A CEIA DO SENHOR

"Porque eu recebi do Senhor o que também vos ensinei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão;
E, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim.
Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue: fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim.
Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha."
1 Coríntios 11: 23-26
 
Ao apresentar-lhes a instituição da Ceia, Paulo está voltando aos princípios básicos. Que maneira melhor haveria para convencê-los da gravidade do seu desvio, do que lembrar-Ihes da simplicidade e beleza com que tudo começou? Observe como a verdade de liderança é destacada na primeira parte do capítulo (vs. 2-16), e como a verdade do Senhorio é destacada nesta segunda parte. A palavra "Senhor" ocorre oito vezes nos vs. 17-34. Os vs. 23-25 descrevem o que o Senhor fez, enquanto que no V. 26 é o que nós fazemos.
Coisas distintas se nos apresentam em cada versículo: no V. 23, revelação; no V. 24, o pão; no V. 25, o cálice; no V. 26, o resultado.
 
23. Temos duas coisas neste versículo: primeiro, a revelação do Senhor; segundo, as circunstâncias em que o Senhor instituiu a Ceia. (Convém observar que a expressão "a Ceia do Senhor" enfatiza a dignidade da ocasião, enquanto que "o Partir do Pão" chama atenção ao ato da participação.) "Eu recebi do Senhor" sugere uma revelação direta, do Senhor a Paulo, daquilo que aconteceu no cenáculo. E o primeiro relato do acontecimento, e é a própria narrativa do Senhor, daquilo que aconteceu. Nenhum dos Evangelhos havia ainda sido escrito a esta altura. Vemos a sua situação histórica, nas palavras: "na noite em que foi traído". Quando Judas estava para cometer seu ato tão vil, e quando as forças do mal, as potestades das trevas, se preparavam para prender e matá-Lo, o Senhor se retirou ao sossego do cenáculo, para passar um tempo com Seus discípulos. Mal podemos entender as Suas emoções quando, sabendo de tudo que estava acontecendo, Ele instituiu o memorial, e olhando através dos séculos pode ver a sua continuação. O amor divino, em circunstâncias tão peculiarmente desconcertantes, com uma abnegação tão característica, quis providenciar, para os Seus, esta festa de recordação.
 
24. É interessante notar que as traduções críticas omitem as palavras: "Tomai, comei". Isto concorda com o relato de Lucas. (As mesmas traduções indicam que Marcos registra somente a palavra "Tornai"; Mateus emprega ambas as palavras no seu relato: "Tornai, cornei'") A palavra "partido" é omitida, semelhantemente, pela maioria dos tradutores, como não tendo autoridade adequada. No grego, não há verbo, mas o Evangelho de Lucas coloca "dado". A expressão: "isto é o Meu corpo", deve significar: "isto representa o Meu corpo", pois Ele ainda estava no Seu próprio corpo quando fez esta declaração. Não pode ser entendido literalmente, pois se fosse, então sugereria que o Senhor tinha dois corpos ao mesmo tempo. "Meu corpo" se refere a Ele mesmo, à Sua pessoa, e não somente ao Seu corpo físico. "A oblação do corpo de Jesus Cristo" (Heb. 10: 10) tem que significar a Sua vida oferecida a Deus. Ele deu-se a Si mesmo por nós, em toda a plenitude da Sua pessoa, em toda a excelência do Seu valor, em toda a majestade da Sua dignidade, em toda a glória do Seu ato de entregar-se. Convém observar que Ele tomou um corpo para que pudesse morrer. Na Sua forma divina Ele não poderia morrer. "Faze i isto" (o verbo está no tempo presente e contínuo, no grego) é um apelo às afeições de Seu povo, para que se lembrem constantemente dEle durante a longa noite escura da Sua rejeição.
 
25. "Depois de cear" é uma referência a Lucas 22:20; aconteceu depois da Páscoa, e foi distinta dela. W. E. Vine, no seu comentário sobre I Coríntios, diz o seguinte: "Sugere-se que esta frase foi uma insinuação contra o procedimento em Corinto". Vemos, agora, que o cálice representa o novo testamento em virtude do (baseado em) sangue do Senhor. Isto indica que a velha aliança foi anulada (veja Êx. 24:1-8). A nova aliança foi anunciada em Jer. 31:31-34, e é tratada pelo escritor aos Hebreus nos capítulos 8-10. É nova por ser diferente da velha, em natureza e forma. Conforme a profecia de Jeremias, a aliança é feita com as casas de Israel e Judá, e será desfrutada por eles no futuro, quando aprenderão que ela é baseada no sacrifício do Messias a quem rejeitaram. Como cristãos nós desfrutamos, agora, dos benefícios do mesmo sacrifício, mas aqui (Luc. 22) assegura-se aos Seus discípulos que a nova aliança é garantida, e o pacto é selado, pelo Seu sacrifício e morte. Observe como esta declaração é completa em si mesma: "Este cálice é o novo testamento no meu sangue". Nada se acrescenta a isto, como nos Evangelhos. Vamos notar o relato de cada Evangelho: Mateus: "Que é derramado por muitos, para remissão dos pecados". Se refere ao sangue do sacrifício para expiação da culpa. O que este sacrifício destacava era a natureza do pecado.
Marcos: "Que por muitos é derramado". Se refere ao sangue do sacrifício pelo pecado. A palavra "muitos" destaca a idéia de pessoas, pois no sacrifício pelo pecado dava-se ênfase a quem pecara, seja sacerdote, príncipe, a congregação, ou qualquer pessoa do povo Lucas: "Que é derramado por vós". Isto o toma mais pessoal, e refere-se ao sangue do sacrifício pacífico. A reconciliação foi feita. "A vós ... vos reconciliou" (Col. 1:21).
Convém notar que as palavras "em memoria de mim", que ocorrem somente depois do partir do pão, em Lucas, se encontram em I Cor. 11 depois tanto do pão como do cálice. Assim se expressa o profundo desejo do Senhor de que façamos isto para termos, constantemente, a Sua Pessoa e o Seu Sacrifício em nossa memoria.
 
26. Agora, três coisas se nos apresentam: a freqüência, a proclamação, e a vinda. "Todas as vezes", quer dizer cada vez que for celebrada.
Porém, nem isto é deixado ao nosso critério, mas temos orientação, em Atos 20, quanto a prática apostólica. Naquele capítulo, vemos que Paulo viajava para Jerusalém (v. 16). Chegando em Troás, ele esperou sete dias (v. 6), para estar com eles no partir do pão, que era realizado no primeiro dia da semana (v. 7). Isto é muito instrutivo. Nenhuma observância especial da Ceia foi organizada para o apóstolo. Vemos, claramente, que o costume de reunirse no primeiro dia da semana havia sido estabelecido. Nunca veio à mente do apóstolo, que estava viajando de navio (vs. 13-16; 21:1-2), a idéia de continuar a sua viagem e partir o pão com seus companheiros (v. 4) à bordo do navio. Isto indica, claramente, junto com a passagem que estamos estudando, que a Ceia do Senhor está ligada ao ajuntamento da igreja local. É um ato coletivo de uma igreja que reside na localidade. Em cada uma das três ocasiões quando a Ceia é mencionada, está no contexto de uma igreja local: em Atos 2:42, é a igreja em Jerusalém; em Atos 20:7, a igreja em Troás; e em I Cor. 11, a igreja em Corinto. Não há nenhum exemplo registrado da sua celebração separada de uma igreja. Esta associação clara da Ceia com uma igreja local, já estabelecida, deve ser notada. Era um ato coletivo de uma companhia reunida num determinado lugar, e nunca a vemos praticada por um grupo de indivíduos que, por acaso, estivessem numa localidade onde não havia igreja. Ao realizarmos o memorial proclamamos, anunciamos, a morte do Senhor, fazendo conhecido a realidade e o propósito daquela morte, à qual nós tudo devemos. Ao continuar a sua explanação (as palavras do Senhor terminam no v. 25), Paulo nos informa que esta prática deve continuar até a vinda do Senhor. Assim, a Ceia não somente olha para trás, mas também leva as nossas mentes ao futuro, até a Sua volta. A Ceia mantém a Sua encarnação, morte, ressurreição e segunda vinda perante os nossos corações.
Antes de deixar o assunto da instituição da Ceia, vamos mencionar alguns ensinos estranhos, e às vezes perigosos, defendidos por escritores modernos e antigos: Ritualismo: em primeiro lugar, há o sacrifício da missa, a corrupção satânica da Ceia, que ensina que, no momento de consagração pelo sacerdote, o pão e o vinho se transformam no verdadeiro corpo e sangue de Cristo. Esta é a doutrina de transubstanciação.
Em segundo lugar, há o ensino luterano da coexistência do verdadeiro corpo e sangue de Cristo "em" e "com" o pão e vinho. Esta é a doutrina de consubstanciação.
Estes são acompanhados do ritual ornado que se associa com religiosidade.
Literalismo: às vezes não é fácil distinguir entre isto e ritualismo.
Um escritor afirma que o pão partido representa o corpo de Cristo, e quando o tomamos nas mãos e na boca, é um meio de ter contato vivo com Jesus Cristo. Outros falam de uma verdadeira doação do Salvador, ou seja, que Cristo se comunica ao cristão espiritualmente, de modo especial, e assim experimentamos a presença real do Senhor. Enquanto é verdade que na Ceia temos o Senhor e Seus sofrimentos, especificamente, perante nós, e que em tais ocasiões ficamos profundamente comovidos com esta recordação, e apreciamos cada vez mais as grandes verdades de redenção e reconciliação, não obstante, convém dizer, com clareza, que não recebemos coisa alguma de natureza especial, nem física nem espiritual. Nos reunimos para apresentar a Deus a nossa apreciação, não para receber qualquer coisa dEle.
Formalismo: A igreja em Corinto, apesar da sua condição terrível, ainda continuava a partir o pão. Os membros individuais, embora processando uns aos outros, embora caracterizados por glutonaria e embriaguez, ainda, aparentemente sem consciência, participavam dos emblemas, os quais tinham por finalidade expressar sua sagrada comunhão com o Senhor e com a Sua morte. Como é fácil tornar-se tão formal neste assunto. É possível partir o pão e não lembrar-se do Senhor, é possível realizar as ações físicas de comer e beber, sem ter a santidade essencial que sempre deve acompanhar a recordação.
Devemos observar, também, que em toda esta passagem acerca da Ceia, não há nenhuma regra ou regulamento com respeito à ordem da reunião. Isto é muito interessante. Isto não quer dizer que podemos introduzir o que bem quisermos na reunião, mas indica que se espera que todos que participam com expressões de adoração e ações de graças sejam guiados pelo Espírito Santo, nesta sagrada função de sacerdócio santo. Esta última frase poderá surpreender alguns que somente conhecem o tipo de culto onde um ministro, clero, ou sacerdote preside. Notemos com cuidado, que nesta passagem tal dirigente não é mencionado. O NT não reconhece a posição do clero, ordenado por homem, e autorizado para pregar e administrar os sacramentos. Devemos observar também que, embora esta reunião não se chame reunião de adoração, os cristãos consideram esta reunião a mais apropriada para expressar a sua homenagem e adoração. Deus sempre quis a adoração coletiva dos Seus santos e, enquanto podemos adorá-Lo em outras ocasiões, esta certamente é a mais apropriada. Devemos considerar, com atenção, também as expressões "pão" e "cálice". Foi um pão, não pedaços de pão, e quando cada cristão partiu e comeu do mesmo pão, isto demonstrou a sua comunhão. Observe também as expressões, "este cálice" e "o cálice". Como participaram de um só pão, assim também participaram de um só cálice. O uso de cálices individuais é alheio à instituição da Ceia, e destroe a idéia de comunhão. Pão cortado em pedaços também destroe tanto o significado do símbolo, a saber, o corpo de Cristo, como o emblema da unidade do Corpo (a igreja, 10: 17).
A presença de um clero, ou pastor, para presidir é contrário às Escrituras. Em 14:26 fica claro que vários irmãos participavam na reunião (veja a exposição). Estabelece-se o princípio pelo qual a reunião fica aberta para que o Espírito de Deus oriente certos irmãos a tomarem parte. Isto é tão diferente daquilo que prevalece em muitos lugares, onde esta ordem e beleza são desconhecidas; esta, porém, é a verdadeira maneira bíblica e a ordem do NT. Por que devem os cristãos se contentar com algo menos do que isso?
Vamos dar valor a tais reuniões.
Os que participam na reunião são os que fazem parte da igreja local. Uma igreja somente se compõe daqueles que se reúnem.
Outros poderiam entrar para observar a reunião (14:23). Convém reconhecer que a igreja local tem uma comunhão doutrinária, e que todos os que se reúnem estão comprometidos à sua base doutrinária e sujeitos à sua administração. No NT não existe tal coisa como a "mesa aberta", onde todos que fazem profissão de ser cristãos são aceitos sem perguntar-se sobre as suas crenças e práticas doutrinárias.
No presente clima, este costume poderia levar a confusão, pois há alguns que querem partir o pão, mas acreditam que as mulheres podem estar presentes sem véu, ou que as mulheres podem falar na reunião, ou que homens e mulheres podem falar em línguas. Além disso, há alguns que gostariam de ter "comunhão ocasional", cristãos que normalmente se reúnem em outro lugar, onde as doutrinas e práticas entram em choque com os princípios de uma igreja neotestamentária.
Quando visitam seus parentes, eles desejam partir o pão, embora nunca teriam comunhão com a igreja local na sua localidade.
Não há nenhuma mutualidade de interesses e nenhuma apreciação das doutrinas distintas que são defendidas, ensinadas e praticadas por tais igrejas locais.
 
