PRIMEIRA PARTE

 

A triste verdade é que a maioria dos cristãos não é feliz; e se esses cristãos pudessem, confessariam que têm estado tristemente desapontados com sua vida cristã. Quando se converteram, tinham diante de si uma perspectiva cheia de promessas: parecia-lhes a aurora de um dia sem nuvens, cheio de gozo e paz. No entanto, mal haviam iniciado sua jornada, e nuvens de todo tipo já escureciam o céu, e, exceto talvez por alguns poucos raios de sol aqui e ali, a situação continuou mais ou menos inalterada. Em muitos casos tem sido até pior do que isso. Era de se esperar que houvesse conflito, mas geralmente este termina, não em vitória, mas em derrota. O mal do lado de dentro, e o inimigo do lado de fora, têm triunfado vez após outra, a ponto de fazer com que o espírito de confiança e alegre expectativa acabe cedendo lugar a um espírito de desânimo e desespero.

Amiúde a tristeza tem sido intensificada por se descobrir que uma experiência assim não está de acordo com aquilo que é mostrado na Palavra de Deus. É verdade que vivemos num ambiente hostil, onde Satanás está procurando incansavelmente nos enredar com seus ardis; é verdade que somos peregrinos e estrangeiros, que não podemos, por esta razão, esperar encontrar descanso e conforto neste cenário por onde passamos; e é também verdade que nosso corpo está exposto a sofrimentos de todos os tipos, mas nenhuma dessas coisas, e nem todas elas juntas, deveriam anuviar nossa alma, lançando-nos em trevas e negror.

Tome como exemplo o apóstolo Paulo. Depois de haver nos mostrado que sendo “justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo”, e que por Ele “temos entrada pela fé a esta graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória de Deus”, ele segue dizendo que temos “não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz a paciência, e a paciência a experiência, e a experiência a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5.1-5). Se, além disso, você desejar conhecer qual a experiência possível ao cristão, leia a epístola aos Filipenses. Ali vemos que um crente pode perfeitamente ser feliz, ainda que esteja na prisão, correndo diariamente o risco de ser entregue à morte; que Cristo pode ser seu único motivo, seu único objeto e alvo, e que seu único desejo pode ser o de estar com Ele e ser como Ele é; e que, por conseguinte, o crente pode permanecer totalmente acima de suas circunstâncias, e que é possível aprender a viver contente em qualquer circunstância em que estiver, e ser capaz de fazer todas as coisas por meio dAquele que lhe fortalece.

Poderia haver um contraste maior entre esta experiência e a da maioria dos crentes? Talvez você argumente que esta era a experiência de um apóstolo, e que dificilmente podemos esperar alcançar um padrão assim. Concordamos que o padrão é elevado; mas nem mesmo Paulo, não importa o quanto ele possuía, é nosso modelo perfeito, mas sim Cristo. Tenha também em mente que o apóstolo não tinha nem mesmo uma só bênção (exceto seu dom especial de apóstolo), que não pertença igualmente ao mais humilde crente. Não era ele um filho de Deus? O mesmo somos nós. Não tinha ele o perdão dos pecados? Nós também. Não desfrutava ele da inestimável posse do Espírito que nele habitava – o Espírito de adoção? O mesmo possuímos nós. Não era ele um membro do corpo de Cristo? O mesmo somos nós. Poderíamos enumerar assim todas as bênçãos da redenção, e descobriríamos que Paulo não era, em medida alguma, uma exceção privilegiada, pois somos, juntamente com ele, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo.

 

Se assim é, a que se deve o fato de tão poucos desfrutarem dessa experiência – qual é a razão de um descanso permanente e uma felicidade assim serem tão pouco conhecidos? É para podermos responder a esta questão que contamos com toda a atenção do leitor.

A causa fundamental da dificuldade mencionada é a má vontade, ou a negligência do povo de Deus em procurar conhecer o que lhes foi assegurado em Cristo. Muitos descansam contentes com o fato de terem nascido de novo, outros com o conhecimento do perdão de seus pecados; de modo que a salvação acaba sendo seu principal alvo e a única meta que almejam. A consequência é que os primeiros dias de sua vida cristã são, com frequência, os melhores; e é por isso que acabamos assistindo sempre a mesma cena de cristãos que, outrora radiantes e fervorosos, tornaram-se descuidados e indiferentes, quando não mundanos.

Podemos dizer, com toda a clareza, ainda que com toda a ternura, que se o desejo de um cristão não vai além do perdão dos seus pecados, ele logo descobrirá que não tem poder para resistir, seja às solicitações da carne, seja às tentações de Satanás. 

Trata-se de um requisito indispensável para uma vida cristã feliz, que a verdade da morte com Cristo seja conhecida na prática. Parar antes de se alcançar isto resultará invariavelmente em falta de descanso e num desalentador conflito.

Permita-me, então, explicar a razão disso em poucas e simples palavras. Há duas coisas que precisam ser abordadas quando o assunto é a nossa redenção: nossos pecados e a natureza que os produziu; o fruto ruim e a árvore que o produziu. Nossa necessidade quanto à primeira já foi suprida pelo precioso sangue de Cristo. Não existe outro método de nos limpar de nossa culpa (leia Hebreus 10; 1 João 1.7). Mas apesar de termos sido feitos mais alvos que a neve pelo precioso sangue de Cristo, e muito embora tenhamos nascido de novo e recebido assim uma nova natureza e uma nova vida, a natureza má permanece em nós; e permanece em toda a sua corrupção, não podendo ser purificada e nem melhorada. Foi a consciência disto, e a reconhecida incapacidade da nova natureza – nela e por meio dela – em suas lutas contra a carne, que culminou no clamor de Romanos 7.24: “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” O mesmo lamento amargurado sobe ainda hoje de multidões dentre os santos de Deus.

Como foi, então, que Deus atendeu a esta necessidade de Seu povo? A resposta pode ser encontrada em Romanos 6. Ali lemos: “Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com Ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado. Porque aquele que está morto está justificado do pecado” (Rm 6.6,7). O termo “homem velho” é usado para expressar a natureza má que recebemos de Adão – a carne – como um princípio maligno que atua em nós; e o “corpo do pecado” nada mais é que o pecado em toda a sua totalidade. Deduzimos, portanto, desta passagem (leia também Romanos 8.3), que Deus já tratou com nossa natureza má na morte de Cristo, onde Deus condenou também o pecado na carne. O apóstolo diz: “Já estou crucificado com Cristo” (Gl 2.20). Não se trata apenas de haver, o Senhor Jesus, em Sua infinita graça, levado os nossos pecados sobre Seu próprio corpo no madeiro, mas de Deus, em Sua indizível misericórdia, ter nos associado com a morte de Cristo. De modo que Ele já executou juízo sobre aquilo que somos, isto é, sobre nossa carne, a raiz e o ramo. Ele fez, deste modo, uma provisão dupla na morte de Cristo, ou seja, por nossos pecados e por nossa natureza má; e ambas as coisas foram judicialmente tiradas de diante de Sua face para sempre.

É este o testemunho que Deus nos dá em Sua Palavra. E se eu aceito, por Sua graça, que o Seu testemunho é verdadeiro, no que diz respeito à eficácia do sangue de Cristo, por que não aceitar quando Ele me dá testemunho de que também me associou com a morte de Seu amado Filho? É baseado exatamente nisto que o apóstolo faz sua exortação em Romanos 6.11: “Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor”. Isto é, a declaração que Deus me faz é recebida pela fé e passo a atuar sobre ela, de modo que passo a recusar as incitações da carne com base no fato de eu estar morto para ela, tendo tomado parte na morte de Cristo. Em outras palavras: aceito a minha morte com Cristo como verdade diante de Deus, e daí para frente ocupo, neste mundo, o lugar de um homem morto.

Vamos agora analisar um pouco mais detalhadamente as consequências de se aceitar uma posição assim. A primeira consequência é que somos libertos, ou justificados, do pecado (Romanos 6.7). É importante notar que se trata de pecado, e não pecados. Isto é, a carne, o “pecado na carne” (Rm 8.3), o princípio maligno de nossa natureza corrupta, o “homem velho” (Rm 6.6), já não tem mais nenhum direito sobre nós. Ele continua ali, e ficará ali até o fim de nossa peregrinação, mas enquanto eu me considerar morto, enquanto eu aceitar a morte sobre aquilo que sou, sobre aquilo que é nascido da carne, ele não terá mais poder sobre mim. Eu, que antes era cativo dele, estou agora liberto – e como? Por meio da morte – minha morte com Cristo. Meu antigo senhor não tem mais nenhum direito sobre mim; saí, pela morte, de sob o seu jugo.

Por exemplo, suponha que você tivesse um homem morto deitado em sua sala e procurasse fazê-lo cativo do pecado apresentando-lhe todo tipo de fascínio ou sedução. Logo você perceberia ser uma tolice tentar uma coisa assim. Logo você diria que, não importa o que ele tivesse sido quando vivo, agora o pecado já não tem mais domínio sobre ele. O próprio Satanás não poderia tentar um homem morto. O mesmo acontecerá conosco se, pela graça, estivermos, minuto após minuto, hora após hora, considerando-nos a nós mesmos realmente mortos para o pecado, e vivos para Deus por meio de Cristo Jesus nosso Senhor.

