A Parábola dos Oito Talentos

(25:14-30)

Por John Heading

A parábola dos talentos mostra as diferentes capacidades dos homens que recebem algo do Senhor; a parábola das minas em Luc. 19:12-27, sugere responsabilidades iguais. Alguns expositores acham que as duas parábolas são idênticas, mas os respectivos contextos mostram que foram ditas em ocasiões diferentes. Em Luc. 19:11 a parábola foi contada porque alguns pensaram que "logo se havia de manifestar o reino de Deus"; foi contada quando o Senhor saía de Jericó a caminho de Jerusalém; mas a parábola dos talentos foi contada alguns dias mais tarde no monte das Oliveiras. A primeira foi narrada publicamente às pessoas que O acompanhavam, mas a segunda foi para os Seus discípulos, em particular. Os expositores também diferem quanto à interpretação da parábola, alguns até negam que as "trevas exteriores", no v. 30, representam castigo eterno. O fato da parábola abranger o tempo entre a ascensão do Cristo (v. 14) e a Sua volta (v. 19), significa que podemos interpretar o período intermediário como sendo o período da Igreja e

não restringi-lo apenas aos sete anos antes da Sua vinda em glória.

 

14. "Porque isto é também como um homem" se refere ao "reino dos céus" como no v. L "Partindo para fora da terra" é somente uma palavra no texto grego, o verbo apodemeo, que significa sair do país. A ARA traduz esta palavra "ausentando-se do país" e a VB "partindo para outro país". No v. 15 o mesmo verbo é traduzido "ausentando-se" (ARC) e "então partiu" (ARA). A ARC sempre acrescenta a palavra "para longe" ou "para fora" quando esta palavra aparece (Mat. 21:33; Mar. 12:1; Luc. 15:13; 20:9), embora o significado de "longe" não é realmente indicado no verbo. Em Luc. 15:13 e 19:12 as palavras "uma terra longínqua" e "uma terra remota" estão no texto e são traduções corretas Mais uma vez os "servos" são escravos (doulos), e eles recebem os bens do seu senhor, sugerindo que os talentos, na parábola, não são somente dinheiro, mas estes talentos representam o valor dos seus bens; o homem que recebeu um talento sem dúvida recebeu "dinheiro" (v. 18).

 

15. A distribuição não foi por igual, mostrando que o senhor conhecia a capacidade e a fidelidade dos seus servos de antemão: "a cada um segundo a sua capacidade". Os expositores fazem muitas sugestões sobre o que estes talentos significam, mas as suas sugestões parecem ser quase obra de adivinhações; sendo que o Senhor não explicou a parábola podemos, portanto, dentro dos limites do bom senso espiritual, fazer sugestões.

Uma coisa é certa, os servos não possuíam os talentos anteriormente, portanto não podemos concordar com J. C. Ryle no seu livro Expository Thoughts on the Gospels: Vol. I — Matthew (Exposições e Pensamentos sobre os Evangelhos: Vol. I - Mateus) onde ele escreve: "Qualquer coisa através da qual podemos glorificar a Deus é um talento.

Nossos dons, nossa influência, nosso dinheiro, nosso conhecimento, nossa saúde, nossa força, nosso tempo, nossos sentidos, nossa razão, nosso intelecto, nossa memória, nossas afeições". E óbvio que estas coisas devem ser usadas no serviço do Senhor e para a Sua glória, mas dificilmente podem representar talentos recebidos do Senhor por ocasião da Sua ascensão aos céus. Cremos que estes talentos eram muito mais específicos, em conformidade com as palavras do Senhor depois da Sua ressurreição: "Recebei o Espírito Santo" (João 20:22), e foram transformados em dons espirituais quando o Senhor foi assunto aos céus.

O homem com um talento era um servo e responsável a Deus, mas não era salvo; ele tinha o Espírito, no sentido que vemos em João 16:8-11 onde o Espírito é dado para convencer "o mundo do pecado, e da justiça e do juízo". Uma maneira pela qual o Espírito é manifestado é através de dons espirituais que são dados ao povo de Deus. Em Rom. 12:3, é Deus que tem "a medida da fé" e repartiu a cada um", e em seguida uma lista de dons é apresentada. Em I Cor. 12:11 é o Espírito Santo que reparte "particularmente a cada um como quer", e uma lista de dons aparece nos vs. 8-11. Em Ef. 4:7 Paulo escreve: "a graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do dom de Cristo", e em seguida vem uma lista. Em I Ped. 4:10, o apóstolo escreveu: "Cada um ... o dom como o recebeu". Note a ênfase em "cada um" e o grande fato que as três Pessoas da Trindade estão envolvidas na distribuição. A entrega original de dons continua até o presente, os dons específicos sendo dados de acordo com a vontade de Deus, e não necessariamente abrangendo todos os dons que existiam no início do testemunho da Igreja.

