O próprio Deus é o único centro de todo descanso. Em toda a criação há movimento. A crosta terrestre sofre mudanças – enquanto umas ilhas são formadas, outras desaparecem sob as ondas. Terremotos atiram ao solo edifícios antes considerados sólidos. Erupções vulcânicas cobrem de destruição populações inteiras. Primavera, verão, outono e inverno se sucedem propiciando plantios e colheitas. Os rios correm para o mar, e a evaporação leva suas águas de volta aos picos das montanhas. Crianças nascem, crescem, atingem a idade adulta e então suas vidas começam a declinar, até que morrem. Outras vêm para seguir o mesmo curso. Todas as coisas estão cheias de movimento; onde encontraremos descanso?

Se nos colocamos, em pensamento, no centro do universo, veremos que cada planeta, cada estrela, encontra-se em um movimento rápido demais para a mente humana acompanhar. Quando consideramos a Lua em sua órbita ao redor da Terra, a Terra e sua Lua companheira ao redor do Sol, e o Sol, com a Terra e a Lua, e os outros planetas do sistema solar e suas luas, e todas as estrelas do céu girando em suas órbitas, a mente perde-se na vastidão do mecanismo celeste e, desnorteada, pergunta onde pode ser encontrado o descanso.

A resposta é em Deus, e só em Deus. Ele é o grande Autor de tudo; foi Ele Quem fez com que tudo existisse e faz com que tudo permaneça existindo. Ele é o centro do descanso. Seu poder é estupendo, incalculável, dominante. Seu eterno poder e divindade são exibidos, mas Ele não pode ser descoberto. Agostinho clamou: “Ó Deus, Tu nos fizeste para Ti e nossos corações encontram-se cansados até que descansemos em Ti”. Deus é o centro do descanso e é só nEle que o descanso pode ser encontrado.

Mas Ele, que é invisível em Sua glória essencial, a Quem homem algum jamais viu ou pode ver, desejou revelar-Se a Si mesmo na Pessoa do Filho. E Ele, nos dias da Sua humanidade aqui, clamou aos cansados do mundo, aos fatigados, pecadores filhos do caído Adão: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei” (Mt 11:28).

Ele encontrou, para Si, perfeito descanso no conhecimento da sabedoria, poder e amor do Pai, e em meio do turbilhão e da tribulação que O cercava, chamou os cansados e oprimidos para Si, para que no Seu seio encontrassem repouso junto ao Seu coração de amor.

“E Eu vos darei descanso.” Sim! Na calma quietude da Sua presença o coração é colocado em repouso. “Eu vos descansarei”, é um outro modo de se ver a mesma promessa. Como uma mãe conforta seu filho – não à distância de si mesma, mas junto ao seu coração pulsante, assim nosso Senhor faz descansar aqueles que são Seus no conhecimento de Sua completa suficiência para todas as horas e em todas as circunstâncias. É a calma em meio ao turbilhão do movimento. Como uma rocha em meio às ondas espumantes do oceano, assim está o crente que confia em seu Todo-poderoso e Todo-amoroso Senhor e Salvador.

Jesus entrou em Jerusalém, no templo, e, tendo visto tudo em redor, como fosse já tarde, saiu para Betânia com os doze. É pois esta casa, que se chama pelo Meu nome, uma caverna de salteadores aos vossos olhos? Eis que Eu, Eu mesmo, vi isto, diz o Senhor.” (Mc 11:11; Jr 7:11).

Ao deixar o templo com seu ritual e suas cerimônias – a falsidade da mera profissão religiosa que Ele via e considerava detestável (veja também Colossenses 2:19-23) – Jesus segue para Betânia, caracterizada do ponto de vista do céu como a “aldeia de Maria e de sua irmã Marta” (Jo 11:1), a fim de encontrar uma resposta ao Seu amor, o que sempre alegrava o “Homem de dores” (Is 53:3). O lugar onde viviam aqueles que Ele amava era, evidentemente, um lugar querido ao Seu coração.

