Esclarecimento 

As cartas a seguir, publicadas com a permissão do amigo a quem se dirigem, não foram enviadas até terem sido impressas. Quando o amoroso protesto dele chegou às minhas mãos eu quis responder imediatamente, mas considerando que recebi muitas cartas semelhantes e consultas pessoais, publiquei minhas respostas, primeiro, para explicar o passo que tomei; em segundo lugar, para esclarecer qualquer equívoco, e em terceiro lugar, a fim de retirar publicamente de circulação meu panfleto contra os chamados “irmãos”*, aos quais me refiro nas cartas. [*N. do T.: O autor refere-se aos “brethren”, também conhecidos por “Plymouth Brethren” e às vezes em português por “irmãos de Plymouth” ou “irmãos unidos”, para identificar aqueles que a partir do início do século 19 saíram dos sistemas religiosos para estarem congregados somente ao nome de Jesus. Nesta tradução usarei “irmãos”, entre aspas, porém aqueles que assumem tal posição fora das divisões denominacionais nunca adotaram para si mesmos tal título por considerarem “irmãos” todos os que fazem parte do corpo de Cristo, sem distinção]. Os motivos da retirada de circulação de meu panfleto é que eu descobri que algumas fontes de minhas informações, usadas quando escrevi o texto, eram indignas de confiança. Informações mais autênticas me levaram a interpretar as coisas de uma maneira completamente diferente. Além disso, uma análise das declarações que eu tinha usado, quando vistas em seu contexto, me convenceu de que eu lhes tinha dado um significado que não era o pretendido pelo seu autor. Além disso, uma reconsideração minuciosa de alguns dos pontos de vista que eu mesmo tinha condenado, levaram-me a concluir que eles eram bíblicos. Sob tais circunstâncias, eu simplesmente obedeci às indicações da Palavra de Deus e aos ditames da consciência em confessar o meu erro, e espero que a publicação destas cartas ajudem a anular os efeitos da meu panfleto. Se aprouver ao Senhor usar essas cartas para orientar os crentes em um caminho e posição corretos, eu não poderia ser mais grato. Que elas possam ser usadas para a Sua glória no bem-estar dos seus santos. 

Edward Dennett Blackheath, Londres,1875 

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Primeira Carta 

Blackheath, janeiro de 1875. 

Meu amado irmão, 

Sua carta era tão cheia de protestos suaves e amorosos, e nossa amizade foi tão próxima, que lhe devo uma explicação detalhada da razão de eu mudar minha posição. Uma vez que muitos outros também perguntaram por que eu, que escrevi um panfleto contra os chamados “irmãos”, mudei tanto de opinião ao ponto de me identificar com eles, espero que você não se oponha à minha intenção de responder através destas cartas endereçadas a você. Antes de tudo, deixe-me lembrar de nossa associação no passado. Há cerca de seis anos nossa amizade foi formada, a qual continuou e cresceu mais profundamente com o tempo, provando que a bênção do Senhor estava sobre ela. O início dessa amizade já era uma previsão de sua natureza e caráter, pois ela surgiu a partir da comunhão que na época parecia ser a verdade. Nominalmente, éramos ministros Batistas, mas em espírito e na prática, estávamos tão fora da denominação batista que não éramos vistos com bons olhos. Por quê? Porque tínhamos sido libertados das restrições da teologia e simplesmente valorizado as Escrituras como a verdadeira Palavra de Deus. Depois de termos aprendido algo das verdades dispensacionais, da posição distinta da Igreja de Deus, e tendo ensinado sobre a posição perfeita que o crente desfruta diante de Deus por meio da morte e ressurreição de Cristo, da natureza divina de nosso chamado, da morada pessoal do Espírito Santo no crente, do retorno do Senhor para os Seus santos antes do milênio, e do glorioso reino milenar do Messias (1000 anos) etc., encontramo-nos fora de harmonia com nossos colegas ministros, ao ponto de ficarmos receosos de convidá-los para pregar em nossos púlpitos, para evitar que viessem a contradizer nosso próprio ensino. Em uma honesta discordância de todo denominacionalismo, não podíamos apoiar nossas sociedades, e por isso nos mantivemos longe dos procedimentos políticos de grande parte das reuniões da denominação. A consequência foi que você e eu, quando presentes, estávamos sozinhos nessas reuniões, e sobre nós pesava fortemente a suspeita de uma tendência ao “brethrenism”*. Nossa posição era bem conhecida e nosso isolamento quase total. [*N. do T.: Referência ao movimento dos irmãos congregados somente ao nome do Senhor.] Como resultado, nos entregamos mais plenamente à obra do Senhor, nos esforçando em proteger nosso povo tanto quanto fosse possível das “influências denominacionais”, para treiná-los a estudarem por si mesmos as Escrituras e edificá-los com a verdade de Deus. O Senhor graciosamente abençoou nosso trabalho. Ele nos incentivou por meio de muitas provas da Sua graça. De fato, até o final de 1872, eu e você tínhamos muitos motivos para agradecer, pois raramente passava um mês sem que pessoas fossem levadas a Cristo pela pregação do evangelho. Quantas vezes nós derramamos nossos corações diante do Senhor em gratidão por Sua grande misericórdia em nos usar para a Sua glória! Em todas as nossas orações nosso único desejo era o de sermos transformados em “vasos para honra, santificados e idôneos para uso do Senhor, e preparados para toda a boa obra, e aptos para o uso do Mestre” (2 Tm. 2:21). Nossas preces foram ouvidas, pois vejo a resposta para nossos clamores nas experiências dos dois últimos anos. Nosso desejo era o de continuar com o nosso povo e termos maior bênção sobre nós e sobre o nosso trabalho em seu meio. Oramos para uma maior dedicação, mas estávamos fechando os olhos para o fato de que a nossa posição não estava de acordo com a vontade de Deus (e havia coisas em meu ensino que também não estavam de acordo com as Escrituras). Portanto, se as nossas orações deviam ser respondidas, isso só poderia acontecer se nós nos separássemos de tudo aquilo que era mau aos olhos do Senhor, seja na posição ou no ensino. Ele nos respondeu de acordo com seus próprios pensamentos de amor, e não conforme a nossa própria vontade. 

Em Cristo, carinhosamente seu, Edward Dennett 

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Segunda Carta 

Blackheath, janeiro de 1875. 