A Preparação e A Disciplina (vs.27-34)
 
"Portanto, qualquer que comer este pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo edo sangue do Senhor.
Examine-se pois o homem a si mesmo, e asssim coma deste pão e beba deste cálice.
Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor.
Por causa disto, há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem.
Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seriamos julgados.
Mas, quando somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo.
Portanto, meus irmãos, quando vos ajuntais para comer, esperai uns pelos outros.
Mas, se algum tiver fome, coma em casa, para que vos não ajunteis para condenação. Quanto às demais coisas, ordená-las-ei quando for ter convosco."
 
Chegamos agora a um aspecto muito solene deste assunto. Dá-se muita ênfase à necessidade de estar em boas condições espirituais para participar da Ceia. Uma maneira santa de viver deve caracterizar todos os que participam dos sagrados emblemas e têm o privilégio de se reunir na presença da Divindade. Observaremos nesta passagem: primeiramente, o perigo de participar indignamente (vs. 27-29); em segundo lugar, o conseqüente juízo (vs. 30-32); e, em conclusão, o conselho final (vs. 33-34).
 
27. Ao observarmos, nos vs. 26-29, as cinco referências ao comer e beber, veremos quanta ênfase se dá a esta ação que é tão expressiva de comunhão; em contraste com o costume da igreja Católica, todos devem participar de ambos os emblemas. Agora encaramos a possibilidade de alguém participar "indignamente". Todo o cristão é "digno", posicionalmente, por causa de sua aceitação perante Deus, em Cristo, mas alguém poderia ser "indigno", condicionalmente, por causa de comportamento mau, negligente e irreverente.
Poderia referir-se ao que temos visto nos vs. 17-22, ou a algumas das coisas mencionadas nos capítulos 1-10. Porém a palavra "qualquer" mostra que é geral, incluindo nós mesmos, e abrange tudo em nossa vida que tenha interrompido a comunhão com o Senhor - pecado em nossa vida pessoal, guardando amargura de espírito contra outro, ou, conforme o v. 29, não discernindo o corpo do Senhor. Aqui se afirma que tal pessoa "será culpada do corpo e do sangue do Senhor". Isto não quer dizer que a pessoa é culpada de ter crucificado o Senhor. Quer dizer que nossa atitude para com os emblemas reflete a nossa atitude para com Aquele que eles simbolizam.
Se víssemos um grupo de pessoas pisando na bandeira do seu país, sua ação refletiria a sua atitude para com o governo que a bandeira representa. Participar, dos emblemas numa condição "indigna", menosprezando, ou desprezando-os, é desonrar o Senhor, é ser profano, e culpado de tratar com indiferença a Pessoa de Cristo. Observe a advertência dada ao sacerdote em Êx. 30:21.
 
28. Agora cada um ("homem", anthropos; quer dizer irmão ou irmã) é instruído a fazer um exame rigoroso de si mesmo, para assegurar que come e bebe dignamente. O pecado deve ser confessado, arrependimento deve ser visto e restituição feita. Este exame tem em vista participar dos emblemas, e não ausentar-se da Ceia.
Não devemos perder o nosso direito de participar por causa de mau comportamento, pecado não perdoado, ou recusa de reconciliação.
 
29. Agora vemos que participar sem nos julgarmos, ou nos examinarmos, nos colocará debaixo do juízo (não "condenação", ARC) do Senhor, isto é, debaixo da Sua disciplina e castigo. Sua sentença será de acordo com a Sua determinação judicial. "Não discernindo (distinguindo) o corpo do Senhor" sugere uma falta de apreciação do pleno significado do símbolo, o qual nos fala que Ele morreu para expiar os nossos pecados. Continuar com aquilo que é errado ou pecaminoso e, ao mesmo tempo, participar da Ceia, é viver uma mentira, e tratar a Ceia como se fosse uma refeição comum.
Algumas traduções omitem as palavras "do Senhor", dando a impressão de que o corpo se refere à igreja, na sua unidade, como o corpo de Cristo. Não é assim; nesta passagem todas as referências ao corpo se referem ao corpo do Senhor. Sem dúvida, a desunião na igreja de Corinto era um aspecto do erro de não discernir o corpo do Senhor (veja o v. 21).
 
30-31. Agora chegamos ao juízo que caiu sobre os que se atreveram a participar nesta condição. É tríplice: fraqueza, enfermidade e morte. "Fracos" parece indicar fraqueza em geral, enquanto que "doentes" fala mais de enfermidade, embora os eruditos tenham dificuldade em distinguir entre estas palavras. "Dormem" quer dizer morte física. Como é profundamente solene a declaração de que Deus não tolerará tal conduta; em Seu juízo, Ele faz com que alguns transgressores não possam estar presentes, e que outros sejam removidos, permanentemente, deste mundo: idôneos para o céu, mas não idôneos para Corinto, nem para este mundo, como testemunhas dEle. Quão estranho que se ouve tão pouco, no ensino, sobre estas coisas, e que raramente são consideradas pelos santos. Portanto, fica claro que, se nós praticássemos este auto-julgamento, escaparíamos do juízo de Deus. Seus meios de disciplina em juízo temporal podem ser muito severos. O caso de Ananias e Safira, em Atos 5, é uma ilustração da severidade extrema da Sua mão disciplinadora.
Que o temor de Deus possa caracterizar-nos nestas coisas! O v. 32 destaca a distinção entre o cristão e o mundo. O homem do mundo pode fazer, com aparente impunidade, aquilo pelo qual o cristão é disciplinado, porque o seu julgamento será no futuro; o cristão é disciplinado para conservá-lo, para que seja "participante de Sua santidade" (Heb. 12:10). Esta disciplina é prova do amor de Deus e do fato de sermos Seus filhos (Heb. 12:6).
 
33-34. "Meus irmãos" diz-nos que Paulo está apelando a eles, com base na fraternidade. Ele insiste que esperem uns pelos outros, ao invés de se comportarem de uma maneira tão vergonhosa e sem amor fraternal; veja o v. 21. Se alguns estivessem com fome, não podendo esperar, que comessem em casa. Era um erro tratar o ajuntamento todo como uma refeição comum. Assim escapariam da mão disciplinadora de Deus. "Quanto às demais coisas, ordena-las-ei quando for", se refere a outras questões de menor importância, que talvez foram mencionadas na carta que enviaram a Paulo.
 
