contexto deve decidir de quem é composta a assembléia, mas isso não causa nenhuma dificuldade verdadeira, visto que no texto grego do Novo Testamento, com a exceção de umas poucas passagens, a palavra refere-se invariavelmente à Assembléia de Deus.
Quando se lê a palavra "Igreja", deve-se sempre entender que ela significa uma assembléia de pessoas, e a assembléia de que falamos é a Assembléia de Deus.
Com essas observações preliminares, podemos voltar agora para Mateus 16. Nessa importante passagem, temos a primeira revelação que diz respeito à Igreja. A pessoa de Cristo é apresentada como o teste do sistema judaico em vias de extinção e como o fundamento da nova estrutura que Cristo estava por edíficar: Sua Assembléia, a Igreja.
Uma grande crise tinha-se colocado no caminho do Senhor.
O Messias fora apresentado a Israel mediante o mais perfeito testemunho.
Deram-se sinais, realizaram-se milagres e cumpriram-se profecias.
A perfeição moral mais elevada, em palavra e vida, expusera-se diante dos homens acompanhada de amor, graça e compaixão abundantes para todos, irrestrita e indistintamente. Mas tudo foi em vão. A descrença, o escárnio, a hostilidade mortal dos líderes aumentava a cada nova demonstração de graça. Por fim, a recepção do Messias pode ser avaliada por uma grande pergunta-teste: "Quem diz o povo ser o Filho do Homem?".
Alguns disseram: "João Batista; outros, Elias, e outros, Jeremias ou algum dos profetas" (Mateus 16:13-14).
A resposta demonstra que, apesar do perfeito testemunho que Ihes foi dado, os homens não eram capazes de manifestar senão opiniões vagas e especulações.
O fato de os homens terem satisfação em especular acerca de Cristo e não se importarem em permanecer na incerteza é prova clara de que, por um lado, não há neles a consciência de necessidade e, por outro, não têm fé. Se tivessem o senso de necessidade, teriam tido discernimento, e com fé, teriam obtido a certeza. Ademais, com toda a especulação, nunca se aproximaram da verdade. Isso demonstra a completa incapacidade do homem de discemir a glória de Cristo, mesmo nas circunstâncias mais favoráveis e na presença do Filho de Deus.
Nos primeiros versículos do capítulo em pauta (Mateus 16), essa descrença atinge o clímax.
Os fariseus e os saduceus, que se odiavam de maneira cordial, estão unidos para dar vazão a um ódio ainda maior: a Cristo.
Os ritualistas e os racionalistas da época dão as mãos para tentar o Filho de Deus, e ambos revelam sua total cegueira à glória da pessoa de Cristo ao pedir um sinal do céu (v. 1).
Como alguém já disse: "A incredulidade é assim: pode experimentar a plena manifestação de Deus, pode contemplar uma luz mais brilhante que a do sol do meio-dia e, ainda assim, pedir que Deus lhe dê uma vela".
Nada poderia evidenciar de modo mais claro a completa rejeição de Cristo que esse pedido de um sinal. Eles tinham rejeitado a Cristo e, agora, depois de longa paciência, são rejeitados por Cristo. São uma geração má e adúltera, para quem só há um sinal: o de Jonas falando do juízo iminente. O Senhor expôs o caráter deles, pronunciou a sua ruína e, deixando-os, retirou-Se (v. 4). Momento solene paraIsrael! O Senhor da glória estava ali. O Deus que fez o céu e a terra estava no meio deles, cheio de graça e verdade, mas as trevas não O aceitaram. Ele começouSeu ministério de amor e graça  na terra de Naftali, para que se pudesse dizer: "O povo que jazia em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região e sombra da morte resplandeceu-Ihes a luz" (Mateus4:16). Mas as trevas não compreenderam a luz; o mal desprezou a bondade, e o ódio rejeitou o Seu amor. E é assim que lemos aquelas tristes e solenes palavras: "deixando--os, retirou-se". Ele os deixou nas trevas e na sombra da morte. Mas pode a perversidade do homem esgotar a graça de Deus?
Nunca! Pelo contrário, ela vem a ser a oportunidade de revelar os mais profundos conselhos de Seu coração e ainda os mais elevados propósitos de Sua graça. A rejeição de Israel abriu caminho para a revelação da Igreja. Havia chegado o momento em que a primeira noção desse grande mistério, até agora oculto em Deus, seria apresentada.
A mesma pergunta que testara todos os homens foi então feita aos discípulos: "Mas vós [...] quem dizeis que eu sou?" (v. 15). Sem demora, Simão Pedro respondeu: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo".
Quão diferente foi essa resposta das vãs opiniões dos homens. A fé de Pedro até podia ser fraca, pois o Senhor há pouco havia dito: "Homens de pequena fé", mas era uma fé viva, que discemia a glória da pessoa de Cristo e confessava-O com a mais absoluta certeza.
Na seqüência imediata a essa  confissão, temos a revelação da Igreja. O Senhor levanta o véu que pelos séculos tinha ocultado os conselhos etemos de Deus e, numa curta sentença, mostra que a glória de Sua pessoa como Filho de Deus vai muito além de tudo o que diz respeito ao domínio terrestre, embora este já seja glorioso.
"Bem-aventurado és", disse o Senhor a Simão Barjonas, "porque não foi came e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do infemo não prevalecerão contra ela" (v. 17-18). Aqui temos uma dupla revelação. Primeiro, a revelação do Pai. A came e o sangue, como víramos, não poderiam discemir a glória do Messias.
Apenas mediante uma revelação do Pai celestial seria possível ao homem na terra discemir que Cristo era o Filho do Deus vivo, título que implica que o Filho é Aquele em quem está a vida e o poder de conferir a vida. Bem se disse que, como Filho do Deus vivo, "Ele herda de Deus esse poder de vida, que não pode ser vencido nem destruído por nada".
Logo em seguida vem a segunda revelação - e esta, quem faz é o Filho, pois ouvimos o Senhor dizer: "Também eu te digo". O Pai tinha revelado a glória do Filho a Simão Pedro, e, baseado na confissão que segue essa revelação, o Filho também revela a Pedro o grande mistério nunca antes dado a conhecer ao homem. Sobre essa rocha o Senhor ia edificar uma estrutura completamente nova, a qual chama "minha Igreja" (ou "minha Assembléia"). Eis, pois, demonstrada a fundação sobre a qual está firmada a Igreja. Ela está edificada sobre uma fundação sólida e divina: a pessoa do Filho do Deus vivo.
Com efeito, essas são verdades que a carne e o sangue não podem revelar. Quando Deus comunicou a Lei, Moisés e os anjos estavam à altura da situação. Mas, em se tratando da glória do Filho e dos conselhos de Deus com respeito à Igreja, a revelação precisa vir, em primeiro lugar, do Pai e do Filho.
Trata-se de uma questão que a carne e o sangue, como tais, não podem nem transmitir, nem receber.
Além disso, revela-se o propósito da Igreja. Ela é introduzida no mundo para a glória e o deleite de Cristo.
Já vimos que a Igreja é de Cristo.
Ele pode dizer: "ela é minha Assembléia" .
A primeira grandelição a aprendermos é que Cristo não é para a Igreja, mas, sim, a Igreja é para Cristo. A noiva, no livro do Cântico dos cânticos, pensa primeiro em sua própria necessidade, ao exclamar: "O meu amado é meu" (2: 16).
Todavia, por fim, é induzida a contemplar as coisas do ponto de vista do noivo e com grande prazer é capaz de dizer: "Eu sou do meu amado, e ele tem saudades de mim" (7:10).
Também nessa primeira grande revelação que temos acerca da Igreja, a abordagem é feita considerando Cristo o centro. A primeira revelação, feita pelo Pai, dizia respeito à glória de Cristo. Em seguida, quando a Igreja é revelada, é apresentada como sendo para Ele: a Sua Assembléia.
Nesse ponto também aprendemos algo da estrutura da Igreja: é para ser edíficada com pedras vivas. E Pedro é descrito como uma das pedras.
Naquele memorável dia em que André saiu e encontrou seuirmão Simão e "o levou a Jesus" (João 1:42), o Senhor anunciou que Simão teria um novo nome, seria chamado Cefas, que quer dizer "uma pedra". Cristo, como o Filho do Deus vivo, é a Rocha sobre a qual a Igreja é edificada.
Pedro era uma pedra cuja vida provinha de Cristo. Estava destinado a ser edificado nessa nova estrutura.
O texto de Mateus também nos dá instruções quanto à edificação da Igreja. No momento dessa revelação, a Igreja ainda era um fato futuro, pois o Senhor diz: "Edificarei". Além disso, a obra seria completamente de Cristo e, portanto, completamente perfeita, pois o Senhor diz: "[Eu] edificarei'' . Madeira, feno e palha não seriam empregados na edificação da Assembléia de
Cristo. Tão-somente pedras vivas teriam lugar neste edifício de Cristo.
Isso permite ao Senhor fazer ainda outra afirmação grandiosa: "as portas do inferno não prevalecerão" contra a Sua Igreja.
A afirmação diz respeito à estabilidade da Igreja. As portas do inferno significam o poder da morte exercido por Satanás. Por causa do pecado, o homem ficou sujeito ao domínio da morte, um terrível poder que lança por terra a glória do homem. Porém, justamente neste mundo, onde nada pôde resistir ao poder da morte, o Senhor prediz que vai finalmente estabelecer Sua Igreja, sobre a qual as portas do inferno não terão poder algum.
Era um fato certo porque estava fundamentado no Filho do Deus vivo. Todas as outras coisas deste mundo tinham sido fundamentadas em Adão - um homem mortal- e nos filhos de homens mortais. A Igreja é edífícada sobre Cristo - o herdeiro da vida que não pode ser destruída - e composta de pedras que possuem essa vida, sendo, portanto, superior a todo o poder da morte.
O Filho do Deus vivo é o eterno fundamento da Igreja.
Por essa razão não se pode ter nenhuma noção verdadeira da Igreja antes de ver e confessar a glória do Filho. Quanto mais compreendermos a glória de Cristo, mais valorizaremos o singular caráter da Igreja.
Nessa passagem introdutória temos a revelação da Igreja.
Somos instruídos quanto ao fundamento sobre o qual ela é edificada, quanto à finalidade para que é edificada, ao caráter dos que compõem o edifício e quanto a quem a edífica e da eterna estabilidade dessa nova e divina estrutura.
Até agora não houve nenhuma palavra a respeito do corpo de Cristo ou da noiva de Cristo. Nada se disse da exaltação de Cristo ou da vinda do Espírito Santo. Todas essas grandes verdades tão vitais para a formação da Igreja serão reveladas no tempo devido.
Nessa primeira comunicação, o grande tema é a vida: vida no Deus vivo, vida no Filho e vida transmitida aos que compõem a Igreja, vida contra a qual o poder da morte não pode prevalecer.
No devido tempo, Pedro nos revelará outras preciosas verdades concernentes à Assembléia de Cristo. Ele nos dirá como o edifício cresce, como as pedras vivas são atraídas para Cristo, a Rocha viva, e qual o grande propósito para o qual somos edífícados casa espiritual.
De sua prisão na ilha, João também nos transmitirá a visão da Assembléia quando a última pedra tiver sido acrescentada, exibindo-nos o edifício glorioso como a Nova Jerusalém.
Veremos, então, que, apesar de constituída no tempo, a Igreja de Cristo é destinada para a eternidade. Embora edificada na terra, sua manifestação será no céu.
Há outra passagem em Mateus na qual o Senhor faz referência à Assembléia. Em Mateus 18: 15-20, aprendemos duas verdades de grande importância para ela. Primeiro, o Senhor nos instrui acerca de como o mal pode ser excluído da Assembléia e, segundo, de como Sua presença pode ser assegurada na Assembléia.
A Assembléia está de passagem num mundo maligno e, enquanto estiver na terra, a carne permanece nos que a compõem. Conseqüentemente, ocorrerão transgressões. Até irmão transgredirá contra irmão.
O Senhor, porém, nos ensina a lidar com o ofensor. Se ele recusar ouvir a Assembléia, isso pode até culminar com seu pecado ligado a ele e sua exclusão da companhia do povo do Senhor sobre a terra. Caso se arrependa, seu pecado pode ser desligado dele ao ser recebido, uma vez mais, entre o povo do Senhor. Essa solene ação na terra de ligar e desligar - se corretamente aplicada - é ratíficada no céu. Nas epístolas aos Coríntios, temos um magnífico exemplo de ambas as ações.
 
Observação:
 
1- Caso um irmão, que tiver pecado, recusar ouvir a Igreja, se faz necessária uma disciplina da parte da Igreja local. Desde que esta disciplina confira com os pensamentos de Deus, ela será
reconhecida no céu. (O pecado é 'ligado no céu').
2- A disciplina implica em restrições que afetam o relacionamento terreno dos demais irmãos com este que pecou. (O pecado é 'ligado na terra').
3- Embora o Senhor perdoe o pecado tão logo este UJe for confessado, o restabelecimento desse irmão no âmbito terreno está consumado apenas na ocasião do perdão administrativo da Igreja. (O pecado é 'desligado na terra').
4- Neste mesmo momento em que a Igreja está desligando o pecado deste irmão, a decisão também é reconhecida no céu. (O pecado é 'desligado no céu').
 
Entretanto, muitas dificuldades surgirão, as quais precisarão ser enfrentadas com sabedoria e poder que em nós mesmos não temos. Podemos, todavia, recorrer ao Pai em oração. E o Senhor nos assegura: "Se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que, porventura, pedirem, scr-lhes-á concedida por meu Pai, que está nos céus"
(v. 19). Temos aqui duas afirmações à primeira vista tão surpreendentes que podemos perguntar: Como é possível?
Como os atos praticados na terra serão ratificados no céu e os pedidos feitos na terra serão concedidos no céu? O que torna essas ações possíveis? Só uma coisa: a presença do Senhor no meio de Seu povo quando reunido ao Seu nome. "Porque", diz o Senhor, "onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles" (v. 20). Ele está presente para confirmar os seus atos. Está presente para guiar suas orações e a elas responder.
A presença do Senhor, contudo, só é prometida aos dois ou três reunidos ao Seu nome. O que significam essas palavras?
Primeiro, que a promessa é feita a "dois ou três". São expressões que naturalmente se aplicam à época mais gloriosa da história da Igreja, mas também se adaptam de forma abençoada aos dias de fraqueza, em que o número dos que estiverem reunidos ao nome de Cristo num determinado lugar venha a se reduzir ao menor possível.
Segundo, que os "dois ou três" não têm entre si um mero encontro, eles estão "reunidos".
Isso implica um motivo, uma força maior que reúne. Há algo que os atrai. O quê? É a compreensão do que representa o nome de Cristo, pois a nossa reunião é ao Seu nome. Não "em Seu nome", como na maioria das versões em português, pois isso significaria apenas que estam os reunidos por Sua autoridade. O nome dEle expressa tudo o que Ele é, e é a mútua compreensão que temos dEle e da glória de Sua pessoa que nos atrai. Somos atraídos pelo que encontramos nEle. Ele é o vínculo poderoso e todo-suficiente. Talvez haja grandes diferenças e idade, posição social, educação, nacionalidade, inteligência, crescimento espiritual e dom, mas nenhuma delas constitui o vínculo da Assembléia. A Assembléia não é uma confluência de jovens, ou de santos maduros, ou de pessoas da mesma opinião, mas de um povo que é atraído pelo que descobriu em Cristo, por aquilo que o nome dEle representa.
Não há outro vínculo na Assembléia, todos os outros vínculos nela são renegados. Quando, portanto, os indivíduos se reúnem com esse caráter, o Senhor promete estar no meio deles, mesmo que sejam só dois ou três presentes à reunião.
Não nos reunimos a Ele, mas ao Seu nome. O texto faz distinção entre Ele mesmo e o Seu nome. Reunir ao Seu nome considera Sua ausência, mas assegura Sua presença. Numa reunião assim, Ele está de fato presente, não física, mas espiritualmente. Quando na terra, Ele pôde falar de Si mesmo como o Filho do Homem, que está no céu; fisicamente na terra, mas em espírito no céu. Agora Ele é o Filho do Homem no céu, mas em espírito na terra, no meio do Seu povo reunido ao Seu nome. Ele está presente para sancionar o processo de disciplina e pôr em execução as orações de Seu povo.
 
