Há algum tempo, durante uma reunião de estudo da Palavra, minha atenção foi despertada para as tristes circunstâncias da morte de Jônatas no Monte Gilboa. Israel fugiu diante do inimigo, e foi vencido. Saul foi morto, e seus três filhos foram mortos juntamente com ele. Foi a completa derrota do reino de Saul. Que triste cena – o corpo de Saul e os corpos de seus três filhos pregados no muro de Bete-Sã! Acaso não seria esse um final triste para qualquer homem que terminasse assim? Imagine então o que foi para Jônatas chegar a um tão vergonhoso fim! E como foi que isso aconteceu? Por que aconteceu? E que lição Deus quer que aprendamos desta história inspirada, nestes últimos dias em que vivemos?

 

O ponto decisivo na história de Jônatas está em 1 Samuel 18, e ilustra também o ponto decisivo na história de toda alma que é nascida do alto. É verdade que encontramos Jônatas, antes disso, como um homem poderoso da casa de Saul. “E Jônatas feriu a guarnição dos filisteus que estava em Gibeá, o que os filisteus ouviram: pelo que Saul tocou a trombeta por toda a terra, dizendo: Ouçam os hebreus!” (1 Sm 13:3). Nós o encontramos outra vez como um homem valente na passagem de Micmas. Alguém pôde dizer, dez séculos mais tarde, “E eu, nalgum tempo, vivia sem lei.” (Rm 7:9). “Se algum outro cuida que pode confiar na carne, ainda mais eu… hebreu de hebreus.” (Fp 3:4-5). Assim, o ponto decisivo na vida de Jônatas foi, em figura, muito parecido com o ponto decisivo na vida de Paulo a caminho de Damasco.

 

O PODEROSO ADVERSÁRIO

 

É iniciado o assunto. Que estudo temos aqui! Israel estava reunido em ordem de batalha no vale de Elá. Do outro lado do vale estava o adversário da casa de Saul, o desafiador dos exércitos de Israel. E não havia um libertador na casa de Saul. Naquele dia, Deus enviou um rei-salvador – aquele desprezado pastor um rapazinho. Ah, aquele desprezado era o ungido de Deus, o rei de Israel. O poderoso inimigo foi morto naquele dia pelo filho mais novo de Jessé. “E disse-lhe Saul: De quem és filho, mancebo? E disse Davi: Filho de teu servo Jessé, belemita.” “E sucedeu que, acabando ele de falar com Saul, a alma de Jônatas se ligou com a alma de Davi; e Jônatas o amou, como à sua própria alma.” (1 Sm 17:58; 18:1).

 

Ah, Jônatas tinha olhado para o outro lado do vale de Elá e, vendo aquele terrível adversário, Golias de Gate, cuja altura era de seis côvados, ficou com muito medo. E não foi só por um dia ou dois que Golias se apresentou, mas por quarenta dias, e com ele todos os exércitos da Filístia. Quão grande a graça de Deus em enviar ao acampamento aquele Davi salvador, o rei desconhecido! Ali permaneceu ele, tendo terminado a obra que Deus lhe havia dado para cumprir. A vitória fora completa; o campeão estava morto, e os filisteus fugiram. Olhe para Davi agora. Porventura não é uma figura daquela maior vitória do maior Filho de Davi? 