Meu amado irmão, 

Quão misericordioso é o Senhor para esconder de nós o futuro. Meu receio é que se tivéssemos visto o caminho que havia diante de nós, nossas orações teriam morrido em nossos lábios. Como o Senhor responde às nossas orações? Em ambos os casos foi por meio de uma doença. Eu fui o primeiro a ser afligido, em outubro de 1872. Após ter me recuperado um pouco, empenhei-me em meu trabalho até março de 1873. Aquele período de fraqueza foi o mais fértil de meu ministério na conversão de almas. Era, portanto, meu mais sincero desejo permanecer em meu posto de ministro Batista, mas o Senhor iria me enviar para o deserto para uma longa temporada a fim de que eu perscrutasse meu coração em Sua presença. Por ter ficado muito doente, fui enviado para o continente para um seis meses de descanso, período que acabou se estendendo por treze meses até eu voltar. Embora o Senhor já tivesse me separado de minha congregação, eu alegremente me recordo de como eles ministraram para minhas necessidades ao longo daquele período. Que o Senhor possa reembolsá-los abundantemente, pois fizeram aquilo como a Ele próprio na pessoa de Seu servo. Ele, “segundo as suas riquezas, suprirá todas as suas necessidades em glória, por Cristo Jesus” (Filipenses 4:19). Antes de apresentar os exercícios que tive durante a minha estadia na Suíça, deixe-me olhar para frente alguns meses. Não muito tempo depois de eu ter partido, a sua saúde também falhou e você também foi para o continente onde, inesperadamente, nos encontramos em Lausanne. Você sabe como fiquei impressionado com essas “coincidências” no modo como o Senhor nos tratou! Assim, sugeri considerarmos se poderia existir algo em nossa posição e ensino que tivesse trazido sobre nós a amorosa disciplina do Senhor, e que talvez pudesse ser a intenção do Senhor nos corrigir e nos levar a uma compreensão mais completa da Sua verdade, e a uma posição mais de acordo com a sua vontade. Esta questão veio depois de muito autoexame e autojulgamento. É natural que a tribulação leve o filho de Deus a perscrutar seu próprio coração. Portanto, tão logo cheguei ao continente comecei, em minhas caminhadas diárias e durante as minhas noites insones, a ter sempre diante de mim a seguinte questão: “Qual seria o propósito do Senhor naquela aflição?” ou “O que Ele queria me ensinar?”. Resolvi não descansar até descobrir a razão de Sua mão pesando sobre mim. Por isso, examinei e reexaminei os métodos de trabalho que estava acostumado a usar, as verdades que ensinava, e a posição que ocupava. Deixe-me brevemente detalhar os resultados de minha investigação. Em primeiro lugar, ponderei sobre meu livro contra “os irmãos”. Logo depois de ter sido publicado eu já tinha lamentado a sua publicação, pois embora eu acreditasse em tudo o que tinha escrito, eu sinceramente admirava aquilo que conhecia dos assim chamados “irmãos”. Eu admirava seu caminhar separado, sua simplicidade de vida e seu amor pela Palavra de Deus e pela Pessoa de nosso amado Senhor. Fiquei triste por tê-los ferido e, por causa de meu livro, fechado todas as portas de comunhão com eles. Além disso, questionei se eu tinha sido justo em criticar citações tiradas do contexto; se, na verdade, eu tinha honestamente procurado determinar o seu significado real e, em seguida, testá- las pelas Escrituras. Portanto, muito antes de deixar a Inglaterra, parei de promover meu livro. De posse de informações mais autênticas sobre muitos dos pontos que eu tinha abordado, e tendo sido forçado a renunciar, depois de examinar as Escrituras, algumas doutrinas que eu tinha defendido no livro, eu me sentia obrigado não só a retirar o livro do mercado, mas a confessar que eu já não podia concordar com todas as declarações que fizera nele. Eu também havia decidido que, na primeira oportunidade, diria isso publicamente e expressaria minha tristeza pela publicação do livro. Em seguida, eu examinei minha prática à luz de meu ensino. Será que eu tinha sido coerente? Eu tinha que admitir algumas discrepâncias importantes. Eu havia pregado por muitos anos que os crentes deviam estar congregados, como crentes no dia do Senhor, para “partir o pão”. Eu também conhecia o mal que havia no costume de se alugar bancos na congregação. Mesmo sem levar em conta a inexistência de fundamento bíblico para tal prática, eu havia percebido que os crentes pobres tinham de se sentar onde pudessem, por mais desconfortável que fosse, pois os incrédulos em condições de pagar podiam escolher seus assentos. Eu havia expressado com frequência as minhas convicções sobre estes pontos e, por conseguinte, sentia-me satisfeito apenas com meu testemunho contra tal prática. Mas a falha era minha. Eu era responsável pelas verdades que o Senhor me revelara. Assim, eu era responsável, na fidelidade a Deus, por colocá-las em prática. Eu havia negligenciado isso, mas agora Deus me concedia a graça de confessar meu erro e buscar forças para ser fiel quando retornasse. Depois testei as doutrinas que tinha pregado à luz das Escrituras. Aqui também descobri motivos para me arrepender. Eu havia ensinado a mortalidade do corpo humano do Senhor, no sentido de que tal corpo iria necessariamente morrer. Eu não estava ciente dos erros que associados a esta doutrina, caso contrário eu a teria evitado e ficado horrorizado com ela. Um estudo mais aprofundado mostrou-me que o corpo humano do Senhor era mortal, mas apenas no sentido de ser capaz de morrer, e não de maneira alguma, como estando sob a necessidade da morte! Perseverar em tal ideia seria atacar os próprios fundamentos do sacrifício expiatório do Senhor na cruz. A vinda do Senhor para os Seus santos também ocupou a minha atenção. Eu havia sustentado que, embora sua vinda fosse pré-milenar (antes do reino de mil anos do Senhor sobre a terra), eu inseria eventos intermediários antes do “arrebatamento” dos santos. No meu pensar, a Igreja teria de passar pela grande tribulação e, portanto, estar na terra durante o reinado do Anticristo. Dediquei todo o inverno debruçando-me sobre este assunto. Busquei as Escrituras junto com outros cristãos e, finalmente, conclui que a Igreja não estaria na “tribulação” -- o período que ocorre entre a vinda do Senhor nas nuvens para os crentes (“Arrebatamento”) e seu retorno à Terra para reinar (Sua Vinda). Percebi, por exemplo, que Mateus 24 não se aplica à Igreja. Com grande alegria percebi que o crente tem o privilégio de diariamente esperar a volta do Senhor. Há muito eu tinha uma convicção secreta de que, a menos que fosse assim, muitas das exortações das Escrituras quanto a “esperar” e “vigiar” tinham pouca força, e que essa expectativa deveria exercer, no poder do Espírito Santo, a mais abençoada e santificadora influência sobre a alma do crente. Minha mudança de ponto de vista sobre este assunto me ajudou a modificar vários outros pontos. Isso esclareceu para mim a “natureza” e “vocação” da Igreja; o contraste entre a esperança terrena do judeu e a esperança celestial do crente, e entre o “reino” e a “Igreja”. Aquilo me levou a corrigir meu entendimento de outras verdades decorrentes desta verdade. Todavia, naquele momento não fui mais longe que isso. Embora durante o inverno, em leituras bíblicas e conversas com amigos, eu achasse difícil defender as “práticas eclesiásticas” da denominação com a qual eu estava associado, permaneci na posição que ocupava nela. Com as exceções acima, eu não tinha alterado qualquer princípio fundamental -- ao menos nada que afetasse a minha continuidade no posto que mantido por tantos anos. Se eu tinha qualquer ideia de alterar a minha posição, a simples perspectiva de em breve voltar à minha amada congregação era suficiente para eliminar tal ideia e restabelecer minha confiança. Assim, quando finalmente comecei a viagem de volta para casa, meu único medo era se minha saúde me permitiria retomar o trabalho interrompido por tanto tempo. 

Afetuosamente, no Senhor, Edward Dennett 

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Terceira Carta 

Blackheath, janeiro de 1875. 

Meu amado irmão, 

Ao retornar para a Inglaterra, mais uma vez teve início o meu ministério. Por eu ainda estar fraco, minha amada congregação gentilmente permitiu que eu pregasse apenas uma vez, no dia do Senhor, e através das misericórdias de nosso Deus e Pai eu era capaz de fazer isso com relativa facilidade e muita alegria. Acredito que nunca antes havia sentido tanto a presença de Deus e o poder do Espírito Santo na pregação da Palavra. A razão, sem dúvida, foi que nunca antes havia tantas orações elevadas a Deus para que a força do Senhor pudesse ser aperfeiçoada em minha fraqueza. Independe de todas essas experiências felizes, o Senhor estava prestes a fazer com que eu deixasse aquela posição. Você está ciente do rumo peculiar em que fui guiado, portanto sabe que não dei o passo de minha própria vontade, mas fui forçado a agir pelas influências que vinham de fora. Convoquei uma reunião de crentes e li para eles um texto que continha as principais verdades que eu professava naquele momento. Transcrevo abaixo uma parte dele que ajudará a explicar as mudanças que fui levado a fazer. Depois de citar algumas referências pessoais, continuei o texto assim: “Dizem que ensinei doutrinas dos chamados ‘irmãos de Plymouth’ no último dia do Senhor. Acontece que em duas ocasiões anteriores expressei exatamente os mesmos pontos de vista e, ao que me consta, não houve uma única reclamação. Porém, a pergunta mais importante é: ‘Será que preguei verdade ou erro? Pelo fato de os católicos confessarem a divindade do Senhor Jesus, deveria eu rejeitar esta doutrina tão verdadeira e abençoada? Todavia, confesso que não concordo em grande parte com as doutrinas geralmente associadas aos chamados ‘irmãos’. Há treze anos, quando comecei meu ministério aqui, eu era um ótimo estudante e lia muitos livros. Mas o Senhor gradualmente me mostrou que, com o Espírito Santo como Guia e Mestre, a Bíblia é autossuficiente para a instrução do homem de Deus (João 14:16-17). Assim, o número de livros que eu lia tornou-se cada vez menor. Agora as Escrituras são a minha principal companheira e meu único livro-texto para o púlpito”. “O resultado disso foi que precisei rejeitar a maior parte dos pontos de vista que eu tinha aprendido, e tive de confessar que muitas das doutrinas dos chamados ‘irmãos’ estavam de acordo com o pensamento de Deus. Por exemplo, vi que é correto congregar no dia do Senhor simplesmente como cristãos para partir o pão. Também, no que diz respeito à verdade dispensacional, embora eu discordasse dela em alguns pontos importantes, concordava com eles em suas linhas gerais, como, por exemplo, no retorno pré milenar de Cristo, na primeira ressurreição dos crentes, no arrebatamento dos santos e em sua associação com Cristo na glória de Seu reino milenar. Também concordava com uma restauração e conversão dos judeus e uma conversão do mundo, não pela pregação do Evangelho, antes da segunda vinda de Cristo, mas depois da volta do Senhor, quando Deus dará ‘uma linguagem pura aos povos, para que todos invoquem o nome do Senhor, para que O sirvam com um mesmo consenso’ (Sofonias 3:9). Também concordo com eles, de um modo geral, no seu ensino relativo à posição e ao andar dos crentes, sua separação do mundo, e a habitação do Espírito Santo. Tenho discordado deles em outros pontos. Não fosse este o caso, creio que teria tido a graça de estar unido a eles. Se eu tivesse sido plenamente convencido do terreno que adotam para a adoração e o ministério, teria sido meu o prazer de buscar glorificar a Deus em obediência à Sua vontade”. “E vou mais longe. Muitas vezes eu já disse em conversa com amigos que, em algumas circunstâncias, eu preferiria estar com os chamados ‘irmãos’ do que com outros cristãos. Mesmo agora, se eu estivesse em um lugar onde nenhuma verdade definitiva fosse ensinada, eu iria procurar o privilégio de ter comunhão com eles no partir do pão”. “Sempre expressei meu arrependimento por ter escrito o livro contra os ‘irmãos’, pois logo descobri que os unitarianos, clérigos e outros ministros pelos quais eu não nutria a menor simpatia estavam usando meu livro para promover sua causa. Senti, portanto, que estava no campo errado e envolvido com o erro. O livro foi também citado em jornais e artigos para apoiar opiniões que eu rejeitava por completo. Daí eu expressar minha profunda tristeza de ter um dia publicado tal obra, apesar de naquele momento ela conter minhas mais sinceras convicções. Nestes dias de mundanismo e erro eu preferiria muito mais ver cristãos com os chamados ‘irmãos’ do que na Igreja da Inglaterra ou com muitos independentes e batistas. Aproveito esta oportunidade para dizer que agora não concordo com afirmações e opiniões que meu livro contém”. Portanto, querido irmão, este era o teor do texto que li na ocasião. Depois de lê-lo anunciei que, uma vez que meu ensino havia sido colocado em dúvida, eu renunciaria a meu pastorado. Voltei para casa com um gozo no coração como há muito eu não experimentava, pois senti que o Senhor havia aberto uma porta para eu poder apresentar claramente toda a verdade que confessava. Eu tinha certeza de que, quaisquer que fossem as provações que minha fé viesse a sofrer relacionadas à separação de minha congregação, Aquele que havia me falado tão claramente me daria a graça de ser fiel e a força para o testemunho para o qual eu pudesse vir a ser chamado, além da capacidade de seguir adiante, embora o caráter do caminho no qual eu estava entrando estivesse totalmente escondido. 