A IGREJA EXISTINDO DE FATO
(Atos 1 à 9)
 
Ao traçarmos os pensamentos de Deus acerca da Igreja, como revelada em Sua Palavra, notaremos que os primeiros capítulos do livro de Atos nos conduzem a uma etapa adiante da de Mateus 16, onde a Igreja é anunciada profeticamente. Aqui em Atos ela está sendo formada e já observa-se sua existência de fato.
Porém o Espírito Santo ainda não apresenta os ensinamentos que lhe dizem respeito, pois o momento para tal ainda não chegara. Nem tampouco havia sido chamado o homem, o vaso escolhido para revelar o mistério de Cristo e da Igreja.
A morte de Cristo é a base de todas as bênçãos para os homens, quer para os santos do período do Antigo Testamento, quer para os santos que compõem a Igreja, quer para o Israel restaurado numa época ainda por vir. Contudo, a formação da Igreja esperou ainda dois outros acontecimentos de grande importância. O Cristo ressurreto devia ascender como Homem à glória dos céus, e o Espírito Santo - uma pessoa divina - devia descer à terra. O Homem (Cristo Jesus) na glória e o Espírito Santo habitando na terra são os dois grandes fatos característicos da era cristã. Não ocorreram em épocas passadas nem caracterizarão os períodos futuros. São estes dois fatos que determinam todo o caráter da época presente.
No primeiro capítulo de Atos, vemos o cumprimento do primeiro grande acontecimento.
Os discípulos receberam as últimas orientações do Senhor  ressurreto, e "foi Jesus elevadoàs alturas, à vista deles, e uma  nuvem o encobriu dos seus olhos" (v. 9). Cristo - como Homem - foi recebido na glória.
É claro que, falando desse modo, nunca devemos nos esquecer de que Ele é uma pessoa divina "sobre todos, Deus bendito para todo o sempre" (Romanos 9:5).
Ainda assim, foi na condição de Homem que Ele ascendeu aos céus, foi como o Filho do Homem que o mártir Estêvão o viu no céu.
No segundo capítulo deAtos, temos o cumprimento do segundo grande acontecimento.
O Espírito Santo foi recebido na terra segundo a palavra de João 7:39, que associa a vinda do Espírito com a glOrificação de Cristo. Os discípulos "estavam todos reunidos no mesmo lugar" (João 7: 1) esperando, segundo a palavra do Senhor, o batismo do Espírito Santo. Enquanto esperavam, o Espírito Santo desceu "do céu" e "encheu toda a casa onde estavam assentados" (João 7:2). E não só isso, mas cada um ficou cheio do Espírito Santo. Desse modo, por um Espírito eles todos foram "batizados em um corpo" (1 Coríntios 12: 13). É a partir dessa ocasião que esse "um corpo" veio a ser um fato real: o corpo do qual Cristo é a Cabeça no céu, e os crentes, os membros na terra. Ainda assim, o fato ainda não tinha sido revelado, e dificilmente poderia, visto que o corpo é composto de crentes judeus e gentios. A revelação dessa verdade não seria dada até que os crentes gentios tivessem sido batizados no corpo pelo Espírito Santo (veja Atos 10 e 11:16).
Em seguida ao batismo do Espírito, um grande número de judeus e prosélitos aceitaram a palavra dos apóstolos, creram em Cristo, foram batizados, receberam o perdão dos pecados e o dom do Espírito Santo.
Ademais, lemos: "Havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas" (v. 41). Depois o último versículo do capítulo nos informa quem os acrescentou e a que foram acrescentados. Era o próprio Senhor que os acrescentava, e era à Igreja que eram acrescentados. Pela primeira vez, é-nos permitido observar o Senhor formando a Sua Igreja conforme o Seu próprio anúncio profético em Mateus 16: "Edíficarei a minha igreja". As últimas palavras do segundo capítulo de Atos (v. 47): "os que iam sendo salvos" , não implicam que esses tais eram descrentes
ou que foram acrescentados a fim de ser salvos. A nação, por ter rejeitado a Cristo, ia ser julgada, mas os que creram e foram batizados seriam salvos do juízo, e tais o Senhor acrescentava à Igreja. Eles eram acrescentados ao Senhor antes de serem acrescentados à Igreja.
É de grande importância insistir nisto, porque o catolicismo romano e os que seguem o catolicismo associam a salvação ao fato de pertencer à Igreja, em vez de conceberem a Igreja como a assembléia dos salvos.
Somente os crentes do começo do capítulo foram introduzidos à Igreja mediante o batismo do Espírito Santo, e somente os crentes do final do capítulo foram acrescentados à Igreja pelo Senhor.
Aqui, portanto, a Igreja é vista existindo de fato. "Todos os que creram estavam juntos" (v. 44). Vemos nisso o cumprimento da profecia de Caifás concernente a Cristo, quando aquele mencionou que Este devia "reunir em um só corpo os filhos de Deus, que andam díspersos" (João 11:52).
Costuma-se dizer, e com razão, que "havia, realmente, filhos de Deus antes desse momento, mas estavam dispersos, isolados.
Cristo mediante Sua morte ia reuni-los, não apenas para salválos, para que estivessem juntos no céu (visto que eram filhos de Deus, isto já tinha sido feito), mas ia reuni-los em um só
corpo". Isto, sim, foi algo completamente novo sobre a terra. Não era fato novo que houvesse filhos de Deus sobre a terra. Nem era novidade que esses seguiam viagem rumo ao céu. Já era assim nos dias de Enoque e Jó, e nos dias antigos, embora fosse fato pouco conhecido. Mas que os filhos de Deus deviam ser reunidos em um só corpo era coisa completamente nova. E esta é a verdade que o povo de Deus é tão tardio em compreender.
Contemplamo-nos como santos, só que isoladamente, como se vivêssemos antes da cruz. Uma vez salvos, somos propensos a considerar que agora cabe a nós escolher, de acordo com a nossa melhor habilidade, a qual "igreja" devemos nos associar, ou se afinal devemos nos associar a alguma. Porém, nesse pensamento, deixamos de reconhecer que, se já fomos ao Senhor, Ele já nos inseriu na Igreja, de modo que já não podemos mais cogitar permanecer isolados, por um lado, ou, por outro, nos associar a alguma "igreja" de nossa escolha. A própria idéia de associar-se a "uma" igreja revela ignorância acerca da verdade "da" Igreja.
Além disso, os santos não somente estavam sendo reunidos em um só corpo, mas estavam sendo unidos entre si.
Deus faz ampla provisão para que eles permaneçam juntos numa unidade visível.
Vejamos:
Em primeiro lugar, temos os ensinamentos dos apóstolos, por meio dos quais os santos foram conduzidos a toda a verdade de Deus. Aqui eles têm a instrução relativa à mente de Deus no que diz respeito à caminhada dos crentes na terra. Essa instrução, dada a princípio oralmente, foi mais tarde assegurada aos santos de todos os tempos mediante as Epístolas inspiradas.
Segundo, fluindo dos ensinamentos dos apóstolos, temos a comunhão dos apóstolos. Esta, como já sabemos, é a comunhão para a qual todos os cristãos são chamados -a comunhão do Filho de Deus, Jesus Cristo, nosso Senhor. O Filho de Deus é o centro e o objeto desta comunhão.
Terceiro, a comunhão dos apóstolos conduz ao partir do pão, a expressão formal e mais elevada da comunhão. O partir do pão evoca a lembrança da morte de Cristo, mediante a qual os filhos de Deus foram completamente separados do mundo e agrupados numa unidade.
Por último, desejo enumerar a oração como provisão divina para que os santos permaneçam em unidade. Émediante a oração que nós, os santos, nos mantemos na atitude de dependência de Deus. E reconhecemos que Sua graça está disponível para nós e que precisamos constantemente nos achegar "confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna" (Hebreus 4:16).
Lamentavelmente, a provisão divina tem sido negligenciada quase completamente. Eis por que a condição de divisão e dispersão do povo de Deus. A cristandade tem em grande medida posto de lado a doutrina dos apóstolos, substituindo-a por sua própria tradição. Tem formado "círculos de comunhão" em volta de homens especiais, ou de pontos de vistas particulares, em lugar do Filho de Deus. Tem pervertido o partir do pão, transformando a ceia memorial numa cerimônia para obtenção de graça. Enfim, tem feito da oração uma mera
formalidade. Contudo, nos primórdios de Atos, os crentes "perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações" (Atos 2:42), e enquanto procediam assim, permaneciam juntos em unidade visível.
Vimos no segundo capítulo do livro de Atos como o próprio Senhor edifica Sua Igreja com pedras vivas assentadas sobre a Rocha. Tudo isso, entretanto, acontece na terra. Até aqui não há nenhuma referência ao caráter celestial da Assembléia nem de seu glorioso destino segundo os conselhos de Deus.
Até aqui não há nem uma única palavra da união do Corpo na terra com a Cabeça no céu. Essa "união" ainda é um mistério a ser revelado no tempo devido, mas o que vemos revelado nesses primeiros capítulos de Atos é a "unidade". Não necessariamente a unidade material, mas a unidade moral, marcada pela alegria e singeleza de coração. Porém, ainda faltava um acontecimento a ser cumprido antes que o pleno caráter celestial e a vocação da Igreja pudesse ser revelado. O cálice da culpa de Israel precisava ser enchido até a borda. A nação havia rejeitado e crucificado o seu Messias, mas agora o Espírito Santo tinha vindo, e esta era a última oferta à nação culpada.
Resistiriam ao Espírito assim como já haviam rejeitado o Messias?
Quando o Senhor ascendeu aos céus, conforme o registro de Atos 1, os discípulos ficaram "com os olhos fitos no céu, enquanto Jesus subia".
Imediatamente dois anjos se puseram ao lado deles e  disseram: "Varões galileus, por que estais olhando para as alturas? Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir" . Eles estavam olhando para o céu, para onde Cristo tinha ido, e os anjos redirecionaram o olhar deles para a terra, aonde Ele voltará. À primeira vista podemos nos admirar disso. Não era certo olhar para o céu, onde Cristo está? Sim, no devido tempo isso seria certo, mas o momento de elevar os olhares ainda não havia chegado. E, se atentarmos para a pregação de
Pedro à nação, podemos entender por que os pensamentos dos discípulos deviam divagar por algum tempo sobre a terra. Pedro diz à nação culpada: "Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem cancelados os vossos pecados, a fim de que, da presença do Senhor, venham tempos de refrigério, e que envie ele o Cristo, que já vos foi designado" (Atos 3: 19-20). Esta ainda era a última mensagem da graça dirigida à nação culpada, proclamada pelo Espírito Santo, enviado pelo Cristo ascendido.
Caso se arrependam, Cristo voltará à terra. Mas a resposta do último apelo é a rejeição total desse testemunho do Espírito Santo. Eles foram os traidores e assassinos de seu próprio Messias. Ao Espírito Santo (por não ter corpo físico) não puderam assassinar, mas podem matar um homem cheio do Espírito Santo, e isso fizeram, apedrejando sua testemunha: Estêvão.
A rejeição dessa última oferta da graça pela nação ocasiona completa mudança na dispensação. A partir desse acontecimento a nação é posto de lado, e o centro de todos os tratos divinos passa da terra para o céu. Em harmonia com essa mudança, Estêvão, cheio do Espírito Santo, fita os olhos no céu, e não mais se vê nenhum anjo a seu lado para indagar por que olha para o céu. Chegara o tempo de Deus para que Seu povo tirasse os olhos da terra e passasse a olhar para o céu. E Estêvão não apenas olha para cima, mas também seu feliz espírito é recebido no alto. O primeiro de uma longa série de mártires é recebido no céu.
Agora o povo de Deus já não mais pertence à terra, lugar onde Cristo fora rejeitado, mas ao céu, onde Cristo fora recebido.
O céu é o seu lar, e Cristo está ali para recebê-Ios. Se o mundo não aceita o Senhor Jesus Cristo, então este não é o lugar para o Seu povo. Se o céu recebeu a Cristo, então um novo lugar se abre para Seu povo, e neste novo lugar Ele os recebe.
O sétimo capítulo de Atos é um importante e decisivo momento nos caminhos de Deus. A partir do momento que o testemunho de Estêvão é rejeitado, a grande característica da dispensação fica evidente. Já na cena final deste capítulo, tudo passa a corresponder ao verdadeiro caráter da dispensação cristã. A nação culpada de Israel é vista em absoluta rejeição de Cristo e na inveterada resistência ao Espírito Santo. O mundo é visto no seu verdadeiro caráter de rejeição a Cristo e de perseguidor de Seus santos. O céu se abre para revelar Cristo na glória, pronto para receber os santos. Cristo é visto como o Homem na glória que sustenta Seus santos quando provados na terra e os recebe no céu tão logo vierem a dormir.
O Espírito Santo é visto como pessoa divina na terra, sua atuação é preencher um homem na terra e conduzi-Io a olhar fixamente para Cristo no céu.
Por último, um dos santos, cheio do Espírito Santo, é apresentado como um homem na terra que obtém todos os seus recursos do Homem na glória. O resultado é que ele é transformado na semelhança dEle, de glória em glória, de tal modo que, como seu Mestre, ora por seus assassinos e encomenda seu próprio espírito ao Senhor. Damesma maneira que um homem 'na terra é sustentado pelo Homem na glória, o Homem na glória é representado por um homem na terra. Tendo lutado o combate e concluído sua carreira, o feliz espírito de Estêvão parte para ficar com Cristo, enquanto seu pobre corpo golpeado dorme para esperar a gloriosa ressurreição.
Desde o apedrejamento de Estêvão, o mundo permanece fiel a seu caráter. Rejeitou a Cristo naquela época; perseguiu os santos daquela época. E assim tem feito desde então em
diferentes medidas e graus. O mundo pode até ser religioso - era naquela época e é agora também -, mas a religião não faz mudar seu caráter. De fato, quanto mais o mundo professa
religião, mais intensifica seu ódio e mais implacavelmente persegue os santos. Deixemos a história testemunhar sua constante hostilidade a Cristo e Seu povo. O céu também não mudou sua atitude para com o povo de Deus. Estava aberto naquela época, ainda está aberto hoje. E através dessa porta aberta ainda podemos contemplar a glória de onde Cristo está, e o amor de Cristo continua fluindo sobre Seus santos. De igual forma não há mudança em Cristo. Podemos olhar para o céu e dizer: "Tu, porém, permaneces" e "Tu, porém, és o mesmo" (Hebreus 1:11-12).
Toda a graça, o poder e a sabedoria do Homem na glória continuam disponíveis para o sustento e amparo de Seu povo hoje assim como estiveram quando Estêvão foi tão abençoado e sustentado no seu martírio. Também não há mudança no Espírito Santo. Ele veio de Cristo na glória para nos conduzir a Cristo na glória. E este continua sendo o caminho que Ele toma. Todavia, como os crentes mudaram! Quão pouco permanecemos coerentes com o nosso caráter de santos.
Quanto temos entristecido o Espírito! Por isso, em lugar de fixarmos os olhos no céu, olhamos para a terra. Tornamonos terrenos, se não mundanos. A conseqüência? Recebemos muito pouco do sustento do Senhor, e o poder do Espírito tem-se manifestado muito pouco. Temos sido representantes fracos do Homem na glória. Porém, a despeito de todo o fracasso, o quadro de Atos 7 permanece com toda a sua excelsa beleza para recordar o nosso coração do verdadeiro caráter desta dispensação. E faz mais ainda: prepara o caminho para') ministério de Paulo com sua valiosa revelação da Igreja constituindo um só corpo com Cristo, o Cabeça ressurreto no céu.
No relato de Estêvão, aprendemos que os discípulos do Cristo ressurreto pertencem ao céu. Na narrativa da conversão de Paulo, em Atos 9, não só aprendemos que os santos pertencem ao céu, mas também que os santos na terra estão unidos a Cristo no céu.
Quando Saulo seguia no caminho para Damasco, "respirando [...]ameaças e morte contra os discípulos do Senhor" (Atos 9: 1), foi jogado ao chão por uma luz do céu e ouviu da glória a voz de Cristo, que lhe dizia: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" (Atos 9:4). A voz não disse: "por que persegues a mim" nem tampouco "por que nos persegues", mas, "por que me persegues". O pronome "nos" implicaria um grupo de pessoas associadas a Cristo, o que, de fato, seria verdadeiro, mas "me" implica um grupo de pessoas em união com Cristo.
União esta tão íntima que tocar nessas pessoas é o mesmo que tocar no próprio Cristo.
O martírio de Estêvão e a perseguição que se seguiu mostram o mundo em seu verdadeiro caráter de perseguidor dos santos. Na conversão de Saulo, entretanto, descobrimos outra verdade: ao perseguir os santos o mundo está perseguindo a Cristo. A Igreja é uma com Cristo no céu, e perseguir os Seus membros é perseguir ao próprio Cristo.
Como se disse, esta é "a expressão mais forte de nossa  união com Ele: Ele considerar o mais fraco dos membros de Seu Corpo parte de Si mesmo". Em Atos 2 e 4, os santos estavam unidos "num coração" e "numa alma" , dando uma bela demonstração de unidade.
Finalmente, agora se revela a verdade mais profunda: a íntima união deles com Cristo, sua  cabeça exaltada no céu, e uns com os outros, como membros de Seu Corpo na terra.
Israel, tendo crucificado o Messias, rejeitado a Cristo na glória e resistido ao Espírito Santo na terra, é completamente posto de lado durante o tempo presente. Ao passo que a Igreja, formada na terra mas destinada para a glória, torna-se a testemunha de Deus no mundo.
Paulo foi o vaso escolhido para revelar, mediante ensinamentos divinos em suas epístolas, as grandes verdades que dizem respeito a Cristo e à Igreja.
 