Depois de haver Se levantado triunfante do sepulcro, encontramos o Senhor concedendo a honra de Sua companhia a humildes seguidores em um “cenáculo”, em lugar das câmaras do templo, enfatizando assim Suas próprias palavras acerca do suntuoso templo: “Eis que a vossa casa vai ficar-vos deserta” (Mt 23:38).

Ele ainda olha “tudo em redor” (Mc 11:11), vendo não apenas o que é profano e imoral, mas também a nojenta profissão religiosa que está espalhada por todo o mundo e que ignora Sua Pessoa, Seu amor e Seus direitos. Longe de toda essa aparência de devoção Ele iria guiar o “pequeno rebanho” (Lc 12:32) e conceder a honra da Sua companhia a corações que foram atraídos por Seu amor a render-Lhe a resposta à qual Ele dá valor.

Em nossos dias, aqueles olhos que tudo vêem continuam a observar as intenções secretas de cada coração. É com tristeza, embora com amor, que Ele olha para aqueles que Lhe pertencem, Seus redimidos, os quais preferem a companhia e modo de agir de Seus difamadores. Ele olha para eles como olhou para Pedro, para que possam também chorar amargamente por haverem ferido Seu amoroso coração, mesmo depois de terem sido libertos dos terrores dos condenados, resgatados dos horrores de um inferno sem fim, e reivindicados pelo amor que buscou e encontrou suas almas perdidas. Seu olhar de amor assegura a restauração que leva à Betânia; restauração que produz uma resposta sincera a Ele, coisa essa que o Seu coração anela. É assim que a alma restaurada pode unir-se a almas gêmeas, para que a ceia que Lhe foi preparada há tanto tempo em Betânia continue ainda a ser servida para refrigério dAquele que é “Alto e Sublime” e que ainda Se digna a ficar com “o contrito e abatido de espírito” (Is 57:15) que é encontrado nas “Betânias” que Ele tanto ama.

A Betânia da antiguidade proporcionou a Ele o Seu último lugar de descanso na Terra. Não foi do templo ou dos limites de Jerusalém, mas de Betânia que Ele “ascendeu” (Lc 24:50). Como em Betânia – como na sagrada presença do Senhor – corações leais podem ainda ser encontrados vendo o desprezo do mundo religioso e não religioso para com a Sua Pessoa, Sua obra e Sua Palavra; e sentindo, além disso, a mais profunda dor que produz em Seu coração a fria indiferença de qualquer um dos que Lhe pertencem, cujo primeiro amor Ele lamenta ter sido “deixado” (Ap 2:4). Corações leais assim, companheiros de Sua vergonha, saem do “arraial” (Hb 13:13) para dar-Lhe as boas-vindas, como fez Marta recebendo-O em sua casa; adotando a linguagem daquele jovem crente que, quando questionado se tinha algum lugar para Jesus, respondeu, “todo lugar”.

O bendito Senhor vem quando e onde Ele é desejado. Assim como a Sunamita percebeu no “santo homem de Deus” algo que a atraía, possamos nós também perceber no Santo uma atração assim, que nos leve a desejar Sua companhia; que nos leve a fazer para Ele um “pequeno quarto” junto ao “muro” de separação; a conceder a Ele um lugar de repouso (a “cama”); a aprender obedientemente aos Seus pés (a “cadeira”); e a contar com a luz de Sua Palavra (o “candeeiro”) para dissipar toda escuridão do “quarto” – do coração – que Ele ocupa. (2 Rs 4:8-10.) Um “quarto” assim nunca estará vago. Vemos em João 14:23 que o Pai e o Filho asseguram sua ocupação. É ao coração, e não ao intelecto, que é dirigida a fala do Amado em Lucas 24:32. De que modo maravilhoso Ele demonstrou ter um coração voltado para nós! Aqueles que têm um coração voltado para Ele concedem refrigério ao glorioso Deus que, com todo o direito, exige corações não divididos.