Afetuosamente seu, no Senhor, Edward Dennett 

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Quarta Carta 

Blackheath, janeiro de 1875 

Meu amado irmão, 

O efeito da reunião que descrevi em minha última carta foi inesperado e maravilhoso. Senti-me como um pássaro que tinha acabado de escapar de uma gaiola, tão grande era minha liberdade e a liberdade de minha alma. Além disso, as verdades que não estavam claras em minha mente iam se solidificando pela influência daquela reunião e brilhavam como tesouros recém-descobertos. Por isso, quando insistiram que eu permanecesse com minha congregação garantindo que eu poderia pregar tudo o que o Senhor me revelara, eu já não poderia fazê-lo, mesmo tendo um grande apreço pelas almas que me haviam sido dadas por meio do evangelho. Os laços que a comunhão cristã havia criado me ligavam a muitos crentes. Além disso, humanamente falando, a manutenção das necessidades temporais dependia de minha continuidade em minha função. Mas mesmo estas coisas não poderiam me chamar de volta ou me fazerem retroceder naquilo que eu havia falado. Após proferir as verdades apresentadas em meu relato, senti que deveria agir em conformidade com elas. Comecei a buscar uma função que pudesse passar no teste da Palavra de Deus. Além disso, depois de ter manifestado em público o meu pesar pela publicação de meu livro, senti que também deveria contar isso àqueles contra quem ele foi escrito. Sendo assim, escrevi uma breve carta ao Sr. William Kelly -- alguém bem conhecido entre os chamados “irmãos” -- comunicando o que eu havia feito e expressando minha tristeza por ter publicado meu panfleto. Isto feito, eu estava livre de todos os embaraços. Busquei então a ajuda de Deus para ter fundamento nas Escrituras em tudo o que estivesse relacionado à minha posição, para que no futuro eu pudesse estar congregado corretamente, pois a posição exata que eu deveria assumir em minha separação de minha congregação ainda me era incerta . Meu único desejo era conhecer a vontade do Senhor. A primeira coisa que examinei foi o “ministério”, na forma como é praticado pelos “dissidentes” [N. do T.: Na época a expressão identificava as denominações que não seguiam a Igreja Anglicana]. Durante anos eu e você fomos conhecidos como ministros dissidentes, embora não estivéssemos dispostos a aceitar o nome. Por quê? Posso responder apenas por mim mesmo. Depois de ter confessado a Cristo, eu tinha um grande desejo de “entrar no ministério.” Eu era jovem e sem instrução, e de acordo com a prática de nossa denominação (Batista), procurei uma das faculdades existentes para me preparar. Recomendado por dois ministros, embora eu só tivesse pregado uma vez, sem que nenhum deles tivesse me escutado, fui aceito para os habituais quatro anos de curso. Estudei muito, mas não as Escrituras, embora estas tivessem seu lugar como algo secundário aos outros estudos. Formei-me bacharel no final do terceiro ano, mas enquanto aguardava os exames finais peguei a febre tifoide e fui incapaz de continuar minha licenciatura. Depois de meses de fraqueza, recuperei-me pela bênção de Deus. Faltavam cerca de seis meses de estudo. Ao final de três meses, fui convidado a pregar, como um teste, e no final de minha pregação a “igreja” se reuniu para discutir meus méritos como pregador. Então, por votação, fui eleito por unanimidade para ser o seu pastor. Não vou aqui discutir o método de preparação de jovens para o ministério, embora ele esteja repleto de muitos males e seja completamente injustificado pelas Escrituras. Vou limitar-me a uma pergunta: “Existe qualquer autoridade bíblica para a eleição de um “ministro” por votação da igreja?” Esta foi a pergunta que, com a Bíblia na mão, eu procurava responder. Abri primeiro em Atos 6, onde encontramos algo parecido com a “eleição” dos ofícios da igreja pelos crentes em comunhão (v. 5). Porém, observe que ali há várias coisas. Em primeiro lugar, apesar de terem sido escolhidos pela multidão, foi pela direção dos apóstolos, que a nomeação foi confirmada, se é que não tenha sido feita diretamente pelos apóstolos (v. 6). Em segundo lugar, apesar de terem sido escolhidos pela multidão, a palavra usada para indicar, ou o ato de sua escolha, revela uma simples escolha, e não uma votação. Em terceiro lugar, as pessoas escolhidas para ocupar os “ofícios” não eram anciãos ou bispos, mas foram nomeadas apenas para atender a distribuição diária de mantimento para as viúvas -- eram pessoas que serviam às mesas (vv. 1-3). Depois Estêvão pregou a palavra no poder do Espírito Santo, mas ninguém afirma que esta tenha sido uma consequência de sua nomeação para servir às mesas. Assim, nada neste capítulo corrobora para a eleição de “pastores” ou “ministros”. Examinei então Atos 14:23, que vai mais direto ao ponto. Lemos ali de Paulo e Barnabé “anciãos eleitos em cada igreja”. Nas Escrituras, “anciãos” e “bispos” são uma mesma coisa. Os dois termos indicam uma mesma função, e o ofício de um ministro denominacional é tido como assumido em obediência a isto. Se estes “anciãos” eram nomeados pelo voto da igreja, então poderia haver uma justificativa para a prática adotada pelas denominações. A prova de que as palavras “anciãos” e “bispos” indicam o mesmo ofício é encontrada em Atos 20:17, onde Paulo manda “chamar os anciãos da igreja” Ao abordá-los, ele diz no versículo 28: “Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos”. Voltando a Atos 14:23, vejamos quais são as palavras exatas usadas. Literalmente está assim: “E, havendo-lhes... eleito anciãos”. Até ali eu acreditava, conforme havia sido ensinado, que a palavra traduzida como “eleito”, significava “designado pelo voto da igreja” -- ou seja, pela contagem das mãos levantadas -- e, portanto, que primeiro a igreja selecionava esses anciãos por voto, e em seguida os apóstolos confirmavam ou ratificavam a escolha que a igreja tinha feito. Se aceitarmos, por um minuto, que este pudesse ser o significado da palavra usada, peço-lhe, querido irmão, que pondere se este é o método usual para se interpretar uma linguagem. O contexto mostra que o particípio traduzido por “havendo eleito” refere-se apenas à ação dos apóstolos, e que o pronome traduzido como “lhes”, refere-se “a eles” ou “para eles”, ou seja, aos discípulos que havia em cada igreja. Portanto, é evidente que, independente do significado da palavra “eleito”, estamos falando aqui de algo que os apóstolos fizeram para as igrejas. Todavia, se você insistir que a palavra realmente transmite o significado de “votação pela igreja”, eu responderia imediatamente, e sob a autoridade desta passagem que, se a igreja tivesse votado, nenhuma nomeação seria válida se não fosse mediante a presença e ação dos apóstolos! Mas será que é este o significado da palavra “eleito”? A mesma palavra grega só ocorre em dois outros lugares no Novo Testamento, uma vez na mesma forma, e outra combinada com uma preposição de “tempo”, o que deixa o significado da palavra inalterado. Em 2 Coríntios. 8:19 o apóstolo Paulo fala de um irmão cujo louvor no evangelho era conhecido por todas as igrejas, e diz: “E não só isto, mas foi também escolhido (a mesma palavra traduzida como “eleito” na outra passagem) pelas igrejas para companheiro de nossa viagem, nesta graça...” Aqui, as igrejas fizeram a indicação, mas não temos nada além do próprio termo para indicar o método de escolha. No entanto, esta não é a escolha de um ancião, mas apenas de um enviado pelas assembleias para, juntamente com o apóstolo, encaminhar as contribuições -- uma coisa totalmente diferente! A outra passagem está em Atos 10:40-41: “A este ressuscitou Deus ao terceiro dia, e fez que se manifestasse, não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus antes ordenara (no original é a mesma palavra)”. Acaso o uso da palavra nesta passagem não prova o seu significado? Usada em conexão com Deus, é impossível associá-la a qualquer ideia que não seja de uma escolha ou indicação direta. Portanto, esta passagem deveria controlar nossa interpretação das passagens que apresentem alguma dúvida. Volto a dizer que a palavra “eleito” é usada apenas em um lugar em conexão com a escolha de anciãos ou bispos (o ofício que os ministros das denominações alegam possuir), e mesmo nessa passagem a ação da palavra está aplicada aos apóstolos, não às igrejas. Portanto, será que alguma mente imparcial poderia continuar acreditando que a Bíblia autorize a eleição de “ministros” (anciãos) pela igreja mediante voto, ou que exista qualquer ideia contida na palavra “eleito” além da de uma simples escolha? Sendo assim, os anciãos nos versículos citados eram escolhidos pelos apóstolos. Esta é a conclusão à qual a Palavra de Deus me fez chegar do modo mais relutante. Eu tampouco poderia encontrar uma desculpa na ordem de Paulo a Tito para que “de cidade em cidade estabelecesse presbíteros” (Tt 1:5). Primeiro, a palavra “estabelecesse” não é a mesma que discutimos acima, mas tem o sentido de “estabelecer” mesmo; segundo, o que Tito fez, ele só o fez por direção e autoridade do apóstolo. Estes são os resultados de minha investigação. Minha conclusão é que o método de nossa ordenação não teve autoridade bíblica. Se quiser saber mais sobre este assunto, deixe-me recomendar “Lectures on the Church of God”, por William Kelly. Todavia, você descobrirá que as Escrituras já são mais que suficientes para demonstrar a precisão das conclusões que apresentei acima. 