Vamos notar atentamente as muitas lições que este capítulo apresenta:
 
a) O princípio básico da liderança é apresentado, determinando a conduta de homens e mulheres nas reuniões da igreja local.
Isto mostra que o ensino é permanente.
b) A permanência da ordem na criação, com respeito aos sexos, continua na igreja. Isto mostra que o ensino é universal.
c) O véu é sinal de submissão. A recusa de usar uma cobertura é sinal de insubordinação. Rejeitar o símbolo é repudiar a verdade que ele simboliza.
d) É perigoso obscurecer as distinções entre os sexos; uma destas distinções é o cabelo.
e) A existência de divisões e distinções sociais é uma vergonha para a igreja local.
f) E necessário manter, inviolada, a simplicidade da Ceia.
g) Usurpação e dirigência clerical, na Ceia, são alheias às igrejas neo-testamentárias.
h) Um rigoroso exame de si mesmo, antes de participar, é a obrigação de todos.
i) Mau comportamento exige juízo divino.
j) Pode haver, claramente, uma ligação entre sofrimentos físicos e desordem moral.
 
As instituições de Cristo um interesse mais fervoroso 
por esta importante e vivificante ordenação
 
Devemos dar graças ao Senhor por ter instituído um memorial da Sua paixão em prova do Seu cuidado das nossas necessidades e por ter posto uma mesa à qual todos os Seus remidos pudessem comparecer, sem qualquer outra condição além da indispensável união com Ele e obediência à Sua vontade.
O bendito Senhor conhecia bem a inclinação dos nossos corações para nos esquivarmos dEle e uns dos outros. Impedir esta inclinação foi um, pelo menos, dos fins que teve em vista na instituição da Ceia.
O Seu desejo era que o Seu povo se reunisse em volta da Sua bendita Pessoa. Por isso, pôs-lhes uma mesa; onde, em vista do Seu corpo ferido e do Seu sangue derramado, pudessem lembrar o Seu grande amor por eles, e donde pudessem também antever o futuro e ver a glória da qual a cruz é o fundamento eterno. Ali, mais do que em qualquer parte, eles apren- deriam a esquecer as suas divergências e a amarem-se uns aos outros - poderiam ver à sua volta aqueles que o AMOR DE DEUS havia convidado para a festa e que O SANGUE DE CRISTO tornara idôneos de aí estar.
 
A NATUREZA DA ORDENAÇÃO DA CEIA DO SENHOR
 
A natureza da ordenação da Ceia do Senhor é um ponto de grande importância. Se não compreendermos a natureza desta ordenação perder-nos-emos nos nossos pensamentos acer- ca dela. A Ceia é, pois, simplesmente uma festa de ação de graças por graça recebida. O próprio Senhor, quando da sua instituição, marcou o seu caráter dando graças: " ... tomou o pão, e tendo dado graças ... ". Louvor, e não oração, deve ser a linguagem daqueles que se sentam à mesa do Senhor.
Verdade seja que temos muitas coisas por que orar - muitas coisas a confessar - muito que lamentar, mas a mesa do Senhor não é lugar para lamentações! A sua linguagem é: "Dai bebida forte aos que perecem e o vinho aos amargosos do espírito; para que bebam e se esqueçam da sua pobreza e do seu trabalho não se lembrem mais" (Prov. 31:6,7).
O nosso cálice é um "cálice de bênção" - cálice de ação de graças - o símbolo divinamente ordenado do sangue precioso que efetuou nossa redenção. "O pão que partimos, não é porventura a comunhão do corpo de Cristo?" (I Cor. 10:16). Como poderíamos nós parti-lo com Corações tristes ou semblantes carregados? Poderiam os membros de uma família sentar-se à mesa da ceia, depois dos labores do dia, com gemidos e semblantes descaídos? Não, de certo. A ceia era a refeição mais importante da família - a única que reunia todos os seus membros. Rostos que talvez não fossem vistos durante o dia era certo estarem presentes à ceia, e sem dúvida que se sen- tiam felizes por estarem ali.
O mesmo deve ser com a Ceia do Senhor: os crentes devem reunir-se, e quando reunidos devem sentir-se intimamente felizes no amor que os reúne. Verdade seja que cada coração pode ter a sua própria história - dores íntimas, provações, faltas e tentações desconhecidas de todos os demais; mas estas coisas não formam o alvo a ser contemplado à ceia. Expô-las seria desonrar o Senhor da festa e fazer do cálice de bênção um cálice de dor.
O Senhor convidou-nos para a festa e ordenou-nos que, apesar de todas as nossas deficiências, puséssemos a plenitude do Seu amor e a eficácia do Seu sangue entre as nossas almas e tudo mais; e quando o olhar da fé está ocupado com Cristo não há lugar para nada mais.
Se o meu pecado for o assunto dos meus pensamentos e ocupar a minha visão devo, forçosamente, sentir-me infeliz, porque estarei desviando os olhos do alvo que Deus me manda contemplar. Estarei a lembrar-me da minha miséria e pobreza - as próprias coisas que Deus me manda esquecer. Deste modo é perdido O verdadeiro caráter da ordenação e, em vez de ser uma festa de gozo e alegria, torna-se uma ocasião de melancolia e de depressão espiritual; e a sua preparação e os pensamentos a seu respeito são mais próprios do monte Sinai (Onde Israel trocou o concerto da graça de Deus pelo concerto humano das obras.) do que a festa de uma família feliz.
 
 
Se alguma vez pôde prevalecer O sentimento de tristeza na celebração da Ceia, foi, sem dúvida, quando da sua instituição, pois que, como teremos ocasião de ver, havia tudo que podia, possivelmente, produzir profunda tristeza e desolação. Todavia, o Senhor Jesus pôde dar graças - o gozo que inundava o Seu coração era profundo demais para ser perturbado pelas circunstâncias. Ele sentiu gozo até mesmo nas pisaduras e nos ferimentos do Seu corpo e no derramamento do Seu sangue - gozo que está muito além do alcance do pensamento ou do sentimento humano. E se Ele pôde alegrar-Se em espírito e dar graças no partir do pão, que devia ser para todas as gera- ções futuras dos fiéis o memorial do Seu corpo ferido, não de- vemos nós regozijar-mo-nos com isso? Nós que gozamos os resultados benditos de toda a Sua obra e paixão? Certamente que sim.
Podemos ouvir o nosso Pai celestial dizer: "é justo alegrarmo-nos e folgarmos"; e negaremos nós esta conveniência fazendo da mesa, onde o Pai e o pródigo se sentam à volta do bezerro cevado, uma cena de dor e triste, receio? Deus não permita tal: não devemos trazer tristeza à presença divina; na verdade, nao podemos, porque na Sua presença "há abundância de alegrias" (Salmo 16:11); e quando nos sentimos infelizes não estamos, certamente, na presença de Deus, mas sim na presença dos nossos pecados e das nossas dores, ou de qual- quer coisa que não é de Deus.
Mas, pode perguntar-se, não é preciso fazer preparativos?
Devemo-nos sentar à mesa do Senhor com tanta indiferença como se nos sentássemos à mesa de uma ceia vulgar? Não, de certo; precisamos de preparação; mas esta preparação é de Deus e não a nossa própria preparação; é a preparação que convém à presença de Deus, a qual não é, certamente, o resultado de gemidos ou lágrimas de penitência, mas a consequência simples da obra consumada do Cordeiro de Deus e confirmada pelo Espírito Santo. Conhecendo isto mediante a fé, sabemos o que é que nos torna perfeitamente aptos para Deus.
Muitos pensam que honram a mesa do Senhor quando se aproximam dela com as suas almas curvadas até ao pó da terra sob o sentimento do peso insuportável dos seus pecados. Um tal pensamento só pode resultar do legalismo do coração humano, origem sempre fértil em pensamentos ao mesmo tem- po desonrosos para Deus e para a cruz de Cristo, injuriosos para o Espírito Santo e completamente perturbadores da nos- sa paz. Podemos estar certos que a honra e a pureza da mesa do Senhor são mais 'propriamente mantidas sempre que o SANGUE DE CRISTO se torna o ÚNICO direito de aproxi- mação do Que se a dor e a penitência humanas lhe forem acrescentadas. (É necessário lembrar que apesar do sangue de Cristo ser o único meio pelo qual o crente entra na presença de Deus, com santa ousadia, nunca é apresentado como elo ou centro da nossa união. Na verdade, é preciso para a alma redimida poder lembrar-se, no secreto da presença divina, que o sangue expiador de Jesus removeu para sempre o fardo do seu pecado. Contudo, o Espírito Santo só nos pode reunir para a Pessoa de Cristo ressuscitado e glorificado; o Qual, tendo derramado o sangue do concerto eterno, subiu ao Céu no poder de uma vida sem fim, à qual está inseparavelmente ligada a justiça divina. Portanto, Cristo vivo é o nosso centro e elo da nossa união. O sangue tendo sido assim oferecido a Deus por nós, reunimo-nos em volta da Cabeça ressuscitada e exaltada no Céu. "Eu, quando for levantado da terra, todos atrairei a Mim" (João 12:32).
Vemos no cálice da Ceia do Senhor o símbolo do sangue derramado; mas não nos reunimos em volta do cálice, nem do sangue; mas sim em redor dÁquele que o verteu. O sangue do Cordeiro removeu todos os obstáculos à nossa comunhão com Deus; e. como prova desse fato, o Espírito Santo veio para batizar os crentes na unidade do corpo e reuni-los em redor da Cabeça glorificada.
O vinho é o memorial de uma alma derramada pelo pecado; o pão o memorial de um corpo ferido pelo pecado. Porém, não nos reunimos ao redor de uma vida dada em sacrifício, nem de um corpo ferido, mas em redor de um Cristo vivo, que não morre mais, e Cujo corpo não pode ser ferido outra vez nem o sangue ser derramado de novo. Há nisto uma diferença que se toma de muita importância quando encarada em ligação com a disciplina da casa de Deus. Muitos estão prontos a julgar que quando alguém é posto fora ou recusado à comunhão fica-se na dúvida se existe ligação entre a sua alma e Cristo. Um simples momento de consideração deste ponto, à luz das Escrituras, bastará para provar. que não há lugar para tal dúvida. Se considerarmos o caso do "iníquo" de I Coríntios 5, vemos nele um que foi posto fora da comunhão da Igreja na terra, mas que, todavia, era cristão, como vulgarmente se diz. Portanto, não foi afastado por não ser cristão, essa questão nunca foi levantada, nem deve sê-lo seja em que circunstâncias for. Como podemos nós dizer se alguém está eternamente ligado a Cristo ou não? Porventura temos nós à nossa guarda o Livro da vida do Cordeiro? A disciplina da Igreja de Deus está fundada sobre o que nós podemos ou não saber? O homem de I Coríntios 5 estava eternamente ligado. Cristo ou não? A Igreja foi incumbida de investigar o caso? Suponhamos mesmo que podíamos ver o nome de alguém inscrito no livro da vida, isso não seria razão para o recebermos na assembléia, na terra, ou o conservamos nela. A Igreja tem a responsabilidade de se conservar pura na doutrina, pura na prática e nas suas ligações, e tudo isto com base no Cato de ser a Casa! de Deus. "Mui fiéis do os Teus testemunhos: a santidade convém a Tua CASA, Senhor para sempre" (Salmo 93:5). Quando alguém era separado "cortado" da congregação de Israel, era por não ser israelita? De modo nenhum: mas por causa de contaminação moral ou cerimonial que não podia ser permitida na Assembléia de Deus. No caso de Acã (Josué 7), não obstante haver seiscentas mil almas . que desconheciam o seu pecado, Deus disse, "Israel pecou". Porquê? Porque eram tidos como a Assembléia de Deus, e havia pecado nela, se não fosse julgado, tudo seria destruído.)
Contudo, a questão dos preparativos será tratado à medida que formos desenvolvendo o assunto. Quero, no entanto, frisar outro princípio ligado com a natureza da Ceia do Senhor, a saber, que existe o reconhecimento inteligente da unidade do corpo de Cristo em ligação com ela. "O pão que partimos não é porventura a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, sendo muitos, somos um só pão e um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão" (I Cor. 10:16, 17).
Havia faltas lamentáveis e séria confusão a este respeito em Corinto. Com efeito, o princípio da unidade da Igreja parece ter sido completamente perdido de vista em Corinto. Por isso, o apóstolo diz: " ... Quando vos ajuntais num lugar não é para comer a ceia do Senhor. Porque, comendo, cada um toma antecipadamente a sua própria ceia" (I Cor, 11:20,21). Havia separação e não unidade; era uma questão individual e não  corpôrea - a expressão "a sua própria ceia" é posta em contraste com "a ceia do Senhor".
Só pode ser a Ceia do Senhor se o corpo for plenamente reconhecido; onde o corpo não é reconhecido trata-se de sectarismo - o próprio Senhor é excluído.
Se a mesa for posta sobre qualquer princípio mais limitado do que aquele que abrange todo o corpo de Cristo, não é a mesa do Senhor, e não tem direitos alguns sobre os corações dos fiéis. Por outro lado, onde quer que a mesa for posta sobre o princípio divino de incluir todos os membros do corpo simplesmente como tais, todo aquele que recusar comparecer é culpado de cisma, e isto também segundo os princípios de I Coríntios 11:19: "E até importa que haja entre vós heresias, para que os que são sinceros se manifestem entre vós".
Quando o princípio da Igreja é desprezado por uma parte do corpo, é forçoso que haja heresias, para que os que são sinceros possam manifestar-se; e, nessas circunstancias, torna-se o dever de cada membro examinar-se a si próprio, e assim comer a ceia.
 