 
A IGREJA NOS CAMINHOS DE DEUS
(Efésios 2:11-22)
 
Na primeira parte da Epístola aos Efésios (1:1-2:1-10), a Igreja é apresentada com relação a Cristo na glória, segundo os conselhos de Deus. Isso permite que a contemplemos agora sob um aspecto bem diferente: a sua formação e o seu testemunho na terra segundo os caminhos de Deus.
Há uma grande diferença entre os conselhos divinos referentes à glória e os caminhos de Deus que se desenrolam na terra. Essa distinção nos permite ver que, segundo o etemo propósito de Deus, a Igreja não só tem um glorioso destino no céu, no tocante à sua união com Cristo, como também subsiste na terra, exercendo aqui um papel importante nos planos de Deus.
É esse aspecto da Igreja que Efésios 2:11-22 nos apresenta. 
 
Para que possamos compreender essa característica da Igreja, o apóstolo recorda a distinta posição ocupada por Israel nos tempos anteriores à cruz, quando havia nítida diferenciação entre o judeu e o gentio. O judeu desfrutava um lugar privilegiado nos planos de Deus para a humanidade, enquanto o gentio estava alienado. Israel era o povo que detinha as promessas e esperanças terrenas. O relacionamento entre Deus e os judeus era regulado por coisas aparentes e palpáveis. Aadoração religiosa, a organização política, as necessidades diárias, asobrigações domésticas, tudo, do mais elevado ato de adoração ao mais insignificante detalhe da vida, era regulado por ordenanças divinas. Tratava-se de um imenso privilégio do qual os gentios não tinham parte alguma. Não que os judeus fossem de alguma forma melhores que os gentios.
Aos olhos do Senhor, os judeus, na grande maioria, eram tão maus quanto os gentios - e alguns eram ainda piores. E também havia gentios verdadeiramente convertidos, como Jó, por exemplo. Mas, ao traçar seus planos para a terra, Deus separou Israel dos gentios, concedendo-lhe especial privilégio.
Porque, embora nem todos os judeus fossem convertidos (o que era o caso da grande maioria), constituía uma imensa honra ter todas as coisas reguladas segundo a perfeita sabedoria de Deus. Os gentios não ocupavam tal posição no mundo. Não desfrutavam nenhum reconhecimento público da parte de Deus. Os seus negócios e obrigações não eram regulados pelas ordenanças divinas. Eas mesmas ordenanças que regulavam a vida de Israel mantinham o judeu e o gentio rigorosamente separados. Assim, o judeu encontrou no mundo um lugar de proximidade com Deus, segundo o aspecto exterior, enquanto o gentio estava aparentemente muito distante, sem ligação reconhecida com Deus.
Mas Israel fracassou completamente em corresponder aos seus privilégios. Eles abandonaram ao Senhor e voltaram-se para os ídolos. Os mandamentos e as ordenanças de Deus, que lhes outorgavam aquela posição ímpar, foram inteiramente desprezados. Por fim, crucificaram o Messias e resistiram ao Espírito Santo. E, como resultado, perderam, quanto ao tempo presente, a sua privilegiada condição sobre a terra, foram despojados de seu território e acabaram dispersos entre as nações.
Dessa forma, com Israel colocado de lado, preparou-se o terreno para a maravilhosa mudança nos planos de Deus quanto a este mundo. Nos versículos 11e 12, o Espírito de Deus nos permite contemplar um quadro nítido do passado, tornando o contraste mais surpreendente, pois, na seqüência dos fatos após a rejeição de Israel, Deus, segundo os Seus propósitos, trouxe a Igreja a lume, estabelecendo dessa forma uma esfera de bênçãos totalmente nova e à parte dos círculos do judeu e do gentio.
Essa nova ordem estabelecida foi ensejo para que a graça de Deus passasse a fluirde maneira especial para o gentio. O chamado agora seria dirigido ao gentio. Não que o judeu estivesse excluído do novo círculo de bênçãos, pois, como veremos, a Igreja é formada de crentes judeus e gentios. Mas, se o plano era introduzir o gentio nos inestimáveis privilégios e nas bênçãos dessa nova esfera - se teria parte na Igreja -, isso deveria estar fundamentado sobre uma base justa. Épor isso que logo se menciona a cruz (v.13). A cruz já fora mencionada no capítulo 1, em conexão com o cumprimento dos desígnios de Deus. Aqui, no capítulo 2, a alusão à cruz está associada aos planos de Deus para a humanidade. Pelo sangue de Cristo, os pecadores gentios foram trazidos do lugar distante onde o pecado os havia colocado para perto de Deus. E não se trata de proximidade meramente exterior, mediante ordenanças e cerimõnias, mas de uma aproximação vitalsó plenamente expressa no próprio Cristo ressurreto dentre os mortos, que comparece diante da face de Deus para interceder a nosso favor.
"Em Cristo Jesus [...] fostes aproximados pelo sangue de Cristo" - os nossos pecados nos distanciaram muito de Deus, mas o precioso sangue de Jesus não apenas nos purifica. Ele faz infinitamente mais: aproximanos de Deus. O sangue de Cristo revela a imensa dimensão do pecado,querequereutalpreço, proclama a santidade de Deus, que não se satisfaria com nada menos, e revela o amor infinito capaz de pagar o preço.
Mas isso, por mais necessário que seja para a formação da Igreja, não é o que em si a constitui. A Igreja não é simplesmente um número de pessoas "aproximadas", pois o mesmo se pode dizer dos santos remidos com sangue em todas as épocas.
Algo mais é necessário.
Além de "aproximados", os crentes judeus e gentios precisavam  "ambos ser feitos um" (v. 14).
Isso a cruz de Cristo também realizou. Nela, Jesus derrubou a parede de separação entre o judeu e o gentio.
 
A inimizade entre os dois povos teve origem nas ordenanças que excluíam a participação do gentio. Por meio delas, o judeu podia aproximarse publicamente de Deus, enquanto o gentio não tinha essa opção. A cruz, porém, aboliu completamente o conjunto de leis que possibilitavam essa aproximação e estabeleceu, pelo sangue de Cristo, um novo canal de aproximação, acessível a todos.
O judeu que se aproxima de Deus na base do sangue encerra o seu vínculo com as ordenanças judaicas. O gentio vence a barreira do distanciamento, e o judeu despoja-se da condição de proximidade conferida pela dispensação. Ambos são "feitos um" e desfrutam diante de Deus a bênção comum, nunca antes possuída por qualquer um deles.
Os crentes gentios não são elevados ao nível de privilégios dos judeus nem os judeus são rebaixados ao nível dos gentios.
Ambos são inseridos num terreno totalmente novo, num plano infinitamente mais elevado.
Nem mesmo isso, todavia, expressa toda a verdade concernente à Igreja. Tivesse o apóstolo parado aqui, veríamos os crentes aproximados pelo sangue e também "feitos um", visto que a inimizade foi removida. Teríamos até a impressão de uma venturosa unidade. Isso, aliás, é bendito e verdadeiro, mas ainda assim não expressa a verdade completa no tocante à Igreja. Então o apóstolo prossegue, dizendo que não apenas somos "aproximados" e feitos um, mas somos também transformados em "novo homem" (v. 15), em "um só corpo" (v. 16), e habitados por "um Espírito", pelo qual temos acesso ao Pai (v. 18). Agora sim conhecemos toda a verdade acerca da Igreja - o Corpo de Cristo - formada na terra segundo os planos de Deus.
Deus não está apenas salvando almas dentre os judeus e os gentios com base no sangue.
Não os está simplesmente reunindo em unidade. Ele os está moldando num novo homem, do qual Cristo é a gloriosa Cabeça, os crentes são os membros do Corpo e o Espírito Santo é o poder de união. Isso é muito mais que unidade: é união. A Igreja não é  simplesmente um grupo de crentes em venturosa unidade, mas um grupo de pessoas que são membros de Cristo e membros uns dos outros em íntima união. E o novo homem não é meramente novo com referência ao tempo, mas pertence a uma ordem inteiramente nova. Antes da cruz, como já vimos, havia duas classes de homem, o judeu e o gentio, odiando um ao outro e em inimizade com Deus.
Agora, graças aos maravilhosos caminhos traçados por Deus, surge o "novo homem", que compreende cada santo na terra unido a Cristo, a Cabeça ressurreta e exaltada, pelo Espírito Santo de Deus.
Três grandes verdades estão ligadas à formação da Igreja de Deus no mundo, às quais o apóstolo fazalusão: a reconciliação com Deus, a evangelização da paz aos pecadores e o acesso dos santos ao Pai. Tanto os judeus quanto os gentios foram reconciliados com Deus em um só Corpo (v. 16). Deus não estava contente com o distanciamento dos gentios nem com a proximidade meramente externa dos judeus, que os colocava tão distante dEle quanto os gentios. Tampouco lhe agradava a separação que havia entre os judeus e os gentios. Foi por essa razão que Ele tão maravilhosamente trabalhou na cruz a fim de que ambos se aproximassem dEle e uns dos outros, moldados num único Corpo, sobre o qual Deus podia olhar com complacência. A cruz destruiu a inimizade entre o crente judeu e o genti,o, como também o que outrora esteve entre ambos e Deus. Nada poderia expressar mais perfeitamente a remoção completa da inimizade que o fato do crente judeu e gentio serem formados "em um só corpo". Não é dito neste versículo "um novo homem", visto que isso incluiria Cristo, a Cabera, e nenhuma idéia de reconciliação pode ser associada a Ele. São os que fazem parte do Corpo que precisam de reconciliação, não o que é a Cabeça.
A segunda grande verdade é que o evangelho da paz foi pregado aos gentios separados e aos judeus dispensacionalmente próximos. Podemos entender o inícioda vangelização na passagem que mostra a formação da Igreja. Sem a cruz, não poderia haver evangelização, e sem a evangelização não haveria a Igreja. Cristo é considerado o Pregador, embora o evangelho que Ele pregou seja proclamado instrumentalmente por terceiros. Lemos que os discípulos "pregaram em toda parte, cooperando com eles o Senhor" (Mc 16:20).
A terceira verdade é uma grande bem-aventurança. Mediante o Espírito, judeus e gentios têm acesso ao Pai. A separação não somente foi removida do lado de Deus como também do nosso lado. Por meio da obra de Cristo na cruz, Deus pode aproximar-se de nós, pregando a paz. E, por obra do Espírito em nós, podemos nos aproximar do Pai. A cruz nos permite a aproximação, e o Espírito nos capacita a usar essa nossa posição e de modo prático nos aproxima do Pai. Porém, se o acesso é pelo Espírito, então claramente não há lugar para a carne. O Espírito exclui qualquer possibilidade de atuação da carne. Não é mediante edifícios, rituais, instrumentos ou grupos musicais ou por meio de uma classe especial de homens que conseguiremos acesso ao Pai.
Não, todos esses meios carnais, que tanto impressionam o homem natural, constituem empecilho mui efetivo para impedir o nosso acesso ao Pai.
É pelo Espírito - ou melhor, por "um Espírito" - que se entra em sintonia com Deus, como diz o hino: "Não há nota destoante que se faça ouvir ali".
Não estaria a origem das  reuniões monótonas e superficiais no fato de ousarmos levar a carne não julgada à presença do Senhor? E as abruptas dissonâncias causadas por um hino incompatível ou um ministério inoportuno - não são, porventura, decorrentes do fato de não estarmos todos sendo guiados pelo mesmo e único Espírito? Estaríamos falando assim com o intuito de silenciar os irmãos, infligindolhes um medo doentio de introduzir coisas que possam extinguir o Espírito? Não. Ao contrário, mas convém considerar que tanto o silêncio de uns como a precipitação de outros podem igualmente representar uma intromissão da carne. Que todos julguem a si mesmos e assim entrem na presença do Senhor. Então, verdadeiramente, o Espírito terá liberdade para conceder acesso ao Pai.
Até aqui temos contemplado a Igreja como o Corpo de Cristo.
Os planos que Deus traçou para ela, porém, contemplam outros aspectos, dois dos quais nos são apresentados nos versículos finais do capítulo (w. 19-22).
Em primeiro lugar, a Igreja é apresentada como um edifício que vai crescendo para ser um "templo santo no Senhor". Em segundo lugar, é chamada "morada de Deus".
Sob o primeiro desses aspectos, a Igreja é comparada a um edifício em construção que prossegue crescendo para ser um templo santo no Senhor. Os apóstolos e profetas constituem o fundamento, "sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular" (v. 20). Durante toda a dispensação cristã, os crentes são acrescentados ali, pedra por pedra, até que o último cristão seja agregado e o edifício esteja completamente terminado, manifestado em glória. Esse é o edifício que o Senhor menciona em Mateus 16: 18: "Edíficarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela". Cristo, e não o homem, é o construtor. Portanto, tudo é perfeito, e ninguém exceto as pedras vivas formam essa santa construção. Pedro explica o sentido espiritual desse Edifício: as pedras que vivem são edificadas como casa espiritual a fim de "oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus" e (?) "proclamardes as virtudes" de Deus (1 Pe 2:5, 9).
Em Apocalipse 21, João tem a visão do edifício terminado. Ele o vê descendo do céu, da parte de Deus, e resplandecendo com a glória divina. Será esse o momento em que desse glorioso edifício subirão a Deus incessantes sacrifícios de louvor e em que aos homens se apresentará um perfeito testemunho das excelências de Deus. Na seqüência, ainda empregando a figura do edifício, o apóstolo apresenta outro aspecto da Igreja (v. 22).
Após considerar que os santos se encontram edíficados e crescendo para ser templo, ele os vê como casa já terminada, para morada de Deus pelo Espírito. Todo crente que vive sobre a terra num dado considerado parte constituinte da morada de Deus. Mas o apóstolo não diz simples-mente "vós sois uma morada" , mas que "juntamente estais sendo edíficados para habitação" (Ef 2:22). Tanto o cristão de origem judia quanto o procedência gentia são "juntamente" edificados para constituir essa habitação. A morada de Deus caracteriza-se pela luz e pelo amor. Por isso, ao chegar à parte prática da epístola, o apóstolo exorta-nos com estas palavras: "Andai em amor [...] andai como filhos da luz" (Ef 5:2,8).
A casa de Deus, portanto, é lugar de bênção e de testemunho, em que os santos são abençoados com o favor e o amor de Deus. E, assim abençoados, vêm a ser testemunho para o mundo que os rodeia. Em Efésios, a morada de Deus é apresentada segundo a concepção divina e, por isso, a epístola só considera o que é real. Outras passagens das Escrituras nos mostram como, infelizmente, essa morada foi corrompida nas mãos dos homens e, por fim, ainda lemos que o juízo há de começar pela casa de Deus (1 Pe 4: 17).
Assim, nesse capítulo a Igreja é descrita sob três aspectos. Em primeiro lugar, é considerada o Corpo de Cristo, formado por crentes judeus e gentios, unidos a Cristo em glória, formando assim um novo homem para a manifestação de tudo que Cristo é como o Homem ressurreto, Cabeça sobre todas as coisas.
Recordemos que a Igreja não é apenas "um Corpo", mas que é "Seu Corpo", como está escrito: "A igreja, a qual é o seu corpo".
E como Corpo de Cristo, ela é "a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas" (Ef 1:22-23; 5:23). Sendo o Seu corpo, a Igreja é a Sua plenitude. Ela está preenchida com tudo o
que Ele é, justamente com o propósito de expressar tudo o que Ele é. A Igreja - o Seu Corpo - deve ser também a expressão de Sua mente, assim como o nosso corpo também exprime o que há em nossa mente.
Em seguida, a Igreja é apresentada como um edifício que cresce continuamente, um templo formado por todos os santos da era cristã, no qual sacrifícios de louvor sobem a Deus e onde as Suas virtudes são manifestadas aos homens.
Por último, a Igreja é vista aqui na terra como um edifício completo, composto por todos os santos que vivem num dado momento histórico, formando a morada de Deus para bênção de Seu povo e testemunho para o mundo.
 