 

16-17. A fidelidade dos dois primeiros homens fez com que pudessem duplicar o número de talentos. A habilidade no serviço divino aumenta através do exercício daquela habilidade; o dom não deveria ser negligenciado (I Tim. 4:14), mas deveria ser despertado à maior utilidade (II Tim. 1:6). Dons eram dados para a edificação, não somente para o indivíduo, mas especialmente para os outros membros das igrejas locais.

Assim os talentos aumentavam, na parábola eles dobraram, e na parábola do semeador produziram um a cem (Mat. 13:8). Os esforços do apóstolo Paulo fizeram com que muitas igrejas pudessem ser formadas, cada uma constituída por muitos cristãos com dons em desenvolvimento, que foram recebidos do Espírito Santo. No caso de Roma, ele desejava comunicar-lhes algum dom espiritual, para que fossem confortados (Rom. 1:11).

 

18. Mas, o talento único foi enterrado na terra pelo homem que não apreciou o seu valor. O Espírito contende com o homem, mas "não quiseste" (Mat. 23:37). Este homem não era um pagão, mas um que sabia da existência do talento. Sem dúvida, ele era do tipo que se ocupa em trabalhos religiosos, mas não possui poder, pois não é salvo. Contato com a Terra é um método conveniente para se evitar o poder do Espírito Santo que convence; a doutrina do Espírito Santo seria conhecida, mas não o poder que leva à salvação. Tesouros na Terra valiam mais para este homem do que tesouros nos céus; por isso nenhuma obra de graça podia ser efetuada nele, e se nenhuma obra fora iniciada, então nenhuma obra poderia continuar; se nenhuma obra boa fora iniciada, então ela não poderia ser aperfeiçoada até ao dia de Jesus Cristo (Fil. 1:6).

 

19. O Senhor não deu nenhuma indicação sobre a duração do "muito tempo". Heb. 10:36-37 é muito apropriado aqui: "depois de haverdes feito a vontade de Deus, possais alcançar a promessa. Porque ainda um poucochinho de tempo, e o que há de vir virá, e não tardará". E evidente que os servos que estavam vivos no início da Igreja não estarão aqui no tempo do arrebatamento; eles dormem em Jesus até aquele dia (I Tess. 4:14), e eles ressucitarão primeiro, para serem seguidos por "nós, os que ficarmos vivos até a vinda do Senhor" (v. 15). O julgamento ou a avaliação ocorrerá no "Tribunal de Cristo" (Rom. 14:10); já falamos sobre isto em relação a Mat. 20:16.

 

20-23. Todos os três homens começaram as suas declarações usando o título "Kuriè' — Senhor. Hoje, em certos círculos, outros títulos populares são comuns, mas a sua constante repetição não tem base bíblica.

Naquele dia, todos serão constrangidos a usar o título "Senhor" (Fil. 2:11). Os dois primeiros homens usaram palavras idênticas (a não ser pelos números dois e cinco), e o Senhor usou palavras idênticas nas Suas respostas a eles. Sem se orgulharem, eles usaram a palavra "eu" (oculto), diferente de Lucas 19:16, 18 onde temos, "tua mina". Dizer "eu" não é vangloriar-se, mas é um reconhecimento humilde de um fato, como Paulo escreveu: "trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus que está comigo". (I Cor. 15:10); veja também Gál. 2:20. Perante o Senhor, eles podiam mostrar o aumento dos talentos.

O dom é desenvolvido na pessoa, e usado no serviço, como no caso de Paulo que "se esforçava muito mais e confundia os judeus ... provando que aquele era o Cristo" (Atos 9:22). O dom foi desenvolvido em Apolo (um homem que já possuía eloquência e era conhecedor das Escrituras), que então ajudou os que habitavam na Acácia e que tinham crido por intermédio da graça (Atos 18:27). Estes dons são para a "edificação do corpo de Cristo" (Ef. 4:12), quando os membros desenvolvem os seus dons através do estímulo dos outros que são mais maduros.

O Senhor reconhece tais homens como servos "bons e fiéis"; fidelidade é a base da avaliação divina. "Requer-se ... que cada um se ache fiel", escreveu Paulo (I Cor. 4:2). Deus considerou Paulo fiel (I Tim. 1:12), e no final da sua vida Paulo declarou: "guardei a fé" (II Tim. 4:7). A avaliação divina será baseada no que o homem possui, e não no que ele não tem (II Cor. 8:12), pois a distribuição inicial foi de acordo com a vontade do Senhor. Ninguém deve ficar com inveja, e nem mesmo desapontado, por não possuir o que outro possui: "Assim cada um ande como Deus lhe repartiu, cada um como o Senhor o chamou" (I Cor. 7:17).