Os que são "sinceros" são postos em contraste com os heréticos, ou aqueles que faziam a sua própria vontade. (No original deste capítulo, a palavra traduzida por "sinceros" (versículo 19) vem da mesma raiz da frase traduzida por "examine-se a si mesmo" (versículo 28). Vemos assim que o homem que se examina a si mesmo toma o seu lugar entre os que são sinceros e é precisamente o contrário daqueles que estavam entre os heréticos. Ora o significado da palavra herético não é meramente aquele que professa falsas doutrinas, se bem que se possa ser herético fazendo-o, mas uma pessoa que persiste em fazer a sua própria vontade.
O apóstolo sabia que devia haver heresias em Corinto, visto que havia seitas; os que faziam a sua própria vontade procediam contra a vontade de Deus, e deste modo produziam divisões, porque a vontade de Deus referia-se a todo o corpo. Os que procediam hereticamente desprezavam a Igreja de Deus.) Mas, pode perguntar-se se as numerosas denominações existentes atualmente na Igreja professa não acabam com a idéia de jamais se conseguir a união de todo o corpo e se nessas condições não será melhor para cada denominação ter a sua própria mesa.
Se há algum valor nesta interrogação é apenas o de provar que o povo de Deus já não pode atuar segundo os princípios estabelecidos por Deus, mas que é deixado na miserável alternativa de proceder de acordo com a conveniência humana. Porém, graças a Deus que não é este o caso. A verdade de Deus permanece para sempre, e o que o Espírito Santo ensina em I Coríntios, capítulo 11, é ainda uma obrigação para cada membro da Igreja de Deus.
Havia divisões e heresias na Igreja de Corinto; precisamen- te como há divisões e heresias na Igreja professa. Mas o após- tolo não lhes disse que levantassem mesas separadas, nem mandou que deixassem de partir o pão. Não, ele apenas lhes faz sentir os princípios ligados com a Igreja de Deus, e recomenda aos que são sinceros quanto à Igreja, ou Corpo de Cristo, que comam. A expressão "assim coma" arruma o assunto.
Nós devemos comer, em todo o caso; devemos ter o cuida- do de comer como o Espírito Santo nos ensina - "assim coma"; isto é, em verdadeiro reconhecimento da unidade da Igreja de Deus.(Talvez seja conveniente acrescentarmos aqui uma ou duas palavras para orientação de algum crente sincero que possa encontrar-se em circunstâncias que o obriguem a decidir-se no meio da pretensão de mesas diferentes, aparentemente, postas sobre o mesmo princípio. Encorajar alguém a tomar uma decisão correta é, no meu pensar, um serviço valioso.
Suponhamos, portanto, que eu me encontrava numa localidade onde duas ou mais mesas haviam sido postas: que deveria fazer? Creio que deveria indagar a origem dessas diferentes mesas, a fim de descobrir como se tornou necessário ter mais do que uma mesa. Se, por exemplo, um grupo de crentes, que se reúne num mesmo local, tem consentido e retido entre eles princípios errôneos prejudiciais à Pessoa do Filho de Deus ou de ruína para a unidade da Igreja de Deus na terra; se, digo, tais princípios são permitidos e mantidos na assembléia, ou se as pessoas que os professam e ensinam forem recebidas e reconhecidas pela assembléia, em tais circunstâncias deploráveis e humilhantes, a mesa deixa de ser a mesa do Senhor. porque? Porque não posso tomar o meu lugar a essa mesa sem me identificar com princípios claramente anticristãos. Dá-se o mesmo caso, claro, se o caso for de conduta imoral sem ter sido julgado pela assembléia. E portanto, se a mesa deixa de ser do Senhor, não tem mais direitos sobre o cristão, que deseja manter-se a si próprio puro, do que qualquer outra mesa sectária.
Ora, se um grupo de cristãos se encontrasse nas circunstâncias acima descritas, deveriam ser convidados a manter A UNIDADE DA IGREJA NA PUREZA DA VERDADE DE DEUS. Estes são realmente os pontos importantes: unidade e pureza. Não somente temos de manter a graça da mesa do Senhor, como também a Sua santidade. A verdade não pode ser sacrificada para manter a união, nem a verdadeira unidade jamais será prejudicada pela defesa estrita da verdade. As alianças humanas podem falhar, porém a Igreja de Deus nunca poderá ser atingida pela defesa da verdade, desde que a verdade seja mantida em amor.
Não deve imaginar-se que a unidade do corpo de Cristo seja prejudicada quando uma comunidade baseada sobre princípios errôneos ou apoiando-se em doutrina ou práticas errôneas é destruída, desligada. Se a verdade de Deus for posta em dúvida por qualquer comunidade, e para ser membro dessa comunidade devo identificar-me com alguma doutrina errônea ou prática corrompida, então não pode ser cisma o fato de eu me separar de uma tal comunidade: pelo contrário, tenho o dever de me separar.
A questão é arrumada por um só versículo da Escritura,, a saber; " ... recebei-vos uns aos outros como também Cristo nos recebeu" (Rom.15:7). Aqui temos a unidade da Igreja. Mas deve ler para "glória de Deus", e nisto temos a pureza da verdade.
Espero que estes comentários sirvam de auxilio a qualquer crente que estiver perplexo perante os argumentos opostos de vários mesas. A questão pode ler simplesmente resolvida quando se tem uma mente simples e a consciência está sujeita' Palavra de Deus.)
Quando a Igreja é desprezada o Espírito deve sentir-Se entristecido e desonrado, e o fim será, inevitavelmente, esterilidade espiritual e formalismo; e embora os homens substituam o poder espiritual pelo intelectual e os dons do Espírito Santo pelos talentos humanos, o fim será "como a tamargueira no deserto" (Jer. 17:6).
O verdadeiro modo de fazer progresso na vida espiritual é viver para a Igreja e não para nós mesmos. O homem que vive para a Igreja está de completo acordo com a mente do Espíri- to Santo, e deve, necessariamente, crescer. Pelo contrário, O homem que vive para si próprio, tendo os seus pensamentos e a sua energia concentrados na sua pessoa, torna-se, rapida- mente, formal e abertamente mundano e será embaraçado. Sim, mundano no sentido exato da palavra, porque o mundo e a Igreja encontram-se em oposição direta; nem mesmo existe aspecto algum do mundo em que esta oposição se manifeste tão claramente como no seu aspecto religioso. Aquilo que é vulgarmente chamado o mundo religioso, quando visto à luz da presença de Deus, mostra-se mais hostil aos verdadeiros inte- resses da Igreja de Deus do que coisa alguma mais.
Mas, antes de passar a outro aspecto do assunto, desejo fri- sar mais um principio ligado com a Ceia do Senhor, e para o qual quero chamar especialmente a atenção do leitor, a saber: a celebração da Ceia do Senhor deveria ser a expressão da união de TODOS os crentes e não apenas da união de um determinado número reunido sobre determinados princípios que os distinguem dos outros.
Se houver qualquer fundamento de comunhão a não ser o da fé no sacrifício de Cristo e uma conduta consistente com essa fé; a mesa deixa de ser do Senhor para se tornar na mesa de uma seita e não tem direitos alguns sobre os corações dos fiéis.
Além 'disso. se, assentando-me à mesa, tenho que reconhe- cer qualquer coisa, quer seja um princípio, quer seja uma prática, que não seja ordenada na Escritura Sagrada como meio de comunhão, nesse caso a mesa deixa, também, de ser do Senhor e torna-se na mesa de uma seita. Não é urna questão de saber se ali estão cristãos ou não; na verdade seria difícil encontrar uma mesa entre as chamadas igrejas reformadas da qual não participassem alguns cristãos. O apóstolo não disse, "Importa que haja entre vós heresias para que os são cristãos se manifestem entre vós". Não, mas "para que os que silo sin- ceros«, se manifestem". Tão-pouco disse, "Examine-se, pois, o homem se é cristão, e assim coma". Não mas "examine-se, pois, o homem a si mesmo". Quer dizer, certifique-se que é um dos que não somente são retos em suas consciências quanto à sua participação da ceia, mas que reconhecem também a unidade do corpo de Cristo.
Quando os homens estabelecem princípios de comunhão propriamente seus, lançam a base da heresia; e seguem-se também cismas.
Pelo contrário, onde a mesa é posta de maneira e segundo princípios que um cristão pode, como tal, tomar o seu lugar, toma-se cisma não comparecer; porque com a nossa presença e andando de acordo com a posição que ali tomamos e a profissão que fazemos, tanto quanto está em n6s, promovemos a unidade da Igreja de Deus - o grande objetivo com que o Espírito Santo foi enviado do céu à terra.
O Senhor Jesus, tendo ressuscitado de entre os mortos e tomado o Seu lugar à destra de Deus, enviou o Espírito Santo ao mundo com o propósito de formar um corpo. Note-se que foi para formar um corpo - e não muitos corpos. O Senhor não tem interesse por muitos corpos; apesar de ter compaixão de muitos membros desses corpos; porque, sendo membros de seitas ou divisões, são, todavia, membros do único corpo: po- rém, Ele não habita nos muitos corpos, mas somente no único corpo, "pois que todos n6s fomos batizados em um Espírito formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito" (I Cor. 12:13).
Espero que não haja mal entendido quanto a este ponto. O Espírito Santo não pode habitar nas divisões da igreja profes- sa; porque Ele Mesmo, por intermédio de Paulo, disse delas: "nisto não vos louvo" (I Cor. 11: 17). Ele é entristecido por elas - e gostaria de as impedir -; batizou todos os crentes na unidade de um corpo, de maneira que não pode ser admitido por qualquer pessoa inteligente que o Espírito Santo possa habitar nas divisões que são uma tristeza para Si.
Todavia, devemos fazer distinção entre o Espírito habitar na Igreja e nos crentes, individualmente. Habita no corpo de Cristo, que é a Igreja (veja-se I Cor. 3:17; Efé. 2:22) e também no corpo do crente, como lemos, " ... 0 nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus" (I Cor. 6:19). O único corpo ou comunidade; portanto, no qual o Espírito Santo pode habitar é toda a Igreja de Deus, e a única pessoa em quem pode habitar é o crente.
Como vimos já, a mesa do Senhor, em qualquer localidade, deveria ser a expressão da unidade de toda a Igreja e onde quer que assim não for não é a mesa do Senhor.
A Ceia do Senhor é um ato mediante o qual não só anun- ciamos a morte do Senhor até que venha, como um ato me- diante o qual damos expressão a uma verdade fundamental, que nunca é demais frisar, na época atual, isto é, que todos os crentes são "um só pão e um só corpo". É um erro vulgar julgar esta ordenação simplesmente como um meio pelo qual é transmitida graça à alma do comungante e não como um ato rela- cionado com todo o corpo; e relacionado, também, com a Cabeça da Igreja. Que é um meio pelo qual é transmitida gra- ça à alma do comungante não pode haver dúvida, porque há bênção em cada ato de obediência. Mas que a bênção indivi- dual é apenas uma pequena parte, verifica-se pela leitura cui- dadosa de I Coríntios, capítulo 11.
A morte do Senhor e a Sua vinda são apresentadas com proeminência perante as nossas almas na Ceia do Senhor; e onde quer um ou outro destes princípios for excluído deve ha- ver alguma coisa que não está bem.
Se houver alguma coisa que impeça a manifestação completa da morte do Senhor ou a exposição da unidade do corpo ou a compreensão clara da vinda do Senhor, então deve haver algama coisa que está inteiramente errada no princípio sobre o quâl a mesa é posta, e bastará um simples olhar da mente sub- missa à Palavra de Deus e ao Espírito de Cristo para poder detectar o mal.
Que o leitor não deixe, agora, de examinar, no espírito de oração, a mesa a que habitualmente toma o seu lugar, para ver se ela tem o significado tríplice de I Coríntios 11; e se não tiver deve abandoná-la, em nome do Senhor e por amor da Igreja.
Há heresias e cismas devido a heresias na igreja professa, mas "examine-se o homem a si mesmo, e assim coma" a Ceia do Senhor; e se, de uma vez para sempre, alguém perguntar qual é O significado do termo "sinceros", pode responder-se que é, em primeiro lugar, ser-se fiel ao Senhor no ato de par- tir o pão; e, em segundo lugar,libertarmo-nos de toda a apa- rência de cisma e tomar a nossa posição firme e decididamente sobre o princípio que abrange todos os membros do rebanho de Cristo. Não só devemos ter o cuidado de andar em pureza de coração e vida perante o Senhor mas também de ver que a mesa de que participamos não tem nada em ligação com ela que possa apresentar um impedimento à unidade da Igreja. Não se trata simplesmente de uma questão pessoal.
Não há nada que prove cabalmente o declínio da Cristan- dade, nestes dias, ou a grande tristeza do Espírito Santo, co- mo o egoísmo miserável que mancha - sim, que polui - 0s pensamentos dos cristãos professos. Tudo gira à volta da me- ra questão do ego é o meu perdão, a minha segurança, a minha paz, as minhas idéias, e os meus pensamentos; e não a glória de Cristo ou a unidade da Sua amada Igreja.
Daí a necessidade de apropriarmos ao nosso estado as palavras do profeta Ageu: "Assim diz o Senhor dos exércitos:
Aplicai os vossos corações aos vossos caminhos. Subi ao mon- te e trazei madeira e EDIFICAI A CASA, e dela me agradarei; e EU SEREI GLORIFICADO. Olhaste para muito, mas eis que alcançastes pouco; e esse pouco, quando o trouxestes para casa, eu lhe assoprei. Por que causa? disse o Senhor dos Exércitos; por causa da minha casa, que está deserta, e cada um de vós corre à sua própria casa" (Ageu 1:7 a 9). Eis aqui a origem do mal. O ego encontra-se em contraste com a casa de Deus, e se a personalidade for o nosso alvo, não é de admirar que haja falta de gozo, de energia e de poder espiritual. Para possuirmos estas coisas temos de estar em comunhão com os pensamentos do Espírito: Ele pensa no corpo de Cristo; e se nós estivermos pensando em nós próprios,.estamos tacitamente em desacordo com Ele; as conseqüências são intuitivas.
 