 
A IGREJA SENDO MINISTRADA POR PAULO
(Efésios 3)
 
Na primeira parte da Epístola aos Efésios (1; 2: 1-10), haviamos contemplado a Igreja sob a perspectiva dos conselhos deDeus.
Depois, em Efésios2:11-22, vimos a trajetória da Igreja na terra segundo os caminhos de Deus.
Agora no capítulo 3, a Igreja é-nos apresentada no contexto da administração de Paulo.
O capítulo inteiro é um parêntese. O capítulo 2 evidencia a doutrina da Igreja, e o capítulo 4 contém exortações práticas baseadas nessa doutrina. Entre a doutrina e as exortações encontramos essa importante digressão, pela qual o Espírito Santo nos dá a conhecer a administração - ou serviço - especial confiada ao apóstolo Paulo e intimamente ligada à verdade acerca da Igreja.
Com relação ao serviço, constatamos que foi a insistência na verdade acerca da Igreja que o levou à prisão. Essa extraordinária verdade despertou de forma singular o ódio e a hostilidade da parte dos judeus, pois não só colocava judeus e gentios em igual condição diante de Deus - mortos em ofensas e pecados - como também recusava aos judeus um lugar privilegiado, acima dos gentios.
Na seqüência, somos informados de que maneira o apóstolo conheceu a verdade acerca do mistério que envolvia a Igreja. Não foi por informação humana, mas por revelação direta de Deus: "Segundo uma revelação, me foi dado conhecer o mistério". Com isso, ergueramse imensos obstáculos no momento de comunicar a verdade acerca desse mistério.
Quando pregava o Evangelho nas sinagogas judaicas, Paulo invariavelmente apelava para as Escrituras (ver At 13:27,29,32, 35,47; 17:2), e os judeus de Beréia foram até elogiados por examinarem as mesmas Escrituras para ver se a palavra pregada por Paulo estava de acordo com o texto sagrado.
No entanto, ao ministrar a verdade acerca da Igreja, o apóstolo não pôde contar com a confirmação do Antigo Testamento. Em vão os seus ouvintes iriam procurar nas Escrituras a validação de suas afirmações. Já era difícil para o judeu secularizado aceitar as verdades contidas no texto sagrado, a exemplo de Nicodemos, que teve dificuldades para entender o novo nascimento. Portanto, para o judeu, aceitar uma verdade que não estava contida nas Escrituras e que deixava de lado todo o sistema judaico nelas ordenado e sancionado pelo próprio Deus através dos séculos era uma dificuldade insuperável.
Para muitos cristãos, será quase impossível avaliar esse grau de dificuldade, visto que a verdade acerca da Igreja está obscurecida ou totalmente perdida em sua mente.
Concebem a Igreja como o conjunto de todos os crentes através dos tempos, e a maioria deles não tem dificuldade para encontrar no Antigo Testamento o que acreditam ser a Igreja.
Que esse conceito domina a mente de muitos homens piedosos está amplamente provado pelos títulos que deram a muitos capítulos do Antigo Testamento na Versão Autorizada (King James).
Aceitam, no entanto, a verdade acerca da Igreja tal como revelada na Epístola aos Efésios, mas logo deparamos com aquela dificuldade, a qual só pode ser resolvida se aceitarmos o fato de
que a verdade acerca da Igreja é uma revelação inteiramente nova.
Paulo denomina "mistério" a grande verdade que recebeu por revelação e, no versículo 4, chama-o "mistério de Cristo".
Ao empregar o termo "mistério", o apóstolo não pretende transmitir a idéia de algo enigmático - no sentido puramente humano da palavra.
Nas Escrituras, "mistério" é algo mantido em segredo e que não pode ser conhecido a não ser por revelação e, uma vez revelado, só pode ser compreendido pela fé.
O apóstolo explica que esse mistério não foi revelado aos filhos dos homens no período do Antigo Testamento, mas agora era dado a conhecer, por revelação, "aos seus santos apóstolos e profetas, no Espírito". Os profetas citados aqui claramente não são os do Antigo Testamento, assim como em Efésios 2:20. Em ambos os casos, a ordem é "apóstolos e profetas", e não "profetas e apóstolos", como seria de esperar se a referência fosse àqueles homens de Deus do Antigo Testamento. Além do mais, Paulo está falando de algo revelado "agora", em contraste com as antigas revelações.
O que seria então esse mistério? Com certeza não é o Evangelho, pois este não jazia escondido em outras épocas. O Antigo Testamento está repleto de aliisôes à graça de Deus e à
vinda do Salvador, embora tais revelações fossem mui pouco compreendidas. Está claro para nós, no versículo 6, que esta nova revelação é que os gentios "são co-herdeiros, e um corpo unido, e co-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio das boas-novas" (segundo a tradução de JND). Os gentios são feitos co-herdeiros com os  judeus não no reinado terrestre de Cristo, mas na herança, muito mais maravilhosa, descrita no capítulo 1, a qual inclui tanto as coisas celestiais quanto as terrestres. E mais: os crentes gentios constituem junto com os crentes judeus um mesmo corpo do qual Cristo é o Cabeça no Céu. Além disso, tornaramse participantes da promessa de Deus em Cristo.
O gentio não foi elevado ao nível do judeu, tampouco o judeu foi rebaixado ao nível do gentio.
Ambos foram tirados de sua antiga posição e elevados a um plano incomparavelmente superior, unidos um ao outro em Cristo sobre uma base totalmente nova e celestial. E todas essas coisas foram operadas pelo Evangelho, o qual é-lhes dirigido enquanto estão em um mesmo nível de culpa e de ruína total.
Os três grandes fatos mencionados nesse versículo são abordados no capítulo 1. A promessa de Cristo contempla todas as bênçãos listadas nos sete primeiros versículos daquele capítulo. A herança é-nos apresentada nos versículos de 8 a 21, e a verdade do "um só corpo", nos versículos 22 e 23. O mistério, dessa maneira, pode ser resumido no contexto de um único versículo. Mas a captação da grandeza dessa verdade e tudo que ela envolve demanda exaustivo exercício espiritual. Alguém disse: "É espantoso que os cristãos sejam tão vagarosos para entender a grandeza dos conselhos de Deus.
Em geral, somos inclinados a nos preocupar mais com detalhes da vida cristã que com os maravilhosos princípios que regem o cristianismo".
Na consideração do mistério, somos levados até antes da fundação do mundo para encontrar a sua fonte no coração do Pai. Ali, tudo foi deliberado segundo o seu bel-prazer. Ali igualmente, em Deus, o grande mistério permaneceu oculto através das eras até que, nos caminhos de Deus, chegasse o momento oportuno para a sua revelação.
Antes disso, porém, importantes acontecimentos teriam lugar na história universal.
O mundo seria colocado à prova, a fim de que fosse conhecida a sua condição de absoluta ruína.
Cristo manifestar-se-ia em carne, de modo a realizar a obra da redenção. Depois seria ressuscitado de entre os mortos e se assentaria na glória. Por fim, o Espírito Santo seria enviado à terra.
A presença de Cristo na terra foi o teste definitivo para o ser humano. Ele habitou entre os homens, cheio de graça e de verdade, "fazendo o bem". As suas mãos manifestavam poder capaz de aliviar o ser humano de todos os males possíveis - seja do pecado, da doença ou do próprio diabo. Além disso, com o coração cheio de compaixão, Ele manifestava a graça, usando o Seu poder a favor do homem pecador.
Toda essa manifestação da bondade divina serviu para revelar a profunda aversão do ser humano à perfeita benignidade de Deus. Foi a evidência derradeira de completa ruína, tanto do judeu quanto do gentio. Os judeus rejeitaram completamente ao Messias prometido há longa data e selaram a própria condenação ao declarar: "Não temos rei, senão César!". Era a apostasia.
Os gentios, por sua vez, evidenciaram sua decadência absoluta valendo-se do governo - que Deus pusera em suas mãos! - para condenar o Filho de Deus depois de Ele ter sido judicialmente declarado inocente.
A cruz foi a resposta do ser humano ao amor de Deus, a prova definitiva de que o homem não era apenas pecador, e sim pecador decaído, além de qualquer esperança de recuperação em si mesmo. E o que aconteceu? O Cristo que o mundo rejeitou ascendeu à glória e o mundo posto sob julgamento.
A Luz do mundo saiu de cena, e o mundo foi deixado em trevas.
O Príncipe da vida fora morto, e o mundo ficou mergulhado na morte. Morte e trevas dominavam todo o cenário, judeus e gentios, igualmente, jaziam mortos para Deus em "delitos e pecados".
Não havia, então, esperança para o mundo decaído? Deveria o mundo encaminhar-se ao julgamento com toda a sua carga de almas decaídas? Deveria o homem ser subjugado pelo
pecado e pela morte? Teria o diabo obstruído os propósitos de Deus, cercando o ser humano no desespero e triunfando sobre tudo? Da parte do homem não havia resposta. Tudo estava irremediavelmente arruinado. A cruz provou que o mundo não estava moribundo. O mundo estava morto. "Um morreu por todos; logo, todos morreram."
Então, no auge da crise, quando o mundo chega ao seu fim e a terrível história do pecadoencerra com morte, Deus recorre aos seus eternos conselhos, agindo conforme seus bons propósitos, e no devido tempo dá a conhecer os segredos de seu coração. O mundo está morto, mas Deus vive, e o Deus' vivo age de acordo com os Seus conselhos. O mundo pendurou
Cristo na cruz da vergonha, mas Deus o ressuscitou dos mortos e o assentou no trono de glória.
No tempo apropriado, no grande dia de Pentecostes, o Espírito de Deus desceu ao mundo, da parte do Cristo glorificado. Sem dúvida foi maravilhosa a época em que a terra estava sem forma e vazia, e as trevas cobriam as profundezas do abismo, e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. Muito mais admirável, porém, foi o dia em que Ele desceu a um mundo que se arruinou por haver lançado fora a Luz do mundo e matado o Príncipe da vida. Não podemos dizer que mais uma vez "havia trevas sobre a
face do abismo" e que novamente "o Espírito de Deus pairava por sobre as águas"?
Deus deu início a uma nova criação, não a partir do ser humano moribundo, mas do "Cristo, o Filho do Deus vivo", o princípio da criação de Deus.
Dentre um mundo de judeus apóstatas e gentios ímpios, Deus chama para fora uma grande companhia de almas vivíficadas, redimidas pelo sangue e perdoadas conforme as riquezas da graça divina. E não somente as chama para fora de um mundo arruinado como também as une em um só Corpo com Cristo, sua Cabeça no Céu. Não fazem parte do mundo que rejeitara a Cristo, assim como Ele também não é deste mundo (Jo 17: 16), mas pertencem ao Céu, onde Cristo - a Cabeça ressuscitada e exaltada - está entronizado.
Além disso, ainda serão participantes de Sua gloriosa herança, quando Lhe for dado o domínio sobre todo o universo criado de Deus, quer nas coisas do Céu, quer nas coisas da terra.
Assim, esse é o maravilhoso mistério, em outras eras oculto aos filhos dos homens, mas agora revelado aos Seus santos apóstolos e profetas pelo Espírito e ministrado a nós por meio do apóstolo Paulo. Por causa dessa extraordinária verdade é que Paulo foi feito ministro, como ele próprio nos relata (v. 7). Não significa que o mistério não tenha sido revelado aos demais apóstolos - Paulo afirma que sim -, mas que ele recebeu a incumbência especial de ministrar essa verdade aos santos. Por essa razão, somente nas epístolas de Paulo encontramos revelado o mistério. A graça de Deus concedeu esse ministério ao apóstolo, e o poder de Deus capacitou-o a utilizar o dom da graça. Os dons de Deus só podem ser usados no poder divino.
Além disso, o apóstolo reconhece o efeito que essa extraordinária verdade causou à sua vida (v. 8). Ante a grandeza da graça de Deus, ele percebeu que era o principal dos pecadores (1 Tm 1: 15). Diante do imenso panorama de bênçãos descortinado pelo mistério, sentiu-se inferior ao menor de todos os santos. Quanto maior as glórias que se nos apresentam,
tanto menor nos consideraremos aos nossos próprios olhos. O homem que melhor entendeu o mistério em toda a sua imensurável amplitude considerava-se o menor entre os menores dos santos.
Para dar cumprimento ao seu ministério, o apóstolo apregoou entre os gentios as "insondáveis riquezas de Cristo" (v. 8). Paulo não somente proclamava a irremediável ruína do ser humano, mas também as inescrutáveis riquezas de Cristo, cujo valor ultrapassa toda a capacidade humana de cálculo, que trazem embutidas bênçãos ilimitadas. Ainda que nos dedicássemos a esgotar as Suas riquezas, jamais alcançaríamos os limites das bênçãos que elas nos podem proporcionar.
A pregação do Evangelho, no entanto, estava voltada à segunda parte do ministério de Paulo - a de iluminar a todos com o conhecimento "da administração do mistério" (v. 9, segundo a tradução de (JND). Iluminar a todos não apenas com a verdade acerca do mistério, mas também com o conhecimento de como se deu a sua ministração. Enfim, para demonstrar a todos os homens como os conselhos de Deus, que eram de eternidade a eternidade, se realizaram no tempo presente mediante a formação da Assembléia na terra. Dessa maneira, trouxe publicamente à luz o que até então estava oculto em Deus desde a fundação do mundo.
E mais ainda. A intenção de Deus não era somente esclarecer a humanidade quanto à formação da Assembléia sobre a terra. O seu intento é que agora também os seres celestiais aprendam, por meio da Igreja, a multíplice sabedoria de Deus.
Os principados e potestades celestiais haviam contemplado a criação de Deus ainda jovem, recém-saída de Suas mãos, e, ao perceberem a Sua sabedoria no ato criador, cantaram de alegria.
Agora, na formação da Igreja, eles podem avistar a "multíforme sabedoria de Deus" (v. 10). A Criação foi a mais perfeita expressão de sabedoria criadora.
Porém na formação da Igreja, a sabedoria de Deus é exibida em todas as formas. Antes que a Igreja pudesse ser formada, a glória de Deus tinha de ser reivindicada (restituída); a necessidade do ser humano, satisfeita; os pecados, lançados longe; a morte, abolida, o poder de Satanás, anulado. A barreira entre judeus e gentios tinha de ser removida; os céus, abertos; Cristo, assentado como Homem na glória; o Espírito Santo, vindo à terra; o Evangelho, pregado.
A formação da Igreja envolvia tudo isso e muito mais. Esses múltiplos propósitos só poderiam ser alcançados pela multiforme sabedoria de Deus - sabedoria que não se evidenciou apenas num único aspecto, mas em todos os aspectos. Assim, a Igreja tornouse o livro didático dos seres celestiais e angélicos.
Nem mesmo o fracasso da Igreja no exercício de suas responsabilidades alterou o fato de que os anjos aprendem com a Igreja. Ao contrário, tornou mais evidente a prodigiosa sabedoria que, elevada acima de qualquer falha humana, supera todos os obstáculos e por fim conduz a Igreja à glória" segundo o eterno propósito que estabeleceu em Cristo Jesus, nosso Senhor".
 