A UM PASSO DA ETERNIDADE

Como Jônatas olhou para o outro lado daquele vale de Elá, assim também uma alma é,às vezes, levada a olhar para além do vale da morte. E, oh, quão terrível será o horror se o grande adversário estiver ali, e se todos os pecados da vida passada estiverem ali também, tudo disposto em uma terrível ordem, como as hostes dos filisteus! Permita-me que lhe peça que olhe para o outro lado desse estreito e profundo vale, e responda: Porventura o Salvador Jesus já foi revelado à sua alma, como foi o salvador Davi ali revelado a Jôtanas? Evidentemente, este último é apenas uma figura do primeiro. Mas havia realidade e certeza para Jônatas, e aquilo, de uma vez para sempre, ligou seu coração a Davi. Este assunto é tão oportuno – o vale que nos separa da eternidade é tão estreito. Outro suspiro – não, talvez, nem chegue a outro suspiro e já poderá ser, após a morte, a vez do seu julgamento! Se assim for, você certamente tem um motivo ainda maior para ficar aterrorizado, do que o que teve Israel naquele dia. Você pode ter sido, até hoje, um príncipe tão poderoso quanto Jônatas; a trombeta de Saul pode ter propagado o seu louvor; mas será que Deus revelou Jesus à sua alma – Aquele que foi enviado por Deus – Aquele que foi desprezado e rejeitado? Você pode vê-Lo? Então digame: O que são aquelas cicatrizes nas Suas mãos e no Seu lado? Elas falam docemente ao coração: “Tendo consumado a obra que Me deste a fazer” (Jo 17:4). Olhe para o poderoso Conquistador, o Unigênito enviado por Deus. “Eis o Cordeiro de Deus!” (Jo 1:29).

Oh, quão maravilhoso é o efeito da fé simples em Jesus, Aquele que completou a obra da redenção! Quarenta dias esse adversário, Golias, desafiou Israel; mas por quarenta séculos Satanás desafiou o homem e desonrou a Deus. Quem mais além do santo Substituto poderia sair ao encontro do adversário e preservar a glória de Deus? Pois assim como Davi abateu Golias no vale de Elá, também Jesus encontrou todo o poder de Satanás no vale da morte. Minha alma, faz bem meditar nisto. Cada pecado que o acusador poderia trazer contra mim foi carregado por Jesus.

 

AMAR E DESPOJAR-SE

 

Duas coisas foram produzidas em Jônatas por essa, por assim dizer, primeira revelação de Davi: Jônatas o amou como à sua própria alma, e se despojou. Evidentemente, isso foi algo simples e natural. De que maneira singular ele olhou para a face daquele jovem pastor que, com o risco da própria vida, munido apenas de sua funda e de sua pedra consumara tão grande livramento! E será que você pode também olhar para Jesus, Aquele que deu Sua vida tão preciosa, Aquele que suportou a ira pelos pecados que você cometeu, Aquele que mostra Suas mãos e Seu lado e, com doçura, lhe diz: “Paz seja convosco” (Jo 20:19). Ao tomar conhecimento disto, pode você ainda ficar sem amar Aquele que tanto amou você primeiro?

Portanto, como se pode ver, a fé deve produzir amor. Quão belo e simples é tudo isso!Então vem o despojar-se. Por que foi que Jônatas se despojou? Bem, Paulo, aquele outro hebreu de hebreus, nos conta por que ele se despojou; e acho que ao fazê-lo explica também por que razão Jônatas também se despojou. Menciono estes dois por terem sido, cada um deles, dos mais puros hebreus de sua época. Saulo de Tarso, do qual Jônatas é um tipo ou figura, foi um perfeito judeu; um dos mais conceituados fariseus que já pôde se firmar em sua própria justiça. Leia Filipenses 3 e você verá o registro honesto que ele dá de si próprio. Paulo diz: “Segundo a justiça que há na lei, irrepreensível” (Fp 3:6). Era isto o que aquele hebreu de hebreus podia dizer, e, oh, quantos pobres fariseus de nossa época gostariam de poder dizer o mesmo!

 

DEIXANDO TUDO POR CRISTO

 

Mas vamos agora aplicar a Paulo a questão relativa a Jônatas. Por que Paulo se despojou a si mesmo? Quão clara e simples é a resposta: “Mas o que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo. E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas, e as considero como esterco, para que possa ganhar a Cristo. E seja achado nEle, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas… a justiça que vem de Deus” (Fp 3:7-9).