Este é o único caminho para a vitória. Existem muitos que procuram vencer por meio de um esforço resoluto de vontade própria, enquanto outros tentam fazê-lo procurando morrer para o pecado; mas o método de Deus é este que já demonstramos. É por já estarmos mortos que nos é dito que devemos mortificar nossos membros (Colossenses 3.3,5). É o mesmo que aplicar a morte a nós mesmos, o mesmo que levar em nosso corpo a mortificação de Jesus, para que cada movimento do pecado – cada movimento da carne – possa ser interceptado e condenado. O método do homem leva ao asceticismo e, no final, a uma escravidão ainda pior, mas o modo divino resulta em livramento e feliz liberdade.

SEGUNDA PARTE

A segunda consequência é a libertação da lei. Assim Paulo escreve que estamos mortos para a lei pelo corpo de Cristo. E também, que estamos agora livres da lei, havendo morrido para aquilo a que nos encontrávamos presos (leia Romanos 7.4-6 e Gálatas 2.19). Como explica o apóstolo, a lei tem domínio sobre um homem apenas enquanto este viver. Havendo morrido com Cristo, estamos emancipados também do poder da lei; e quão bendito é para nós que seja assim, pois todos os que são das obras da lei estão debaixo da maldição (Gálatas 3.10). Este é deveras um evangelho de boas novas para todo crente. Somos todos legalistas por natureza, e nossa tendência ao legalismo permanece conosco depois que nos tornamos filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus. Isto se encontra, por assim dizer, entretecido na própria malha de nosso ser, de modo que continuamente se manifesta em nossas palavras e ações. O efeito é que muitos conhecem pouco da liberdade com a qual Cristo os libertou, e ficam diariamente gemendo sob uma servidão imposta a si próprios.

Mas você poderá argumentar que não estamos debaixo da lei. Os judeus estavam, mas será que o mesmo pode ser dito de crentes dentre os gentios? É certo que não pode ser dito no mesmo sentido dos judeus, mas o princípio da lei é algo tão nativo em nós como no judeu. Por exemplo, quando depois de me converter, sinto que devo amar mais o Senhor, e procuro fazê-lo, ou acho que devo orar melhor, e acabo arrasado ou deprimido quando me vejo incapaz de cumprir um tal dever como gostaria, ou seja, de um modo mais perfeito, encontro-me em princípio tanto sob a lei quanto se encontravam os judeus. A essência da lei reside no “Farás isto ou aquilo”, e, por conseguinte, se transformo até os preceitos de nosso bendito Senhor em “Farás isto ou aquilo”, estou colocando meu pescoço sob o jugo da lei. E a partir do momento que faço assim, estou na rota certa para o fracasso, desilusão e intranquilidade de consciência.

Portanto, o que precisamos aprender é que, por meio da associação que, na graça de Deus, temos com a morte de Cristo, estamos libertos tanto da lei como do princípio da lei. Estamos casados com Outro, justamente com Aquele que ressuscitou de entre os mortos a fim de que déssemos fruto (não obras, mas fruto) para Deus. Não há, no cristianismo, “Farás isto ou aquilo”, mas sim o que substitui as obras da lei e as obras da carne, ou seja, o bendito fruto do Espírito Santo (Gálatas 5). E este é produzido, não como as obras, ou seja, por esforço humano, mas por divino poder.

A diferença entre estas duas coisas é a maior possível. Sabendo de antemão que o fruto para Deus não pode ser obtido por qualquer esforço ou trabalho vindo de nós, somos libertados de toda expectativa de aguardar algo vindo do eu. Ao mesmo tempo, enquanto aprendemos que o poder capaz de produzir fruto está em Outro (que seguramente está trabalhando por meio do Espírito que habita no Seu povo), nossos olhos são elevados a Ele, na confiança de que Ele irá nos usar para a Sua glória em conformidade com a Sua própria vontade. Assim, ao invés de trabalharmos, apenas confiamos; ao invés de buscarmos fruto vindo de nós mesmos, ansiamos que Cristo possa trabalhar em nós em conformidade com a energia do Seu próprio e divino poder.

Outra consequência é que somos libertos do mundo. O apóstolo, em oposição a certos legalistas que desejavam se ver livres da perseguição e se gloriar na carne, diz: “Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gl 6.14). Como encontramos no Evangelho de João, o mundo foi julgado na morte de Cristo. Sua crucificação foi a completa e cabal condenação do mundo que O rejeitou. Assim Deus julgou moralmente o mundo na cruz; e Paulo, em comunhão com o pensamento de Deus, considerou o mundo como crucificado para si pela cruz, e a si próprio, igualmente, como estando crucificado para o mundo. Ele estava assim completamente liberto do mundo; pois se ambos estavam crucificados, um para o outro, nenhuma atração poderia existir entre eles. O mundo, com todos os seus atrativos e fascínios, já não poderia seduzir alguém que o considerava como já estando moralmente julgado na morte de Cristo. Tampouco teria qualquer atração pelo mundo alguém que se considerava como crucificado por meio da cruz. Vista deste modo, a cruz é uma barreira intransponível entre o cristão e o mundo, e não somente uma barreira, mas também o meio pelo qual o verdadeiro caráter do mundo é detectado e exposto.

Deste modo o cristão aprende que a amizade do mundo é inimizade contra Deus, já que sempre vê o mundo em sua relação com a cruz de Cristo.

Existe ainda uma outra consequência que é a libertação do homem. “Se, pois,” diz o apóstolo, “estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis (ou estivésseis vivos) no mundo, tais como: não toques, não proves, não manuseies?” (Cl 2.20, 21). É o homem religioso que está sendo tratado aqui – o homem religioso, cujo objetivo é a melhoria da carne, mas ao invés de consertá-la ele só a satisfaz. Esta importante passagem ensina que o crente, estando morto com Cristo, está totalmente liberto do homem e de suas reivindicações religiosas. Se as reconhecesse, então teria que tomar o lugar de alguém vivo no mundo e negar o fato de sua associação com a morte de Cristo. O cristão perde de vista o homem – e até mesmo o rejeita – negando sua pretensa autoridade, pois encontra-se sujeito somente a Cristo. Sendo assim, até mesmo nos relacionamentos desta vida, o cristão obedece, seja aos magistrados, senhores ou pais, porque está numa posição de sujeição ao próprio Cristo. É por esta razão que um pobre escravo cristão, quando obedece a seu senhor, está obedecendo a Cristo, o Senhor (Colossenses 3.22-25).

Há, portanto, uma completa libertação para o crente que se mantém como morto com Cristo – há a libertação do pecado, da lei, do mundo e do homem. Pode-se dizer do crente, na linguagem aplicada a Israel, que ele fez cativos aqueles de quem era cativo (Isaías 14.2). Todo inimigo está subjugado, e somente Cristo é reconhecido como Senhor.

Você talvez pergunte que, se isto é verdade, por que é que são tão poucos os que entram por esta senda de livramento e santa liberdade?

TERCEIRA PARTE

A última parte deste nosso importante assunto terminou com uma pergunta: Como é que são tão poucos os que entram por esta senda de livramento e santa liberdade? A resposta a esta pergunta nos leva à próxima parte de nosso assunto. A questão pode ser colocada da seguinte maneira, e procuraremos dar uma atenção especial a ela: Enquanto estas verdades podem ser doutrinariamente compreendidas, elas devem, necessariamente, ser aprendidas na prática, se é que se deseja desfrutar do poder delas. Há quatro coisas que devem ser adquiridas por meio da experiência, a fim de entrarmos no bendito gozo delas.

A primeira, e de grande importância, é que o caráter da carne deve ser conhecido na prática. Deus nos declarou isto até no Antigo Testamento (Gênesis 6.11-13; 8.21), e no Novo Testamento apresentou isto vez após outra; e devemos receber o Seu testemunho, aceitando-o sem hesitação. Mas, repetimos, a menos que tenhamos conhecido a natureza da carne por experiência própria, estaremos sempre, em maior ou menor medida, esperando que algo de bom possa vir dela. É por esta razão que, com frequência, o santo pensa assim: ‘Da próxima vez vou conseguir fazer melhor’; ou, ‘Se ao menos eu tivesse outra chance, poderia evitar este erro ou aquele fracasso’. Reflexões assim só podem ser geradas pelo total esquecimento da real e incurável natureza da carne; pois se nossa natureza é integralmente corrupta, como poderia ela agir, no futuro, de modo diferente do passado? Devemos, isto sim, buscar o Senhor para nos guardar, por Sua graça, de pecados cometidos no passado; e se já detectamos o que é a carne, já nos conscientizamos, de uma vez por todas, de que se não formos guardados por divino poder, continuaremos a fazer, no futuro, exatamente o mesmo que fazíamos no passado.

Temos agora em Romanos 7 o caso de alguém que, tendo vida, porém ignorando a graça completa de Deus em redenção, está tentando, sob a lei, produzir algum fruto para Deus. E qual a conclusão a que ele chega? Que o bem que deseja, não faz, mas o mal que não quer, esse faz. E ele diz ainda que: “Se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. De maneira que agora já não sou eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim” (Rm 7.15-17). Isto é, ele descobriu que a carne irá (num caso como o dele) seguir o seu próprio curso, e, por ter ela o seu próprio curso, é sempre pecado. Por isso nos diz: “Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Rm 7.18). Ele aprendeu a lição, e daí em diante já não irá esperar nada vindo da carne, a não ser o mal. E esta é, com certeza, uma bendita conclusão para uma alma chegar.