Estamos provendo a Ele um santuário quando atendemos à súplica do Pai: “Dá-me, filho meu, o teu coração” (Pv 23:26); à súplica de Cristo, nosso Senhor, “para que Cristo habite pela fé nos vossos corações” (Ef 3:17). Podemos nos tornar via de acesso para o Espírito, “porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de Seu Filho” (Gl 4:6); podemos desfrutar do Seu amor, “porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações” (Rm 5:5); e buscarmos honrar a sagrada Palavra do Deus vivo: “Escondi a Tua Palavra no meu coração, para eu não pecar contra Ti” (Sl 119:11).

Em Lucas 10:38-42 temos as palavras, com as quais os corações podem se deleitar e às quais podem obedecer, colocadas acima do serviço que mãos possam executar. Sua Palavra expressa a Sua vontade, diante da qual as expressões de vontade própria, por mais convincente a aparência de piedade que possam trazer, não conseguem receber nada além de condenação.

Escutar Jesus é a “uma só” coisa necessária. Os “muitos serviços” de Marta acabariam por trazer só desapontamento, a ela e também a Ele (Lucas 10:41-42). O ouvido atento à Sua Palavra é o que sempre agradou e glorificou a Ele, e ainda hoje é assim. Em Colossenses 3:23 nos é dito que “tudo” quanto fazemos é levado em conta. O motivo com que o fazemos é que determinará se irá valer ou não. A ocupação com o próprio eu é o golpe mortal de todo serviço verdadeiro, pois, como aconteceu com Marta, nos leva a julgar os outros (como ela fez com sua irmã), sem ter qualquer palavra boa a dizer acerca deles amargando nosso espírito ao invés de torná-lo mais doce (Leia também Ap 2:7,11,17,29; 3:6,13,22).

“Senhor, não se Te dá de que minha irmã me deixe servir só? Dize-lhe pois que me ajude” (Lc 11:40). Isso revelava a inquietude de alma que havia em Marta e a falta da preparação necessária para o verdadeiro serviço, o que só a ocupação com Ele e a humilde atenção à Sua Palavra poderiam prover. Contemplemos a significativa diferença que há entre a Marta distraída em muitos serviços, e a Maria atraída pelo Senhor, e aprendamos, como Marta aprendeu a servir de modo aceitável, como encontramos em João 12:2. O fato de termos motivos celestiais nas menores coisas eleva o trabalho braçal mais insignificante da vida diária à posição do mais elevado serviço, e recebe dEle uma amável aprovação, ao invés de uma reprimenda.

Quando o serviço de Marta deixou de ser uma enfadonha distração “em muitos serviços”, passou a ser algo agradável ao Senhor, e ganhou um lugar de honra no indelével registro daquela abençoada família de Betânia, cada um deles objeto do amor de Cristo e cada um correspondendo de coração a esse amor. Veja com que naturalidade flui a mensagem que enviam ao Senhor, falando de Lázaro como “aquele que Tu amas” (Jo 11:3). O mesmo pode ser dito de cada filho de Deus.

Foi o Seu amor que levou nosso glorioso Senhor a entrar no lar humilde de Marta, e foram as sagradas palavras de Seus benditos lábios que corrigiram o serviço imperfeito dela, como mostra a sequência. Lemos, em João 12, que “Marta servia”, registro este da aprovação divina quando toda obra, associada à ceia que ela amavelmente preparou, foi feita para Ele. Uma vez que o coração estava colocado no seu devido lugar, atraído pelo constrangedor amor de Cristo, os ouvidos, as mãos e os pés passaram a ser governados para servir a Ele, não sendo mais movidos pela ocupação com o próprio eu ou governados por uma vontade não quebrantada.

Quem seria capaz de ler os capítulos 13, 14, 15, 16 e 17 do Evangelho de João, em verdadeira humilhação aos pés do Senhor, ouvindo-O expressar os desejos do Seu terno coração para com os Seus amados, escutando em submissão e prestando atenção à Sua Palavra, e ainda assim não render o culto que Lhe é devido, em sincera conformidade com a Sua vontade? A companhia de Jesus, escutando Sua Palavra, recebendo dEle Seu ministério de amor, compaixão, poder e glória em João 11, leva aqueles que Ele ama a ministrarem a Ele em João 12, satisfazendo Seus divinos anseios de ser correspondido.