Sem dúvida alguma, quão belo e apropriado, é este despojamento! O Jesus despojado, que morreu na cruz pelos pecados de Paulo, aparecia agora àquele hebreu de hebreus, fariseu de fariseus, em uma glória que sobrepujava o sol em seu esplendor: “Eu sou Jesus, a Quem tu persegues” (At 9:5). Que mudança aquelas palavras produziram! Nos anos que se seguiram, o mesmo Paulo escreveria dAquele glorioso Ser que foi entregue por nossas ofensas, e ressuscitou de entre os mortos para nossa justificação, para ser nossa justiça permanente, sim, que Deus O ressuscitou de entre os mortos, o Santo e Justo, nossa perfeita e eterna justiça diante de Deus e de todo o universo (Rm 4:25; 5:18;1 Co 1:30; Fp 3:9-10). E, oh, quão grande a paz de Deus que enche a alma que assim conhece a Ele, e ao poder da Sua ressurreição!

Agora iremos ver que tudo aquilo que exaltava a Saulo, o hebreu de hebreus, só podia servir para diminuir a Cristo; e, sendo assim, oh, com que alegria ele se despoja a si próprio para que Cristo possa ser tudo! Será, leitor, que o seu coração está unido assim a Jesus? E será que você está assim despojado?

Do mesmo modo como Paulo se despojou de tudo, também “Jônatas se despojou da capa que trazia sobre si, e a deu a Davi, bem como os seus vestidos, e até a sua espada, o seu arco, e o seu cinto” (1 Sm 18:4). Que senso da dignidade de Davi, o rei-salvador! Sendo ele um nobre militar, despojar da espada era algo bem significativo. Que rendição! Lemos, acerca dos vinte e quatro anciãos, que eles “lançavam as suas coroas diante do trono, dizendo: Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder” (Ap 4:10-11).

 

AS MARCAS DE UM CRISTÃO

 

Coloco estas duas coisas como marcas benditas de um cristão, da maneira como são ilustradas em Jônatas. O senso do valor da redenção por meio do sangue de Jesus é tamanho, que o coração fica ligado a Ele em amor; e tamanho é o senso do que Ele é como nossa justiça e justificação, ressuscitado de entre os mortos, que nos leva ao completo despojamento da velha capa de justiça-própria, sim, de cada trapo, da espada e do cinto, de tudo; tudo aquilo que pertence ao ego: sua justiça, seus esforços, suas lutas e seu andar, tudo entregue a Jesus, a Justiça de Deus, Cristo em ressurreição.

E estou certo, querido leitor, de que se Cristo não estiver assim revelado a você, como Davi foi revelado a Jônatas, nada poderá levá-lo a abrir mão de sua capa, vestidos, espada e cinto. Se a sua velha capa não lhe inspirar muita confiança para comparecer na presença de Deus, o diabo tentará de outra forma, dando-lhe a esperança de que você talvez possa lutar melhor, ou andar melhor; ou pode ser que ele lhe diga que conseguirá melhorar indo à missa, guardando a lei e cumprindo ritos e cerimônias. Satanás fará qualquer coisa para mantê-lo fora da sala de despojamento de Jônatas; o lugar onde você não é nada e Cristo é tudo.

 

CONFESSANDO A CRISTO

Vamos dar uma olhada mais adiante dessa história tão instrutiva (1 Sm 19). Conhecer verdadeiramente a Cristo não é uma mera emoção passageira, mas um amoroso vínculo com Jesus, e uma crescente fé na Sua obra consumada – uma fé tal que o levará a confessá-Lo diante dos homens, custe o que custar. Com certeza é isto que encontramos em Paulo, e em todos os membros da Igreja nos seus primórdios; e é de algo assim que lemos neste capítulo: “Jônatas, filho de Saul, estava mui afeiçoado a Davi” (1 Sm 19:1). “Mui afeiçoado!” Deveremos notar, a esta altura da história, um surpreendente paralelo.

Naquela época o reino de Israel era, em sua forma visível, governado pela casa de Saul. Mas Deus havia rejeitado Saul e sua casa, e Samuel tinha ungido Davi; e a fé podia reconhecer Davi como o rei ungido que havia de vir. De modo semelhante, a fé agora reconhece, por meio do registro da Palavra de Deus, que a glória deste mundo, com seus reinos e seu deus, já está julgada e a ponto de ser varrida na vinda do Rei de Justiça e Príncipe da Paz.