Há agora duas maneiras de aprendermos a mesma coisa: na presença de Deus, e em comunhão com Deus, ou na presença de Satanás, por meio do fracasso e do pecado. O próprio Paulo poderia ser visto como um exemplo da primeira. Como judeu, ele foi tão moralmente correto que, guiado pelo Espírito de Deus, pôde mais tarde dizer de si mesmo que, “segundo a justiça que há na lei”, ele era “irrepreensível” (Fp 3.6). Portanto ele tinha tudo para pensar que havia algo de bom em si mesmo. Como disse, “se algum outro cuida que pode confiar na carne, ainda mais eu” (Fp 3.4). Mas quando a ele foi revelado um Cristo glorificado, houve uma total reviravolta em seu ser. Ele passou então a enxergar tudo sob a verdadeira luz, a luz da glória de Deus que resplandeceu na face de Cristo, e instantaneamente percebeu a inutilidade da carne e de todos os seus mais belos feitos. Ele pôde então dizer: “O que para mim era ganho reputei- o perda por Cristo. E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo” (ou “ter a Cristo como meu ganho”) (Fp 3.7,8). Sua primeira avaliação foi daquilo que ocupava o primeiro lugar em sua vida e, como consequência, ele rejeitou a carne, em todas as suas formas, como algo definitivamente mau. E o fez sabendo que, assim como a figueira no evangelho, por mais que a carne fosse educada e nutrida, jamais poderia produzir qualquer fruto para Deus.

Pedro é um exemplo de alguém que aprende, por meio do pecado, o caráter da carne. Homem sincero e impetuoso, Pedro amava seu Mestre com ardente afeição. Por esta razão, quando o Senhor avisou Seus discípulos, dizendo: “Todos vós esta noite vos escandalizareis em Mim; porque escrito está: Ferirei o Pastor, e as ovelhas se dispersarão”, Pedro respondeu: “Ainda que todos se escandalizem, nunca, porém, eu” (Mc 14.27-29). Segundo dizia, ele estava pronto a dar sua vida pelo seu Mestre (João 13). E o que foi que produziu essa inabalável confiança em sua própria fidelidade? Confiança na carne – em sua própria afeição. Mas qual foi o resultado? Ah! que comentário esse de nossa natureza má – Pedro foi descendo, passo a passo, no profundo abismo da completa negação de Seu Senhor. Ele tinha sido avisado e admoestado, mas a carne mostrou a corrupção que lhe é própria, arrastando Pedro pela lama do pecado e da iniquidade. A queda de Pedro foi revertida em glória para o Senhor, e em bênção para Pedro, mas há para a nossa instrução, em sua queda e humilhação, a mais clara revelação do fato de que na carne, mesmo na carne de um verdadeiro e devotado discípulo, não habita bem algum.

Portanto qualquer pessoa que deseja conhecer o que é a graça de Deus em nossa redenção, precisa também aprender, de uma destas duas maneiras, a mesma lição. Se não a aprendermos estaremos sempre esperando que algo de bom venha de nós mesmos, e seremos sempre desapontados. Uma árvore ruim deve, necessariamente, produzir fruto ruim, e quando reconhecemos esta verdade na prática, e a ela nos sujeitamos, tiramos a nós próprios de diante de nossos olhos e nada mais esperamos, a não ser aquilo que vem do Senhor. A falta de vigilância poderá eventualmente levar a carne a se manifestar, arrastando-nos para o pecado, mas não estaremos sendo enganados. Teremos aprendido nossa lição; e enquanto estivermos julgando-nos a nós mesmos na presença de Deus por nossa falta, buscaremos graça para sermos mais vigilantes no futuro.

Amado leitor, queremos, com toda a sinceridade, insistir com você neste ponto, pois enquanto você não tiver passado por esta experiência, não poderá nunca ter uma paz constante. Feche seus olhos a esta verdade, e você estará, como os filhos de Israel no deserto, expondo-se às provações, castigos e toda sorte de fracassos. Todavia, se você aceitar o testemunho de Deus acerca da carne, e deste modo aprender esta verdade em seu próprio ser, adotando como hábito ficar sempre do lado dEle, mesmo que isto signifique colocar-se contra si próprio, você estará entrando no alvorecer de um novo dia – um dia caracterizado pelo sol da graça e do gozo, não importa quais sejam as tribulações e as tristezas; um dia que será passado junto com Deus.

A segunda lição a ser aprendida é que não temos forças – somos completamente impotentes – no conflito contra a carne. Como diz o apóstolo, “O querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço” (Rm 7.18,19). E porventura não é esta, amado leitor, a descrição exata da experiência de milhares de pessoas e, talvez, a sua também? O resultado disto é que muitos mergulham em um estado de apática indiferença, quando não de desânimo, a ponto de até mesmo abandonarem qualquer tentativa de remar contra a rápida correnteza que os assola, concluindo que nada mais resta senão se deixarem levar pela correnteza contra a qual não podem lutar. Ah! se as almas fossem honestas, muitas iriam confessar que vivem há anos numa condição assim, uma condição que não traz nenhuma glória a Deus, e nenhuma felicidade a elas próprias. Qual é então a razão disso? Simplesmente a idéia de que tudo depende de seus próprios esforços, ao invés de aceitarem a verdade de que estão completamente sem forças e que, por conseguinte, tudo depende de Deus.

Até o pecador tem que aprender, não só que ele é culpado e ímpio, mas também que é impotente (Romanos 5); e o crente deve, de igual maneira, aprender, não apenas que em sua carne não habita bem algum, mas que ele não pode, de si próprio, fazer uma única coisa boa (Romanos 7). E quando os olhos são abertos pelo Espírito de Deus, descobre-se que esta lição de Deus tem sido ensinada pela longa e ininterrupta série de enganos passados. Você lutou com unhas e dentes vez após outra, com inigualável coragem, mas nunca conquistou uma vitória. Então você entrou de novo na luta, resolvido a vencer, mas, ai! mais uma vez saiu vencido! Pare, então, por um momento, e faça a si mesmo esta simples pergunta: ‘O que foi que aprendi desta triste experiência?’ A resposta é clara como o dia. O inimigo é forte demais para você, de modo que você não pode fazer frente ao poder que ele tem. Mas você poderá perguntar: ‘E será que não podemos ficar mais fortes? Não podemos crescer na graça? E depois que conhecermos melhor o caráter do inimigo, será que não é possível que sejamos bem sucedidos?’ Não hesitamos dizer que a resposta é ‘Não’, pois se você continuar esforçando-se assim, no futuro só colherá derrotas, do mesmo modo como foi no passado. Para o seu caso, no que diz respeito à sua própria força, não há esperança.

Mas se, por outro lado, você aceitar a verdade de sua completa impotência, e chegar deste modo ao fim de suas próprias forças, encontrará descanso para sua alma, pois irá, com isso, compreender que seu auxílio, sua força e seu socorro vêm de fora, e não de dentro; em suma, vêm de Cristo e não de você mesmo. Oh, que inexprimível bênção é chegar a uma descoberta assim! Deixando, a partir de agora, de lutar, você irá conhecer o que é descansar em Outro, e será capaz de cantar com Davi: “O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei?

O Senhor é a força da minha vida; de quem me recearei? (Sl 27.1). Pois se por um lado você chegou a conhecer que é impotente, por outro se regozijará ao descobrir que o Seu poder se aperfeiçoa na fraqueza.

A terceira coisa que se deve conhecer é o fato de que o crente possui duas naturezas: uma que recebeu por intermédio de Adão, a qual é chamada nas Escrituras de carne, homem velho etc.; e a outra que ele recebeu de Deus, por intermédio do novo nascimento. Estas duas naturezas são totalmente antagônicas. Ao falar da segunda, João disse: “Qualquer que é nascido de Deus não comete pecado; porque a sua semente permanece nele; e não pode pecar, porque é nascido de Deus” (1 Jo 3.9). E Paulo, falando da primeira, escreve, como já vimos, “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Rm 7.18). Seria difícil conceber duas afirmações mais diametralmente opostas, e agora vemos que a alma, que está passando pela experiência detalhada em Romanos 7, aprende a distinguir entre estas duas naturezas tão contrastantes. Lemos que “se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim” (Rm 7.20). Isto é, ele aprendeu a identificar- se com a nova natureza, portanto não diz mais “eu” (compare com Gálatas 2.20 onde Cristo torna-se o “eu” do apóstolo). Ao mesmo tempo ele avalia sua carne, sua velha natureza, como nada além de pecado; e descobre nela a origem de todo o mal que tem sofrido. Tal natureza, embora esteja nele (e permanecerá sempre ali enquanto o crente estiver neste mundo), é agora considerada por ele como um inimigo, como alguém que procura sempre impedi-lo de fazer o que é bom, e que o impele a fazer o mal. E assim ele continua: “Acho então esta lei em mim: que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo. Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus (portanto ele desejava fazer o bem). Mas vejo nos meus membros outra lei que batalha contra a lei do meu entendimento, e me prende debaixo da lei do pecado que está nos meus membros” (Rm 7.21-23).