As lições de Betânia reveladas no capítulo 11 de João estão todas centralizadas no versículo 4: promover a glória de Deus era a mola que impulsionava todas as ações do Salvador. O Espírito nos leva a enxergar todas as circunstâncias em sua relação com a glória de Deus. Seu objetivo ao permitir a enfermidade, a morte e todas as outras tribulações, que são os “sendo necessário” de 1 Pedro 1:6, ou o “fim que o Senhor lhe deu” de Tiago 5:10-11, irá manifestar que a vontade do nosso Pai, a glória do nosso Pai, deve ser o resultado final (1 Co 10:31).

O amor do Senhor é um amor sábio e fiel. Sua glória e nossa bênção estão interligadas. Os “dois dias” (Jo 11:6) de atraso poderiam irritar nosso espírito. Nossa impaciência teria tido pressa em receber alívio, cometendo o sério erro de buscar livramento imediato da aflição, ao invés da glória de Deus; impedindo, assim, de chegar à nossa vista, como certamente chegaria, o cintilante arco-íris ainda por brilhar, não importa quão escuras fossem as nuvens.

Jesus olhou para o progresso da doença, para a dor das irmãs, até mesmo para a morte, e no entanto não concedeu nenhum alívio até que toda esperança humana tivesse se desvanecido. Então Lázaro já estava morto há quatro dias. Aquilo foi verdadeira misericórdia. O homem natural diz: “não”; a fé diz “sim”, pois a “fé muito mais preciosa” começou com a “prova” para acabar em “glória” (1 Pd 1:7).

Temos, para nosso exemplo, a vontade divina como o motivo de Jesus, e a glória divina como Seu objetivo. Testemunhamos, diante do túmulo de Lázaro, a glória celestial brilhando sobre a temível região da morte, uma glória da qual em breve participarão todos os que são Seus, pois Ele os livrará das garras do inimigo do mesmo modo como ressuscitou Lázaro. Enquanto isso, a fé tem a resposta para toda e qualquer sugestão maligna que insinue haver uma aparente falta de compaixão ou socorro, fazendo, para isso, uso da Palavra de Deus: “Bem aventurados todos os que nEle esperam” (Is 30:18), e sabendo que as demoras do Senhor não são recusas.

Não devemos prestar nenhuma atenção ao jactancioso “bom senso” do homem, mas toda atenção àquela verdadeira sabedoria encontrada em Provérbios 3:5-6: “Confia no Senhor de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-O em todos os teus caminhos, e Ele endireitará as Tuas veredas”. Devemos receber com alegria todos os meios que Ele emprega para nos livrar de toda a odiosa e vã auto-confiança. Para a fé, as lágrimas e o perturbar-Se de nosso bendito Senhor pedem que sinceramente admiremos Sua compaixão para com a miséria humana, a qual era tão real; e também Sua dor, tão profunda, por causa da incredulidade e dureza de coração exibida pelas almas descuidadas, indiferentes às condições ruins que tanto fizeram sofrer o Seu coração. E condições essas semelhantes ao angustioso abandono moral para com Deus, que prevalece em nossos dias. Oh, que os corações possam sentir, como Ele sente, a corrupção moral desse meio mundano que nos cerca!

Possam nossas almas se levantar agora mesmo para testemunharem do triunfo do Salvador, agradecendo a Deus pelo registro da compaixão de nosso Salvador para com a dor humana, e participando da dor que a santidade sente por causa da destruição causada pelo pecado. Em sua tristeza, as irmãs procuraram por Jesus, e possamos nós fazer o mesmo. Elas o chamaram de “Senhor”, honrando assim o Nazareno. “Aquele que Tu amas” era o mesmo que dizer, “O Teu amor, e não o meu, é a base de todo repouso”. “Está enfermo”, é aceitar humildemente que o amor divino permite a enfermidade. E tudo isso é completado pelas lições que se seguem, de que nem mesmo as afeições naturais, mas só a glória de Deus, deveriam nos impelir em cada ação nossa. O Espírito de Deus iria assim estimular nossa fé para que víssemos a glória de Deus projetada sobre o sombrio pano de fundo; para que víssemos revelada a graça do coração de nosso Amado.