Afetuosamente seu, no Senhor, Edward Dennett 

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Quinta Carta 

Blackheath, janeiro de 1875 

Meu amado irmão, 

Por uma questão de clareza, vou resumir as conclusões da minha última carta antes de prosseguir. Vimos que: 1. As Escrituras contêm apenas uma instância de uma escolha absoluta feita pela igreja. No entanto, o homem escolhido não era um ancião, mas simplesmente um irmão a quem foi delegada, por várias assembleias, a tarefa de acompanhar os apóstolos para ajudar a administrar as contribuições das assembleias (2 Coríntios. 8:18-19). 2. Há apenas uma instância de seleção de “oficiais da igreja” pela igreja, e o trabalho desses “oficiais” era o de “servir às mesas”. Apesar de terem sido selecionados pela igreja, na verdade eles foram separados para o seu ofício pelos apóstolos (Atos 6). 3. Não há qualquer instância da seleção de anciãos por parte da Igreja, seja por voto ou não. Em todos os casos eles foram nomeados, ou pelos apóstolos, ou sob sua direção e autoridade (Atos 14:23, Tito 1:05, etc). 4. Com base nestes fatos concluímos que, a menos que tenhamos apóstolos ou autoridade apostólica, não temos fundamento bíblico para a nomeação de anciãos ou bispos. Você poderia dizer que em 1 Tm. 3 e Tito 1 temos essas orientações apostólicas e a autoridade necessária. Mas, essas “orientações” não foram enviados às igrejas, e sim a indivíduos -- os mesmos indivíduos, Timóteo e Tito, que estavam agindo sob a direção do apóstolo e, portanto, necessitavam das instruções dadas ali. É muito significativo que, no caso de Tito, as qualificações para o bispo (ancião) seguem a orientação dada para “ordenar anciãos em cada cidade.” Assim, a própria inclusão destas instruções mostra que, a menos que fosse uma autorização dada pelo apóstolo a nós, individualmente, para nomear anciãos, a igreja, ao fazê-lo, está tomando sobre si uma função que pertencia exclusivamente ao ministério apostólico. Portanto, devemos concluir que o método de nomeação de ministros nas denominações não é bíblico. Estou convencido de que há centenas de homens piedosos nas denominações que se sentiriam gratos se vissem esta conclusão. Apesar de terem aceitado as tradições das denominações a respeito deste assunto, acabaram descobrindo que é difícil conciliá-las com a sua crença na sabedoria divina. Suponhamos, agora, uma “igreja” que estivesse sem um ministro. O que ela faria? Antes de tudo, perguntariam a homens influentes para que indicassem alguém que fosse capaz de agradar a igreja. Também seriam analisados currículos de ministros “itinerantes”. No devido tempo seria feita a seleção de um ou mais candidatos, que seriam convidados a pregar por várias semanas para serem testados. Então a igreja se reuniria para discutir os méritos de cada candidato. Finalmente, reunidos tanto o crente de mais idade quanto o bebê em Cristo, e todos considerados como estando no mesmo nível para julgar, seriam avaliadas as qualificações espirituais dos candidatos. Em seguida seria organizada uma votação. Se a maioria votasse a favor do candidato, ele seria convidado a exercer o pastorado (apesar de ter sido testado apenas como pregador) e o candidato aceitaria ou rejeitaria o convite conforme sua própria vontade. Eu tinha tudo isso em mente enquanto reexaminava o assunto. Talvez isso tenha me ajudado a chegar a uma conclusão imparcial, e digo “imparcial” porque minha própria posição estava envolvida. Cheguei à conclusão de que o ministro, nomeado do modo como é feito entre os denominacionais, carece totalmente de fundamentação bíblica. Até então eu havia acreditado que existiria alguma semelhança entre o ofício de um ministro denominacional e o do presbítero ou bispo das Escrituras. Mas logo vi que há pouca ou nenhuma semelhança entre essas duas coisas, pois, nas Escrituras, sempre é feita uma total distinção entre o ofício e o dom. Se por um lado havia a nomeação para o ofício (de bispos ou anciãos) pelos apóstolos, aquele que possuía um dom era o único responsável perante o Senhor para utilizá-lo e nunca era nomeado para exercer seu dom, nem pelos apóstolos, nem pela assembleia. Veja Rom. 12:6-8 e 1 Pedro 4:10- 11. Consequentemente, nunca é dito na lista dos dons em Ef. 4:11-12 que o Senhor tenha dado “anciãos”, apesar de apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres serem todos citados ali. Via de regra, os anciãos eram nomeados, portanto exerciam um ofício, mas os que possuíam dons os tinham recebido para a edificação dos santos, e eram responsáveis por usá-los para este fim, em obediência a Deus, de quem seus dons tinham vindo. Mas isto não pode ser praticado entre os denominacionais, pois, numa evidente oposição à clara distinção feita pelas Escrituras, nas denominações o uso de um dom está associado à eleição da pessoa para exercer um ofício. Por esta razão um ministro denominacional é chamado de ancião ou bispo. Ele é também chamado de pastor, e ao mesmo tempo espera-se dele que seja um mestre e também um evangelista. Na verdade, ele é visto como a soma total de todos os dons e ofícios, exceto o ofício de diácono. Não é estranho que tenhamos ficado por tanto tempo contentes com um sistema assim? Descobri outra dificuldade -- a do “ministério de um só homem”. Mesmo que todo o resto fosse deixado de lado, este teria sido um problema insolúvel. Descobri que não existe um único versículo que fale de um ancião ou um bispo da igreja; tampouco o termo é usado no singular em qualquer um destes casos, exceto nas epístolas pastorais nas quais são as qualificações do ofício que estão sendo detalhadas. Em Atos 20:17 diz que Paulo chamou “...os anciãos da igreja”; em Atos 14:23 vemos escolhidos “...anciãos em cada igreja”; em Filipenses 1:1 vemos “...com os bispos”; em Tito 1:5, “...de cidade em cidade estabelecesses presbíteros”; em 1 Pedro 5:1, “aos presbíteros, que estão entre vós” etc. Portanto, é impossível conseguir justificar a partir das Escrituras este método sem fundamento de se eleger um ancião ou bispo para “presidir a igreja”. Na verdade, nas denominações sequer existe a preocupação de se fundamentar tal prática, pois lembro-me de estar participando de um jantar com ministros congregacionais, quando um deles começou a condenar as práticas dos chamados “irmãos”. Eu o interrompi e perguntei: “Você tem certeza da posição que você próprio ocupa? Mostre-me sua justificativa bíblica para a existência de um ministério de um homem só”. Ele respondeu: “Isso pode ser facilmente demonstrado”. Mas a única passagem que conseguiu encontrar foi Apocalipse 1:20, que diz: “As sete estrelas são os anjos das sete igrejas”. As outras passagens que citou também não podiam ajudar. Este exemplo demonstra, não apenas que tal prática é indefensável, mas também como é fácil sermos levados a assumir posições solenes e responsáveis sem a direção da Palavra de Deus. A verdade é que se buscamos a glória de Deus, devemos procurar nos separar do mal, tanto do coração quanto da posição, e fazer da Palavra de Deus a luz para nossos pés e lâmpada para nosso caminho, tanto em nosso andar diário como nas práticas e associações da igreja. Estabelecer na casa de Deus qualquer coisa que não tenha a direção e aprovação das Escrituras é, na prática, desobediência ao Senhor como Cabeça da Igreja! Estou certo de que você irá concordar com estas conclusões das Escrituras, pois me recordo de ocasiões no passado em que ansiávamos por certas mudanças para que eu e você pudéssemos desempenhar nosso trabalho sem estarmos limitados por qualquer autoridade que não fosse a autoridade das Escrituras. Costumávamos dizer que se qualquer coisa viesse a nos separar de nossa congregação, não seríamos capazes, por motivo de consciência, de nos oferecermos para pastorear qualquer uma das “igrejas” denominacionais. A razão era que tínhamos aprendido muito mais do que estávamos dispostos a reconhecer. Por isso estávamos insatisfeitos e desconfortáveis em meio aos métodos e atividades usuais da “igreja”. Já estávamos fora em espírito, e apenas precisávamos entender qual era nossa responsabilidade perante Deus em relação ao que havíamos aprendido dele para estarmos fora também na prática. 