 

O ÓDIO DO MUNDO

Bem, o mesmo acontecia com Israel naquele tempo. O ódio que é agora manifestado contra Cristo e contra Seus verdadeiros seguidores foi, de modo semelhante, manifestado por Saul contra Davi e seu pequeno grupo de verdadeiros seguidores. Não se esqueça disto, está bem? Pois você irá descobrir que o ódio do mundo contra Cristo é um verdadeiro teste para o seu próprio coração. E assim Jônatas foi submetido a esse teste. “E falou Saul a Jônatas, seu filho, e a todos os seus servos para que matassem a Davi.” (1 Sm 19:1). E o que faz o amoroso Jônatas? Ele contou a Davi. Não é maravilhoso? Oh, que eu e você possamos ir e fazer a mesma coisa!

Acaso você já não ficou surpreso ao encontrar, em certas ocasiões, ódio contra Jesus vindo de onde você menos esperava? Talvez você tenha sido convidado para se encontrar com alguns amigos, todos eles professando ser crentes – e Saul também professava – para logo descobrir que seus amigos falam de tudo e de todos, menos de seu tão amado Jesus, em Quem você tem tanto prazer. E você descobre que, entre eles, não há nem como falar do glorioso Rei que virá; não estão nem um pouco interessados. Oh, saia do meio desses hipócritas! Vá antes contar a Jesus, e então fale por Jesus como Jônatas falou por Davi; pois se não o fizer, lembre-se de que você estará, ainda que em silêncio, negando a seu Senhor, só por ficar ali sentado com aqueles que, na prática, dão as boas-vindas a Barrabás e dizem “Fora com esse Senhor que vai voltar!”

“Então Jônatas falou bem de Davi a Saul, seu pai, e disse-lhe: Não peque o rei contra seu servo Davi, porque ele não pecou contra ti, e porque os seus feitos te são mui bons. Porque pôs a sua alma na mão, e feriu aos filisteus, e fez o Senhor um grande livramento a todo o Israel; tu mesmo o viste, e te alegraste: por que, pois, pecarias contra o sangue inocente, matando a Davi sem causa?” (1 Sm 19:5).

Então, não era essa uma boa confissão? Encontramos Paulo seguindo no mesmo caminho: “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor” (2 Co 4:5). E Jesus disse: “Porquanto qualquer que, entre esta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de Mim e das Minhas palavras, também o Filho do Homem Se envergonhará dele, quando vier na glória de Seu Pai, com os santos anjos” (Mc 8:38).

 

FALAMOS BEM DE JESUS?

 

E se Jônatas falou bem de Davi, oh, será que não podemos falar bem de Jesus? Porventura não trouxe Ele uma maior salvação? Será que existe algo maior ou melhor fora de Jesus? Acaso houve algum outro que tenha glorificado a Deus, acerca do pecado, como Ele o fez sobre a cruz? Acaso alguma outra coisa ou pessoa pode dar vida eterna, além de Jesus ressuscitado? Existe algo mais que possa dar paz, mesmo para uma consciência culpada, além do sangue de Jesus? Não conheço nada mais, seja na história do mundo ou em qualquer nação, que dê forças para o homem permanecer à beira da sepultura, esse vale de Elá, e, olhando firmemente para a eternidade, dizer: “Estou confiante”. “Mas temos confiança e desejamos antes deixar este corpo, para habitar com o Senhor.” (2 Co 5:8).

Além disso, diga-me: Porventura Jesus não trouxe à luz vida e incorruptibilidade? Sim, vida por meio dAquele que tem existência própria; dAquele por meio de Quem todas as coisas criadas foram trazidas à existência. E não foi Ele mesmo que, pela morte, conquistou, para o homem, um novo lugar que está muito além do pecado e da morte? E, como primícias dessa nova criação, Ele é agora aquilo que nós, em ressurreição, seremos para sempre, “quando isto que é corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir da imortalidade” (1 Co 15:54). Ele mui breve Se manifestará; Ele que é Deus manifestado – inefável centro da adoração universal, cujo sorriso encherá de gozo todo o universo! Oh, nestes poucos dias finais de Sua rejeição aqui, será que deveríamos sentir vergonha de Jesus? Assim como Jônatas confessou o nome de Davi na condenada casa de Saul, possamos nós assim também, e muito mais, confessar o nome de Jesus diante deste mundo condenado!