Uma recompensa dupla é prometida aos que são fiéis. Devemos salientar que a recomendação, "Bem está" {eu) é simplesmente "bem", e a de Luc. 19:17 (euge) é "muito bem" (ARA). Quando fidelidade total é exercida na vida e no serviço, autoridade milenar "sobre muito" é concedida a ambos os homens. Fidelidade aqui gera autoridade ali, como Paulo escreveu: "com ele reinaremos" (II Tim. 2:12); um reino é destinado a nós (Luc. 22:29), e teremos poder sobre as nações (Apoc. 2:26; 5:10). A segunda recompensa é "entra no gozo do teu senhor". Na ascensão, o Senhor entrou onde há "delicias perpetuamente" (Atos 2:28; Sal. 16:11); este gozo estava diante dEle enquanto Ele suportou a cruz e a sua vergonha (Heb. 12:2). Fidelidade agora muitas vezes conduz à tribulações nesta vida, mas em contraste, a recompensa será eterna.

 

24-30. A explicação dada pelo terceiro homem não acontece no Tribunal de Cristo; os incrédulos não estarão ali. Dependendo das circunstâncias, acontece quando os incrédulos serão reunidos para não entrarem no reino milenar, ou no julgamento do grande trono branco que acontece no final dos mil anos. A resposta parece que foi inventada para a ocasião. O Senhor certamente não é "duro", pois é a Sua graça que dá o dom e é a Sua graça que torna possível o seu uso; é a Sua graça que leva os homens ao arrependimento e à salvação, pelo Espírito Santo. O exemplo dos primeiros dois homens mostra que o Senhor havia ceifado e colhido onde Ele havia semeado e espalhado, pois como o bom Semeador Ele providenciou a semente, juntamente com os dons e as oportunidades onde a Sua obra pudesse ser realizada. O Espírito Santo foi dado para convencer os homens; falta de fruto era a culpa dos homens — não era nenhum reflexo no poder do Senhor como este homem insinuou.

Duvidamos muito se este homem teve "medo" durante a sua vida; amizade com o mundo era mais desejado do que a obra interior do Espírito, por isto o Espírito voltou Àquele que O deu. Como Paulo escreveu: "Porque dele, e por ele, e para ele, são todas as coisas" (Rom. 11:36).

Na resposta do Senhor, as palavras "mau e negligente" estão em contraste com as palavras "bom e fiel". O Senhor meramente citou as palavras do homem, isto é, o que ele afirmava saber. A sua doutrina estava errada, mas ele seria julgado de acordo com ela: "por tuas palavras serás justificado e por tuas palavras serás condenado" (Mat. 12:37). O v. 27 apresenta problemas para os expositores. Nós pensamos que por esconder o talento o homem estava impedindo o Espírito Santo de levar outros ao conhecimento de Cristo e da salvação. Ele transmitiu a outros o seu mundanismo, pois esta atitude é muito contagiosa. Se este homem não queria a salvação para si mesmo, então ele não deveria impedir a obra do Espírito Santo nos outros. O Senhor então teria recebido algo na Sua vinda. Os fariseus eram assim: eles não queriam entrar, e nem deixavam que outros entrassem (Mat. 23:13). O poder de Deus nunca pode ser desperdiçado; ele será necessário durante a administração milenar, por aqueles a quem é concedida autoridade de governar. Ele é retirado do homem com um talento e dado ao que tem dez.

O v. 29 repete o que o Senhor havia dito em Mat. 13:12 — o aumento da verdade naqueles que a possuem, e a retirada da verdade daqueles que não a desejam. O mesmo se aplica à obra do Espírito Santo nos corações dos homens. Estas são palavras de incentivo para o povo de Deus e palavras de aviso para os descrentes, mas é raro ouvirmos elas sendo apresentadas aos incrédulos! Naquele julgamento futuro, este homem será considerado "inútil". Na nossa vida presente, devemos nos considerar como "servos inúteis" (Luc. 17:10), com profundo sentimento de humildade. Mas Marcos pôde ser "útil" depois de uma mudança na sua atitude anterior (II Tim. 4:11; Atos 13:13; 15:38) e Onésimo, que antes da sua conversão era inútil, agora era "útil" (Filemom 11). Entretanto se alguém permanecer inútil até o fim, para ele resta somente "trevas exteriores", "eternamente ... a negrura das trevas" (Judas 13) com um remorso que nunca se apagará.

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