Jesus esperou pela vinda de Maria (Jo 11:3); ela atendeu ao Seu chamado (Jo 11:28). Com certeza as palavras “te chama” colocaram asas em seus pés. Assim ela logo achou-se onde Jesus estava, para ver Sua face, para cair aos Seus pés, e então falar tão somente do que afligia seu coração. Que bom exemplo para nós! A carne tem verdadeiro pavor de expor a corrupção (Jo 11:39). A incredulidade nada via além de um corpo se decompondo; a fé viu a glória de Deus (Jo 11:40). Repare na ordem das coisas: “Se creres”, e então, certamente, “verás”.

Experimentamos a nova criação (Ef 2:10) também pela mesma operação poderosa, a fim de podermos andar na novidade de uma vida ressurreta, a qual é introduzida no ser por Sua Palavra, como vemos em João 11:43-44. As pequenas gotas de Seu proceder em graça mostram-se cada vez mais fragrantes à medida que o poder e a glória enchem o cenário. Somos encorajados até pela menção feita aos que Lhe são queridos: No versículo 1 Maria é mencionada antes de Marta para elogio (v. 2); Marta aparece primeiro no versículo 5, pois Jesus ama o mais fraco; e veremos, em João 12, o testemunho de vida ressurreta que Lázaro deu para o Seu louvor e para a glória de Deus.

Ao contemplarmos Jesus na última semana antes da cruz, com sua vergonha e dor, sem pensar em Si mesmo, mas aproveitando cada minuto daquela ocasião tão solene para ministrar e interceder por aquele pequeno grupo dos que Ele afetuosamente chamou de “os Seus”, juntamo-nos àqueles que O amavam para enaltecer a incomparável atração que nos apresenta o registro de João 12.

Ele dignou-se a entrar “em Betânia, em casa de Simão, o leproso” (Mt 26:6) – Ele que “habita na eternidade” e sempre foi “o alto e sublime” (Is 57:15). A graça brilha como nova, à medida que o Espírito de Deus coloca em Seu registro a humilde casa terrena que o Senhor da glória amou. Estamos prestes a ver mais da condescendência dAquele que é e está acima de tudo, aceitando a festa que haviam preparado para Ele (Jo 12:2). “Foi pois Jesus” naquele dia; e Ele continua a ir, sempre que é chamado por aqueles que desejam a Sua companhia.

Se, por um lado, o capítulo 11 declara o que eles significavam para Cristo, o capítulo 12, por sua vez, mostra claramente o que Ele significava para eles; não apenas o que o Senhor fez (cap. 11), mas o que o Senhor é (cap. 12), constrange o coração amoroso a satisfazer o Seu desejo de ser correspondido. Se no capítulo 11 Ele chorou com elas, vemos no capítulo 12 que Ele regozijou-Se com elas e com Lázaro. Bendito Parceiro, tanto na dor quanto na alegria!

Devemos conceder-Lhe não somente “todo lugar” para que Ele possa ficar conosco, mas devemos render-Lhe a homenagem de nossos corações, ensinados pela cena de João 12, para que, como Lázaro – como novas criaturas em Cristo Jesus, que passaram da morte para a vida – possamos desfrutar aquilo que o novo nascimento nos apresenta, Sua companhia; possamos exercitar o santo privilégio de nos sentarmos à mesa com Ele – comunhão; possamos imitar Maria em adoração, derramando o franco depósito de nosso coração sobre Sua amada Pessoa; e, como Marta, possamos servir onde toda atividade extrai seu vigor do seu Objeto – “Quando o fizestes… a Mim o fizestes” (Mt 25:40).