Nos versículos que se seguem (12 e 13), o apóstolo desvia-se um pouco da revelação do mistério para dar uma breve palavra acerca de seu efeito prático. Todas essas maravilhas não foram expostas à nossa vista apenas para serem admiradas. Admiráveis elas são, de fato, ou, como exclamou Davi ao referir-se à Casa de Deus, "sobremodo magnificentes". Mas também é verdade que o mistério é extraordinariamente prático, e nesses dois versículos vemos o efeito do mistério quando corretamente compreendido e realizado em conformidade.
Trata-se de uma verdade que nos deixa à vontade no mundo de Deus, mas que nos lança fora do mundo do homem. Tal como o cego de João 9, que, banido do mundo religioso, achou-se na presença do Filho de Deus, Paulo tinha acesso ao palácio do Céu (v. 12), mas se encontrava prisioneiro na terra (v. 13). Cristo Jesus, o único por meio do qual todos os propósitos eternos serão cumpridos, é também o único pelo qual temos acesso pela fé ao Pai. Se é em Cristo que seremos apresentados diante do Deus, santos, irrepreensíveis e em amor, nEle também obtemos, desde já, santa ousadia e acesso com confiança ao Pai. Essa verdade extraordinária deixa-nos à vontade na presença do Pai.
Mas no mundo essa condição nos conduz à tribulação. Paulo teve essa experiência, mas declara: "Não desfaleçais nas minhas tribulações". Aceitar o mistério - caminhar à luz dessa verdade - nos deixará fora do curso deste mundo e ao mesmo tempo à parte do mundo religioso. Acontecerá conosco o que acontecia com Paulo: uma luta contínua, especialmente contra todos os judaizantes.
É necessário que seja assim, pois essas grandiosas verdades minam completamente a constituição mundana de qualquer sistema religioso criado pelo homem. E o que se tem
visto? Acaso tem sido a verdade do mistério, associada ao conhecimento pelo qual Paulo empenhou-se para iluminar a todos os homens, proclamada dos púlpitos da cristandade, das santas convenções, ou mesmo das plataformas evangélicas?
Tem sido a verdade desse mistério - que envolve a ruína total do ser humano, a rejeição total de Cristo por parte do mundo, a atividade de Cristo na glória, a presença do Espírito Santo na terra e a vocação celestial dos santos proclamada nas igrejas nacionais ou nas denominações cristãs ou influenciado sua trajetória? Não,
não há lugar para essa verdade em seus credos, em suas orações ou em seus ensinos. Pior ainda, ela já é negada nos seus estatutos, doutrina e prática.
Apesar de tudo, temos um recurso. Podemos orar, e por esta razão esses dois versículos (12 e 13) nos conduzirão naturalmente à oração com a qual o apóstolo encerra o capítulo. Se temos ousadia e acesso com confiança, então podemos orar. Se deparamos com tribulação, então devemos orar. Assim, em face da incumbência de ministrar a verdade e da tribulação que a tarefa envolvia, Paulo tinha um único recurso: dobrar os joelhos diante do Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.
A oração no início de Efésios foi dirigida ao "Deus de nosso Senhor Jesus Cristo". Ali Jesus é visto como um Homem em relacionamento com Deus. E a partir de Cristo, colocado acima de tudo, podemos contemplar a herança espalhada em toda a vasta extensão da glória. Já aqui a oração é dirigida ao "Pai de nosso Senhor Jesus Cristo".
Aqui Jesus é visto como o Filho em relacionamento com o Pai. E, em vez de olharmos para baixo contemplando a herança, olhamos para cima a fim de contemplar as Pessoas divinas.
Na primeira oração, o pedido é "para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos, e qual a sobreexcelente grandeza do seu poder". Mas aqui a oração vai além do chamado, estende-se além da herança e conduz àquilo que é maior que poder. Pois aqui o apóstolo ora não somente para que conheçamos a esperança de nosso chamado, mas para que Cristo - aquele em quem somos chamados - habite em nossos corações; não somente para que saibamos quais as riquezas de Sua herança, mas para que conheçamos a plenitude de Deus; não somente para que conheçamos a suprema grandeza de seu poder, mas para que conheçamos o amor de Cristo, que excede todo o entendimento.
Para que esses requisitos sejam alcançados, o apóstolo ora para que ocorra uma obra especial do Espírito Santo no interior do homem. Na primeira oração, o poder é direcionado a nós. Aqui, o poder opera em nós. Ali era que os olhos fossem iluminados para contemplar a herança. Aqui é a obra no coração, para que compreenda o amor. Para adentrar nas coisas profundas de Deus, temos que estar arraigados e alicerçados em amor. Estar arraigados e alicerçados no conhecimento secular é de nenhum valor para
a compreensão dos mistérios de Deus, pois trata-se de uma esfera que está além da razão humana. Aqui entramos em contato com coisas que os olhos não podem ver nem os ouvidos
ouvir, coisas que não penetraram o coração do homem, coisas que somente Deus pode ensinar através de nossos afetos.
Deste modo, assim que Cristo vier habitar o coração mediante a fé, e estarmos arraigados e alicerçados em amor, estaremos aptos para compreender, juntamente com todos os santos, "qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade". O apóstolo não diz a que exatamente esses termos se referem, mas acaso não tem ele em vista os infinitos conselhos de Deus, por muito tempo ocultos e agora revelados no mistério? Desse modo, é possível entender, mas temos também algo que ultrapassa o conhecimento - o amor de Cristo, o qual pode ser perfeitamente desfrutado, porém jamais alcançaremos o seu fim ou penetraremos as suas profundezas.
Aqui somos lançados num oceano sem margens cuja profundidade jamais foi atingida. E, no conhecimento desse amor, seremos cheios de toda plenitude de Deus. A "plenitude de Deus" é aquilo de que Deus está cheio.
Cristo é a plenitude de Deus, como lemos em Colossenses 2:9: "Nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade". A Igreja é a plenitude de Cristo - "a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas" (Ef 1:23 - ERA). Somente Deus pode conduzir o nosso coração ao conhecimento do amor de Cristo e então encher-nos com Sua plenitude. Afinal, Ele é capaz de fazer infinitamente mais do que pedimos ou pensamos, conforme o poder que opera  em nós. Não é fazendo coisas por nós, embora isto também seja veradeiro, mas aqui Ele está operando a obra em nós. a apóstolo não está se referindo à nossas circunstâncias, nem às nossas necessidades diárias, nem a qualquer coisa que a misericórdia divina possa nos conceder, e sim ao vasto universo de bênçãos às quais Ele pode conduzir nossas almas pela obra que realiza em nós.
Tampouco o apóstolo diz: "... acima do que podemos pedir ou pensar", como às vezes o versículo é erroneamente citado (como se pudéssemos pedir algumas coisas e outras não).
Alguém disse certa vez que "há grande diferença entre o que pedimos e pensamos e o que podemos pedir ou pensar. Na verdade, não há restrições paraos nossos pedidos". Tampouco
podemos impor limites ao que Deus pode realizar na vida dos santos, para benefício deles e para Sua glória. Isso leva o apóstolo a encerrar com uma explosão de louvor: "A ele seja a glória na Assembléia em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém!" (segundo a tradução de JND). Foi o supremo privilégio de Paulo ministrar o mistério na época presente. Mas, como dizia Paulo, que tudo fosse para a glória de Deus, por toda a eternidade. Deliberado nos tempos eternos, antes da fundação do mundo, também há de subsistir para a glória de Deus por toda a eternidade, quando o mundo já não mais existirá.
 
A IGREJA COMO CASA DE DEUS SOB
 
RESPONSABILIDADE DO HOMEM
 
No capítulo anterior, procuramos extrair das Escrituras a verdade acerca da Casa de Deus conforme concebida na mente divina. Conhecemos o propósito de Deus de habitarentre os homens e a responsabilidade que os homens têm em conexão com essa habitação de Deus. Agora é o momento de perguntar: "Tem o homem cumprido as suas responsabilidades?" .
Lamentavelmente, a história mostra que, ao longo das eras, o homem falhou em sua obrigação - tanto mais alto o privilégio e ampla a responsabilidade, maior a queda. Assim, em nada o fracasso do ser humano é tão evidente quanto com relação à Igreja vista como Casa de Deus sobre a terra.
Para poder avaliar a verdadeira extensão desse fracasso, é essencial obter uma clara visão da Casa de Deus conforme o plano divino original. Na época em que os filhos de Israel amargavam no cativeiro por haverem falhado em manter a santidade da Casa de Deus, o profeta Ezequiel recebeu ordem de mostrar "à casa de Israel este templo, para que ela se envergonhe das suas iniqüidades; e meça o modelo" (Ezequiel 43:10).
Só então o povo teria consciência do quanto se haviam afastado dos padrões divinos.
Como vimos na história de Jacó, a responsabilidade do homem com relação à Casa de Deus estava representada pela "porta" e pela "coluna". O significado da "porta dos céus" aponta para Deus e expressa o privilégio e a responsabilidade de nos aproximarmos dEle em oração e louvor. O significado da "coluna" ungida com óleo aponta para o ser humano e expressa a responsabilidade de manter um testemunho verdadeiro diante dos homens.
Temos falhado nos dois aspectos: não temos usado adequadamente a "porta dos céus" e, conseqüentemente, não erigimos a nossa coluna. Falhamos na oração e na dependência de Deus.
Portanto, falhamos no testemunho perante os homens.
Outro aspecto essencial para que a Casa de Deus seja a verdadeira expressão da Divindade é a necessidade de manter as características distintivas da Casa. O propósito de todas essas características é dar expressão do próprio Deus. A santidade da Casa precisa ser mantida a fim de que haja verdadeira manifestação de Deus.
Sabemos também que as orações devem ser feitas a favor de "todos os homens", pois isso expressa o desejo de Deus - que todos sejam salvos.
As mulheres devem distinguir-se pela modéstia e pelas "boas obras" , as quais manifestam a bondade de Deus aos homens. Dessa forma, a Casa de Deus támbém será caracterizada pelo cuidado com o corpo e com a alma, e todos poderão ver que Deus se preocupa com o bem-estar do ser humano.
Por fim, a Casa de Deus deve caracterizar-se pela "piedade" (1Timóteo 3: 14-16).
É óbvio que somente o comportamento piedoso é apropriado à Casa de Deus. E, quando notamos que o propósito é a expressão de Deus, torna-se claro que a piedade consiste em uma vida que manifeste Deus - não uma vida meramente religiosa ou marcada pela afabilidade ou benevolência que qualquer ser humano tem a capacidade de exibir. A vida piedosa é vivida no temor de Deus e, portanto, é uma vida que expressa Deus. O segredo desse tipo de vida repousa na busca do padrão de piedade demonstrado por Cristo. Por essa razão, nos versículos finais do terceiro capítulo de 1 Timóteo, o apóstolo apresenta um resumo notável da vida de Jesus - da encarnação à ascensão  - na qual o Espírito de Deus enumera uma série de grandes fatos que expressam claramente a Deus. O Deus "manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória" .
Esses são fatos que revelam o coração de Deus ao homem.
Assim, aprendemos com Cristo o segredo da piedade ou da vida que manifesta a presença de Deus - da vida que expressa Deus.
Que maravilhosa imagem de Deus a Igreja apresentaria ao mundo se mantivesse todos os princípios dessa Casa! O mundo iria ver com um povo identificado pela santidade, pela dependência de Deus, pela sujeição à autoridade, pelas boas obras e pelo cuidado para com o corpo e a alma. Eles iriam ver a prática de princípios inteiramente opostos aos que predominam no mundo decaído e, mais que isso, teriam ciência dos propósitos de Deus para com o ser humano. Infelizmente, é notório, sob qualquer perspectiva, que os que constituem a Casa de Deus fracassaram. Nós fracassamos em manter os grandes princípios da Casa de Deus e, por conseguinte, fracassamos em apresentar ao mundo uma verdadeira expressão de Deus. Qual a causa desse fracasso? Uma olhada para a história de Israel e o seu mau êxito com relação à Casa de Deus talvez possa revelar o motivo de também havermos fracassado. Deus ordenou que o profeta Ezequiel falasse "aos rebeldes, à casa de Israel: Assim diz o SENHOR Deus: Bastem-vos todas as vossas abominações, ó casa de Israel! Porquanto introduzistes estrangeiros, incircuncisos de coração e incircuncisos de carne, para estarem no meu santuário, para o profanarem em minha casa [...] Não cumpristes as prescrições a respeito das minhas coisas sagradas; antes, constituístes em vosso lugar estrangeiros para executarem o serviço no meu santuário"(Ezequiel44:6-8).
Temos aqui três acusações categóricas: introdução de pessoas estranhas na Casa de Deus, fracasso na manutenção da santidade da Casa e uso da Casa de Deus para propósitos particulares.
Essa triste história não parece repetir-se na presente dispensação? No dia de Pentecostes, não havia "estrangeiros" entre os que passaram a constituir a Igreja após a descida do Espírito Santo - eram todos verdadeiros filhos de Deus.
Também não havia "íncírcuncisos de coração" entre os três milque em seguida foram acrescentados à Igreja pelo Senhor. Eram todos crentes verdadeiros. Mas logo apareceu um "estrangeiro" - Simão, o mago, que pelo batismo foiintroduzido no lugar da habitação do Espírito de Deus, mas nunca teve parte com Ele realmente. Não demorou, e outros o seguiram.
Como resultado, ainda nos dias dos apóstolos, a Casa de Deus tornou-se semelhante à casa em que "não há somente utensílios de ouro e de prata; há também de madeira e de barro. Alguns, para honra; outros, porém, para desonra" (2 Timóteo 2:20). Assim, tal qual o Israelantigo, a santidade da Casa não foi mantida, e os homens passaram a utilizá-Ia para fins pessoais, "ensinando coisas que não deviam, motivados basicamente pelo lucro" (Tito 1:11, JND). O mal dos dias apostólicos foi aumentando com o passar dos séculos, até estes últimos dias, em que uma multidão de credos sem vida estigmatiza a Casa de Deus com uma piedade sem poder (2 Timóteo 3: 1-5).
Qual seria, então, a conseqüência do fracasso do homem em sua responsabilidade?
Tal como no caso de Israel, o mal que adentrou a Casa de Deus clama por julgamento. "A ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é chegada" (1Pedro 4: 17).
Para Israel, esse dia chegou.
Foi quando o Senhor se recusou a reconhecer o Templo como a Casa de Deus.
Ele se referiu a ela dizendo: "Eis que a vossa casa vos ficará deserta" (Mateus 23:38; grifo do autor). Os verdadeiros filhos de Deus ligados ao Templo foram incorporados à Igreja, e a "casa deserta" foi submetida a julgamento. No entanto, a Igreja, como Casa de Deus, também incidiu em corrupção. E,muito em breve, os que pertencem a Deus serão arrebatados para se encontrar com o Senhor nos ares e uma grande multidão de credos sem qualquer relação com a Casa de Deus irão passar por julgamento.
Seria, então, a intenção de Deus de habitar entre os homens frustrada pelo fracasso humano em cumprir as suas responsabilidades?
Absolutamente não! Nenhum lapso de tempo, mudança de dispensação, fracasso do povo de Deus, oposição do Inimigo ou poder da morte conseguirá dissuadir a Deus de seus propósitos.
No momento em que um povo redimido está assegurado, Deus manifesta o desejo de habitar no meio deles (verÊxodo 15: 13,17; 29:45).
O Tabernáculo no deserto e o Templo na Terra Prometida dão testemunho desse sentimento acalentado por Deus. E, apesar de o povo fracassar e negligenciar a Casa de Deus, de o Templo ser destruído e de eles serem levados para o cativeiro, em momento algum Deus retrocedeu no propósito de habitar no meio de Seu povo. Ele trouxe de volta um remanescente para reconstruir a Sua Casa. Todavia, estes também falharam e por sua vez foram dispersos entre as nações. Quanto à Casa de Deus, não restou pedra sobre pedra.
Não obstante, Deus prosseguiu em Seu glorioso intento. Elevando-se acima de todo o fracasso humano, revelou novos segredos que estavam em Seu coração e trouxe à luz a "casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade".
Porém, novamente o homem falhou em sua responsabilidade, transformando em ruínas a Casa de Deus. Embora caracterizada pela santidade, ela tomou-se semelhante a uma habitação comum, uma grande casa na qual existem vasos para honra e vasos para desonra. Um pequeno remanescente poderá, de fato, separarse dos vasos de desonra com o propósito de retomar aos valores morais da Casa de Deus e caminhar de acordo com os princípios que a governam. Mas eles também falharão, e a história de responsabilidade do homem será encerrada com o julgamento que começa pela Casa de Deus. Contudo, apesar do fracasso humano, seja no antigo Israel, seja na Igreja de hoje, Deus permanece fiel aos seus
propósitos e descortina diante de nós a visão de outra Casa, na dispensação milenial, e "a glória desta última casa será maior do que a da primeira".
Contudo, até mesmo essa Casa um dia passará, pois a gloriosa era milenial terminará em sombras e juízo. Mas Deus jamais desistirá de Seus propósitos, pois passados os julgamentos das nações e do grande trono branco, nos são apresentados "novos céus e nova terra", e, no desenrolar dessa bela cena, vemos a "nova Jerusalém, que desce do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo", e ouvimos uma
"grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles".
Em nossa enumeração, viajamos para além dos limites do tempo, com todas as suas mudanças e fracassos, e alcançamos a eternidade com os "novos céus e nova terra".
Chegamos a uma cena em que todas as lágrimas são enxugadas, ao tempo em que "a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram".
Ali, finalmente, vemos cumpridos os propósitos de Deus revelados através das eras, não mais frustrados pelo poder do Inimigo ou pelo fracasso dos santos.
 