AS CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE FOI INSTITUÍDA
A CEIA DO SENHOR
 
O Senhor Jesus ia entrar em luta terrível com todos os po- deres das trevas; ia enfrentar toda a hostilidade implacável do homem e esgotar até ao fim o cálice da ira de Deus contra o pecado. Tinha diante de Si uma manhã terrível- a mais terrívelque jamais surpreendeu qualquer anjo ou ente humano; to- davia, a despeito de tudo, lemos que "na noite em que foi traído tomou o pão."
Que amor desinteressado!
"A noite em que foi traído"! Noite de grande dor; noite de agonia e de suor de sangue - a noite em que foi traído por um, negado por outro e abandonado por todos os discípulos. Nessa mesma noite o coração amantíssimo de Jesus pensou na Sua Igreja; foi nessa noite que Ele instituiu a ordenação da Ceia: determinou que o pão fosse símbolo do Seu corpo feri- do e o vinho o emblema do Seu sangue derramado; e é o que são para nós, todas as vezes que deles participamos, " ... todas as vezes que comerdes este pão, e beberdes este cálice, anuociais a morte do Senhor, até que venha" (I Cor. 11:26).
Podemos dizer que tudo isto dá importância especial e san- ta solenidade à Ceia do Senhor e ajuda-nos, além disso, a com- preender as conseqüências de comermos e bebermos dela indignamente. (É vulgar empregar-se o termo "indignamente", nesta passagem, a pessoas que celebram a Ceia, ao passo que essa palavra se refere à maneira de celebrá-la. O apóstolo nunca pensou por em dúvida o cristianismo doe coríntios; pelo contrário, no prefácio da sua epístola, trata-os como "à Igreja de Deus, que está em Corinto .. .santificados em Cristo Jesus, chamados (- ou por chamada -) santos". Como poderia ele ter usado esta linguagem no primeiro capítulo, e, no capítulo onze, por em dúvida a dignidade desses mesmos santos para poderem estar à mesa do Senhor? Era impossível! Considerava-os como santos e exortou-os a celebrarem a Ceia do Senhor, nessa qualidade, de uma maneira digna. A questão de se encontrarem entre eles cristãos que não fossem verdadeiros nunca foi levantada. De modo que é de todo impossível que a palavra "indignamente" possa ser aplicada a pessoas. A sua aplicação diz respeito unicamente à maneira de celebrar a ceia. As pessoas eram dignas mas a maneira como o faziam não o era! e foram convidadas, na sua qualidade de santos, a julgarem-se a si mesmos quanto ao leu modo de proceder, de contrário o Senhor poderia julgá-los nas suas pessoas, como era já o caso de alguns. Em resumo: foram convidados como verdadeiros cristãos a julgarem-se a si mesmos. Se tivessem dúvidas em o fazer, eram incapazes de julgar o que quer que fosse.
Um pai nunca pensaria convidar o filho a decidir se era se filho ou não; mas espera que ele preste atenção à maneira como se conduz, de contrário, se o não fizer, poderá ter que fazer por meio de castigo aquilo que ele devia ter feito por disciplina própria. É por ser seu filho que o pai não consente que ele se assente à sua mesa com a roupa suja e maneiras impróprias.)
 