Quão agradável ao Senhor foi terem preparado uma ceia para Ele. Pois é o que a comunhão, a adoração e o serviço fazem. Lázaro, “um dos que estavam à mesa com Ele” (Jo 12:2), em vida ressurreta, demonstra o que espera os crentes, que estarão “sempre com o Senhor” (1 Ts 4:17) na glória. Enquanto isso, Lázaro testemunhava do poder da nova vida; não pelo que ele dizia, mas pelo que ele era; demonstrando a obra de graça que levou muitos a crerem em Jesus por causa dele.

Maria, como adorável exemplo, introduz-se em Seus pensamentos, antecipando as intenções de Seu amor (Sua morte que se aproximava). Uma adoração adequada é aquela que derrama seus mais ricos tesouros sobre a sagrada cabeça do Rei rejeitado (Mt 26:7), e sobre os pés (Jo 12:3) que levaram o Filho de Deus, como um simples Homem, até aquele humilde lar em Betânia. A estima de Maria para com a Sua Pessoa, “mais de trezentos dinheiros” (Mc 14:5), contrasta de modo relevante com as “trinta moedas de prata” (Mt 26:15) que Judas e os principais sacerdotes combinaram como sendo o preço da Sua traição.

O mundo ainda continua a considerar uma adoração como a de Maria como um “desperdício”; mas não foi preciso que Maria tivesse que justificar sua devoção – seu Senhor e Salvador respondeu por ela. Cada coração leal pode descansar contente por saber que uma adoração assim agrada a Ele, como prova o imperecível registro de Sua apreciação da unção feita por Maria. A raridade que é a adoração “em espírito e em verdade” (Jo 4:24) pode ser medida por este solene fato: lemos de um só frasco de alabastro com unguento que foi quebrado como uma dádiva sobre Ele! Possa o Senhor despertar corações gratos que Lhe concedam muitos frascos como esse!

A adoração de Maria não foi um impulso repentino. Nos é dito, a respeito daquilo que expressou sua devoção, que ela “guardou isto” (Jo 12:7) – era algo muito caro para ser usado consigo mesma ou para dar a outros, mas não era caro demais para usá-lo para ungir a Ele. Muito breve, mãos ímpias iriam tratá-lo com violência; mas as mãos amorosas dela levavam a Ele o que ela havia entesourado. Tal era o inestimável valor da Pessoa de Cristo aos seus olhos! Por isso o registro assinala o apreço que Ele teve. O tipo do frasco, o peso do “ungüento de grande valor”, seu preço e sua fragrância, tudo recebeu a menção divina (Jo 12:3). Sua reverência pelo Filho de Deus, atestada pelo uso da glória dela, seu cabelo (1 Co 11), para enxugar os pés do Senhor, combinada ao memorial de sua ação, de alcance tão extenso quanto o evangelho, caracteriza o tipo de adoração que Deus está buscando. Possa o Espírito Santo mover poderosamente nossos corações para que derramem, como fez Maria, nosso amor para com Ele em adoração!

Os contrastes servem para tornar Betânia ainda mais querida a nosso Senhor e àqueles que O amam:

Enquanto havia um mundo cheio de inimigos, inclusive os adoradores do templo, um pequeno grupo de amigos se deleitava com Sua companhia em Betânia.

Maria deu algo para agradar seu Salvador; Judas vendeu seu Senhor para conseguir trinta moedas de prata.

Maria dirigiu a atenção de todos para o Senhor dela, enquanto Judas queria dirigir o pensamento de todos para “os pobres”.

“Por que este desperdício?” (Mt 26:8) é, ainda hoje, o veredicto universal da humanidade; mas quando divinamente avaliado, aprendemos que o sacrifício de amor nunca é um “desperdício”.

Um coro de acusadores pode ainda ser ouvido aqui embaixo; todavia um Advogado para interceder pela causa do Seu povo está vivo lá em cima.