A IGREJA COMO O CORPO DE CRISTO
 
Nos capítulos anteriores, depois de ter uma visão geral da verdade referente à Igreja, consideramos um aspecto especial dela: a Casa de Deus. Há, entretanto, outro aspecto importante em que a Igreja é apresentada nas Escrituras, a saber, o Corpo de Cristo.Vamos considerá-Io brevemente.
Referindo-se a esse aspecto da Igreja, a linguagem das Escrituras é muito precisa . Lemos em Colossenses 1:18 que "ele é a cabeça do corpo, a Igreja" e, novamente, em 1 Coríntios 12: 12-13 "Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, embora muitos, formam um só corpo, assim também é Cristo. Pois em um só Espírito fomos todos nós batizados em um só corpo, quer judeus, quer gregos, quer  escravos quer livres; e a todos nós foi dado beber de um só Espírito".Nessas passagens fica claro que, pelo Espírito Santo, todos os crentes formam na terra um único Corpo que tem a sua Cabeça no céu. Vimos que, pelo batismo com água, os homens foram introduzidos na profissão cristã; e esta constitui a Casa de Deus na terra. É claro, porém, que nenhum batismo por água pode introduzir as pessoas no Corpo de Cristo. Isso só pode ocorrer pelo batismo do EspíritoSanto.
Assim sendo, nada que não seja real pode ter parte alguma no Corpo de Cristo. Ao considerar o Corpo de Cristo, temos que ver os cristãos somente à luzda obra de Deus neles. É verdade que a carne ainda está em nós, mas Deus a condenou e, vendo-nos fora dela, nos enxerga "em Cristo" e "no Espírito". Por outras palavras, Deus sempre vê seu povo em conexão com Cristo e o Espírito, e nós somos privilegiados por ver-nos do mesmo modo. Alguém disse: "É somente a essa luz que podemos falar da qualidade de membros do Corpo; não há lugar para nada no Corpo de Cristo senão o que é de Cristo - de Deus. Não existe, nem se imagina no Corpo de Cristo, falha nem carnalidade". As pessoas que compõem o Corpo, tendo em si a carne, podem na verdade falhar no andar em correspondência com a verdade, mas no Corpo em si tudo é de Cristo. Éseu Corpo.
Há três partes das Escrituras que apresentam de modo especial essa grande verdade: Efésios 1 e 2; Colossenses 1 e 3; e 1 Corintios 12 e 14. Em Efésios,o Corpo é apresentado em seu aspecto eterno de acordo com os conselhos do Pai. Em Colossenses é visto em seu aspecto temporal, como o recipiente para manifestação de Cristo. Em Coríntios, o Corpo é apresentado como o instrumento para as manifestações do Espírito na terra.
As manifestações do Espírito por meio do Corpo têm em vista a evidenciação de Cristo no Corpo temporal. E a evidenciação de Cristo agora é apenas um prelúdio para a manifestação de Cristo em sua plenitude nas eras vindouras em conformidade com os conselhos do Pai. Vamos então considerar primeiro a verdade do Corpo em conformidade com os conselhos do Pai. Em Efésios 1, o assunto em destaque é o que o Pai propôs para a glória de Cristo. O capítulo apresenta "o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em Si mesmo para a dispensação da plenitude dos tempos, de fazer convergir em Cristo todas as coisas" (v. 9 e 10, segundo a tradução de JND). Além disso, nesses conselhos a Igreja tem um lugar de máximo privilégio em relação com a glória de Cristo, e daí nós também já aprendemos o destino futuro da Igreja como o Corpo de Cristo. Aqui a Igreja é vista não em relação ao tempo presente, mas em relação à "plenitude dos tempos".
Temos permissão de olhar além do momento presente, com todas as suas falhas, e ver a glória futura da Igreja como o Corpo de Cristo. Naquele dia "a Igreja, a qual é o seu Corpo" será "a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas" (v.22-23). De acordo com o conselho de Deus, está chegando o dia em que Cristo vai encher todas as coisas. Todo o universo será cheio de bênçãos por meio de Cristo, mas, nesse dia, será privilégio especial da Igreja expressar "a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas" . Embora todas as coisas vão ser abençoadas por meio de Cristo, e serão para a glória de Cristo, não é tudo que irá expressar a Sua plenitude. Isso será reservado para a Igreja. Um santo individualmente pode manifestar alguns traços de Cristo, todas as coisas do mundo vindouro vão manifestar Cristo em medida ainda maior, mas somente na Igreja, como o Corpo de Cristo, haverá a perfeita manifestação de Cristo em toda Sua plenitude. Plenitude quer dizer completitude. Por isso, Cristo não será apenas manifestado, mas será manifestado em perfeição. Isto é, não apenas toda a excelência de Cristo será vista, mas também tudo será visto em justa proporção. Nenhum traço predominará: todos serão manifestados em perfeita proporção em relação um com o outro do mesmo modo que os membros de um corpo humano normal estão em proporção e demonstram a intenção da cabeça. Mas o que então será realmente verdadeiro já deve ser moralmente verdadeiro agora.
Isso nos leva à verdade do Corpo como recipiente para a manifestação de Cristo no tempo. Para esse aspecto da Igrejacomo o Corpo de Cristo, precisamos voltar à Epístola aos Colossenses. O grande objetivo dessa epístola é revelar as glórias de Cristo como a Cabeça. Lemos no versículo 1:18: "Ele é a cabeça do corpo, da Igreja".Além disso, é desejo de Deus que as glórias morais da Cabeça no céu tenham, no tempo presente, uma manifestação no Corpo sobre a terra. Assim, o apóstolo, tendo falado do ministério do evangelho, passa a falar de um segundo ministério ligado ao Corpo de Cristo, "que é a Igreja" (v.24). Ele fala dessa verdade como "o mistério que esteve oculto desde todos os séculos e em todas as gerações, e que, agora, foi manifesto aos seus santos". Ele também fala da glória desse mistério como "Cristo em vós, a esperança da glória". O apóstolo dá ênfase especial a estes dois fatos notáveis. Primeiro, o momento particular em que o mistério é revelado, segundo, a glória especial desse mistério no tempo presente. Esses dois grandes fatos têm uma relação direta um com outro. Podemos perguntar: por que o mistério é dado a conhecer "agora", não antes? Porque três eventos importantes tinham de acontecer, sem os quais a Igreja não poderia existir como fato nem ser dada a conhecer como verdade. Cristo foi exaltado no céu como a Cabeça gloriosa, o Espírito Santo veio à terra e, finalmente, Cristo foi rejeitado pelos judeus.
Os primeiros dois acontecimentos eram absolutamente necessários antes que a Igreja pudesse formar-se. Precisava haver a Cabeça no céu antes de haver o Corpo na terra, e o Espírito
Santo precisava vir habitar nos membros e assim constitui-los  num único Corpo na terra cuja única Cabeça está no céu. Mas o corpo existia de fato antes da verdade ter sido dada a conhecer. Para isso, o terceiro grande evento era necessário.
Se a verdade dos judeus e gentios constituídos num único Corpo tivesse sido revelada antes que Cristo fosse rejeitado, isso teria contradito todas as expressas promessas de Deus feitas aos judeus sob a primeira aliança. Masquando os judeus finalmente rejeitaram a Cristo, a primeira aliança chegou definitivamente ao fim e o caminho estava preparado para a revelação da verdade da Igreja como o Corpo de Cristo. A rejeição foi final e completa quando Estêvão foi apedrejado. Com a cruz, os homens rejeitaram Cristo na terra e com o martírio de Estêvão, rejeitaram Cristo no céu. Eles apedrejaram o homem que testemunhava do fato que Cristo está no céu.
Portanto, havia chegado o momento de revelar o grande segredo que, embora o próprio Cristo tenha sido rejeitado, seu Corpo está na terra. Sinal não de que pecadores salvos pela graça estarão no céu -isso é o evangelho e não há mistério sobre ele; o ladrão que estava morrendo soube disso-, mas agora é revelado o segredo que Cristo tem a Igreja -Seu Corpo- no lugar de Sua rejeição durante o tempo de Sua rejeição. O primeiro indício dessa grande verdade é dado em relação à conversão do homem que foi feito ministro desta verdade. O Senhor diz a Saulo: "Saulo, Saulo, por que me persegues?". Não disse: "Por que você persegue meus discípulos", nem "aqueles que me pertencem" ,nem "aqueles que fazem parte de mim" , mas disse: "Por que ME persegues?" .Alguém tem dito, com propriedade, que "mediante essa palavrinha nos é comunicado que Cristo estava ali".
Além disso, se Cristo está aqui naqueles que constituem Seu Corpo, isto é para que Cristo possa ser manifestado por seu Corpo. Sim, e a manifestação de Cristo na Igreja agora é "a esperança da glória". Em glória, como vimos na Epístola aos Efésios, Cristo será manifestado em Sua plenitude. Mas a esperança da glória é algo cujo cumprimento se dá no tempo presente. Daí, o apóstolo passa a mostrar como Cristo nos santos deve surtir efeito e operar a manifestação de Cristo pelos santos. Assim, o pensamento presente de Deus para o Corpo -composto de todos os santos que vivemnum dado momento sobre a terra- é que nele deve haver a manifestação das características morais de Cristo, de modo que o Corpo na terra corresponda à Cabeça no céu.
No segundo capítulo de Colossenses, o apóstolo mostra como Deus trabalhou para fazer isso ocorrer e nos adverte dos diferentes mecanismos pelos quais o diabo procura frustrar o atual propósito de Deus nos santos.
Primeiro somos advertidos contra as opiniões enganosas dos homens, apresentadas da maneira mais atraente possível com argumentos persuasivos (v. 4); em seguida, a filosofia, ou o amor à sabedoria humana extraída das tradições dos homens e dos elementos do mundo (v. 8); mais adiante somos advertidos contra a religiosidade da carne, coisas como abstinência de certos alimentos e observância de certos dias (v. 16); finalmente somos advertidos contra superstições, como, por exemplo, adoração de anjos (v. 18).
Se quisermos manifestar as belezas morais de Cristo, precisamos conhecer a Cristo. Precisamos conhecer Aquele cujo caráter devemos exibir. As opiniões dos homens, a filosofia humana, a eligião da carne e as superstições dos homens não nos ensinam nada do caráter de Cristo nem nos capacitam para manifestar esse caráter quando conhecido.
Depois de sermos avisados acerca das armadilhas do inimigo, somos instruídos quanto às provisões que Deus fez a fim de que as perfeições morais da Cabeça sejam manifestadas pelo Corpo. Em relação a isso, são declaradas quatro grandes verdades: 
 
1- Estamos "perfeitos NEle" (Cl 2:10).
2- Somos identificados "com Ele" (Cl 2:11,13).
3- Somos dEle: "o Corpo é de Cristo"(CI 2: 17).
4- Ele obtemos todo O alimento espiritual (Cl2: 19).
 
Vejamos:
 
1- Estamos "perfeitos nEle". Por outras palavras:temos tudo, estamos completos. NEle habita toda a plenitude da Divindade. Portanto, tudo que nós possamos precisar para conhecer a Cristo e manifestá-Lo se encontra nEle -somos completos nEle. E não dependemos dos homens. As opiniões, as filosofiase a religião dos homens não podem nos levar a Cristo, não nos podem revelar o caráter dEle, nem nos capacitar para manifestar as Suas belezas morais.
 
2- Somos identificados "com Ele". Na cruz, no sepultamento, na ressurreição e na vida, Deus identificouo crente com Cristo. Na cruz -manifestada pela circuncisão- Cristo de fato morreu para tudo que é segundo a carne; no sepultamento, Ele saiu para sempre do domínio da morte; e vivificado Ele entrou numa cena de glória numa vida e condição totalmente de acordo com a glória de Deus. Agora, o que é de fato verdadeiro para Cristo é verdadeiro para os santos aos olhos de Deus, que nos identifica "com Ele", e a fé tem a mesma ótica que Deus. Sabemos que nossa carne foi despida na morte de Cristo, e não apenas despida, mas também posta fora de vista, pois fomos "sepultados com Ele no batismo". Além disso, em espírito estamos ressuscitados com Ele,de modo que a morte perdeu seu poder sobre nós. Embora nosso corpo mortal ainda não esteja vivificado,no que dizrespeito a nossa alma, já vivemos para Deus naquela vida celestial manifestada em Cristo.
 