Por conseguinte, ele não é apenas impotente na luta contra o inimigo – o pecado que habita em si – mas ele fica ainda pior no conflito, e é subjugado; fica totalmente nas garras e sob o poder de seu adversário. Mesmo assim ele agora aprendeu que o “pecado”, a carne, é seu inimigo, e que ele tem prazer na lei de Deus segundo o homem interior. E esta, amado leitor, é uma feliz descoberta; a falta disso fez com que, em todas as épocas, muitas almas piedosas fossem mantidas gemendo sob a servidão, e escrevessem coisas amargas acerca de si mesmas, por suporem ser essa a experiência pela qual lhes era necessário passar por todos os dias de suas vidas.

Um exemplo disto são os diários publicados de alguns dos mais devotos servos do Senhor, diários esses que, de um modo geral, não passam de uma auto-análise e uma autocondenação que brota da ocupação com o eu – ao invés de ocuparem-se com Cristo – no vão esforço de erradicarem o mal encontrado dentro de seus próprios corações. E frequentemente culminam na seguinte questão: Se somos filhos de Deus, por que é que acontece isto conosco? Ah! como acontece com muitas pessoas, eles não leram direito Romanos 7; e disso advém que, embora tenham tido seus momentos de gozo na presença e favor de Deus, esses momentos foram alternados com períodos das mais densas trevas e depressão.

Trata-se, portanto, de um bendito ganho quando tomamos conhecimento de que temos duas naturezas, e aprendemos a fazer distinção entre elas. E é ainda mais bendito quando somos levados, em meio às nossas lutas e conflitos, naquilo que compete a nós, a uma irremediável escravidão à lei do pecado que está em nossos membros. É uma experiência dolorosa, porém necessária, pois após passarmos por ela aprendemos a nos colocar a nós mesmos de lado. Por assim dizer, o fim de toda a carne é chegado para nós, como há muito tempo já chegou para Deus; e sabemos agora que é vão o socorro do homem (do eu), que estamos totalmente impotentes e, ai! à mercê de nosso inimigo interno.

QUARTA PARTE

Isto prepara o caminho para a quarta lição. A carne obteve a vitória e, se podemos falar de modo figurado, tem agora o seu pé no pescoço da combativa e infortunada alma; mas sua vitória termina em derrota, e na emancipação de sua vítima. Até aqui a alma esteve batalhando na sua própria força; mas agora, na tristeza de sua derrota e inevitável escravidão, ela olha, não mais para dentro de si mesma, mas para fora, e clama em sua agonia, “Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24). E assim a libertação é alcançada. No momento em que o olho volta-se para o alto, e não para dentro de si, a vitória está assegurada; pois a resposta chega imediatamente: “Dou graças a Deus” pois sou liberto “por Jesus Cristo nosso Senhor” (Rm 7.25). A libertação, assim como a salvação, é encontrada, não por intermédio do eu e do esforço próprio, mas por intermédio de Cristo. Consequentemente, há de ser observado que, enquanto nos versículos anteriores não tivemos nada além do eu, o mesmo eu agora desaparece, e em seu lugar tudo é Cristo. Bendita libertação! O eu foi rejeitado e deixado de lado; Cristo é aceito para ocupar o seu lugar, e, como ainda devemos ver, descobrimos que temos nEle a resposta para cada uma de nossas necessidades: pois somos de Deus, “em Jesus Cristo, O qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (1 Co 1.30).

Mas antes do Espírito de Deus continuar a desvendar a bendita porção da alma libertada, é acrescentada uma palavra: “Assim que eu mesmo com o entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado” (Rm 7.25). Isto é acrescentado tanto como uma instrução, quanto como um aviso. Ensina-nos que possuiremos sempre estas duas naturezas, não importa quais sejam as nossas conquistas; e ao dar o caráter de cada uma delas, nos admoesta que elas nunca serão alteradas: que a carne, apesar de estarmos agora livres do seu senhorio, permanecerá sempre a carne, e nunca poderá ser alterada ou melhorada. O inimigo não pode ser desalojado, ou convertido em amigo; mas conhecemos o seu caráter, e a fonte de nossa força, e conservamos a vigilância necessária.

Continuamos agora a expor os maravilhosos resultados, em graça, que podem ser a porção desfrutada pela alma emancipada. Podemos citá-los:

DESCANSO, PODER E CONSAGRAÇÃO. Vamos olhar para cada um deles separadamente, e em detalhes.

O DESCANSO não é apenas aquele descanso que se segue após cessar a luta contra o pecado que em nós habita, mas também há o lado positivo do descanso, que vem do conhecimento que agora é desfrutado pela alma – o conhecimento da sua libertação. Por isso as primeiras palavras do capítulo 8 de Romanos são: “Portanto agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”. Não é apenas a afirmação de que o crente está liberto de toda condenação; porém, mais do que isso, trata-se da descoberta de que aqueles que estão em Cristo Jesus estão livres de toda a possibilidade de condenação. É esta a bendita meta que a alma agora alcançou. Examinemos, então, um pouco mais do que está envolvido nisto. Há, portanto, agora, o conhecimento de que o crente foi tirado de sua velha posição e condição, e colocado em um novo lugar diante de Deus em Cristo – em Cristo que está ressurreto de entre os mortos – e passou para uma nova esfera que se encontra além, e do outro lado da morte, na qual nem morte nem condenação podem entrar. Por intermédio da morte com Cristo, como já foi demonstrado, o crente perdeu sua associação com o primeiro homem – com Adão; de modo que agora, considerando-se como morto para o pecado, ele considera-se também como vivo para Deus em Cristo Jesus. Na morte de Cristo Deus julgou, de uma vez para sempre, o pecado na carne – julgou a sua raiz e seus ramos; e a lei do Espírito de vida em Cristo Jesus, como ressurreto da morte, tornou o crente livre da lei do pecado e da morte. O pecado e a morte só têm a ver com aqueles que estão na carne; e já que o crente não se encontra na carne (Romanos 8.9), mas no Espírito, ele tem a sua posição onde prevalece a lei do Espírito de vida em Cristo Jesus. Sim, O Senhor ressuscitou; E o Mar Vermelho do juízo, Que sobre nós iria cair, Sobre Ele já passou;

O Senhor ressuscitou; Estamos agora além do castigo, E de todos nossos pecados Só uma tumba vazia restou.

Estamos, repetimos, em um novo lugar (porque estamos em Cristo Jesus ressuscitado) – um lugar ao qual a carne, e, portanto a condenação, não tem nenhum acesso. O sangue de Cristo nos limpou de toda a nossa culpa; e sendo assim, na morte de Cristo (pois, pela graça de Deus, estávamos associados com Ele na Sua morte) a carne, o pecado, encontrou o seu juízo e condenação; e nós, agora em Cristo, estamos, portanto completamente libertos e, como tais, livres de toda condenação. Podemos agora descansar – descansar nAquele em Quem permanecemos diante de Deus.

Juntamente com isso, a alma descobre que há ainda uma coisa mais. Qual tem sido a causa de toda a tristeza e insatisfação? O próprio estado e condição da alma – a condição que brota da presença do pecado que há dentro dela. Agora ela aprende que a questão não é o que somos, mas o que Cristo é. Será que Deus está satisfeito com o que Cristo é? Então podemos estar satisfeitos também, pois nós, lembremo-nos bem, estamos nEle, e o que Ele é, e não o que nós somos, é o que caracteriza nosso lugar diante de Deus. Portanto, em Cristo atendemos a todos os requisitos do próprio Deus, de modo que Ele pode descansar em nós com a mesma complacência que descansa em Cristo. Somos assim deveras aceitos no Amado.

Além do mais, já que todos os desejos do coração de Deus estão satisfeitos, nada temos que tenha sido deixado por satisfazer; estamos tão perfeitos, no que diz respeito à nossa posição, quanto o próprio Deus nos poderia fazer, e temos por isso perfeito descanso. Quanto à carne, aprendemos que ela não poderia ser pior do que é, e que também não poderia ser melhor. Quanto à nossa posição em Cristo, fomos ensinados que o próprio Deus está satisfeito conosco, tendo em vista o fato de estarmos diante dEle em toda a perfeição daquilo que Cristo é, como o Homem glorificado. Não é possível desejarmos mais do que isso, e é assim que passamos a desfrutar do perfeito descanso – perfeito descanso em Cristo; pois assim como fomos capacitados, pela graça, a aceitar a Cristo como nosso Substituto sobre a cruz, regozijamo-nos agora em aceitá-Lo diante de Deus em lugar de nós mesmos. Os olhos de Deus estão postos nEle, e nossos olhos também estão postos nEle; portanto, em comunhão com o coração de Deus, encontramos nosso verdadeiro e inabalável descanso.

