Ismael
 
Antes de comentar a história de Jacó, que é digna de nota, tomo a liberdade de me deter ainda com Ismael, exemplo destes brilhos dourados da Graça de Deus que não chamam a atenção do leitor superficial. Pouco sabemos de Ismael. Ele tinha talvez quinze ou dezesseis anos de idade quando seu irmãozinho Izaque caçoou dele, o que foi a causa para sua mãe, bem como ele mesmo, serem enxotados de casa, tornando-se peregrinos errantes, padecendo de sede no deserto. Vocês se lembram do desespero de Hagar quando colocou o menino debaixo de um arbusto, afastando-se à distância de um tiro de arco, porque dizia: 
"Assim não verei morrer o menino; e, sentando-se à frente dele, levantou a voz e chorou" (Gn 21:16). 
O que houve com o menino? 
Ele também levantou sua voz ¬porém não para chorar, mas para orar. Embora deva ter sido teimoso (Gn 16:12), talvez até um menino "travesso" , mas não viveu aqueles anos junto ao seu amado e velho pai sem aprender algo sobre o valor da oração. Vocês por certo também se lembram de que, de fato, o seu nome significa "por que o Senhor ouviu ... ". Pensemos nisto 
e também levemos em conta que Ismael provavelmente tinha ciúmes daquele irmão menor que deveria se tornar o "herdeiro de tudo"; seria quase que anormal não ser assim. Considerando a situação, é até comovente vermos que mais tarde Ismael está juntamente com Isaque sepultando seu pai (25:9). Esse fato, por certo, dá a entender que Deus operou em seu coração. 
Ismael e sua mãe provavelmente sofreram muito com a expulsão daquele confortável lar de sua infância, e havia muito motivo para amargo arrependimento dos pecados de outrora. Assim, como não é precioso vermos que o nome que Ismael deu à sua filha Maalate (Gn 28:9) significa "PERDOAR"! Esta menininha certamente foi criada em condições muito diferentes daquelas que marcaram a infância de seu pai, - tudo por causa do pecado. Mas sempre que olhava para ela, podia se lembrar que tudo estava perdoado. No Velho Testamento deram-se muitos nomes bonitos para as crianças; mas não conheço outro que exceda a beleza de "Maalate", a filhinha de Ismael. 
Mas isso ainda não é tudo. Será que o coração de Ismael muitas vezes não doeu por seus filhos serem criados em um lar tão diferente daquele que alegrou a sua infância? Em Gênesis 28:9, lemos que a filha de Ismael, Maalate, na condição de noiva, é maravilhosamente introduzida de volta àquela casa que o pai, devido ao pecado, havia perdido. Para mim, isto é por demais precioso. Quem mais saberia apreciar o valor da palavra "PERDOAR" senão aquele que após a amarga experiência com o pecado, experimentou algo de sua beleza? Ainda mais amoroso é quando o passo que segue ao perdão é a restauração daquilo que foi perdido. Tomara que Ismael e Maalate possam consolar e animar a vocês, assim como também foram um consolo e ânimo para mim. E isso ainda não é tudo: Esaú e Maalate tiveram um filho, ao qual chamaram Reuel (Gn 36:3-4). E nos dito que o significado de Reuel é "amigo de Deus". Este é, vocês se lembram bem, aquele mesmo nome com que a Palavra de Deus designa Abraão, o bisavô da criança (veja Tg 2:23; Is 41:8; 2 Cr 20:7). Para mim é precioso saber que escolheram este nome para sua criança. 
O perdão que motivou Ismael a dar o nome de "PERDOAR" para sua filhinha, foi especificado como o "perdão que restabelece", pois dá a entender que o grande Pastor restabeleceu a sua alma. O perdão que concedeu à sua filha aquele lar que ele, devido ao pecado, perdeu, é especificado como o "perdão de governo", pois mostra que Deus, em seu governo, poupou à criança de Ismael aquele castigo que ele próprio teve que suportar por seu pecado. E ainda há um terceiro tipo de perdão: o indulto, que para o crente é o primeiro da lista - o "perdão eterno" que Deus dá. É bom entender que nas atitudes de Deus com o seu povo o perdão precisa ser visto segundo estes três aspectos. Tendo em vista que Ismael também era filho de Abraão (Lc 19:9), não podemos considerar que ele, igualmente, recebeu o perdão que restabelece, o perdão segundo o governo e ainda o perdão eterno? Embora possamos aceitar assim, temos que nos lembrar de que Ismael foi o avô de Amaleque, do qual é dito que "Porquanto o Senhor jurou, haverá guerra do Senhor contra Amaleque de geração em geração!" Não podemos pecar levianamente contra Deus ou seu povo, sem que tenhamos que arcar com amargas consequência.
 