3- Somos da ordem dEle - "o Corpo de Cristo" . As ordenanças da leieram apenas sombras e foram dadas ao primeirohomem, que é terreno. Mas as coisas vindouras, das quais as ordenanças eram apenas sombra, são de Cristo, o Homem celestial. E se Cristo é celestial, o Corpo -que é de Cristo- também é celestial. "Como é o Homem celestial, tais também os celestiais". Atualmente estamos na terra, mas somos do Homem celestial e portanto pertencemos ao céu. 
 
4- Obtemos todo alimento da Cabeça. Se a Igreja é celestial, ela só pode se alimentar do céu. Não há nada da terra que possa ministrar ao homem do céu. Não há nada do homem como tal que possa ministrar alimento ao Corpo, manter os membros consolidados entre si, ou conduzir a algum crescimento espiritual. Tudo precisa vir da Cabeça no céu, ser ministrado ao Corpo por meio das juntas e ligamentos do Corpo. Como a Cabeça no céu está para o alimento do Corpo na terra, assim também o Corpo na terra está para a manifestação da Cabeça no céu. Caso "não retivermos a Cabeça", pode ser que deixemos de manifestá-Ia, mas Cristo - a Cabeça- nunca falhará em nutrir seu Corpo.
Ele cuida do Corpo e de cada um de seus membros. Esses quatro fatos importantes -que somos "perfeitos nEle", somos identificados "com Ele", somos dEle e obtemos todo alimento dEle- todos conduzem ao cumprimento do propósito de Deus para o Corpo no tempo presente, a saber, a manifestação do caráter da Cabeça no Corpo. Isso se vê de modo prático nas exortações que vêm em seguida.
 
Com base na doutrina da Igreja nos dois primeiros capítulos, o apóstolo exorta: "Revesti-vos, pois, como êleitos de Deus, santos e amados, de entranhas de compaixão, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade. Suportandovos uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se alguém tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdo-ou, assim fazei vós também. E a tudo isto acrescentai amor, que é o vínculo da perfeição. Permitam que a paz de Cristo presida em vossos corações, à qual também fostes chamados num único corpo; e sede agradecidos" (Cl 3: 12-15, segundo a tradução de JND). Esse é o amável caráter de Cristo, marcado por graça e seu perdão ilimitado, pelo amor que associa consigo todas as
outras perfeições e pela paz que governa o coração; é o caráter que os santos, na unidade de "um só Corpo", são chamados a manifestar enquanto perdurar o período da ausência de Cristo e enquanto esperam pelo dia de Sua aparição.
Que bela manifestação de Cristo seria se os santos, como "um Corpo", fossem marcados por graça, amor e paz. Ainda que num dia de ruína nossa prática deixe a desejar essa linda imagem, não deixemos que o padrão seja rebaixado.
Alguém disse com propriedade: "Mesmo que a prática não atinja a altura do padrão, e mesmo que seja impossível trazer os santos de volta ao padrão real, tenhamos a idéia certa. É muito bom se alcançar a idéia certa, mas então, quando a obtivermos, esperemos também que o Senhor conceda graça para andarmos em conformidade com a idéia certa -na verdade dela-, mesmo que não tenhamos a expectativa de ver as coisas restauradas ao que eram quando foram inicialmente estabelecidas".
 
Já vimos que as Escrituras nos apresentam a Igrejacomo o CorpodeCristoem trêsmaneiras: CD na Epístola aos Efésios, em conexão com os conselhos do Pai; 1 na Epístola aos Colossenses, como o recipiente para a manifestação de Cristo; 2 em 1Coríntios12 como sendo o instrumento para as manifestaçõesdo EspíritoSanto.
No capítulo anterior, analisamos o Corpo de Cristo quanto aos dois primeiros aspectos, restando agora uma breve consideração do Corpo em conexão com as manifestações do Espírito conforme temos em 1 Coríntios 12. O assunto deste capítulo, contudo, não se concentra no Corpo, mas no Espírito. O Corpo aparece como o instrumento que o Espírito utiliza para evidenciar a Cristo.
Uma grande causa do fracassodo cristianismotem sido a perda de toda a percepção da presença e do poder do Espírito Santo. Cargos clericais, organizaçãopuramente humana e adoção de métodos carnais colocaram de lado o Espírito Santo - daí a grande importância desse capítulo de Coríntios, porque ele preserva os direitos do Espírito Santo na Assembléia e instrui quanto ao verdadeiro caráter das manifestações espirituais.
Uma rápida olhada no texto já nos revela, nos versículos 2 e 3, o propósito das manifestações espirituais. O importante alvo que o Espírito Santo sempre tem em vista, quaisquer que sejam as formas de sua manifestação, é exaltar a Cristo. O propósito ao qual sempre conduz é declarar Jesus como Senhor.
Considerando isso, já estaremos aptos para julgar o espírito que motiva qualquer um que estiver falando - não para distinguir se é crente ou descrente, mas para saber determinar qual espírito lhe está inspirando as palavras: "O discurso provém de um espírito mau ou do Espírito de Deus?" .
Se quem fala é movido por algum espírito mau, por mais instruído que seja o orador e por mais eloqüente que seja o seu discurso, por mais que o timbre seja aparentemente moral, ainda assim ele estará, de alguma forma, aviltando a Cristo. Mas quando alguém fala por intermédio do Espírito Santo, ainda que o discurso seja simples e o orador pouco instruído, Cristo é exaltado.
Se aplicarmos o teste aos unitaristas, à alta critica e aos modemistas, ficará evidente que todos - cada um à sua maneira - roubam a glória de Cristo.
Porém, embora todos que falem pelo Espírito Santo venham exaltar a Cristo, isso não significa que todos tenham o mesmo dom. E isso leva o apóstolo a discorrer sobre a diversidade dos dons espirituais (v. 4-6). Ele afirma que há uma diversidade de dons, e ao mesmo tempo recorda que essa variedade não prejudica a unidade de propósito. Os vários dons são controlados pelo mesmo Espírito, portanto todos conduzem à exaltação e à expressão de Cristo (v. 4). Além disso, o emprego de diferentes dons pelo EspíritoSanto visadiferentes formas de ministério sob o controle do único Senhor (v. 5) que está na condução do serviço. Mais ainda, o emprego dos dons em diferentes ministérios há de produzir efeitos diversos nas almas, porém é o mesmo Deus quem opera tudo em todos (v.6).
 
Esses versículos (4-6) refutam e ao mesmo tempo corrigem um grave desarranjo do cristianismo: a idéia de que a utilização do dom requer habilidade e sabedoria humanas  e treinamento teológico. Não, diz o apóstolo. O requisito nenhuma escola humana e nenhum talento natural pode satisfazer: trata-se do poder e da energia do Espírito Santo.
O mundo religioso exige que você seja ordenado por homens e receba autoridade humana antes de ministrar a outros. Não, diz o apóstolo. O ministério verdadeiramente espiritual é autorizado e dirigido por Deus e não admite autoridade rival. Somos inclinados a pensar que a eloqüência e os apelos comoventes podem causar real impressão à alma humana. Não, diz o apóstolo. "Deus é quem opera tudo em todos". Deus opera tudo o que for de ordem divina naquele em cuja vida se desenvolva uma obra vital.
Após comentar a diversidade de dons, o apóstolo, nos versículos de 7 a 11, discorre sobre a distribuição das manifestações espirituais. É importante observar que ele não diz apenas que os dons são concedidos, mas a manifestação dos dons. Notamos então que o apóstolo está falando acima de tudo do uso dos dons. Assim, ele não diz apenas" sabedoria", mas "palavra da sabedoria"; não apenas "conhecimento", mas "palavra do conhecimento"; não apenas "milagres", mas "operações de milagres" . Desta forma, temos aqui quatro verdades destacadas:
 
1- Qualquer que seja o caráter sas manifestações e seja lá como forem distribuídas, todas fluem do mesmo Espírito (v.8-10). A unidade é mantida.
2- O Espírito Santo reparte as manifestações dos dons "a cada um" (v. 7, 11). Ele se recusa a concentrar todas as Suas manifestações em um indivíduo ou em uma certa classe de pessoas. Atentem como isto reprova o maior desarranjo verificado na cristandade: a distinção de uma classe especial de homens para o ministério e a conseqüente divisão do povo de Deus entre clero e leigos. As Escrituras não permitem essa distinção. O cristianismo, mediante essa sua prática, contradiz a ordem de Deus e estabeleceque as manifestações do Espírito são concedidas apenas ao homem que preside a Assembléia. Não, dizo apóstolo.  Os dons são concedidos" a cada um" na Assembléia.
3- Amanifestação do Espírito é dada a cada crente "visando a um fimproveitoso", ou seja, ao bem comum. Opropósito não é exaltar nem dar proeminência ao indivíduo, permitindo que exerça influência pessoal ou obtenha lucro com isso, ou que faça de seu dom um meio de subsistência. A manifestação espiritual é concedida visando a "um fim proveitoso" - um propósito espiritual.
4- O Espírito distribui as manifestações a cada crente, individualmente, "como lhe apraz" (v. 11). Isso exclui a vontade humana. Temos, então, que deixar espaço para que o Espírito Santo trabalhe conforme a Sua vontade. Se assinalarmos o ministro ou combinarmos como será o ministério, estaremos - mediante a implementação das nossas vontades - impondo restrições à vontade divina; estaremos estorvando o Espírito Santo de utilizar a quem Ele quer. Após discorrer sobre a distribuição dos dons e mostrar que a sua operação ocorre por obra do Espírito, o apóstolo passa a falar do instrumento da manifestação espiritual(13-27). Isso nos leva ao Corpo de Cristo, mas note que ele só é mencionado nos versículos 13 e 27. Nos outros versículos, o apóstolo está se referindo ao corpo humano como ilustração.
Fora dessa grande verdade não pode haver uso inteligente do dom. Pois, conforme a ordem divina, o Espírito Santo não nos usa como indivíduos isolados, mas como membros do Corpo de Cristo. Valendose do corpo humano como ilustração, o apóstolo mostra que o nosso corpo é uma única entidade, contudo composto de váriosmembros, cada umtendo o seu lugar e função especial, e é "assim também com respeito a Cristo".
Esse é um modo contundente de apresentar a verdade. O que o apóstolo tem emvistaé o único Corpo, mas observe que elenão diz"assimtambém com respeito ao Corpo de Cristo",mas "assim também com respeito a Cristo", porque o Corpo, aos olhos de Deus, é a expressão de Cristo. Este Corpo único foi formado pelo batismo do Espírito Santo, Já tem sido asseverado que o batismo do Espíritonão ocorreu com a finalidadede levar-nos ao Céu, mas simpara que houvesse na terra um Corpo que fosse, moralmente, a reprodução de Cristo.
Para entender o verdadeiro significadodoCorpo, precisamos considerar dois fatos. Primeiro, Cristo, em pessoa, está ausente do mundo. Segundo, o Espírito Santo está presente no mundo. Durante esse período marcado pela ausência de Cristo, crentes judeus e gentios são constituídos num único Corpo pelo Espírito Santo, a fimde que Cristo tenha as suas características reproduzidas em Seu Corpo. Para que tudo o que Elerealizou em perfeição em Seu corpo enquanto esteve aqui - pastorear, ensinar, pregar e abençoar- possa sercontinuado em Seu Corpo espiritual agora que Ele está no Céu.
O batismo do EspíritoSanto teve lugarcom os crentes judeus no Pentecostes (Atos 1:5; 2: 1- 4) e com os crentes gentios, no chamado de Camélia e seus amigos (Atos 10:44; 11:15-17).
O batismo do Espírito Santo envolveo despojamento de tudo que diz respeito à carne, Distinções naturais, como judeus e gentios, e posições sociais, como escravos e livres não têm lugar no Corpo de Cristo.Não podemos pensar em nós mesmos como judeus e gentios ou com base em qualquer outra distinção carnal, pois no poder de um só Espírito "todos nós fomos batizados em um corpo", A todos nós, que formamos um só Corpo, "foi dado beber de um só Espírito", Desfrutamos as mesmas bênçãos e privilégios, pois tudo provém da mesma fonte: o Espírito Santo.
Nesse ponto, o apóstolo retoma o exemplo do corpo humano para reforçar certas verdades práticas referentes às manifestações espirituais no Corpo de Cristo. Ele começa declarando que no Corpo há diversidade em unidade (v. 14-19). "O corpo não é um só membro, mas muitos", isto é, enquanto houver corpo haverá muitos membros. Mas essa diversidade pode perder-se por completo, acarretando em graves conseqüências, se cada membro negligenciar a sua própria funçãopor invejarofícios talvez mais nobres desempenhados por outros membros. Se os pés começarem a lamentar-se por não serem mãos e os ouvidosse queixarem por não serem olhos, a operação do corpo será interrompida, pois membros queixosos deixam de operar eficientemente em benefício do corpo.
Como então evitar esse desacordo entre os muitos membros? Antes de tudo, reconhecendo que "Deus dispôs osmembros, colocandocadaum deles no corpo, como lhe aprouve". Assim, no Corpo de Cristo, éDeus que indicao lugar e a função de cada membro; segue-se,portanto, que nenhum deles é proeminente. A proeminência de um membro anularia o conjunto. "Se todos, porém, fossem um só membro, onde estaria o corpo?" Além disso, o apóstolo destaca o outro lado da verdade: Há unidade na diversidade (v. 20-24). Se há muitos membros, todavia existe apenas um Corpo. Mas a unidade do Corpo pode ser ameaçada se os membros mais nobres desprezarem os menos destacados. Já vimos que a inveja de um membro pode desfazer a diversidade. Agora aprendemos que o desprezo pode desfazer a unidade. Se o olho trata a mão com desdém e a cabeça menospreza o pé, toda a unidade do corpo estaria anulada. Como afastar esse perigo? Mais uma vez, reconhecendo que é Deus quem opera. Deus configurou o Corpo de tal forma que nenhum membro pode funcionar independente do outro. Os membros mais relevantes precisam dos menores. Enão apenas isto: os membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários. Não é simplesmente o caso de todos trabalharem para o bem comum, mas que nenhum membro poderá desempenhar apropriadamente as suas funções sem considerar o outro. Em resumo, todos os membros são indispensáveis. Existem, portanto, dois graves perigos a rondar a unidade do Corpo. Primeiro, descontentamento da parte dos membros menos proeminentes com o lugar que Ihes foi destinado. Segundo, desprezo, da parte dos membros mais proeminentes, pelos que parecem mais fracos. Um prejudica a diversidade, o outro destrói a unidade. E ambos comprometem a correta operação do Corpo. Demos lugar a Deus, e, em qualquer um dos dois casos, o problema será resolvido. Foi Deus quem atribuiu a função especial de cada membro. E Deus configurou de tal maneira os membros do Corpo de modo que nenhum membro é proeminente e todos os membros são indispensáveis. O resultado da obra e da sabedoria de Deus é que os membros do corpo humano
cooperam, "com igualcuidado, em favoruns dos outros" (v.25). Eles não apenas "cuidam" uns dos outros, mas têm real interesse uns pelos outros, "de maneira que, se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam".Oapóstolo não está dizendoque issodeveria ser assim, mas que é assim. O sectarismo e as barreiras denominacionais criadas pelo homem têm impedido grandemente que essa maravilhosa verdade seja posta em prática, no Corpo de Cristo. Mas a verdade permanece: o que afeta um membro afeta todos os membros, porque eles estão unidos uns aos outros pelo EspíritoSanto e dependem dEle para se manter, ainda que as nossas falhaspossam prejudicar a harmonia. A decadente condição do povo de Deus diminuiu a nossa sensibilidade espiritual. Porém, quanto mais formoscontroladospelo Espírito, mais profundamente viveremos essa verdade, como alguém disse: "Nós conscientemente sofremos ou nos alegramos conforme a medida de nosso poder espiritual".
Até aqui, o apóstolo utilizou o corpo humano como ilustração do Corpo de Cristo. Agora ele faz uma aplicação local desta verdade, dizendo dos santos de Corinto: "Ora, vós sois corpo de Cristo; e, individualmente, membros desse corpo" .Elenão diz: "Vós soisQ corpo de Cristo" [grifodo autor].Aassembléia de Corinto não era todo o Corpo de Cristo, e sim a expressão dele naquela cidade. Isso representa ao mesmo tempo um privilégio e uma responsabilidade da assembléia local. Eles são "corpo de Cristo" não independentemente (uma representante independente seria a negação da verdade do único corpo), mas representativamente (condição esta que preserva a verdade).
Hoje, infelizmente, dificilmente podemos dizer de alguma congregação local:"Vós sois corpo de Cristo", porque quase não há uma congregação localque inclua todos os santos de determinada localidade. Sendo essa a nossa realidade, supor que sejamos Q Corpo de Cristoem uma localidadeé mera pretensão.Noinicio,a assembléia local representava a verdade visívelno todo. Hoje, a Igreja é decadente, e qualquer grupo localque se considere o Corpo deCristonão expressaa realidade da igreja professa.Tal atitu de não passa de independência. Lamenta-velmente, as comunidades são hoje mera expressão de suas respectivas denominações. Entretanto,ainda temos a responsabilidade de recusar seguir qualquer grupo que negue a grande realidadedo único Corpo de Cristo, assim como ainda é nosso o privilégio de andar à luzdessa verdade.
 