Há outra consequência bendita que se segue. Cessando toda a ocupação com o eu (por havermos trilhado aquele ingrato caminho, para nossa amarga tristeza, e por termos descoberto a inutilidade do eu) nos regozijamos em podermos nos ocupar com Cristo. Já que aquilo que Ele é, é o que determina o que sou diante de Deus, tenho prazer em observar Suas perfeições e Suas glórias morais, e em meditar em cada raio da glória de Deus que brilha de Sua glorificada face (2 Coríntios 4.6). E nesta ocupação tão bendita, vou sendo gradualmente transformado, mesmo estando ainda neste mundo, pelo poder do Espírito, à Sua semelhança (2 Coríntios 3.18). Absorto na admiração dAquele cuja face, diferentemente da de Moisés, encontra-se desvendada, cresço à Sua estatura – cresço diariamente, enquanto aguardo pela Sua volta, quando finalmente serei como Ele, pois como Ele é O verei.

Trata-se, portanto, de Cristo como a medida de minha posição, Cristo como o objeto de meu coração, e Cristo como Aquele a Quem devo ser conformado. De que mais pode a alma precisar? De nada. Encontro-me completamente satisfeito, e tenho perfeito descanso.

Tudo tenho; nada mais peço, Senhor amável, Pois Tua graça é derramada sobre meu ser; A fluir de um coração rico e inesgotável, Oh! saber que, minha, tal graça veio ser.

QUINTA PARTE

Temos também PODER. “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós” (Rm 8.9). Sim, cada um que está em Cristo é habitado pelo Espírito Santo, e é Ele a fonte de poder para o andar, para a luta, serviço e adoração. Se não fosse por esta bendita provisão, poderíamos ser tentados a exclamar, ‘Está certo que estamos em Cristo Jesus, mas como podemos ser capazes de resistir aos insistentes movimentos da carne que ainda permanece em nós?’ A resposta é encontrada no versículo 13: “Se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis”. O poder é, assim, concedido na medida de todas as emergências, e nos capacita a desfrutarmos dos privilégios do lugar no qual fomos introduzidos, bem como a recusarmos tudo aquilo que poderia querer privar-nos das bênçãos que nos pertencem. 

Não pode ser esquecido, e nem um filho de Deus poderia desejar tal coisa, que este poder não atua independentemente de nossa condição espiritual. O Espírito Santo habita dentro de nós, de modo que o corpo de cada um de nós é um templo Seu. Portanto, se somos descuidados, se não vigiamos, se somos indiferentes, se buscamos nosso prazer neste mundo ao invés de buscarmos a Cristo, se, em suma, de algum modo – seja por palavra, olhar ou ação da carne – entristecemos o Espírito Santo de Deus, com o qual fomos selados para o dia da redenção, não devemos supor, nem por um momento sequer, que Ele será condescendente em nos usar como vasos do Seu poder. Não – isto seria impossível. Tome Sansão como um instrutivo exemplo deste ponto tão importante. Enquanto ele manteve sua separação, seu Nazireado, seus inimigos foram impotentes diante dele. Foram postos, por assim dizer, debaixo de seus pés. Mas a partir do momento em que, seduzido pelas artimanhas de Dalila, ele revelou o segredo de sua força, tornou-se fraco como qualquer outro homem e imediatamente caiu nas mãos de seus implacáveis inimigos.

A ação do Espírito Santo em poder, dentro do crente e por meio dele, só pode ser mantida enquanto este andar em comunhão com Deus. Se houver negligência no juízo próprio e no andar na luz em que somos colocados, assim como Deus está na luz, apesar do Espírito não Se separar de nós, será em vão esperarmos pela demonstração de Seu tremendo poder. Mas, por outro lado, se o nosso olho for simples, e um olho simples nada vê além de Cristo, se for Ele o objeto de nossa vida, então o Espírito Santo, não entristecido, irá nos sustentar em qualquer posição onde formos colocados, livrando-nos vitoriosos de todo conflito pelo qual possamos vir a passar. Se a carne quiser reconquistar seus domínios, o Espírito nos capacitará a rejeitá-la, a tratá-la como um inimigo que já foi condenado pelo juízo de Deus; se o mundo quiser nos atrair com seu canto de sereia, Ele nos recordará do verdadeiro caráter do mundo à luz da cruz de Cristo, e logo seus encantos se desfarão; se Satanás nos assolar, Ele nos capacitará a resistir ao diabo, e o diabo fugirá de nós.

Todavia, tenha sempre em mente que não devemos esperar ter consciência do poder. É neste ponto que há tantos que tropeçam. Querem sentir o poder, e quando não conseguem, concluem que se encontram num estado de espírito inadequado para que o poder se manifeste. Não poderia haver erro maior. Por outro lado, o Senhor, como foi no caso de Paulo, conforme apresentado em 2 Coríntios 12, precisa quebrantar os Seus servos, precisa enviar espinhos na carne, trazer morte sobre eles em toda a forma e condição (veja 2 Coríntios 4), a fim de levá-los a admitir sua completa impotência, para que possam aprender a lição de que o Seu poder se aperfeiçoa na fraqueza. É por isso que quando estamos fracos é que somos fortes, pois é a isso que leva a fraqueza que é assumida. É esta a condição de dependência, e é só quando estamos dependentes que somos fortes, tendo à disposição a força dAquele em Quem descansamos.

Nem devemos (e queremos frisar bem este ponto) estar sempre conscientes do poder mesmo quando nos encontramos dependentes. Assim Paulo escreve aos Coríntios: “E estive convosco em fraqueza, e em temor, e em grande tremor” (1 Co 2.3). Todavia fica evidente em sua epístola, bem como no relato histórico de sua estada em Corinto (Atos 18), que nessa ocasião ele era, de uma maneira muito especial, o canal de extraordinário poder no seu ministério da Palavra. O mesmo se dá com frequência hoje com os servos do Senhor. É comum acontecer que, depois de um tempo de reconhecida fraqueza e incompetência na pregação da Palavra, fiquem sabendo que aquela foi exatamente a ocasião quando o Senhor mais os usou na bênção das almas! O mesmo princípio se aplica a cada área da vida cristã, e exemplos disso podem ser facilmente coletados ao longo de toda a história das Escrituras. Veja o caso de Gideão. “Ai, Senhor Meu”, disse ele, “com que livrarei Israel? Eis que o meu milheiro é o mais pobre em Manassés, e eu o menor na casa de meu pai”. Seria aquilo uma desqualificação para a missão à qual ele estava sendo chamado? Atente para a resposta do Senhor: “Porquanto Eu hei de ser contigo, tu ferirás aos midianitas como se fossem um só homem” (Jz 6.15,16). Gideão, na verdade, nada era, mas o Senhor era tudo, e Ele pode agir onde uma nulidade assim é experimentada. De modo semelhante, se for para o Senhor mostrar o Seu poder em nós, e por meio de nós, deve haver a recusa de toda a forma de dependência em nós mesmos, de tudo aquilo que, mesmo naturalmente, pudesse nos ajudar em nosso trabalho ou em nossa luta, a fim de que nossa dependência possa estar total e unicamente posta no divino poder do Espírito Santo. 

Trata-se também de um erro supor que podemos ser, por assim dizer, dotados com poder espiritual. Deus nunca dá aos seus servos uma conta de forças de onde eles possam sacar de vez em quando, até que tudo tenha sido gasto. O poder está sempre nEle próprio, e não nos servos, e, portanto é suprido só de momento em momento, na medida da necessidade, para aqueles que estejam andando com Ele e em dependência dEle. Portanto, alguém que hoje possa ser um homem de poder e valor, talvez amanhã seja fraco e temeroso. Foi assim com Elias. Em 1 Reis 18, quando confrontado com toda uma hoste de adoradores de Baal, aliados a seus sacerdotes, os quais se encontravam ainda numa posição privilegiada por saberem que estavam sob a proteção e o favor real, Elias, sozinho e desarmado, elevou-se acima de si mesmo para desafiá-los para o conflito. E, confiando em Deus na defesa da glória que era devida ao Seu nome, foi revestido de divino poder e, desafiando Satanás em seu próprio reduto, conquistou uma esplêndida vitória. Mas o que encontramos no capítulo seguinte? O mesmo Elias fugindo da ameaça da ímpia Jezabel! Ah, sim, ele havia se esquecido, naquele momento, da fonte de sua força, e, como consequência, o homem valente de ontem está hoje mais fraco que um bebê. A manutenção de uma dependência constante é, portanto, uma condição necessária para que se tenha um constante poder espiritual. Se isto for esquecido, Satanás poderá ser, vez após outra, bem sucedido em levar a melhor sobre os servos do Senhor.

Como toda alma sincera imediatamente reconhecerá, existem, portanto, condições para o exercício do poder que Deus proveu para o Seu povo no Espírito que neles habita. Após haver reconhecido isto, deve-se lembrar sempre que o poder é todo-suficiente em qualquer circunstância, e em qualquer necessidade. E é assim que somente quando chegamos no capítulo 8 (Romanos) é que vamos ler daqueles que andam segundo o Espírito, que são guiados pelo Espírito; os quais, por intermédio do Espírito, mortificam os feitos do corpo, aqueles aos quais o Espírito ajuda em suas fraquezas e nos quais Ele faz intercessão com gemidos inexprimíveis. E em muitas outras passagens é mostrado que Ele nos capacita a vencer, como já foi mostrado, a carne, o mundo e o diabo (veja Gálatas 5.16-25; Efésios 6.17,18; 1 João 2.14-27 etc.); que por intermédio dEle podemos compreender e comunicar a Palavra (1 Coríntios 2); que é no Seu poder que podemos ter acesso a Deus Pai (Efésios 2.18) – que, em suma, seja para o andar, para a luta, para o testemunho (Atos 4), ou para a adoração (Efésios 5.18,19; Filipenses 3.3), nosso único e todo-suficiente poder é o Espírito Santo.