Esaú
 
A história de Esaú é muito triste e deveras séria. 
Era filho de Isaque, um dos mais honrados patriarcas. Talvez ele tivesse quinze anos quando o seu avô Abraão morreu; este menino deveria, ao menos, ter guardado alguma influência daquele que foi o "pai da fé". Ele era o irmão gêmeo mais velho de Jacó, a quem Deus concedeu tal graça indizível, e era dele o direito de primogenitura e a benção. Ele notou qual o valor que seu avô e o irmão davam às promessas de Deus; mas parece que estas nada lhe significavam, pois vendeu o direito de primogenitura por uma refeição (Hb 12:16). Parece que lhe faltava completamente a fé. O que não podia ver, não tinha valor aos seus olhos. A Escritura classifica-o como "profano", e dele é dito: "Amei a Jacó, porém me aborreci de Esaú". Eu sei muito bem que foi assim para que o "propósito de Deus, quanto à eleição prevalecesse" (Rm 9: 11); porém não tenho dúvidas de que a causa estava no comportamento do próprio Esaú. Ele desprezou as promessas de Deus, e depois," querendo herdar a benção, foi rejeitado, pois não achou lugar de arrependimento, embora, com lágrimas, o tivesse buscado" (Hb 12:17). 
Vocês se lembram de que a intenção de Esaú era matar a seu irmão; e o que parece ter sido pior aos olhos de Deus, foi o ódio irreconciliável que a semente de Esaú conservava contra a semente de Jacó, que era o povo de Deus. Ainda assim, reconhecemos no coração de Deus o anseio e o pesar pela descendência de Esaú; Deuteronômio 23:7: "Não aborrecerás o edomita, pois é teu irmão". Desconsiderando toda a obstinação e todos os pecados de Esaú e sua semente, vemos o Senhor empenhado em fazer com que Israel lembrasse as prer-rogativas que Edom tinha como irmão. Mas menosprezaram até mesmo essa boa vontade e a rejeitaram; então o Senhor teve que dizer a Edom que: "Por causa da violência feita a teu irmão Jacó, cobrir-te-á a vergonha, e serás exterminado para sempre" (Obadias 10). 
Nós, pais crentes, fazemos bem em lembrar que o prazer da comida parece ter sido o início da decadência de Esaú, e também já fomos lembrados de que este foi o mesmo pecado no qual também caiu o seu pai. Como não é profundamente triste considerar que, num dia futuro, será manifesto que o exemplo do pai levou Esaú àquilo, e comprovou ser a sua perdição. Que o Senhor nos guarde, pois nós não temos como nos guardar a nós mesmos! 
Mas também não podemos nos esquecer, de que o mau exemplo de Isaque não diminui e nem desculpa a responsabilidade de Esaú por não ter seguido a fé de seu pai. O juízo de Deus diante disso não será atenuado. E para reconhecer a gravidade de tal juízo, temos que recorrer aos profetas. Encontramos todo o livro de Obadias ocupado com este tema, outros profetas também se referem a ele com frequência - veja como exemplo Jeremias 49:7-22: Edom será "exterminado para sempre" e "como na destruição de Sodoma e Gomorra, e das suas cidades vizinhas, diz o Senhor, assim não habitará ninguém ali, nem morará nela homem algum" (Jr 49:18). Enquanto haverá alegria no restante da terra, Edom estará completamente desolado. 
Esaú e sua descendência nos fazem lembrar os filhos de pais crentes, filhos, que rejeitaram o evangelho. O seu "direito de primogenitura" era a salvação, mas não lhe deram valor, menos-prezaram-na. Ouviram e conheceram as abençoadas promessas de Deus, e rejeitaram-nas. Tinham avós, pais, irmãos e irmãs que muito estimavam aquilo que eles próprios rejeitaram. Talvez muitos tiveram amargas decepções com o povo de Deus, por certo até tinham motivo para tal; quanto motivo de rancor Esaú não tinha para com o irmão! Porém isso não o desculpava. 
Muito me dói escrever estas palavras; mas tomara que este triste exemplo nos leve, aos que temos filhos rebeldes, a buscar a face do Senhor com muito mais fervor por amor a eles. Se acaso um tal filho se deparar com estas linhas: lembre-se da Graça de Deus que ainda se ocupa com você; ainda existe um caminho "para casa". Será que é tão difícil dizer: "Pai, eu pequei?"
 