A IGREJA EM TEMPOS DE RUÍNA
2 TIMÓTEO 2
 
Num capítulo anterior, procuramos apresentar os pensamentos de Deus no tocante à Sua Casa. Já vimos também que, pelo fato de o ser humano haver falhado em sua responsabilidade, doutrinas maléficas e homens malignos adentraram a Casa de Deus, transformando-a numa ruína e tornando-a passível de julgamento.
Já foi concluído que, enquanto 1Timóteo apresenta a CasadeDeustalcomo concebida na mente divina, 2 Timóteo apresenta-a já no estado arruinadopelofracassohumano, sendo, nesse estado de ruína, comparada auma" grande casa" na qual "não há somente utensíliosde ouro e de prata; há também de madeira e de barro.
Alguns, para honra; outros, porém, para desonra" (2:20).
O crente que teve a oportunidade de contemplar a verdade que dizrespeito à Igreja como Casa de Deus, tal como explicado nas Escrituras, talvez diga: "Não vejo nada neste mundo que corresponda a essa verdade". Lamentavelmente, tal afirmação é verdadeira! Nestes dias de ruína, a verdade acerca da Casa de Deus pode ser conhecida apenas de maneira abstrata, pois não há mais nenhuma expressão concreta dessa verdade. Tudo que se verifica na cristandade é "uma grande casa" onde há vasos para honra e vasos para desonra.
Essa realidade suscita outras questões na mente do cristão desejoso de caminhar em obediência a Deus: "Será que as Escrituras dão alguma orientação ao povo de Deus para a caminhada em tempos de ruína? Há nelas esclarecimento sobre como caminhar e com quem caminhar nesta época em que a cristandade se corrompeu?". Quaisquer que sejam as dificuldades e as trevas reinantes na época em que vivemos, é inaceitável pensar que Deus tenha deixado o seu povo sem luz suficiente para a sua caminhada neste mundo. Por deficiência em nossa espiritualidade,podemos falhar em discernir a luz; por deficiência em nossa devoção, podemos falhar em caminhar segundo a luz que recebemos; ou, por absoluta apatia, podemos ser totalmente indiferentes a ela. Contudo, podemos estar certos de que a Palavra de Deus faz provisão de plena luz para o nosso caminho.
Três fatos de fundamental importância para a nossa alma precisam ser entendidos, se o nosso desejo é caminhar neste mundo em concordância com a mente de Deus:
Primeiro: precisamos entender que não encontraremos o caminho que Deus assinalou para o Seu povo em meio à confusão da cristandade se confiarmos em nossa mente - isso a despeito de nossa inteligência natural, de um eventual treinamento de alto nível pelo qual temos passado, por mais profundo que seja o nosso conhecimento das Escrituras ou por mais sinceros que sejam os nossos desejos. Não temos condições de encontrar o nosso caminho  em meio aos obstáculos que se multiplicam à nossa frente nem de enfrentar a contínua oposição à verdade ou mesmo de solucionar as váriasquestões que surgem constantemente.
Segundo: uma vezverificada a nossa total incapacidade, será um grande alívioconstatar que não fomos largados a encontrar forma que pudermos e também que Deus jamais esperou que tivéssemos em nós mesmos sabedoria ou capacidade para andar conforme a Sua mente. O Senhor mesmo disse: "Sem mim nada podeis fazer" .
Terceiro: será para nós um grande dia aquele em que descobrirmos a rica provisão que Deus fez para que sejamos  conhecedores de Sua vontade.
Temos, em primeiro lugar,uma Cabeça no Céu - Cristo em glória é a Cabeça de Seu Corpo,  a Igreja -, e toda sabedoriaestá na Cabeça. Assim, embora não tenhamos sabedoria alguma em nós mesmos, temos toda a sabedoria em Cristo. Alguém com muita propriedade disse: "Cristo nos foi feito sabedoria, isto é, inteligência. Afinal, somente Ele pode conduzir o ser humano através do emaranhado deste mundo de confusão moral, onde não há caminho algum" .
Em primeiro lugar, portanto, é essencial abrir mão de nossas cabeças terrenas e contemplar a Cristo como "a Cabeça" que nos dirige. Se confiarmos em nossas cabeças, já não estaremos "retendo g cabeça" (Colossenses 2:9).
Em segundo lugar, o Espírito Santo - uma pessoa divina- está na terra. O Senhor sabia que o Seu povo não conseguiria manter-se a si mesmo em um mundo do qual Ele está ausente: desse modo, antes de sair daqui, declarou: "Rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fimde que esteja para sempre convosco, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não no vê, nem o conhece; vós o conheces, porque ele habita convosco e estará em vós" (João 14:16-17). Vemos, então, que a preservação e a sustentação da verdade não depende dos santos, mas da permanência duradoura do Espírito da verdade.
Em terceiro lugar, temos a Sagrada Escritura dada pela inspiração de Deus que é proveitosa para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra (2 Timóteo 3: 16-17). Lemos que "a casa de Deus, que é a Assembléia do Deus vivo", é "a coluna e a base da verdade". Mas quando a Casa de Deus transformou-se em ruína, e já não temos mais a verdade manifesta e vivida na Igreja, o homem de Deus continua dispondo da infalívelautoridade da Escritura mediante a qual poderá provar todas as coisas. Saliente-se que nenhuma ruína na cristandade pode, por um momento, alterar a Cristo, ao Espírito ou as Escrituras. . Cristo continua sendo a Cabeça no Céu, com ilimitada provisão  de sabedoria à qual o Seu povo pode recorrer, tanto nestes últimos dias quanto nos primeiros dias do cristianismo.
O Espírito Santo continua com o mesmo poder para guiar e controlar. Ea Sagrada Escritura continua com absoluta autoridade.
Contudo, a cristandade - em larga escala - colocou de lado a Cristo, ao Espírito e às Escrituras. Os grandes sistemas religiosos dos homens têm de fato preservado o nome de Cristo, mas Ele,como a Cabeça no Céu, foi colocado de lado mediante o estabelecimento de cabeças terrenas: Roma tem o papa; a Igreja grega, o seu patriarca; as igrejas protestantes, os seus reis, bispos, presidentes e presbitérios. E assim, resta nesses sistemas pouco espaço para a direção do Espírito. O aparato religioso e os artifícios carnais dos homens praticamente excluíram o Espírito.Alémdisso, os homens ainda tên 1empreendido ataques mortais contra as Escrituras, sendo que é raro haver hoje no meio da cristandade um grupo que se mantenha unânime na defesa da idéia de que "toda a Escrituraé inspirada por Deus" .
Diante disso, se alguém deseja dar a Cristo o seu lugar como Cabeça da Igreja, reconhecer e submeter-se ao controle do Espírito Santo e implicitamente reverenciar as Escrituras, o que deverá fazer?
A Palavra de Deus responde de maneira definitivaque é preciso considerar dois princípios fundamentais e agir de acordo com eles:
O primeiro princípio é a separação de tudo que seja contrário à verdade de Deus - tudo que seja uma negação da verdade da Igreja, de Cristo como Cabeça da Igreja, do Espírito Santo como o nosso único e suficiente Guia e das Escrituras como a nossa autoridade absoluta. E, depois de termos nos separado do mal, a Escritura insiste num segundo princípio igualmente importante: associação a tudo que esteja de acordo com Deus. Resumindo, devemos "cessar de fazer o mal e aprender a fazer o bem" .
Primeiro, então, busquemos aprender o que a Escritura nos diz sobre separação do mal. Todos admitem, apesar de muitos haverem perdido a prática, que o povo de Deus sempre esteve incumbido de separar-se deste mundo mau. Porém, nesta época em que o cristianismo se corrompeu, somos especialmente instruídos a uma tripla separação:
1- Separação de todo o sistema religioso que, mediante a sua constituição, seja uma negação da verdade de Cristo e da Igreja. O texto de Hebreus 13: 13 é muito claro: "Saiamos, pois, a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério". O "arraial" foi o sistema religioso judeu originalmente instituído por Deus, que apelava para o homem natural. No judaísmo, em momento algum era levantada a questão do novo nascimento, tudo girava em torno do nascimento natural. Compunha-se de um relacionamento externo entre o povo e Deus, com uma ordem terrena de sacerdotes para mediar entre ambos. Havia um santuário material e um ritual estabelecido (Hebreus 9: 1-10).
É por demais evidente que os sistemas religiosos da cristandade foram concebidos segundo os padrões do "arraial". Abarcam em seus quadros pessoas nãoconvertidas.
Apelam, da mesma forma, ao homem natural;têm, igualmente, os seus santuários, os seus rituais e os seus sacerdotes ordenados para se posicionar entre Deus e as pessoas. Porém, ao imitar o arraial, tais cristãos, como já vimos, colocaram de lado a Cristo como Cabeça, o Espírito Santo como Guia e as Escrituras como autoridade. Se, portanto, quisermos dar a Cristo o seu verdadeiro lugar, devemos, por obediência à Palavra: "Sair, pois, a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério" .
2- Porém a separação dessa ordem de coisasque dizrespeito ao arraial,e que se manifesta nos sistemas religiosos, não é o bastante. A Escritura também ordena claramente a separação das más doutrinas: "Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor" (2Timóteo2:19).Todos os que confessam o nome do Senhor estão, mediante essa profissão, identificados com o Senhor etêm a responsabilidade de afastar-se da iniqüidade. A iniqüidade pode assumir várias formas, porém os versícuIos precedentes evidenciam especialmentea questão dasmás doutrinas. Não podemos ligara iniqüidade ao nome do Senhor. 
Pode ser custososepararmo-nos da iniqüidadenotempo presente, mas nos custará muito mais na eternidadea associaçãodonome do Senhor à iniqüidade.
3- A mesma Escritura (citada acima) também demanda separação das pessoas más (ou seja: iníquas). O versículo 20 menciona vasos para honra e para desonra, e na continuação do texto recebemos ordem para nos purificarmos dos vasos para desonra (O conceito é o de "purificar-se mediante a separação destes [vasos]". Algumas traduções da Bíbliamencionam simplesmente a purificação" destes erros" ou "destas coisas".), a fim de sermos santificados e apropriados para o uso do Mestre. Aqui, evidentemente, trata-se de pessoas, não simplesmente de doutrinas. Alguém comentou, e com propriedade, "que é sempre à medida que nos separamos desses vasos - das pessoas, não apenas de suas doutrinas - que somos santificados e habilitados para uso do Mestre... Poucos têm noção do prejuízo de uma associação profana. Não é bastante não sustentarmos as suas doutrinas,pois a associação jácontamina. Vocêé classificado segundo a mais vil das companhiascomquese envolve.
Houve muito esforço na cristandade para enfraquecer a força dessa passagem. Porém a grandeza de cada um é medida pelo seu nívelde separação".
Assim, fica claro que as Escriturasordenam a separação dos sistemas religiosos, que são a negação da verdade; das falsas doutrinas, que corroem a verdade; e dos vasos para desonra, que não praticam a verdade.
Mas isso ainda não é o suficiente. A separação, apesar de necessária, é apenas uma atividade negativa. Deve também haver um fator positivo no processo. Isso nos leva ao segundo grande princípio: a associação com o bem. Vimos como a separação diz respeito tanto a coisas más quanto a pessoas más. Assim, da mesma forma, a associação há de ser também tanto com coisas retas e boas quanto com pessoas que são retas para com o Senhor. Devemos seguir "a justiça, a fé, o amor e a paz com os que, de coração puro, invocam o Senhor" (2Timóteo 2:22). A justiça está em primeiro lugar.Énecessário que seja assim: um homem pode confessar o que for, mas sem velar por justiça prática não poderá caminhar em conformidade com Deus. Mas justiça apenas não é suficiente. Saber o que é certo e errado não é o bastante para determinar o caminho do cristão. Ele deve, sim, praticar o que é correto. No entanto, se   alguém se dispõe a trilhar o caminho do Senhor, isso requer fé. Por isso, depois da justiça deve vir a fé. E a justiça e a fé abrem caminho para o amor.
Se não for resguardado pela justiça e pela fé, o amor se reduzirá a simples afeição humana, tornando-se até justificativa para a permissividade e a irrelevância do mal. Essas três qualidades, por sua vez, levam à paz - não a paz infame que não passa de compromisso com o mal, a incredulidade e o ódio, mas a paz honrosa que é o resultado da justiça, da fé e do amor.
Agora, se seguirmos essas belas qualidades, iremos deparar com outros que estão fazendo o mesmo - aqueles que invocam o Senhor de coração puro -, e com estes devemos nos associar. O fato de que eles invocam ao Senhor de coração puro pode claramente ser discernido mediante a vida que levam, e se estão "apartados da iniqüidade" isso é visto quando a simesmos se purificaram dos vasos para desonra e seguem  "ajustiça, a fé, o amor e a paz" .
Fica claro, portanto, que o caminho da separação não é um caminho de isolamento. A Escritura mostra que sempre haverá aqueles com quem possamos nos associar.
É certo, porém, que aqueles que em meio à corrupção do cristianismo tomarem o caminho da separação do mal e da associação com o bem terão contra si "questões insensatas
e absurdas", da parte dos que se opõem a um caminho que eles mesmos não têm fé para trilhar.Para irao encontro destes será necessário cultivar um espírito de "brandura", "paciência" e "mansidão".
Somente revestidos deste caráter é que nos será possível evitar contendas à medida que buscamos transmitir instrução (2 Timóteo 2:23-26).
Há de se observar que nestas Escrituras que fornecem tão clara instrução ao povo de Deus em tempos de ruína não vemos uma sugestão sequer para que saiamos da Casa de Deus. Aliás, seria impossível fazê-lo sem sair da cristandade - isso implicaria deixar inteiramente o mundo. Porém, embora não tenhamos como sair da Casa, somos responsáveis por nos separar do mal que há dentro dela.
Repito: não somos conclamados a reconstruir alguma coisa. Não temos a ordem de reconstruir a Casa de Deus. Não somos chamados para formar uma igreja-padrão ou para começar algo novo. Temos simplesmente que andar à luz do que era no início e que continua subsistindo aos olhos de Deus, apesar do fracasso do ser humano em cumprir com a sua responsabilidade.
Este, podemos dizer, continua sendo o nosso privilégio e a nossa responsabilidade: andar conforme a verdade da Igreja, reconhecendo a Cristo como Cabeça, sob o controle e a orientação do Espírito Santo e de acordo com as instruções da Palavra de Deus.
 
Por Hamilton Smith

 

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