Agora, amado leitor, admitindo isto como doutrina, será que existe qualquer perigo de esquecê-la na prática? Há, entre o povo do Senhor, muitos que compreenderam em certa medida a sua própria fraqueza, mas que não conhecem quase nada da fonte de poder que temos no Espírito Santo; há outros que crêem na provisão, mas que raramente encontram uma maneira de servirem-se dela para seu uso; e há outros que agem, mesmo em suas vidas cristãs, como se tudo dependesse de si próprios. Vamos então encarar esta questão de frente, e perguntar a nós mesmos se estas coisas, que nos foram apresentadas, são verdadeiras, e, se forem verdadeiras, não descansemos enquanto não soubermos como podemos ser, na prática, os canais para a manifestação do poder divino enquanto estamos neste mundo. E se nosso desejo for o de trazer glória ao nome do Senhor desta maneira, iremos logo descobrir que Deus terá prazer em nos usar justamente na proporção em que estivermos andando em dependência dEle, e em obediência à Sua Palavra.

SEXTA PARTE

Chegamos agora à terceira coisa que foi mencionada, a saber, a CONSAGRAÇÃO. É evidente que existe em todo lugar o desejo de uma consagração mais completa ao Senhor. E ninguém pode duvidar que, apesar da imensa mistura de erro em meio à verdade nos diversos movimentos de “santidade” que têm surgido, milhares de almas encontraram parcialmente o que buscavam e, por conseguinte, entraram no gozo de uma ampla e crescente bênção espiritual. Deveria, realmente, ser sempre lembrado que Deus atende à alma, não pela medida de sua inteligência, mas de acordo com a necessidade que sente. 

Portanto, onde quer que santos tenham se reunido com corações sedentos, esperando no Senhor, encontraram ampla resposta aos seus clamores; e muitos entraram, a partir de então, em uma vida de paz e liberdade com Deus. Talvez continuem a se valer de termos que não sejam exatamente escriturísticos, talvez possam não entender exatamente o relacionamento que o Senhor tem com eles, e podem ainda estar ignorantes da plena graça de Deus em redenção, e da bendita esperança da volta do Senhor; todavia o Senhor tem agora um lugar em seus corações, lugar este que Ele nunca havia tido antes, e o Senhor passa a ser, para eles, tanto o Objeto que têm diante de suas almas, como o Centro em torno do qual gravitam, e a consequência disso é de indizível bênção. Com alegria admitimos tudo isso – e o admitimos em toda a sua extensão. O único ponto em que insistimos é a importância, com vistas a uma bênção ainda maior, de se compreender os pensamentos de Deus a respeito da consagração do Seu povo.

Esta é, portanto, a questão a ser agora considerada: O que é CONSAGRAÇÃO? A idéia que prevalece é a de que se trata de nos entregarmos totalmente ao serviço de Deus, em um ato de renúncia-própria.

Deveras há ocasiões em que isto pode ser feito por um ato da vontade, para que por meio de uma resolução fixa e constante possamos nos oferecer, a nós mesmos, cabeça, coração e alma, ao Senhor para o Seu próprio uso; e costumam- se organizar reuniões onde as pessoas são exortadas a se dedicarem desta forma ao Senhor. É bem possível que quando uma alma está conscientemente na presença de Deus (e isto pode acontecer em reuniões assim), exista algum impedimento, algum pecado a obstruir, ou algum mau hábito ou associação, que possa ser trazida à luz, e de algum modo confessada e julgada; e não há dúvida de que, em casos assim, haverá uma bênção maior. Mas isto não é consagração; e a questão que permanece é se este modo de colocar-se o eu de lado, ou se um tal ato de renúncia própria a que alguns são levados, é encontrado nas Escrituras.

A primeira coisa a ser observada é que as exortações feitas em reuniões assim supõem existir poder proveniente de nós – nos vêem como se fôssemos competentes para atingir o fim proposto, quando na realidade uma das coisas que temos que aprender, como já vimos em Romanos 7, é que o bem que desejamos fazer, não fazemos; em suma, somos totalmente incapazes de cumprir, em nós e por nós mesmos, o que quer que seja para Deus. Todavia, a pergunta que certamente se fará é se não somos chamados a nos rendermos a Deus, e a apresentarmos os nossos corpos como um sacrifício vivo, santo e aceitável a Deus como nosso culto racional.

Certamente que sim; mas nenhuma destas passagens dá base para um tal tipo de consagração como o que mencionamos acima. A fim de entendermos isto, vamos examinar um pouco o significado destas passagens. A primeira é encontrada em Romanos 6. A verdade apresentada neste capítulo é de nossa morte com Cristo, e que, como mortos com Cristo, somos justificados do pecado (versículos 1-7). O apóstolo segue então dizendo: “Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com Ele viveremos; sabendo que, havendo Cristo ressuscitado dos mortos, já não morre: a morte não mais terá domínio sobre Ele. Pois, quanto a ter morrido, de uma vez morreu para o pecado, mas, quanto a viver, vive para Deus. Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor. Não reine, portanto o pecado em vosso corpo mortal, para lhe obedecerdes em suas concupiscências; nem tão pouco apresenteis os vossos membros ao pecado por instrumentos de iniquidade, mas apresentai-vos a Deus, como vivos dentre os mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça. Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça” (Rm 6.8-14). Portanto não somos apenas vistos como mortos com Cristo, e justificados do pecado, mas devemos também nos reconhecer como vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor (já que Cristo morreu de uma vez para sempre para o pecado; e quanto a viver, Ele vive agora para Deus). Portanto, liberto do pecado, o corpo já não se encontra sob o seu domínio; e nos é dito que não devemos mais entregar nossos membros ao pecado como instrumentos de iniquidade, mas a nos entregarmos a Deus, como vivos dentre os mortos, isto é, como aqueles que estão mortos com Cristo, mas que têm uma nova vida nEle como Aquele que ressuscitou da morte.

Em que poder, então, é para isto ser efetuado? No poder da própria vontade? De jeito nenhum, mas devemos nos considerar como mortos; e é por esta razão que é tudo por intermédio do Espírito Santo no poder da nova vida que temos em um Cristo ressurreto. E deveria ser observado que o apóstolo diz expressamente que, ao usar a figura de um servo, seja no que diz respeito ao pecado ou à justiça, ele está falando à maneira dos homens por causa da fraqueza de nossa carne. Na verdade, a questão aqui diz respeito ao nosso corpo – ou nossos membros. Então, por termos parte na morte de Cristo, já não somos mais servos do pecado – estamos libertos dele. O que deve ser feito, então, de nossos membros? A resposta é encontrada na exortação que foi considerada. Que sejam feitos agora instrumentos de justiça para Deus; pois se, por um lado, devemos nos considerar como realmente mortos para o pecado; devemos também, por outro lado, nos considerar como vivos para Deus por intermédio de Cristo Jesus; e a verdade deste capítulo flui deste versículo 11. 

A exortação em Romanos 12.1, liga-se à doutrina do capítulo 6; embora o apelo esteja baseado na verdade desenvolvida até o final do capítulo 8. “Rogo-vos pois, irmãos”, diz o apóstolo, “pela compaixão de Deus” (Rm 12.1). Compaixão que foi revelada na redenção, a qual temos detalhada nesta epístola. Trazendo-nos à lembrança o que Deus é por nós em Cristo, e o que Ele fez, o apóstolo roga-nos, com base nisto, que apresentemos nosso corpo como um sacrifício vivo – santo, aceitável a Deus, que é o nosso culto racional. Uma vez mais, como no capítulo 6, a exortação refere-se ao nosso corpo – e deve ser lembrado que este mesmo corpo foi emancipado da servidão ao pecado e é agora, conforme o ensino do capítulo 8, habitado pelo Espírito Santo. Isto é suficiente para explicar o que o apóstolo quis dizer. Ao contrário do que faziam os sacerdotes do passado, já não devemos levar um sacrifício morto para colocar no altar de Deus; mas no poder do Espírito Santo, devemos oferecer um sacrifício vivo – de agora em diante, um sacrifício perpétuo; um sacrifício para ser apresentado sempre a Deus enquanto estivermos aqui neste mundo.

Mas, voltamos a perguntar, como é que isto deve ser feito? Será que é por um ato de nossa vontade? Não, isto seria impossível. É pela aplicação da morte – trata-se, na realidade, da verdade de Romanos 8.10. “Se Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o espírito vive por causa da justiça”; trata-se de Cristo controlando o nosso corpo em lugar de nós mesmos, como pretendemos explicar melhor mais adiante; e isto é um sacrifício tanto santo quanto aceitável a Deus, e nosso culto racional – o reconhecimento daquilo que é devido a Deus no terreno da redenção. Nosso corpo, em outras palavras, pertence a Ele que nos redimiu; mas a aceitação desta verdade irá envolver a sua apresentação a Deus de momento em momento, como um sacrifício vivo; de modo que Deus possa usá-lo agora para Sua própria glória em testemunho de Seu Filho amado.