Afetuosamente seu, no Senhor, Edward Dennett 

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Sexta Carta 

Blackheat, janeiro de 1875 

Meu amado irmão, 

O exame detalhado que fiz em minha carta anterior foi preparado entre o anúncio de minha saída e a saída propriamente dita. Portanto, além da verdade que eu ensinava, que foi questionada, minhas conclusões quanto ao posto que eu ocupava forçaram-me a permanecer firme em minha decisão. Se eu quisesse ser fiel ao Senhor não teria escolha, a não ser fazer-me surdo aos muitos apelos para que continuasse com minha congregação. Todos os meus interesses, humanamente falando, dependiam de eu continuar ali, mas não ousei levar em conta tais considerações e passar por cima das claras indicações da Palavra de Deus. Portanto preguei para minha amada congregação pela última vez no dia 27 de setembro. No final do sermão matutino eu lhes disse: “Neste momento eu não poderia, de sã consciência para com Deus, permanecer aqui, pois desde que anunciei minha saída dediquei-me com renovado vigor à Palavra de Deus e sentime compelido a dizer que já não poderia aceitar as práticas que temos no ministério e na adoração”. Quatro dias depois viajei para a Escócia para passar um tempo quieto e colocar em ordem outras questões que ocupavam meus pensamentos. Não será fácil esquecer as conversas que tivemos e as usuais “coincidências” no modo como o Senhor tratou conosco. Nós não apenas ocupávamos a mesma posição, no que diz respeito ao denominacionalismo, como ambos ficamos doentes e fomos enviados para o Continente, retornando na última primavera com o desejo de permanecer com nossas congregações. Mas, por diferentes motivos fomos compelidos a deixar a posição que ocupávamos. Sem que tivéssemos combinado isso, nós dois pregamos nossos sermões de despedida no mesmo dia e depois de uma semana nos encontramos em uma cidade desconhecida. Que o Senhor nos dê graça e forças para sermos obedientes a toda a Sua vontade! Mas permita-me seguir adiante. Já que eu não poderia aceitar um pastorado entre as denominações, a questão passou a ser: “Com quais cristãos eu deveria estar identificado?”. Você irá se lembrar de que eu já acreditava que os cristãos deveriam se reunir no primeiro dia da semana para partirem o pão. Portanto minha atenção foi mais uma vez dirigida para os assim chamados “irmãos”, pois eu sabia que, apesar do caráter bíblico que é geralmente atribuído a esta prática, eles eram os únicos cristãos (exceto algumas poucas congregações) que se reuniam semanalmente em torno da mesa do Senhor. Portanto a primeira coisa que decidi examinar com maior profundidade foi sua teoria ou terreno de adoração. Isto está em completo contraste com o que fazem os denominacionais. No meu pastorado, o que chamávamos de adoração ficava totalmente sob minha direção, e o modo como fazíamos isso não era muito diferente do usado nas igrejas em geral. Começávamos com uma oração e um cântico, depois duas leituras da Bíblia divididas por um cântico e uma oração, depois o sermão, e finalmente um cântico e uma oração. Eu nunca acreditei que aquilo fosse adoração. Os crentes individualmente entendiam e desfrutavam da presença do Senhor, pois a fé pode sempre contar com Sua ajuda. Mas poucos de nós jamais acharam que estávamos adorando como uma assembleia, pois sabíamos que nossa “assembleia” não era formada apenas pelo povo de Deus. Além disso, a maioria dos crentes que se reuniam conosco nunca buscavam qualquer operação do Espírito Santo enquanto estavam reunidos assim, exceto por aquilo que viesse através do ministro. Portanto, se o ministro estava cheio do Espírito Santo, ele era o meio usado para ministrar “rios de águas vivas” para os filhos de Deus; caso contrário haveria uma quase completa falta de bênção. Sendo assim, o estado espiritual de qualquer congregação seguindo este modelo era determinado principalmente pela condição espiritual de seu ministro, pois o sistema faz com que tudo dependa daquele único homem! Vejamos o que encontrei como sendo o princípio ou terreno de adoração, conforme é entendido pelos assim chamados “irmãos”. Eles estão congregados ao Nome de Cristo, em torno de Sua mesa, para partirem o pão todo dia do Senhor conforme Ele pediu (Mt 18:20, 1 Co 11:23-26; At 20:7 etc.). Eles simplesmente se reúnem ao redor do próprio Senhor, em dependência e submissão a Ele como Senhor, sabendo que Ele, que é fiel ao que prometeu, está presente em seu meio quando reunidos para anunciar “a morte do Senhor, até que venha” (1 Co 11:26). Além disso -- e o que é mais importante-- eles creem que o Espírito Santo, depois de ter sido enviado dos céus após a ascensão do Senhor Jesus, habita agora na Igreja de Deus, sendo Ele o poder, tanto para a adoração como para o ministério. Muitos cristãos creem que o Espírito Santo habita no crente individualmente, e esta é uma verdade das mais preciosas. Todavia, a verdade em questão é que Ele também habita na Igreja. Os versículos a seguir podem ajudar. Ao escrever à assembleia em Éfeso, o apóstolo Paulo diz: “No qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito” (Ef 2:22). Aqui Paulo não está falando do Espírito Santo como o Espírito de adoção nos crentes, pois ele diz “vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito” -- isto é, juntos, eles formavam o lugar de habitação de Deus. Paulo nos diz que “a casa de Deus... é a igreja do Deus vivo” (1 Tm 3:15). Ao escrever aos Coríntios, Paulo também diz: “Vós sois [repare no plural] o templo do Deus vivente” (2 Co 6:16). Em 1 Co 6:19 encontramos a outra verdade, que os corpos individuais dos crentes são o templo do Espírito Santo. Temos assim a solene verdade de que o Espírito Santo está agora na terra habitando na Igreja de Deus, na qual, conforme o Senhor prometeu, o Consolador veio habitar conosco para sempre (João 14:16-17). Portanto, onde quer que os crentes estejam congregados ao Nome de Cristo, entendendo que Deus considera cada assembleia assim como uma expressão local de toda a Igreja, eles sabem, com base no testemunho das Escrituras, que o Espírito Santo está em seu meio, guiando e controlando tudo para a glória de Deus por meio de Jesus Cristo. Finalmente, os assim chamados “irmãos” ensinam outra coisa (que têm em comum com outros cristãos, exceto em sua aplicação): Já que o véu foi rasgado temos “ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus” (Hb 9:11-14; 10:1- 22) -- onde Cristo, nosso Sumo Sacerdote, já entrou para aparecer na presença de Deus por nós (Hb 9:24), como “Ministro do santuário, e do verdadeiro tabernáculo, o qual o Senhor fundou, e não o homem” (Hb 8:2). São várias as consequências que decorrem destes princípios fundamentais. Primeiro, os crentes estão reunidos, não por estarem de comum acordo sobre determinadas doutrinas ou por pertencerem a uma mesma denominação, mas simplesmente como membros do corpo de Cristo. Qualquer coisa menos que isto não é expressão da Igreja de Deus, pois deve existir à mesa do Senhor lugar para todo crente que não esteja sob uma disciplina bíblica. Ao fazer esta declaração a você, querido irmão, eu reconheço que buscávamos isto, mas jamais teria alcançado, pois alguns com os quais eu estava associado tinham forte objeção em alguém partir o pão conosco a menos que fossem da mesma “igreja”. Eles não reconheciam que ser “membro de Cristo” era a condição para se estar à mesa do Senhor. [Nota do Editor: Para uma discussão detalhada das qualificações bíblicas para esta declaração genérica, veja a Oitava Carta]. Além disso, quando reunidos como membros do corpo de Cristo, o sacerdócio de todos os crentes é reconhecido, pois o próprio Senhor é o Centro da reunião. Eu lia com frequência 1 Pedro 2:5, que diz, “Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo”. Eu achava que o apóstolo estivesse fazendo alguma referência ao uso de nosso sacerdócio quando reunidos. Eu sabia que todo crente poderia agir como um sacerdote em sua vida privada, mas também via que se um homem fosse ordenado para orar por aqueles reunidos, isto seria, na prática, uma negação do sacerdócio que é comum a todos e uma forma sutil de clericalismo. Estou certo de que muitos ministros denominacionais poderão confessar que a necessidade de serem porta-vozes da congregação é, com frequência, um fardo intolerável. Por outro lado, quando congregados em redor do Senhor no poder do Santo Espírito, e com todos juntos se sujeitando em uma comum adoração, o Espírito Santo abre os lábios de um e outro conforme a Sua vontade, para derramar diante do trono da graça os sentimentos que Ele próprio colocou em nossos corações. Deste modo, tendo um Sumo Sacerdote (que não seja um de nós) sobre a casa de Deus, e sabendo que o Espírito Santo está em nós e no meio de nós como o poder para a adoração, nos achegamos “com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé...” (Hb 10:19:22). Em terceiro lugar, quando reunidos nesse terreno de adoração, o único Ministro reconhecido é o próprio Senhor Jesus que entrou além do véu. É só por intermédio dele que nossa adoração e louvor sobem a Deus Pai. Assim os nossos olhos são dirigidos a Ele. Todos sentem que, sendo o Senhor o único Centro da reunião, Ele é também o único Mediador da adoração que é oferecida em espírito e em verdade, enquanto os Seus redimidos se regozijam juntamente diante de Deus na perfeita salvação que Deus operou para eles por meio da dádiva e obra de Seu amado Filho. Em suma, a diferença entre os dois princípios é esta: Os assim chamados “irmãos” estão congregados como membros do corpo de Cristo, ao Seu Nome, e reconhecendo a presença e o poder do Espírito de Deus. Os denominacionais, por sua vez, se reúnem por concordarem com determinadas opiniões acerca da verdade ou de uma posição eclesiástica, em uma inconsciente negação da presença e do poder do Espírito Santo. Seu modo de operar acaba atrapalhando a ação do Espírito Santo segundo a Sua vontade soberana, exceto quando Ele, em terna misericórdia, decide agir por meio desse modo de operar para a bênção das almas. Em outras palavras, as Escrituras ensinam que os crentes deveriam estar congregados como membros de Cristo, em dependência do poder do Espírito Santo que está presente em seu meio. Porém os denominacionais se reúnem como dissidentes, buscando por bênção por intermédio do ministro que eles elegeram. Quando reduzidos aos seus mais básicos elementos, os dois princípios se resumem a uma crença, ou na presença e ação do Espírito Santo, ou na negação prática dessa verdade preciosa. Eu dificilmente espero que você, querido irmão, esteja preparado para aceitar completamente estas declarações, mas lhe asseguro que você verá que são bíblicas. Porém, se eu tiver negligenciado alguma passagem relacionada a esta questão, ficarei grato se você puder indicá-la, pois o que desejo é descobrir a vontade de Deus acerca deste assunto. Portanto, minha oração é: “Dá-me entendimento conforme a Tua Palavra” (Sl 119:169). 