Jacó
 
A história de Jacó está repleta de lições profundas e proveitosas. Do começo ao fim de sua vida está a epigrafe: "aquilo que o homem semear, isso também ceifará". Ele enganou a seu pai e fraudou a seu irmão. Mais tarde ele próprio é enganado e traído pelo sogro e mais tarde pelos próprios filhos. Contudo, isso tudo somente faz com que a Graça de Deus para com ele brilhe mais claramente. 
Vocês certamente perceberam quanto espaço o Espírito de Deus dedicou à história de Jacó no livro de Gênesis. Eu creio que nossos corações se alegram com isso. Jacó é muito parecido conosco, de forma que sempre vem o seguinte pensamento: "Este poderia muito bem ser eu mesmo!" Seus pontos fracos, a vontade própria, os planos, a falta de fé, a pendência para o mundo; tudo isso - infelizmente são cousas que todos nós conhecemos muito bem. Por isso mesmo nos alegramos que o nosso Deus é tão insistente em denominar--se a Si mesmo como "Deus de Jacó" e raramente como "o Deus de Abraão". Veja SI 20,1; 46,7.11; 75,9; 81,1.4; 94,7; 114,7; 132,2.5; 146,5. Compare com SI 47,9. Note que por treze vezes encontramos nos Salmos" o Deus de Jacó", enquanto que somente uma vez "o Deus de Abraão". 
 