A linguagem desta ordenação será sempre a mesma para o espírito esclarecido. O pão e o vinho são elementos de profundo significado: o trigo moído e a uva esmagada combinam-se para dar forças e alegria ao coração; e não são apenas significativos em si como são também os próprios emblemas que o bendito Senhor ordenou na noite anterior à Sua crucificação.
De modo que a fé pode ver o Senhor Jesus presidindo à Sua mesa - pode vê-LO tomar o pão e o vinho e ouvi-LO dizer do pão: "Tomai, comei, isto é o meu corpo". E do cálice:"bebei dele todos; porque isto é o meu sangue, o sangue do Novo Testamento, que é derramado por muitos, para remissão dos pe- cados" (Mat. 26:26 a 28).
Numa palavra: esta ordenação reconduz a alma a essa noi- te - mostra-nos toda a realidade da cruz e a paixão do Cor- deiro de Deus, em que as nossas almas podem descansar e regozijar-se; lembra-nos, da forma mais tocante, o amor desin- teressado e o verdadeiro afeto dÁquele que, quando O calvário projetava a sua sombra no Seu caminho, e o cálice da jus- tiça de Deus contra o pecado, do qual ia ser a vítima de expiação, estava sendo cheio para Si, podia contudo ocupar-Se de nós e instituir uma festa..que havia de ser ao mesmo tempo a expressão da nossa união com Ele e com todos os membros do Seu corpo.
 
E não devemos nós concluir que o Espírito Santo fez uso da expressão lia noite em que foi traido" com o propósito de remediar os males que se haviam levantado na igreja de Corinto? Não havia uma repreensão severa feita ao egoísmo daqueles que tomavam lia sua própria ceia" na referência que o Espírito fez à noite em que o Senhor da festa foi traído? Sem dúvida.
Poderá o egoísmo prevalecer à vista da cruz? Poderão os pensamentos acerca dos nossos próprios interesses ou das nos- sas conveniências ser permitidos na presença dÁquele que Se sacrificou por nós? Certamente que não. Poderíamos nóS des- prezar propositada e desapiedadamente a Igreja de Deus? Po- deríamos nós ofender ou excluir membros amados do rebanho de Cristo, enquanto olhássemos para essa cruz, onde o Pastor do rebanho e Cabeça do Corpo foi crucificado? (O leitor há de notar que o texto não toca no assunto da disciplina escritural. Pode haver muitos membros do rebanho de Cristo que não possam ser recebidos na assembléia, por estarem, possivelmente, contaminados por doutrinas falsas ou práticas errôneas, Porém, embora não os possamos receber, não levantamos, de modo nenhum, a questão de estarem inscritos no livro da vida do Cordeiro. Este assunto não ~ da competência nem prerrogativa da Igreja de Deus. "O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniqüidade" (11 Tim, 2:19).)  Ah, não! Deixai que os crentes permaneçam perto da cruz - que se lembrem dessa noite - e tenham em mente o corpo ferido e o sangue derramado do Senhor Jesus Cristo, e o fim da heresia, dos cismas e do egoísmo estará perto.
Se ao menos nos lembrássemos que o Próprio Senhor é Quem preside à Sua mesa, para dar o pão e o vinho; se pudéssemos ouvi-LO dizer, "tomai isto e dividi-o entre vós", poderíamos facilmente encontrar todos os nossos irmãos no único terreno de comunhão que Deus pode reconhecer. Em suma, a pessoa de Cristo é o centro de união, dado por Deus. "Eu", disse o Senhor, "quando for levantado da terra todos atrairei a mim" (João 12:32).
Todo o crente pode ouvir o seu bendito Senhor falando desde a cruz e dizer dos seus conservos, "eis ai os teus irmãos"; e na realidade, se nós pudéssemos ouvir estas palavras claramente procederíamos, de qualquer modo, como O discípulo amado fez com a mãe de Jesus - os nosso corações e as portas das nossas casas estariam sempre abertos a todos os que assim foram entregues aos nossos cuidados. A Palavra de Deus diz: " ... recebei-vos uns aos outros, como também Cristo nos recebeu" (Rom. 15:7).
Existe outro ponto digno de atenção ligado com as circuns- tâncias em que foi instituída a Ceia do Senhor, a saber: a sua ligação com a Páscoa judaica. "Chegou, porém, o dia dos asmos, em que importava sacrificar a Páscoa. E mandou a Pedro e a João, dizendo: (de, preparai-nos a Páscoa, para que a comamos. E, chegada a hora, pôs-se à mesa, e com Ele os doze apóstolos, e disse-lhes: desejei muito comer convosco esta páscoa, antes que padeça; porque vos digo que não a comerei mais até que ela se cumpra no reino de Deus. E tomando o cálice (o cálice da Páscoa), e havendo dado graças, disse: tomai-o e reparti-o entre vós; porque vos digo que já não beberei do fruto da vide, até que venha o reino de Deus" (Luc.22:7-18).
A Páscoa era, como sabemos, a grande festa de Israel, que foi celebrada pela primeira vez na noite inesquecível da sua libertação da escravidão do Egito.
 
Quanto à sua ligação com a Ceia do Senhor consiste em ser o símbolo notável daquilo que a ceia é o memorial. A Páscoa prefigurava a cruz; a ceia rememora a cruz.
Porém Israel já não estava em condições morais para cele- brar a Páscoa segundo os pensamentos de Deus acerca dela, e o Senhor Jesus, naquela ocasião, separou os Seus apóstolos de todo o elemento judaico para um nova ordem de coisas. Não devia ser mais um cordeiro sacrificado, mas pão partido e vinho bebido em recordação de um sacrifício oferecido UMA vez, e cuja eficácia havia de ser eterna.
Os que ainda se ocupam com os ritos judaicos podem procurar, de uma maneira ou de outra, as repetições periódicas de um sacrifício ou de alguma coisa que os aproxime mais de Deus. ( Na instituição da Ceia do Senhor, conforme a descrição no Novo Testamento, vemos o pão partido e o vinho despejado: símbolos de um corpo ferido e do sangue derramado. O vinho não está no pão porque o sangue não está no corpo, porque se assim fosse não haveria "remissão". Em resumo: a Ceia do Senhor 6 o memorial distinto de um sacrifício eternamente consumado; e ninguém pode participar dele com inteligência e poder senão aqueles que conhecem a plena remissão dos pecados. Não é que nós, de modo algum, façamos do conhecimento do perdão um termo de comunhão, porque muitos filhos de Deus, devido a ensino errôneo e outra causas, não conhecem a perfeita remissão dos pecados, e se fossem excluídos com base nesse fato, seria fazer do conhecimento um termo de comunhão, em vez de vida e obediência. Contudo, se eu não souber, por experiência, que a redenção é um fato consumado, verei muito pouco significado nos símbolos do pão e o vinho; e, além disso, corro , então, grande perigo de ligar uma espécie de eficácia ao memorial que pertence somente à grande realidade que simboliza.)
 
Alguns pensam que na Ceia do Senhor a alma faz ou renova um concerto com Deus, desconhecendo que se tivéssemos que fazer um pacto com Deus seríamos inevitavelmente arruinados: visto que os únicos resultados possíveis de um pacto entre Deus e os homens são a quebra de uma das partes contratantes (o homem) e o consequente juízo.
Graças a Deus que não existe nada que se pareça com um pacto entre Deus e nós.
O pão e o vinho, na ceia, falam uma verdade profunda e ma- ravilhosa: falam do corpo ferido e do sangue derramado do Cordeiro de Deus. É aqui que a alma pode descansar com perfeito agrado; por conseguinte, é O NOVO TESTAMENTO NO SANGUE DE CRISTO, e não um pacto entre Deus e o homem. O concerto do homem tinha falhado estrondosamen- te, e o Senhor Jesus teve que deixar passar por Si o cálice do fruto da vide (símbolo do gozo na terra). O mundo não teve gozo para Si - Israel tornara-se uma haste de uma videira bra- va. Por conseguinte, Ele teve que dizer: " ... Não beberei mais do fruto da vide até àquele dia em que o beber novo no reino de Deus" (Mar. 14:25). Uma época longa e dolorosa tinha que seguir-se para o povo de Israel antes que o seu Rei pudesse achar algum gozo na sua condição moral. Porém durante esta época a "Igreja de Deus" devia fazer a festa dos asmos com to- do o seu significado e poder moral, pondo de lado "o fermento da malícia" (I Cor. 5:8) como resultado da comunhão com Aquele cujo sangue purifica de todo o pecado.
Porém, o fato de a Ceia do Senhor ter sido instituída logo a seguir à celebração da Páscoa ensina-nos um princípio precio- so da verdade, a saber, os destinos da Igreja e de Israel estão inseparavelmente ligados com a cruz do Senhor Jesus Cristo. É verdade que a Igreja tem um lugar mais elevado, pois está perfeitamente identificada com a Cabeça ressuscitada e glori- ficada no céu; todavia, tudo se baseia na cruz. Sim, foi na cruz que o puro gérmen de trigo foi moído e o sumo do fruto da videira espremido pela mão de Deus, para dar forças e alegria aos corações do Seu povo celestial e terrestre, para todo o sempre.
O Príncipe da Vida tomou das mãos de Deus o cálice da ira - cálice de horror - e bebeu-o até o fim, a fim de poder co- locar nas mãos do Seu povo o cálice da salvação - cálice do amor inefável de Deus, para que eles pudessem beber dele e esquecer a sua pobreza e da sua miséria não se lembrarem mais.
A Ceia do Senhor quer dizer tudo isto. Quem preside é o próprio Senhor; os remidos devem reunir-se em santa comu- nhão e amor fraternal para comerem e beberem na Sua pre- sença; e enquanto fazem isto podem volver os olhos para a noite de profunda angústia do seu Senhor e antever o dia da Sua glória - essa "manhã sem nuvens", quando Ele "vier pa- ra ser glorificado nos Seus santos, e para se fazer admirável, naquele dia em todos os que crêem" (11 Tessa. 1:10).
 