Afetuosamente seu, no Senhor, Edward Dennett 

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Sétima Carta 

Blackheath, janeiro de 1875 

Meu amado irmão, 

A questão do “ministério” do modo como é visto pelos assim chamados “irmãos” foi a próxima coisa a ocupar minha atenção. Mais uma vez descobri que a verdade sobre esta questão está relacionada ao Espírito Santo na assembleia. Quando este fato é claramente entendido, muitas dificuldades são solucionadas. Descobri que os chamados “irmãos” sustentam a ideia de que o Espírito Santo deve ter a liberdade de ministrar na assembleia por intermédio de quem Ele desejar; que qualquer um que possuir um dom, seja ele grande ou pequeno, é responsável em usá-lo para o Senhor. Minhas buscas nas Escrituras me levaram a descobrir estes dois princípios como sendo da vontade do Senhor. Abri em 1 Coríntios capítulos 12 e 14. Nunca em meu próprio ministério eu havia lido ou explicado estes capítulos para minha congregação, pois sentia que eles não se encaixavam com o que praticávamos. Tentei acreditar que as passagens se aplicavam a um estado de coisas que já tinha terminado. Talvez seja esta a crença geral entre os denominacionais, pois eu raciocinava, como já ouvi outros raciocinarem, que “o Novo Testamento ainda não existia. Portanto essa ‘diversidade de dons’ foi dada para a edificação temporária da Igreja, até que eles pudessem conhecer a vontade do Espírito Santo através das Escrituras do Novo Testamento”. Mas será mesmo assim? Achei que tudo dependia de encontrar a resposta a esta questão. Portanto busquei mais cuidadosamente e em oração por luz e direção. Você está ciente de que, ao explicarmos e aplicarmos a verdade, sempre damos grande importância à questão: “A quem isto foi originalmente escrito”? Por exemplo, as instruções dadas a um judeu nem sempre podem ser aplicadas a um cristão. Por isso procurei o início da primeira carta aos Coríntios para ver a quem ela era endereçada, e encontrei o seguinte: “À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados santos, com todos os que em todo o lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1 Co 1:2). Fica por demais evidente, a partir deste “destinatário”, que as instruções desta epístola não eram para ficar limitadas à assembleia local em Corinto. Ao contrário, elas eram destinadas a todos os crentes. Quando entendi o caráter permanente da passagem, fui obrigado a crer que estas instruções tinham por destino crentes em todo lugar e em todas as épocas. Esta conclusão foi confirmada por uma passagem em Efésios, onde temos uma lista de dons na qual estão incluídos os profetas, amplamente mencionados em 1 Coríntios 14. Então somos ensinados que estes dons são dados “querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” (Ef 4:11-13). Evidentemente ainda não chegamos à unidade da fé. Portanto Deus tinha em mente a continuidade dos dons e a consequente aplicação das instruções contidas em 1 Coríntios capítulos 12 e 14. Sendo assim, o fato de Espírito Santo ter liberdade para ministrar por meio de quem Ele quiser é uma verdade bíblica. Caso contrário, seria impossível entender uma declaração do tipo: “Falem dois ou três profetas, e os outros julguem. Mas, se a outro, que estiver assentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro. Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros; para que todos aprendam, e todos sejam consolados” (1 Co 14:29-31). Muitos concluem erroneamente que um “profeta” seja alguém que faça previsão das coisas ainda futuras e desconhecidas. Por isso questionam: “Que lugar teriam os profetas na Igreja de Deus já que a revelação da vontade e propósito de Deus está completa nas Escrituras?” Todavia, a verdadeira definição de um profeta é a de alguém que comunica o pensamento e a vontade de Deus àqueles a quem ele tiver sido foi enviado. Samuel e Elias eram profetas, mas tiveram muito pouco a ver com a previsão de eventos futuros. Seu principal trabalho era apresentar a vontade de Deus, que já tinha sido revelada na Lei, a fim de introduzi-la nos corações e consciências de sua nação. Assim é também com os profetas do Novo Testamento. Sua função é aplicar verdades conhecidas aos corações dos santos. Portanto, existe uma contínua necessidade do ministério desses profetas. A mesma coisa é vista em outra epístola. Em Romanos 12:68 Paulo diz: “De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada, se é profecia, seja ela segundo a medida da fé; se é ministério, seja em ministrar; se é ensinar... etc.” (Rm 12:6-8). Estas exortações foram endereçadas à assembleia local em Roma, mas se aquela assembleia estivesse sob o cuidado pastoral de um único homem, não teria existido uma oportunidade de estas instruções, sobre o uso dos variados dons mencionados ali, serem obedecidas. Ao escrever, o apóstolo tinha em mente a total liberdade de o Espírito Santo ministrar por meio de quem Ele desejasse. A verdade é que este é claramente o objetivo das palavras de Paulo “Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência... e a outro a profecia... mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer” (1 Co 12:8-11). Poucos contestam que esta seria a ordem na Igreja primitiva, mas o argumento comum é que todos os dons cessaram no final da era apostólica, de modo que as instruções a respeito dos dons já não teria aplicação nos dias de hoje. Eu já previa em parte esta objeção ao apresentar a continuada aplicação das Escrituras em 1 Coríntios, mas gostaria de completar minha resposta fazendo duas considerações. Primeiro, se esta objeção fosse verdadeira por demonstração (o que não é), ela não afetaria o princípio do congregar. Nossa obrigação ainda seria estarmos congregados sobre o terreno bíblico, deixando liberdade para o uso dos dons quando o poder do Espírito nos fosse restaurado; ou caso isto nunca acontecesse, mesmo assim estaríamos reunidos em torno do Senhor em adoração e louvor, submissos à Sua vontade em nossa carência de dons. Em segundo lugar, se todos os dons tivessem desaparecido, como se costuma argumentar, isto não seria uma desculpa para mascararmos nossa condição de fraqueza substituindo a liberdade do Espírito por esquemas humanos. Se isto tiver sido uma disciplina do Senhor, não estamos livres para estabelecer ministros e cargos eclesiásticos conforme desejar nosso coração. Não, querido irmão, não podemos supor que temos tal liberdade; e o simples fato de que ela seja praticada só revela a crença de que a presença e o poder do Espírito Santo na assembleia estejam rapidamente se desvanecendo na mente dos crentes. O assunto pode ser sintetizado com poucas palavras. Já que deveria existir liberdade para o Espírito Santo ministrar por meio de quem Ele quisesse, a consequência lógica disto é que o dom é a medida da responsabilidade! Digo dom, e não ofício, pois aquele que possui o dom é responsável apenas diante do Senhor em usá-lo a favor dos santos. Sendo assim, supondo que você tenha o dom de exortar, Deus espera que você o use sem precisar aguardar que a Igreja aprove isso elegendo você para ocupar um ofício. A passagem já citada de Romanos 12:6-8 demonstra isto. Ali Paulo escreve: “De modo que, tendo diferentes dons” (não ofícios), então que estes sejam usados. Os capítulos 12 e 14 de 1 Coríntios ensinam a mesma coisa, assim como Efésios 4:8- 13, onde nos é dito claramente que o Senhor deu dons aos homens e, como princípio mostrado na parábola dos talentos de Mateus 25:14-30, Ele busca por resultados. Temos o mesmo princípio declarado em 1 Pedro 4:10-11: “Cada um administre aos outros o dom como o recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus” . Sendo assim, o Senhor declara todos os Seus servos -- todos nós -- responsáveis pelo uso de nossos dons para edificarmos o Seu povo. Repito que isto é totalmente impossível sob ao “governo eclesiástico” dos denominacionais. Na verdade, suas políticas eclesiásticas desprezam as profecias e, consequentemente, extinguem o Espírito (1 Tessalonicenses 19:20). Sendo assim, querido irmão, tenho de concordar com o caráter bíblico do “ministério” no modo como este é praticado entre os “irmãos”. Já ouvi a objeção de que “isto não funciona, independente de quão bíblico seja, e entre os chamados ‘irmãos’ há uma grande triste carência de mestres; portanto devemos adotar outras formas de abordagem”. Não tenho ainda como julgar a primeira parte desta objeção, e pretendo fazê-lo já que fiquei satisfeito com o que vi da vontade do Senhor relacionada ao ministério, no modo como este é revelado nas Escrituras. Estou totalmente convencido de que a sua forma de ministério é, como acontece com tudo mais, melhor do que o modo humano. Também não estou em posição de dizer se a segunda parte da objeção seja verdadeira, todavia sei que aqueles crentes que estão com os chamados “irmãos” são muito mais versados nas Escrituras do que os que estão nas denominações. Estou confiante, querido irmão, de que você irá concordar comigo nisto também, pois uma das maiores dificuldades que eu e você tivemos em nossas tentativas de instruir os cristãos em nosso “cuidado pastoral” tem sido sua falta de conhecimento da Palavra de Deus, devido ao hábito comum de obterem suas “opiniões” prontas dos pregadores de sua escolha. Seja como for, fico feliz por poder apoiar minhas conclusões apenas nas Escrituras, pois não temos outro guia. Se nos permitirmos acrescentar a sabedoria humana abrimos a porta para todo tipo de corrupção, como a que tem afligido e enfraquecido a Igreja de Deus. Guardando a Palavra de Deus posso contar com um guia certo e infalível e, ao mesmo tempo, uma forma de testar cada “sistema eclesiástico” que procure meu apoio. Também tenho a espada do Espírito, com a qual posso lutar as batalhas do Senhor neste dia de trevas e abandono da verdade. 