O entendimento destas passagens irá preparar-nos para compreender o que é realmente a consagração. Com este propósito em vista, sugerimos a leitura de mais duas passagens: uma no Antigo Testamento, e a outra em Romanos 8. Vamos ver primeiro aquela onde está registrada a consagração de Aarão e de seus filhos para o ofício do sacerdócio (Êxodo 29). Sem entrarmos em detalhes, podemos apresentar o significado dos rituais que acompanharam aquele serviço. Eles eram, antes de mais nada, lavados com água (vers. 4), uma figura do novo nascimento – de ser nascido da água e do Espírito (João 3.5); isto é, da aplicação da Palavra à alma por intermédio do Espírito Santo. Em seguida, eles eram colocados sob a eficácia do sacrifício pelo pecado; seus pecados tendo sido, em figura, transferidos para o novilho pela imposição de suas mãos sobre a cabeça deste. Dessa maneira o juízo cai sobre o novilho: o sangue é assim colocado sobre as pontas do altar e a carne do novilho é queimada com fogo fora do arraial (vers. 10-14). Seus pecados são, deste modo, levados embora. Então eles são introduzidos diante de Deus em toda a aceitação do sacrifício pelo pecado (vers. 15-18).

Tudo isso era para qualificá-los para a consagração; e no que vem a seguir temos a consagração propriamente dita. Primeiro, o sangue era colocado sobre a ponta de suas orelhas direitas, nos polegares direitos e no dedo polegar de seus pés direitos; e o resto do sangue devia ser espargido sobre o altar ao redor. Isto é, Deus, em virtude do sacrifício de Cristo, exige, em conformidade com o valor de Seu precioso sangue, a completa devoção de Seus servos e sacerdotes; os quais, em virtude de terem sido colocados sob o valor daquele sangue precioso, devem, a partir de então, escutar, agir, e andar só para Deus. Havendo sido comprados por preço, devem agora glorificar a Deus com seus corpos que pertencem a Ele. E com o sangue, o azeite da unção era também para ser espargido sobre eles e sobre seus vestidos, representando o poder no qual o seu serviço deveria ser executado: não na energia da carne, ou por esforço da vontade, mas unicamente na unção, e pela unção, do Espírito Santo.

É na cerimônia que se segue que temos realmente a verdade da consagração. Todos os nossos leitores devem saber que estes sacrifícios são tipos de Cristo; e à luz deste conhecimento, devem ler o que era feito ao carneiro da consagração. Diferentes partes dele, juntamente com pão untado em azeite e um coscorão de pão asmo, eram colocados nas mãos de Aarão e seus filhos, e apresentados como oferta movida diante do Senhor. Suas mãos eram assim cheias de Cristo – Cristo, em toda a devoção de Sua vida, como é mostrado pelo pão sem fermento (a oferta de manjares); e Cristo em Sua devoção até à morte, conforme testificado pela oferta queimada. Portanto o verdadeiro significado de “consagrar-se” é “encher a mão”, e foi assim que Aarão e seus filhos foram consagrados, por terem tido suas mãos, em figura, cheias com Cristo: e com Aquele que é a única oferta aceitável que poderiam apresentar a Jeová. Aprendemos além do mais que o alimento para aqueles assim consagrados deveria ser as afeições (o peito) de Cristo, e a força (o ombro) de Cristo; pois era só assim que sua consagração podia ser mantida e manifestada.

Passando agora a Romanos 8, encontramos que a consagração ali corresponde exatamente, embora num sentido ainda mais profundo, à verdade de Êxodo 29. “Vós, porém, não estais na carne”, diz o apóstolo, “mas no Espírito, se é que o Espírito de Deus habita em vós. Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dEle. E, se Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o espírito vive por causa da justiça” (Rm 8.9,10). No versículo 9 temos a posição cristã como um todo – caracterizada pelo fato do crente possuir o Espírito Santo, e ser por Ele habitado. A expressão é de grande ênfase. Se alguém não tem o Espírito de Cristo – isto é, o Espírito em cujo poder o próprio Cristo andou e agiu quando estava aqui – esse tal não é dEle: esse tal ainda nem está assinalado como alguém que pertence a Cristo. Não importa o que ele seja, não se pode afirmar que alguém seja um cristão, no verdadeiro sentido da palavra, se ele não tiver o Espírito Santo.

Chegamos, portanto, aqui, ao mesmo ponto (apenas com um significado ainda maior) daquele onde os sacerdotes eram ungidos com o azeite, algo que vinha antes e que era preparatório à consagração propriamente dita. Por isso lemos, no versículo seguinte, “se Cristo está em vós”, o que é também uma característica do cristianismo (veja Colossenses 1.27). Em outras palavras, o crente não é só habitado pelo Espírito de Deus, mas Cristo está também nele. O Senhor Jesus, falando da época quando o Espírito Santo haveria de vir, diz: “Naquele dia conhecereis que estou em Meu Pai, e vós em Mim, e Eu em vós” (Jo 14.20). Em Romanos 8.1 nos é dito que estamos em Cristo e no versículo 10 é dito que Cristo está em nós, em conformidade com estas palavras de nosso bendito Senhor, as quais só seriam entendidas quando o Espírito Santo viesse. E a verdade de Cristo em nós é a fonte de nossa consagração, ou, como pode também ser colocado, a nossa consagração flui do fato de que Cristo está em nós. Explicamos que pela libertação entramos no descanso, e no poder, e, agora, veremos que a terceira bênção é a consagração. 

Chamamos, primeiramente, a atenção para a linguagem usada pelo apóstolo. “Se Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o espírito vive por causa da justiça” (Rm 8.10). Isto (quando corretamente compreendido) é consagração, e é isto que esperamos, com a ajuda divina, ser capazes de explicar. Antes de nossa conversão, como todos sabemos, governávamos nosso corpo. Ele nos servia conforme nossa vontade, fosse para os deveres, desejos ou prazeres. A vontade de cada um de nós era a força diretriz; e é isto o que o apóstolo quer dizer quando fala que antes éramos servos do pecado (Romanos 6.16,17). Nossa própria vontade (influenciada e escravizada, é verdade, por Satanás usando a carne) era a autoridade suprema. Não éramos homens livres, pois quem comete pecado é servo do pecado (João 8.34), e, ai! nada mais fazíamos senão pecar. Pois o pecado é justamente a independência de Deus, é a ausência do princípio da lei atuando na pessoa, como o Espírito de Deus o denomina em 1 João 3.4 (esta é a melhor tradução para a palavra traduzida como “iniquidade” na versão Almeida Corrigida); ou seja, vivendo sem outra lei senão a direção do eu e de seus desejos.

É isto o que éramos, mas agora lemos que “Se Cristo está em vós, o corpo, na verdade, está morto por causa do pecado”, o que vale dizer, se nos aventurarmos a fazer uma paráfrase disto, que, sabendo que se a vontade entra em atividade, a consequência é pecado; agora que Cristo está em nós, temos o corpo como morto, para que não possa mais ser usado por nós em conformidade com a NOSSA vontade, mas que Cristo possa possui-lo como um vaso para a expressão da Sua vontade. Consideramos o corpo como morto por causa da certeza de resultar em pecado, se for controlado por nós mesmos; e deste modo é acrescentado também que o Espírito vive (ou é vida) por causa da justiça. Considerando o corpo como morto, já que Cristo está em nós, desejamos agora que Ele, e não o pecado, seja Quem o dirija, e consideramos a atividade do Espírito, que habita no corpo, como a única vida que o cristão deve reconhecer, se é que desejamos ser preenchidos com o fruto da justiça que é por Jesus Cristo para a glória e louvor de Deus (veja Filipenses 1.11). Isto significa dizer que a justiça prática só pode ser produzida em nossa vida quando o corpo é reservado como um vaso para Cristo pelo poder do Espírito Santo.

SÉTIMA PARTE

Podemos agora expor, de forma distinta, alguns pontos que irão capacitar o leitor a compreender de maneira simples a verdade da consagração. Podemos então dizer que a consagração está em Cristo possuir o total controle sobre os corpos do Seu povo, de modo que possam ser órgãos para a expressão de nada além dEle próprio. Há duas passagens que irão tornar mais claro o que queremos dizer. “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, O qual me amou, e Se entregou a Si mesmo por mim” (Gl 2.20). O mesmo apóstolo escreve: “Trazendo sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus se manifeste também em nossos corpos” (2 Co 4.10). Em ambas estas passagens encontramos a mesma coisa – que só Cristo é para ser manifestado por meio dos corpos do Seu povo. A diferença está em que, na primeira, o eu é totalmente deixado de lado – “não mais eu, mas Cristo vive em mim”; enquanto que na segunda, são dados os meios pelos quais a “vida de Jesus” esteja assegurada. Isto é, portanto, consagração – Cristo no lugar do eu, Cristo reinando supremo dentro de nós, e usando-nos como os veículos para a exposição de Si próprio em meio às trevas deste mundo. 