AS PESSOAS PARA QUEM
SOMENTE FOI INSTITUÍDA A CEIA DO SENHOR
 
A Ceia do Senhor foi instituída para a Igreja de Deus - a família dos remidos. Todos os membros da família devem es- tar presentes na Ceia, porque ninguém pode estar ausente sem incorrer na culpa de desobediência ao mandamento de Cristo e do Seu apóstolo inspirado; e as conseqüências desta desobe- diência serão o declínio espiritual e um fracasso completo no testemunho de Cristo. Contudo, tais conseqüências só poderão resultar de ausência deliberada à mesa do Senhor. Existem circunstâncias que, em certos casos, podem representar um obstáculo, embora possa haver o mais ardente desejo de se estar presente na celebração da Ceia; o que, aliás, acontecerá sempre com todo o crente espiritual..
Todavia, podemos estabelecer como princípio indiscutível da verdade que ninguém que se ausente voluntariamente da mesa do Senhor pode fazer progresso na vida espiritual - "TODA a congregação de Israel" era convidada a celebrar a Páscoa (Êxodo 12). Nenhum membro da congregação podia ausentar-se impunemente. - "Quando um homem for limpo e não estiver de caminho e deixar de celebrar a Páscoa, tal al- ma dos seus povos será estirpada: porquanto não ofereceu a oferta ao Senhor a seu tempo; tal alma levará o seu pecado" (Núm.9:13).
Julgo que seria prestar realmente um valioso serviço 1 cau- sa da verdade e promover os interesses da Igreja de Deus se pudéssemos despertar interesse por assunto tão importante. Há muita indiferença e banalidade por parte de muitos cris- tios, quanto ao assunto da sua freqüência à mesa do Senhor, e onde não existe essa indiferença há a má vontade devido a opiniões imperfeitas de justificação. Tanto um como o outro destes impedimentos, embora tão diferentes no seu caráter, derivam de uma e mesma origem, a saber: o egoísmo.
Todo aquele que é indiferente quanto a este assunto deixará, egoisticamente, que circunstâncias insignificantes interfiram com a sua freqüência a Ceia do Senhor; será impedido por conveniências de família, comodidade pessoal, as condições do tempo, ou, como acontece freqüentemente, complicações físicas imaginárias; coisas, aliás, que passam despercebidas ou não têm importância alguma, quando se trata de alcançar qualquer interesse próprio.
Quantas vezes acontece, pessoas que não têm forças espiri- tuais que as levem a deixar as suas casas no dia do Senhor te- rem, contudo, forças bastantes para se transportarem, na segunda-feira, às suas ocupações seculares. Como isto é, infe- lizmente, verdade! Como é triste pensarmos que os interesses materiais exercem uma influência mais poderosa no coração do crente que a glória de Cristo e os interesses da Igreja; pois é este o modo como devemos encarar a questão da Ceia do Senhor.
Quais seriam os nossos sentimentos, na glória do reino vindouro, se nos pudéssemos lembrar que, no mundo, um mercado, um arraial, ou qualquer outro atrativo mundano tinha ocupado o nosso tempo e as nossas energias, enquanto a reu- nião do povo do Senhor, em redor da mesa, fora menosprezada?
Se o leitor tem o hábito de se ausentar da assembléia dos crentes, rogo-lhe que pondere o assunto diante do Senhor, antes de o fazer outra vez. Pense em todos os efeitos desastrosos da sua ausência. Está fracassando no seu testemunho por Cristo e prejudicando as almas dos seus irmãos: e impede o nrogresso da sua própria alma em graça e conhecimento! Não julgue que a sua atitude não tem a sua própria influência sobre a Igreja de Deus: neste próprio momento está ajudando ou prejudicando cada membro desse corpo sobre a terra - "Se um membro padece, todos os membros padecem com ele" (I Cor. 12:26). Este princípio não deixou de ser verdadeiro, apesar de os crentes professos se terem dividido em tantas seitas diferen- tes. Antes pelo contrário, é verdade divina que não existe um crente sequer na terra que não esteja sendo um auxilio ou um estorvo para todo o corpo de Cristo: e se há alguma verdade no princípio já apontado (que a assembléia dos cristãos, e o partir do pão, em qualquer localidade são, ou deviam ser, a expressão da unidade de todo o corpo), não pode deixar de reconhecer-se que a sua ausência nessa assembléia ou recusa em mostrar essa união, está causando grave prejuízo a todos os eus irmãos, bem como à sua própria alma.
Quero deixar estes comentários entregues à sua consciên- cia. em nome do Senhor, esperando que Ele os tome convin- centes.(8. Eu só posso sentir-me obrigado a comparecer na reunião se os crentes se reunirem segundo os princípios da Assembléia, isto é, os princípios expostos no Novo Testamento. Os crentes podem reunir-se e intitularem-se a Igreja de Deus em qualquer localidade, mas se não mostrarem os característicos e princípios da Igreja de Deus, como nos são apresentados nas Sagradas Escrituras, não podemos reconhecê-los, Se recusarem ou lhes faltar o poder espiritual para julgar o mundanismo, a carnalidade, ou falsas doutrinas, e evidente que não se encontram sobre os princípios da Igreja: são meramente uma comunidade religiosa, e, DO seu caráter coletivo, não tenho responsabilidade alguma, perante Deus, de a reconhecer. Por isso, o crente necessita de muito poder espiritual obediência à Palavra de Deus para poder conduzir-se de todos 01 enredos da igreja professa, nestes dias difíceis.)
Porém, esta indiferença condenável e prejudicial de espírito não representa o único impedimento para muitos se apre- sentarem à mesa do Senhor; há opiniões imperfeitas de justificação, que produzem o mesmo efeito. Se a consciência não se sentir perfeitamente purificada, se não houver perfeita paz no testemunho que Deus dá acerca da obra expiatória de Cristo, haverá indiferença pela Ceia do Senhor ou leviandade na sua celebração. Só podem anunciar a morte do Senhor os que conhecem, mediante o ensino do Espírito Santo, o valor da morte do Senhor. Se considerar-mos esta ordenação como um meio de nos aproximarmos mais de Deus ou de obtermos um conhecimento mais perfeito da nossa aceitação, é impossível podermos celebrá-la convenientemente. Devemos crer, como o Evangelho nos manda crer, que TODOS os nossos pe- cados foram tirados para SEMPRE, antes de podermos tomar o nosso lugar à mesa do Senhor' com alguma medida de inteligência espiritual. Se o assunto não for encarado à luz deste conhecimento, a Ceia do Senhor SÓ poderá ser considerada como se fosse mais um passo na subida para o altar de Deus, e a Lei diz-nos que não podemos subir por degraus para o altar de Deus, não seja o caso de ser descoberta a nossa nudez (Êxodo 20:26), cujo significado é que todos os esforços humanos para chegar à presença de Deus devem ter como resulta- do a descoberta da nudez humana.
Vemos assim que se for a indiferença que impede o crente de estar na reunião do partir do pão, é condenável aos olhos de Deus e prejudicial tanto para os seus irmãos como para si próprio; e se o impedimento for um conhecimento imperfeito de justificação, não somente é inaceitável, como desonroso pa- ra o amor do Pai, a obra do Filho e o testemunho claro e ine- quívoco do Espírito Santo.
Mas é dito com freqüência, até mesmo por aqueles que tem fama de ser espirituais e inteligentes, "não tenho proveito espiritual com as reuniões e sinto-me mais feliz em casa, lendo a Bíblia".
Gostaria de perguntar a essas pessoas se não devemos ter um motivo mais nobre na nossa maneira de proceder do que a nossa felicidade. Não será a obediência ao mandato do ben- dito Senhor - dado "na noite em que foi traído" - um motivo muito mais nobre que qualquer coisa que nos diga respeito? Se Ele deseja que o Seu povo se reúna em Seu nome, para o fim expresso de anunciar a Sua morte até que venha, devemos nós recusar fazê-lo por nos sentirmos mais felizes em nossas casas? O Senhor diz-nos para estarmos à mesa; nós responde- mos: "sentimo-nos mais felizes em casa"; portanto, a nossa felicidade deve ser baseada na desobediência, e, nesse caso, é uma felicidade impura. É muito melhor, se tiver de ser assim, sermos infelizes no caminho da obediência do que sermos felizes no caminho da desobediência.
Todavia, eu creio que a idéia de ser mais feliz em casa é me- ra ilusão, e o fim de todos que são iludidos por ela confirmará este parecer.
Tomé podia ter pensado que era indiferente estar presente com os outros discípulos, mas teve que passar sem a presença do Senhor e esperar oito dias, até que os discípulos se reunissem no primeiro dia da semana, e então ali o Senhor revelou-Se à sua alma; e o mesmo acontecerá com aqueles que dizem que se sentem mais felizes em casa do que na assembléia dos crentes: ficarão indubitavelmente para trás em conhecimento e experiência; e poderão dar-se por felizes se não forem incluí- dos na maldição anunciada pelo profeta, "Ai do pastor inútil que abandona o rebanho; a espada cairá sobre o seu braço e sobre o seu olho direito; o seu braço completamente se secará e." seu olho direito completamente escurecerá" (Zacarias. 11:17). E também, "Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros, e, tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia.
Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados mas uma certa expectação horrível de juízo e ardor de fogo, que há de devorar os adversários" (Heb. 10:25-27)
Quanto à objeção que se faz com fundamento na falta de proveito nas assembléias dos cristãos, podemos dizer que a maior improdutividade espiritual será sempre encontrada num espírito contencioso e insatisfeito: e não duvido que se aqueles que se queixam da falta de proveito das reuniões, e ti- ram daí o argumento para ficarem em suas casas, gastassem mais tempo na presença do Senhor, em oração, pela bênção das reuniões, teriam uma experiência muito diferente.
 