Afetuosamente seu no Senhor, Edward Dennett 

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Oitava Carta 

Blackheath, janeiro de 1875 

Meu amado irmão, 

Depois de resolvidas as questões quanto ao “ministério” e “adoração”, no modo como elas são tratadas pelos assim chamados “irmãos”, senti a necessidade de esclarecer a questão da disciplina antes de tomar qualquer decisão prática. Existem muitos cristãos, e nós estamos entre eles, que acreditam que a mesa do Senhor seja aberta a todos os crentes. Isto, evidentemente, é verdadeiro em princípio, ou não seria a mesa do do Senhor. Todavia, será que o Senhor colocou em Sua Palavra alguma limitação a esse acesso? As respostas a esta pergunta variam. No sistema Anglicano não existe qualquer preocupação com a disciplina. Qualquer paroquiano, exceto por um ou dois tipos específicos de pecado grave, tem o direito de “comungar” seguindo as regras que regem aquele sistema, seja ele salvo ou não. Já que esses um ou dois pecados que poderiam impedir sua comunhão raramente são tornados públicos, a verdade é que não existe essencialmente qualquer restrição para os que estão nesse sistema. Com outras denominações a prática varia. Os Congregacionais ou Independentes costumam ser tão abertos quanto os Episcopais. Todos os que se considerarem crentes são convidados a participarem do “Culto de Comunhão”. Este é também o caso com alguns Batistas, apesar de não agirem todos da mesma maneira. A verdade é que eles estão divididos em diferentes classes. Alguns fazem do batismo a condição para a comunhão, outros levam em consideração o fato de a pessoa pertencer a uma igreja, mas quase todos afirmam excluir aqueles que tiverem problemas em seu andar. Mas, até onde tenho conhecimento, nunca é considerada a doutrina que a pessoa professe. Veja, por exemplo, a Associação das Igrejas Batistas de Londres, à qual nós pertencíamos. Um membro muito conhecido ali negou por escrito que o ser humano seja totalmente pecador por natureza, enquanto outro tem ensinado que o castigo não é eterno. Mesmo assim estas coisas não afetam a posição deles como membros daquela denominação. Eu e você considerávamos isto deplorável. Em uma ocasião chegamos a nos afastar de uma congregação pois achávamos que, aos olhos de Deus, se continuássemos ali poderíamos estar endossando a maneira de pensar do irmão em cuja capela a Associação estava reunida. Voltando aos chamados “irmãos”, descobri que ocorreu uma divisão entre eles por causa deste mesmo assunto. Portanto, fui obrigado a examinar com cuidado a questão segundo as Escrituras. Minha pergunta era: Será que a Bíblia ensina que falsas doutrinas -- doutrinas que comprometam a Pessoa e obra do Senhor -- desqualificariam alguém para estar à mesa do Senhor? Colocando de outra maneira, será que deveríamos ter comunhão com pessoas que professam e ensinam falsa doutrina? Abra em Gálatas 1:8-9. Ali o assunto são os evangelistas que pregavam outro evangelho. Que evangelho era esse? Um evangelho que acrescentava a observância de rituais à fé em Cristo como meios de salvação -- um “evangelho” que é comum hoje em dia. Se não existisse disciplina por falsa doutrina aqueles pregadores da Galácia teriam sido recebido a destra à comunhão, do mesmo modo como a maioria faz hoje em todos os lugares. Mas o que Paulo diz? “Eu quereria que fossem cortados aqueles que vos andam inquietando” (Gl 5:12). No final da carta aos Gálatas, Paulo estabelece o princípio que continua sendo uma responsabilidade da Igreja: “E a todos quantos andarem conforme esta regra” -- ou seja, a verdadeira doutrina da “cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” - Gl 6:14-15 --, “paz e misericórdia sobre eles e sobre o Israel de Deus” (Gl 6:16). Portanto, conclui-se que não devemos ter comunhão com aqueles que não andam em conformidade com esta “regra”. Paulo também diz que “se alguém ensina alguma outra doutrina, e se não conforma com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, e com a doutrina que é segundo a piedade... aparta-te dos tais” (1 Tm 6:3-5). Leia também as afirmações igualmente fortes de 2 Timóteo 2:15-21 e 2 João 9-11. As epístolas às sete igrejas em Apocalipse 2 e 3 também estão cheias de ensino semelhante a este. Veja a porção endereçada à “igreja em Éfeso”. Nosso Senhor aprova o fato de eles terem colocado “à prova os que dizem ser apóstolos mas não são, e descobriu que eles eram impostores” (Ap 2:2). Por outro lado Ele condena Pérgamo e Tiatira por tolerarem falsa doutrina na igreja (Ap 2:14, 20). Estas passagens me convenceram de que o desejo do Senhor era que existisse disciplina contra a falsa doutrina. A razão é evidente. Se alguém que anda desordenadamente deve ser colocado fora da comunhão dos santos, mais ainda aquele que ensina falsa doutrina deve ser afastado, pois “um pouco de fermento (pecado) leveda toda a massa” (1 Co 5:6). Portanto, se um andar desordenado contamina, muito mais a falsa doutrina. Se um crente se entregar à embriaguez e a outros tipos de pecados notórios, ele causará desonra ao Seu senhor, mas os crentes com quem ele está associado provavelmente não seguirão seu triste exemplo. Por outro lado, se um santo é convencido de uma falsa doutrina ele irá ensiná-la e muitos ficarão contaminados (“fermento”). Darei a você um exemplo que conheço. Um certo ministro adotou pontos de vista que comprometiam a Pessoa e obra do Senhor Jesus Cristo. Muitos dos crentes associados a ele o seguiram nessas más doutrinas. Durante algum tempo o remanescente fiel que havia entre eles ficou sem ação. Mas o ministro, muito confiante de sua própria influência, não se contentou com o apoio que já estava recebendo. Por isso ele propôs que suas doutrinas deveriam se tornar a base sobre a qual eles estivessem congregados. Aquilo abriu os olhos de alguns que tinha estado em silêncio, mas quando a questão foi colocada em votação (o estatuto daquela igreja determinava que questões assim deveriam ser decididas pela maioria) a proposta do ministro foi derrotada por apenas um voto. Dessa forma o “fermento” teve sua ação bloqueada, já que o ministro foi forçado a se demitir. Mas se aquele ministro tivesse se lembrado do verdadeiro caráter do fermento, que atua silenciosamente, toda a massa estaria logo levedada, como boa parte dela já estava aos olhos de Deus antes que qualquer ação fosse tomada. A ideia de que o ensino de má doutrina possa ser tolerado é um erro fatal. A condição da Igreja hoje é resultado dessa terrível negligência. Ao invés de serem estabelecidos na verdade, os santos estão perguntando “O que é a verdade?”, pois a opinião humana costuma ser o único padrão que têm para se basearem. Depois de ter ficado satisfeito com o princípio da disciplina, passei a examinar relutantemente a “controvérsia de Bethesda”, que surgiu entre os assim chamados “irmãos” dividindo-os em dois grupos: um que costuma ser conhecido como “irmãos abertos” e outro como “irmãos exclusivistas”. Há alguns anos eu tinha examinado apenas um lado da questão. Agora investiguei também o outro lado e conversei com alguns que conheciam o assunto desde o princípio. Concluí que a dificuldade toda surgiu por causa da questão da disciplina por falsa doutrina e pela dúvida se a ação de uma assembleia em executar a disciplina deveria ser respeitada e mantida por outras assembleias. Por exemplo, suponha que alguém que ensine falsa doutrina seja colocado fora de comunhão em uma localidade. Seria correto recebê-lo em outra? O caso não deveria apresentar qualquer dificuldade, pois uma pessoa com um mínimo de inteligência espiritual seria capaz de enxergar que se a assembleia em Liverpool revertesse uma ação tomada pela assembleia em Manchester em uma questão envolvendo disciplina, ela estaria assim negando a verdade da unidade do corpo de Cristo. Ela também estaria declarando que aquilo que era correto para os santos em uma localidade poderia não ser para os santos em outra. Não discordo que erros possam ter sido cometidos na aplicação dos princípios genuínos de disciplina. Não cabia a mim decidir. Minha responsabilidade estava em decidir se os princípios tinham sido baseados na Palavra de Deus. Gostaria que todos os que se preocupam com este assunto se despojassem de todas as demais considerações e simplesmente se limitassem a examinar os princípios da disciplina em questão, perguntando apenas isto: “É bíblico ou não?”. Até que alguém tenha isto muito claro, não poderá decidir os méritos da “controvérsia de Bethesda”. Meu objetivo é eliminar uma dificuldade encontrada entre aqueles que questionam. As pessoas costumam perguntar: “Seria correto excluir fulano ou sicrano da comunhão da assembleia? Veja que vidas santas eles levam com sua devoção! Você ousaria julgar suas qualificações para estarem à mesa do Senhor?”. Perguntas como estas são comuns e para alguns elas são muito importantes. Mas estas questões simplesmente não têm nada a ver com o assunto! A única dúvida que devemos decidir é se a disciplina é algo que deve ser exercido de acordo com a Palavra de Deus. Se assim for, então a questão se transforma em uma simples obediência ao Senhor, e não em julgar ou não julgar outros crentes. O apóstolo João nos diz: “Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus, quando amamos a Deus e guardamos os seus mandamentos” (1 Jo 5:2). Portanto, demonstramos amor aos santos, não por recebê-los à mesa do Senhor contra a expressa vontade de Deus, mas ao guardarmos os Seus mandamentos. Quero, por esta carta, aconselhar a todos os crentes, amado irmão, a não olharem para os homens, mas para o Senhor. Fazendo assim eles descobrirão que o caminho da disciplina contra a falsa doutrina, apesar de ser às vezes um caminho “estreito”, é o caminho da obediência a Deus. O ensino deste princípio de “disciplina” irá gerar a mais ferrenha oposição, pois tudo aquilo que ajuda a manter a Igreja de Deus como “coluna e firmeza da verdade” (1 Tm 3:15), de acordo com o propósito divino, costuma despertar a ira de Satanás. Não existe melhor maneira de Satanás cumprir seus objetivos do que destruindo os limites que separam a verdade do erro. Você, querido irmão, está bem ciente da história da Igreja. Acaso não é verdade que a fraqueza e corrupção da Igreja sempre foram consequências da indiferença em se guardar a verdade livre da entrada do “fermento” (pecado) tanto no ensino quanto no andar? O que ocorre é que, uma vez que você pare de aplicar a disciplina bíblica, toda a certeza acerca da verdade logo é perdida no conflito causado pelas confusas opiniões dos homens. Qualquer que seja a oposição que este princípio de disciplina venha a causar, ninguém tem o direito de acusar de “sectarismo” aqueles que o mantêm. Uma seita é formada por pessoas que se reúnem ou se juntam por concordarem em alguma verdade ou doutrina, ou por compartilharem de uma determinada forma de administração eclesiástica. Portanto, Congregacionais, Batistas, Wesleyanos, Anglicanos e Presbiterianos são todas elas seitas. Todavia eles falam de si mesmos como se fossem apenas diferentes seções da Igreja. Mas quando os crentes estão simplesmente congregados, como membros do corpo de Cristo, em torno dEle que é a Cabeça, em obediência a Ele como Senhor, e buscando dependência do Espírito Santo para fazerem todas as coisas em sujeição à Palavra de Deus -- quando estão empenhados em manter a disciplina que Palavra de Deus exige -- eles não são uma “seita” de maneira alguma, pois existe um lugar à mesa do Senhor para todo crente que não esteja desqualificado pelo próprio Senhor em virtude de um andar desordenado ou de falsa doutrina. Isto, penso eu, ficará muito claro para qualquer mente que não seja preconceituosa. 