Agora, em João 12, não vemos, em Marta, nenhum empecilho ou reclamação, nenhum pedido de reprimenda, mas um amor desapegado e dependente dos desejos do coração do Senhor. Tendo aprendido aquela “uma só” coisa que era necessária, o ministério dela agora para com o Senhor resplandece como um serviço aceitável na cintilante galáxia da comunhão, adoração e serviço, ingredientes indispensáveis naquela ceia que foi preparada para Ele em Betânia. Não “muitos serviços” (Lc 11:40), mas a atenção voltada para um só Objeto. O exemplo dela nos mostra que o próprio Cristo (certamente nosso único Objeto na eternidade vindoura) deve receber de nossas vidas, já aqui e agora, um serviço de gratidão compatível com o amor que levou os sofrimentos que a cruz exigia. Isto é: deveríamos estar à Sua disposição e salvos para o Seu prazer, possuindo um coração que almejasse o gozo de atender constantemente a cada desejo Seu, honrando a Ele, com um serviço assim, em meio a uma cena onde o escárnio aberto, ou a fria indiferença, formam um triste contraste com essa comunhão que é o gozo conjunto de corações amantes.

Deveríamos estar em Sua companhia pelo simples gozo que nela há; com adoração, que é a homenagem de um coração para o qual Ele tornou-Se a Pedra “preciosa” (1 Pd 2:7); com serviço, o testemunho que flui da comunhão, em devota consideração para com os Seus interesses, servindo o Seu coração e ponderando o Seu prazer. Somos alertados acerca dos que se opõem, pessoas como Judas, todos os que são meros seguidores por profissão religiosa – traidores como o que beija – só considerando como serviço aquilo que diz respeito a vantagens humanas, os “pobres”, etc., e que consideram “um desperdício” o sublime propósito de agradar só a Ele. Estes são os que não trazem marcas tais como as do verdadeiro serviço de Paulo, como humildade, lágrimas etc. (At 20:17-35). Por outro lado, somos encorajados a entesourar, no íntimo de nosso coração, o incentivo celestial que Suas palavras nos dão, “A Mim não Me haveis de ter sempre” (Mt 26:11), como um exercício para nossa vida.

No céu, onde logo entraremos, não haverá reprimendas, não haverá cruz para se carregar, ou vergonha para sofrer por Ele, nem mundo para se recusar ou o “eu” para se negar. É só aqui que nós podemos honrá-Lo nisso, identificando-nos com Sua rejeição ao nos decidirmos por Ele em meio ao ódio e antagonismo dos inimigos da cruz de Cristo; agarrando a breve oportunidade de se ter a “comunicação de Suas aflições” (Fp 3:10), antes que este tempo se acabe e venha a comunhão da Sua glória.

Betânia, querida Betânia! O Cristo de Deus estava ali para compartilhar da alegria deles, e ainda hoje é Seu gozo poder manifestar Sua amável presença onde Ele é bem-vindo a corações desejosos da Sua companhia, por terem sidos atraídos à Sua Pessoa. Os Seus amados preparam uma ceia para Ele (Jo 12). Ele prepara uma ceia para os Seus amados (Jo 21:9,12). Seu amor não é esfriado pelo indigno proceder deles. O gracioso chamado para a Sua ceia que lhes é feito é bem calculado para elevar espíritos embotados à Sua presença (Jo 21). Eles estavam frios; Ele sabia. Famintos; Ele sabia. Temerosos; Ele sabia. Envergonhados; Ele sabia. Mas, como sempre acontecera antes, o Senhor estava pensando neles, preparando para eles uma mesa de refrigério.

Termos a companhia de nossa Cabeça gloriosa e ressurreta, sermos desejados por Ele, quão bendito é isso para nós – mesmo em meio às odiosas condições de Laodicéia – que o Seu e nosso gozo possa ainda ser experimentado. O fato de Ele encontrar-Se do lado de fora (Ap 3:20) demonstra que coração desleal é o nosso; o fato de Ele ter que “bater” demonstra o imensurável amor que não se deixará impedir de estar em companhia daqueles que Ele tanto ama; apresentando-Se a Si próprio e revelando o propósito de Seu amor ao querer cear conosco – compartilhando, sentindo, suportando a aflição de nossa peregrinação terrena. E então, o que será cear com Ele nos cenários celestiais, onde a participação conjunta nos gozos sem fim satisfarão para sempre o Amante eterno e Seus amados!

E. J. Checkley

Desenvolvido por Palavras do Evangelho.com