AS PESSOAS QUE NÃO DEVEM
PARTICIPAR DA CEIA DO SENHOR
 
Quem não pertence à verdadeira, Igreja de Deus não deve estar à mesa. A mesma lei que mandava toda "a congregação de Israel celebrar a páscoa, mandava que nenhum estranho incircunciso participasse dela. E agora que Cristo a nossa Páscoa foi sacrificado por n6s, ninguém pode celebrar a festa, que deve continuar durante toda esta dispensação, nem partir o pão ou beber o vinho em verdadeira recordação do Senhor, se- não os que conhecem o poder purificador do Seu precioso sangue. Comer e beber sem este conhecimento, é comer e beber indignamente - comer e beber para condenação, como a mulher de quem se fala em Números, 5, que bebeu da água amarga para tomar a condenação mais real e terrivelmente solene.
Ora, é nisto que a culpa da Cristandade é particularmente manifestada: tomando a Ceia do Senhor, a igreja professa tem, à semelhança de Judas, metido a mão na mesa com Cristo e traiu-O -tem comido com Ele, e, ao mesmo tempo, levantado o seu calcanhar contra Ele. Qual será o seu fim? Será igual ao de Judas. "E tendo Judas tomado o bocado, saiu logo". E o Es- pírito Santo acrescenta com terrível solenidade - "E ERA JÁ NOITE" (João 13:30). Que terrível noite! A maior prova do amor de Deus apenas ocasionou a prova mais dura do ódio hu- mano. Assim acontecerá também com a igreja professa cole- tivamente e todo o falso crente individualmente; e todos aqueles que, embora batizados em nome de Cristo, e assentan- do-se à mesa de Cristo, têm, todavia, sido Seus traidores, en- contrar-se-ão, por fim, lançados nas trevas exteriores _ mergulhados numa noite que nunca verá os alvores do dia - atirados para um abismo de lamentações intermináveis e inexprimíveis; e embora possam dizer ao Senhor: "Temos comido e bebido na tua presença, e tu nos tens ensinado nas ruas" (Luc.13:26), a Sua resposta, de partir o coração, será, enquan- to lhes fechar a porta, "Digo-vos que não sei de onde vós sois; apartai-vos de mim" (Luc. 13:27).
Prezado leitor, pondera estas coisas; e se ainda estás nos teus pecados, não contamines a mesa do Senhor com a tua pre- sença; mas, em vez de ires ali como hipócrita, dirige-te ao Cal- vário, como pecador arruinado e culpado, e recebe ali o perdão e a purificação dos teus pecados diretamente dÁque- le que morreu para salvar pecadores como tu.
 
A OCASIÃO E A MANEIRA DE
CELEBRAR A CEIA DO SENHOR
 
Embora a Ceia do Senhor não fosse instituída no primeiro dia da semana, os capítulos 24 de Lucas e 20 de Atos bastam para demonstrar, a todo aquele que se submete à Palavra de Deus, que é esse o dia, especialmente, em que a ceia deve ser celebrada. O Senhor partiu o pão com os discípulos "no primeiro dia da semana" (Luc. 24:30); e "no primeiro dia da semana" os discípulos reuniram-se para partir o pão (Atos 20:7). Estas passagens são suficientes para provar que não é uma vez por mês, nem uma vez em três meses, nem tampouco uma vez em seis meses, que os discípulos devem reunir-se para o partir do pão, mas uma vez por semana, pelo menos, e essa no primeiro dia. Não temos qualquer dificuldade em ver que há uma moral apropriada no primeiro dia da semana para a celebração da Ceia do Senhor: é o dia da ressurreição - o dia da Igreja, em contraste com o sétimo dia, que era o dia de Israel; e da mesma forma que na instituição da ceia, o Senhor separou os Seus discípulos inteiramente das coisas Judaicas, recusando-se a beber do fruto da vide, e então instituindo outra ordenação, também, no dia em que essa ordenação deve ser celebrada, nós observamos o mesmo contraste entre as coisas celestiais e terrestres. É no poder da ressurreição que pode- mos propriamente anunciar a morte do Senhor. Quando o conflito terminou, Melquisedeque trouxe pão e vinho e abençoou Abraão em nome do Senhor. Assim aconteceu com o Senhor: quando findou a luta e a vitória foi ganha veio da ressurreição com pão e vinho para fortalecer e animar os corações do Seu Povo, e dar-lhes aquela paz que havia adquirido à custa de um tão elevado preço.
Se, portanto, o primeiro dia da semana é o dia indicado nas Escrituras para os discípulos partirem o pão, é claro que o ho- mem não tem poder para alterar o período para uma vez por mês ou uma vez em seis meses. Devemos obedecer tanto ao que a Escritura diz acerca do dia de celebrar a Ceia como com respeito a qualquer outro ponto relacionado com ela. Não há dúvida que, quando as afeições para com o Senhor são verda- deiras e fervorosas, o cristão desejará anunciar a morte do Senhor tão freqüentemente quanto lhe for possível. Na verdade, quer-nos parecer, pela leitura do livro de Atos, que os discípulos partiam o pão todas as vezes que se reuniam. Podemos deduzir esta conclusão da frase, "e partindo o pão em casa". Contudo não temos necessidade de depender da mera inferência quanto à questão do primeiro dia da semana ser o dia em que os discípulos se reuniam para partir o pão - isto é-nos dito claramente, e vemos a sua adaptação moral.
Quero dizer agora um ou duas palavras quanto ao modo de celebrar a Ceia. Deveria ser o fim principal dos cristãos mos- trar que o partir do pão é o motivo principal por que se reú- nem no primeiro dia da semana. Deveriam mostrar que não é para a pregação ou ensino que se reúnem, se bem que o ensi- no possa ser um complemento feliz, mas que o partir do pão é o assunto principal que têm em vista, Isto pode ser feito dando-lhe o primeiro lugar nas reuniões. E, não se esqueça, existe uma adaptação moral nesta ordem, bem como no tempo. É a obra de Cristo que anunciamos na Ceia, pelo que deverá ter o primeiro lugar, e, depois de ter sido plenamente anunciada, deveria haver plena oportunidade para a obra do Espírito Santo no ministério. A missão cio Espírito é expor e exaltar o nome, a Pessoa e a Obra de Cristo; e se Lhe for permitido orientar e governar a reunião dos crentes, o que incontestavelmente fa- rá, dará sempre o primeiro lugar à obra de Cristo.
Não posso terminar estes comentários sem manifestar o sentimento profundo da fraqueza e a superficialidade de tudo quanto tenho dito sobre um assunto tão importante. Sinto, na presença do Senhor, perante Quem desejo escrever e falar, que tenho falhado tanto em mostrar toda a verdade quanto a este assunto que quase me sinto tentado a impedir que estas páginas sejam publicadas. Não é que eu tenha uma sombra de dúvida quanto à verdade que tenho procurado frisar; não; mas sinto que, para escrever sobre um assunto como é o partir do pão, numa época em que há tanta confusão entre os cristãos professos, há a necessidade de elementos claros, lúcidos e di- retos, os quais me acho pouco capaz de apresentar.
Temos apenas uma pequena idéia de como a questão do partir do pão está ligada inteiramente com a posição e testemunho da Igreja na terra; e conhecemos igualmente muito pouco a maneira como este assunto tem sido inteiramente mal compreendido pela igreja professa. O partir do pão deveria ser a afirmação clara do fato que todos os crentes são um só corpo; porém a igreja professa, fragmentando-se em seitas, e levantando uma mesa para cada seita, tem- negado, pratica- mente, esse fato.
De fato, o partir do pão tem sido lançado para segundo pla- no. A mesa, a que o Senhor devia presidir, é quase perdida de vista, pela maneira como é posta à sombra do púlpito, no qual O homem preside; o púlpito que, enfim, é muitíssimas vezes o instrumento para criar e perpetuar a desunião é, para muitos, o objeto preponderante, enquanto que a mesa, que, se fosse convenientemente compreendida, perpetuaria o amor e a união, é convertida numa coisa secundária. E até mesmo nos mais louváveis esforços de recuperação de um tão lamentável estado de coisas, que fracasso temos visto!
Que tem a Aliança Evangélica realizado? Pelo menos, tem fomentado, inteiramente, uma necessidade entre os cristãos professos: a qual eles são manifestamente incapazes de satisfazer. Querem união, e são incapazes de a conseguir. Porquê? Porque não querem abdicar de tudo, salvo aquilo que têm como cristãos, para se reunirem, como discípulos, para partir o pão. Digo, como discípulos, e não como Membros de igreja, Independentes ou Batistas. Não é que tais pessoas não possam estar de posse de muita verdade preciosa; refiro-me àqueles de entre eles que amam o Senhor Jesus Cristo: certamente que podem, mas não têm a verdade que os impeça de se reunirem para partir o pão. Como poderia a verdade jamais impedir os crentes de darem expressão à unidade da Igreja? Seria impos- sível. O espírito sectário naqueles que retêm a verdade pode fazer isto, mas a verdade nunca.
Porém, como se passam as coisas na igreja professa? Cren- tes de várias comunidades podem reunir-se para oração, leitura das Escrituras e cânticos, durante a semana, mas logo que chega o primeiro dia da semana, não têm a mínima idéia de dar a única prova real e eficaz da sua união que o Espírito pode reconhecer, e que consiste no partir do pão: "nós sendo muitos, somos um SÓ pão e um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão" (I Cor. 10:16).
O pecado em Corinto era não esperarem uns pelos outros.
Isto é evidente pela exortação com que o apóstolo resume toda a questão: "Portanto, meus irmãos, quando vos ajuntais para comer, esperai uns pelos outros" (I Cor. 11:33). Porque deviam esperar uns pelos outros? Sem dúvida, para poderem manifestar melhor a sua união. Porém, que teria dito o apóstolo se, em vez de se reunirem num mesmo lugar, fossem a lugares diferentes, segundo as suas opiniões diferentes da verdade? Nesse caso, ele poderia ter dito, com maior ênfase:
"Não podeis comer a Ceia do Senhor".
Mas - pode perguntar-se - como poderiam todos os crentes de uma cidade como Londres reunir-se num só lugar? A nossa resposta é que se não podiam reunir-se num mesmo lu- gar, podiam, ao menos, reunir-se segundo o mesmo princípio.
Como se reuniam os crentes de Jerusalém? A resposta é: "eram de um mesmo sentimento". E como era assim, tinham pouca dificuldade quanto ao local de reunião - o "alpendre de Salomão", ou qualquer outro lugar, era bom para eles. Manifestavam a sua união, e isto, também, de um modo inequívo-co. Nem a questão de vários lugares, nem os vários graus de conhecimento e sucesso, podiam interferir no mínimo com a sua união. Havia "um corpo e um Espírito."
Direi, por fim, que o Senhor honrará, certamente, os que têm fé para crer e confessar a unidade da Igreja na terra; e quanto maiores forem as dificuldades nesse sentido, tanto maior será a honra. Que o Senhor conceda a todo o Seu povo um mesmo propósito e um espírito humilde e honesto.
 
Por Jack Hunter
Extraído do Comentário Ritchie
Editora Edições Cristãs

 

Desenvolvido por Palavras do Evangelho.com