Afetuosamente seu, no Senhor, Edward Dennett 

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Nona Carta 

Blackheath, janeiro de 1875 

Meu amado irmão, 

Você não irá se surpreender ao saber que quando cheguei às conclusões indicadas em minhas cartas anteriores senti que deveria tomar o meu lugar entre os chamados “irmãos” para ser coerente e honesto diante do Senhor. Mas não achei fácil colocar em prática minhas convicções. Hesitei em abrir mão de minha posição. Hesitei ainda mais em romper os laços que me ligaram por tantos em uma amorosa associação a muitos queridos amigos cristãos. Eu não podia suportar a ideia de entristecer pessoas como você, com quem eu havia desfrutado de tão estreita comunhão. Eu também estava assustado com a perspectiva da tempestade que eu sabia que minha decisão iria produzir em determinados setores. Além disso, quando me lembrei do forte antagonismo que eu mesmo havia demonstrado contra os chamados “irmãos” no passado, não foi fácil confessar a todo o mundo o erro que eu tinha cometido. Também recebi muitas cartas cheias de apelos amorosos e alertas contra a “ilusão” que supostamente teria tomado conta de minha mente. Outros me disseram claramente que se eu me unisse aos chamados “irmãos” logo perderia toda a independência de pensamento e ação, bem como me tornaria participante das más ações daqueles cujos ensinamentos estariam supostamente subvertendo os próprios fundamentos do evangelho. Portanto, você irá entender algumas das dificuldades que me perturbavam nessa etapa final. Deus permitiu-me desviar o olhar dos homens e, constrangido por Seu amor, pedi aos irmãos que me permitissem partir o pão (a fim de recordar o Senhor) com os santos em Blackheath. Tal permissão me foi concedida. Tomei meu lugar à mesa do Senhor com os crentes congregados nesse terreno em obediência ao seu Senhor, apenas como crente e membro do corpo de Cristo, e somente sobre estas bases, e não sobre quaisquer outras de doutrinas (2 Tm 2:22). Não tenho o desejo de me debruçar sobre as “más interpretações” (para não usar uma palavra mais forte) que se seguiram após esta etapa que assumi, já que eu esperava que ocorressem. Em vez disso, elas me ajudaram a entender muitas partes das Escrituras -- aquelas que falam de suportar nossa cruz ao seguirmos a Cristo com perseguições ou tribulações. Eu não entendia estes versículos tão bem quando minha posição e profissão de fé em Cristo eram bem recebidas ao invés de serem rejeitadas. Além disso, lembrei-me da oposição declarada que eu mesmo outrora tinha contra os chamados “irmãos”. Sendo assim, aquietei-me na esperança de que meus adversários pudessem ter também seus olhos abertos e serem achados sentados comigo à mesa de nosso Senhor. Antes de terminar gostaria de falar dos resultados disso. Foi com alegria que descobri, no primeiro dia do Senhor, que existe realmente uma distinção (a qual os chamados “irmãos” sempre fizeram questão de frisar) entre a adoração e as reuniões para se ouvir sermões. Foi uma experiência bendita entender que o Senhor estava em nosso meio conforme Sua promessa (Mt 18:20). Foi uma alegria inédita entrar nesta verdade enquanto comungávamos juntos do corpo partido (simbolizado no pão partido) e do sangue precioso (simbolizado no vinho) de nosso bendito Senhor. Nossos corações estavam necessariamente ocupados com Ele -- com o que Ele era aqui; com o que Ele foi na cruz; com o que Ele é agora à destra de Deus; e com tudo o que Ele era e é para Deus Pai. Assim, enquanto nos inclinávamos em adoração penetrando além do véu, nossa comunhão era verdadeiramente com o Pai e com o Seu Filho, Jesus Cristo. Ao dizer isto não quero negar que pessoas possam, individualmente, desfrutar da presença do Senhor de forma até bem significativa nas diferentes “igrejas”, pois o Senhor sempre está presente para a fé. Mas insisto que a menos que estejamos congregados ao Seu Nome, não temos nada que garanta a presença do Senhor em nosso meio. Suas próprias palavras são: “Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles” (Mt 18:20. Sendo assim, a condição para a Sua presença no meio da reunião é que estejam congregados ao Seu Nome -- algo só possível aos crentes. Oh, meu irmão, gostaria que você e todos os santos pudessem enxergar este bendito privilégio de congregar; que pudessem conhecer a feliz liberdade de espírito que traz a certeza da presença do Senhor em nosso meio, e conhecer o gozo no coração que é operado em nós pelo Espírito Santo ao desfrutarmos juntos de Deus através de Jesus Cristo. Estou convencido de que se você ao menos desfrutasse desta experiência iria se admirar por ter ficado satisfeito durante tanto tempo nas denominações. Outra coisa que logo atraiu minha atenção foi que a Palavra de Deus recebeu o seu devido lugar. Sua autoridade foi mantida como suprema. Uma de nossas grandes dificuldades nas denominações costumava ser obter qualquer reconhecimento real e prático deste princípio por causa das opiniões tão vagas que prevalecem no que diz respeito à sua inspiração. Além de você, nunca encontrei um ministro denominacional que cresse na absoluta inspiração verbal das Escrituras. Consequentemente, todos costumavam sentir-se mais ou menos à vontade para tecer julgamentos sobre a revelação que Deus deu ao homem, ao invés de permitirem que ela julgasse o homem e seu proceder. Sob tais condições não pode existir qualquer certeza sobre qualquer verdade. Por isso as congregações acabam recebendo, vez após outra, ministros com opiniões diferentes e opostas entre si. Em uma capela houve três ministros nos últimos doze anos. O primeiro ensinava que a morte de Cristo nada mais representava do que o sacrifício próprio. O segundo ensinava a visão aceita sobre a expiação, mas negava a completa depravação (pecaminosidade) do homem. O terceiro ensinava, até certo ponto, verdades dispensacionais. Todavia, mesmo com diferenças assim as pessoas jamais cogitaram em dizer que qualquer um deles estava no erro. Elas diriam a você de qual deles gostavam mais, e isso seria tudo! Dificilmente poderíamos imaginar um estado de coisas mais triste do que este, e tudo é consequência de um conhecimento incorreto do verdadeiro caráter da Palavra de Deus. Portanto, foi com grande prazer que encontrei a autoridade da Palavra de Deus sendo continuamente reforçada, e que o dever de uma completa sujeição a ela era reconhecido por todos. Mas o que dizer das doutrinas? -- alguém certamente iria perguntar. Sem buscar por ora responder de forma ampla, tenho aprendido uma lição. Não tome as declarações dos inimigos ou frases tiradas do contexto como se representassem os ensinos dos chamados “irmãos” (ou de quem quer que seja). A opinião geral acerca de suas doutrinas é que elas são totalmente falsas, e isto vem, sem dúvida alguma, da falta de conhecimento daqueles que os acusam. O fato é que a intenção do autor de um texto é o que deveria governar a interpretação de uma passagem, mesmo que seu estilo deficiente ou uma falha no modo de se expressar pudesse permitir que fosse interpretada de outra maneira. Mas a controvérsia teológica geralmente ocorre por um princípio completamente oposto: o de que a intenção do autor seja exatamente aquela que suas palavras possam significar. Não quero dizer que os chamados “irmãos” não tenham ensinado coisas erradas, pois eles são tão sujeitos a cometerem erros como quaisquer outros. Mas sustento que ainda que alguns erros tenham sido ensinados, não caberia a mim atacá-los (apesar de procurar apontar na Palavra de Deus aquilo que entendo ser a verdade), a menos que fossem de uma natureza tal que exigissem uma ação disciplinar pois, como já disse, não estamos congregados sobre o terreno de doutrinas, mas como membros do corpo de Cristo; como aqueles que foram para sempre aperfeiçoados pelo único sacrifício que Ele consumou na cruz (Hb 10:140). Gostaria de fazer uma pergunta: A Bíblia dá ou não instruções bem definidas sobre como deve ser a assembleia de Deus? Porventura somos ou não ensinados da vontade de Deus concernente ao terreno sobre o qual os membros do corpo de Cristo deveriam estar congregados para adoração, para a manutenção da unidade do Espírito, para o ministério etc.? Se não, então fica a critério de cada um fazer o que é certo aos seus próprios olhos. Mas se existirem instruções concernentes a estas questões, então Deus requer que cada crente obedeça à Sua Palavra. “Se me amais, guardai os meus mandamentos” (Jo 14:15). Isto continua a valer para todos, e nenhum grau de confusão acerca destas coisas isentam o mais débil ou jovem crente de procurar apresentar-se perfeito e completo em toda a vontade de Deus. O caminho de Deus é estreito e difícil, mas se cada um, que estiver ansioso em buscar a glória de Deus e em levar um testemunho fiel nestes dias de trevas, tão somente começar a separar-se de tudo o que não é autorizado pela Palavra de Deus ou diretamente condenado por ela, logo irá descobrir que “aos justos nasce luz nas trevas” (Sl 112:4). Assim, buscando fazer a vontade de Deus, ele iria conhecer se a doutrina é de Deus (Jo 7:17), e seria guiado pelo poder do Espírito Santo em toda a verdade (Jo 16:13). Querido irmão, quem poderia conhecer melhor que você a necessidade de se assumir uma posição fundamentada apenas na Palavra de Deus? Por que é, então, apesar de vermos o mal crescendo de todos os lados e ataques sendo feitos aos próprios fundamentos de nossa fé, que até mesmo homens piedosos hesitam em se separarem completamente do mal e se dedicarem totalmente, tanto no que diz respeito às suas associações eclesiásticas como ao seu andar individual, à direção da infalível Palavra de Deus? Tal negligência denota uma falsa santidade que se ocupa de experiências exteriores, ao mesmo tempo em que abandona a Igreja de Deus à mercê dos desígnios do homem. A Igreja é o corpo de Cristo, e como tal nosso Senhor “amou a igreja, e a Si mesmo Se entregou por ela, para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela Palavra, para a apresentar a Si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível” (Ef 5:25-27). Portanto, será que não deveríamos buscar ter comunhão com nosso bendito Senhor no que diz respeito ao Seu próprio corpo -- a Igreja-- do qual nós, por graça, somos membros? Minha oração é que Deus possa abrir os olhos do Seu povo e que venham a sair e a se separarem de tudo o que for contrário à Sua vontade; que venham a ser achados com os poucos que, em face de muita dificuldade e oposição, mantêm Sua honra por levarem um testemunho da autoridade da Sua Palavra neste dia mau. 

Afetuosamente seu, em Cristo, Edward Dennett 

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Breve Biografia de Edward Dennett 

Edward Dennett nasceu em Bembridge, Isle of Wight, em 1841 e partiu para estar com o Senhor em Croydon em Outubro de 1914. Ele se converteu ainda jovem por intermédio de um clérigo piedoso e sua família pertencia à Igreja Anglicana, a qual ele abandonou por convicções pessoais. Graduou-se pela London University e assumiu o posto de ministro de uma congregação Batista em Greenwich. Após adoecer gravemente foi enviado à Suíça em Março de 1873 para tratamento e, enquanto estava em Veytaux, reconheceu que sua posição contra os "Plymouth Brethren" e o livro que escreveu criticando o movimento não tinham fundamento bíblico. De volta à Inglaterra apresentou suas convicções à congregação que dirigia e deixou-a. Depois de estudar os ensinos dos "irmãos" e compará-los com as Escrituras, entrou em contato com William Kelly e acabou tomando seu lugar em comunhão. Dennett trabalhou na obra do Senhor na Inglaterra, Escócia, Irlanda e também visitou a Noruega, Suécia e América do Norte. Um acervo das obras de Edward Dennett em inglês pode ser encontrado na Bible Truth Publishers (em formato impresso ou digital) e em Stempublishing (digital).

Tradução Mario Persona - www.respondi.com.br

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