Talvez agora seja de ajuda indagarmos como é que esta consagração – o desejo de cada crente verdadeiro – é alcançada. Assinalamos o fato de que aceitamos alegremente, pela graça de Deus, a Cristo como nosso substituto sobre a cruz; que quando somos guiados na verdade da libertação, igualmente O aceitamos, ao invés de a nós mesmos, na presença de Deus; e agora devemos dar um passo mais e aceitá-Lo, ao invés do eu, como nossa vida neste mundo. Assim como o apóstolo, também devemos dizer: “Não mais eu, mas Cristo vive em mim”. Isto irá levar-nos a rejeitar o “eu” em todas as suas formas e manifestações, pois aprendemos que o eu não passa de mal em sua essência. Cristo tornar-se-á então o motivo, objeto e fim de tudo o que falamos e fazemos. Ele próprio, embora sempre O Perfeito, bendito seja o Seu nome, mostrou-nos o caminho que devemos trilhar. Ele nunca falou Suas próprias palavras, e nunca agiu por Si mesmo; Ele não falou a Seu favor, e nem teve Suas ações originadas em Si mesmo – isto é, Ele não originou em Si mesmo suas palavras ou ações (João 5.19; 14.10). Tanto uma coisa como outra provinham do Pai; ou, como Ele próprio disse, “O Pai, que está em Mim, é Quem faz as obras” (Jo 14.10). Neste mesmo princípio, Ele, que está em nós, deveria, no poder do Seu Espírito, produzir nossas palavras e ações, a fim de tanto estas como aquelas poderem ser um testemunho para Ele e para Sua glória. 

Mas temos coisas que nos embaraçam – enquanto que Ele não as tinha. Ele era um vaso perfeito e, por esta razão, podia dizer: “Quem Me vê a Mim vê o Pai” (Jo 14.9). Ainda temos a carne em nós, e a carne sempre milita contra o Espírito, e procura atrapalhar o Seu bendito poder na alma. Por isso lemos em uma das passagens já citadas, “Trazendo sempre por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo” (2 Co 4.10); e em Romanos 8.13, “Se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis”. Isto é, deve haver a aplicação constante da morte sobre tudo o que somos, se é que buscamos ser a inequívoca expressão de Cristo, em qualquer medida que seja; e o poder para isto está no fato de possuirmos o Espírito Santo. Por exemplo, suponha que, sob tentação, eu esteja a ponto de deixar meu temperamento agir, ou de cair em algum tipo de pecado. Ao olhar para fora de mim, para Cristo, e ao lembrar que fui, pela graça, associado a Ele em Sua morte, sou capacitado, por intermédio do Espírito, a recusar a carne, a considerar-me morto para o pecado; e desta maneira Cristo é Quem Se expressa, e Ele vive em mim, e fala por meu intermédio, ao invés de eu mesmo fazê-lo. Por isso temos também a exortação para não entristecermos o Espírito Santo de Deus (Efésios 4.30); pois se, ao permitir que a carne se manifeste, Ele é entristecido, não apenas torno obscura a expressão de Cristo por meu intermédio, mas também perco, ao entristecer o Espírito fazendo-O silenciar, o poder para mortificar os feitos do corpo.

Portanto, ainda que eu inicie com a aceitação de Cristo para ser Ele minha vida aqui, em lugar de mim mesmo, a consagração só pode ser obtida por um hábito constante – dia após dia, hora após hora – de um juízo próprio na presença de Deus. “Todas estas coisas se manifestam, sendo condenadas, pela luz, porque a luz tudo manifesta” (Ef 5.13) e, “como Ele (Deus) na luz está” (1 Jo 1.7), se estou conscientemente ali, detecto instantaneamente tudo o que não está de acordo; e então, se julgo a mim mesmo, confessando minha falha, minha comunhão é restaurada, minha consagração é mantida (leia 1 João 1).

Estando assim tão distante do pensamento comum de que a consagração seja alcançada pelo ato resoluto de renúncia própria de alguém, vemos que ela começa, não aí, mas na aceitação de Cristo ao invés do eu, dando a Ele o Seu devido lugar de preeminência em nós, e que ela é mantida pela incessante rejeição do eu no poder do Espírito Santo. E é a esta consagração que Deus, em Sua infinita misericórdia, guia a alma libertada.

Todavia deveria ser acrescentado que nossa consagração neste mundo nunca será completa. O próprio Senhor Jesus é o Único perfeitamente consagrado; e é Ele o modelo ao qual devemos estar conformados. Nossa consagração agora é em proporção à nossa conformidade a Ele – nem mais e nem menos do que isto. Trata-se de um entendimento errado das Escrituras falarmos de nosso ser como estando inteiramente consagrado, e é um erro ainda maior, como já foi observado, falar disto como algo que se obtém de repente, por um simples ato de rendição. O Senhor, em sua oração ao Pai, na véspera de Sua crucificação, disse: “E por eles Me santifico a Mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade” (Jo 17.19). Ele foi sempre o verdadeiro Nazireu, inteiramente separado para Deus, mas agora Ele estava para santificar-Se a Si mesmo, a separar-Se para Deus de uma maneira nova, como o Homem glorificado, e como tal Ele viria a tornar-Se o padrão de nossa santificação – isto é, de nossa santificação prática. É por isso que Ele roga para que eles pudessem ser também santificados na verdade – na verdade daquilo que Ele é como santificado, separado em glória. Consequentemente, esta santificação será, para nós, progressiva – progressiva em proporção ao poder da “verdade” em nossa alma. 

O modo como isto é efetuado nos é explicado pelo apóstolo Paulo. “Todos nós, com cara descoberta (com o rosto sem véu), refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor” (2 Co 3.18). Tendo a Cristo em glória diante de nossa alma, assim como Ele está descoberto, revelado a nós, refletindo toda a glória de Deus mostrada em Sua face, todas as perfeições morais, todos os benditos atributos, a essência da excelência espiritual de Deus, concentrada, e expressa nAquele que está glorificado – ocupados assim com Ele como o Objeto de nossa contemplação e prazer, somos, pelo poder do Espírito Santo, gradualmente (e é por isso que é de glória em glória) transformados à imagem dAquele a Quem fitamos. Mas, repetimos, nunca chegaremos aqui à Sua total semelhança; pois é só quando pudermos vê-Lo assim como Ele é que seremos como Ele (1 João 3.2). É na mesma proporção de nossa semelhança com Ele que será a manifestação de Sua vida por intermédio de nosso corpo. Portanto não poderá haver descanso aqui, no sentido de termos isto como algo já alcançado, assim como não podemos nos considerar como já tendo atingido aqui a santidade perfeita. Deve existir sempre a exigência de santidade através da fé, mas nunca será demais frisar que a santidade da qual as Escrituras falam é a total conformidade a um Cristo glorificado. Esta é a santidade segundo as Escrituras, e podemos alcançar, pela graça de Deus, mais dela a cada dia; mas ela só será nossa em toda a sua plenitude quando virmos nosso bendito Senhor face a face. Ao mesmo tempo, aqueles que entenderam a verdade da redenção, e já entraram no gozo da libertação não terão mais do que um desejo, ou seja, que Cristo, e só Cristo, possa ter o Seu devido lugar de supremacia e, assim, completo domínio sobre suas vidas e seus corações. 

Concluindo, podemos assinalar rapidamente as características do santo consagrado. Primeiro, e mais importante, ele não tem vontade própria. Como o apóstolo, ele diz: Não eu, mas Cristo vive em mim. Estando crucificado com Cristo, a vontade própria, na maneira como se encontra ligada ao velho homem, já saiu de diante de Deus, e consequentemente a tratamos como já julgada e rejeitamos as suas atividades. A vontade de Cristo é nossa única lei; e somos dEle, para o Seu único e absoluto uso. Além disso, o crente consagrado procura somente a exaltação de Cristo. Consideremos outra vez o apóstolo Paulo, quando na prisão, e com a possibilidade do martírio diante de si, e descobriremos que sua intensa expectativa e esperança eram de que em nada fosse confundido ou envergonhado, mas que com toda a confiança, como sempre, e agora também, Cristo fosse engrandecido em seu corpo, fosse pela vida ou pela morte (Filipenses 1.20). O eu desapareceu de sua vista, e a glória de Cristo tomou conta de sua alma.

Aprendemos com isso que Cristo era o tudo da vida do apóstolo, seu motivo e objetivo – uma evidente característica de consagração. “Para mim”, dizia ele, “o viver é Cristo”. E já que o morrer era ganho, ele não tinha escolha, pelo fato de que Cristo era tudo para ele, e Cristo somente sabia qual a melhor maneira de o apóstolo servi-Lo. E, por fim, sua esperança era de estar com Cristo. Quando Cristo é o objeto de nossas afeições, se Ele enche nosso coração, não podemos fazer nada mais, além de almejarmos estar com Ele. Onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração, e o coração sempre deseja ardentemente estar com seu tesouro.

Sendo assim, se a morte estiver diante do crente consagrado, ele dirá como Paulo: “Desejo partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor”; e se a morte não estiver diante dele, o crente estará vivendo naquele poder da bendita esperança do retorno de Cristo, para poder estar com seu Senhor para todo o sempre. Pois é esta a esperança que o próprio Senhor coloca diante da alma; de maneira que, se Ele diz: “Certamente cedo venho”, o coração daquele que é consagrado irá, na linguagem do apóstolo João, responder: “Amém. Ora vem, Senhor Jesus” (Ap 22.20).

Edward Dennett

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