Consideremos ainda que o significado de Jacó é "aquele que ilude, enganador" , enquanto que Abraão quer dizer "pai de muitas nações". 
Não preciso tomar o tempo para enumerar os detalhes de toda a sua (tão cativante) história. Aquele travesseiro de pedra, aonde o sol se pôs, os mais de vinte anos de trabalho duro que se seguiram até que possamos ler do próximo nascer do sol, todos os sofrimentos em Harã - tudo são consequências incontestáveis do pecado contra o pai e irmão. Não esqueçamos também que Jacó tinha duas mulheres e duas concubinas, muito em contraste com seu pai e seu avô. Logo em Harã vemos Rubem, seu primogênito, ainda criança naquele tempo, envolvido em uma cena que somente deveria ter sido contornada pelo amor (Gn 30,14¬16). Assim não é de se admirar que este mesmo filho, mais tarde, comprova uma falta de reverência para com estas cousas santas ao se deitar com Bila, concubina de seu pai (35,22). Este gesto custou a Rubem a perda do direito de primogenitura, além do mais foi para Jacó uma mágoa muito amarga. Parece que Jacó, no fim de sua vida, teve mais consciência do horror desta ação suja e má do que nos primeiros dias (Gn 49,3¬4), quando seguia a Deus, porém de longe, não na intimidade que parece ter gozado com Deus nos últimos anos de sua vida. Sob certo aspecto aconteceu como deveria ser. Verdadeiramente, os pecados estão perdoados, foram encobertos, estamos justificados: E se é Deus quem justifica, quem nos condenará? O "acusador dos irmãos" está sempre ocupado em nos lançar os velhos pecados em rosto; mas, graças a Deus, nós temos Alguém que se dispõe a dizer: "O Senhor te repreende, ó Satanás, sim, O Senhor. .. te repreende; não é este um tição tirado do fogo?" (Zc 3,2). Mesmo assim, o repúdio diante destes velhos pecados deveria ser tanto maior, quanto mais reconhecemos o quanto custaram para o nosso Redentor. 
Abraão e Isaque eram estrangeiros e peregrinos. Tinham sua tenda e altar. A única propriedade desses patriarcas em Canaã era a sepultura; Jacó deveria ter seguido os seus passos, mas em Gênesis 33,17 e 19 vemo-lo construir uma casa e comprar um campo. Demonstrou que sua motivação era outra que a de seu pai e avô. Nem sempre é fácil ou agradável portar-se como estrangeiro. Aquele que disse que "as raposas têm seus covis e as aves do céu, ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça" (Mt 8,20 e Lc 9,58), não encontrou aqui lugar algum onde pudesse deitar a Sua santa cabeça, até que na cruz clamou... Está consumado" e inclinou a cabeça (no grego ambas as citações usam a mesma palavra, sendo estas as únicas citações desta forma no Novo Testamento). Houve outro igual que, caminhando aqui, manifestou tão claramente esta condição de estrangeiro? Ainda que cada um foi para sua casa, Jesus, entretanto, foi para o Monte das Oliveiras; pois aqui não tinha um lar onde poderia se recolher (Jo 7,53-8,1). 
Parece que Jacó saturou-se de ser peregrino e cedeu à tentação de construir uma casa. Qual a consequência desse comportamento? Sua filha Dina saiu para ver as filhas da terra. Ao invés de se portar como um peregrino celeste, que somente está aqui de passagem, seu pai se fixou no mundo para construir uma casa; haveria algo mais natural quando sua filha agora deseja ter amizade com o mundo? Nós conhecemos o triste e vergonhoso resultado dessa atitude. Quem imaginou que trocar a tenda por uma casa teria conseqüências tão amargas? Mas é assim; e, em nossos dias, a amizade com o mundo continua sendo inimizade contra Deus. Quando nos amoldamos ao mundo (e assim perdendo o caráter de estrangeiros) dificilmente podemos censurar nossos filhos quando buscam a amizade daqueles em cujo meio nós nos fixamos. 
Parece que somente anos mais tarde da ocorrência dos fatos (Gn 49)a alma de Jacó se sensibilizou por tudo o que se passou em sua casa, e pela desonra causada ao Nome de Deus, e então exclama: 
"Maldito seja o seu furor, pois era forte, e a sua ira, pois era dura! dividi-los-ei em Jacó. E os espalharei em Israel" (Gn 49,7). Como castigo por sua crueldade, cometida muitos anos antes em Siquém, Levi foi espalhado em Israel. Agora, pois ¬anime-se - veja a Graça de Deus: justamente este castigo, ser espalhado em Israel, tomou-se uma benção indizível. Esta tribo é escolhida para chegar-se a Deus, e é espalhada visando que o conhecimento de Deus e de Sua Palavra se alastre em israel. Mais uma vez a "ira do homem" resulta para o Seu louvor, mais uma vez "do comedor saiu comida". Como é animador! 
Não podemos encerrar o estudo de Jacó, tão cheio de falhas, e seus filhos, sem mencionar a graça que representou ter um filho como José! Pelo que sei, a Escritura Sagrada não descreve sequer uma falha em sua vida. Podemos dar graças a Deus, e tomar ânimo, ao constatar renovadamente que a Sua graça excede os nossos pecados. E é justamente a mesma Graça com a qual os pais hoje precisam contar. A história de Jacó é do começo ao fim, a história desta Graça.
 
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