QUANDO VEM A PERSEGUIÇÃO

 

Venha; vamos agora seguir nosso Jônatas um pouco mais em 1 Samuel 20. Saul continua procurando matar Davi. “Mas, como então aquele que era gerado segundo a carne perseguia o que o era segundo o Espírito, assim também agora.” (Gl 4:29). Mas é a perseguição que revela aqueles que são verdadeiros seguidores de Jesus: “Vós sois os que tendes permanecido comigo nas minhas tentações.” (Lc 22:28). Isso foi ternamente expressado, e mostrava também como o coração de Jesus apreciava a comunhão fiel, ainda que sem brilho, de Seus discípulos, quando a casa religiosa dominante procurava atentar contra a Sua vida, buscando ocasião para condená-Lo à morte. Com toda certeza, isso foi maravilhosamente prefigurado em nosso capítulo. A simpatia do devoto Jônatas era preciosa para Davi. E quanto isso adoçou a taça amarga! Aquelas palavras, “Saulo, Saulo, por que Me persegues?” (At 9:4). nos revelam claramente como o coração de Jesus está afeiçoado a todos os Seus membros aqui nesta Terra. E será que isto não mostra quão preciosa é para Ele a simpatia que demonstramos para com aqueles que são odiados e perseguidos? Oh, que coisa mais estranha foi, e ainda é, o ódio do homem contra Jesus!

Será que você não notou que desde aquele dia o ódio do homem é proporcional à fidelidade do cristão a Cristo? Porventura não é assim que acontece? Quem mais é tão odiado pela grande casa professante de nossos dias, senão os poucos que desejam realmente caminhar sobre Suas benditas pegadas? Existirão outros tão caluniados e odiados como estes? Mas desde os dias de Paulo, até o presente momento, a pior mentira acerca de Cristo é esta: que se dermos a Ele a honra de uma salvação completa e eterna, sem obras de nossa parte, essa doutrina nos levará à desobediência e ao descuido no andar. Quão completamente é esta mentira rechaçada por nosso Jônatas – “E disse Jônatas a Davi: O que disser a tua alma, eu te farei” (1 Sm 20:4). Que preciosa obediência, obediência de coração, fruto da fé! Posso apontar em qualquer parte do Novo Testamento e encontrar o mesmo fruto. “Senhor, que queres que faça?” é o primeiro impulso de Paulo nascido de novo (At 9:6).

 

FAZER A VONTADE DO SENHOR

 

Será que é esta também a linguagem do seu coração para com seu precioso Senhor? “O que disser a Tua alma, eu Te farei”. Isto vai muito além da lei, boa, santa e justa como era. Trata-se do desejo, implantado pelo céu, de fazer a vontade do Senhor no que quer que Ele possa desejar que eu faça. E havia, em Jônatas, esta prontidão para servir Davi na casa de seu pai, e mostrar a Davi o que seu pai tinha em mente, fosse isso bondade ou ódio. Creio que podemos dizer que ele era verdadeiramente um homem de Davi na casa de Saul.

A julgar pelas aparências exteriores, Davi era o desterrado – o rejeitado; e, mesmo assim, com que beleza a fé podia ver nele o escolhido de Jeová! “E Jônatas fez jurar a Davi de novo, porquanto o amava; porque o amava com todo o amor da sua alma.” (1 Sm 20:17). E quando chegou a lua nova, e o rei tomou o seu assento, o lugar de Davi estava vazio; e então, quão plenamente Jônatas confessou o nome de Davi, apesar de sua confissão atrair sobre si a severa ira de seu pai Saul! “Então se acendeu a ira de Saul contra Jônatas, e disse-lhe: Filho da perversa em rebeldia; não sei eu que tens elegido o filho de Jessé para vergonha tua e para vergonha da nudez de tua mãe? Porque todos os dias que o filho de Jessé viver sobre a Terra nem tu serás firme, nem o teu reino: pelo que, envia, e traze-mo nesta hora; porque é digno de morte.” (1 Sm 20:30-31) Ainda assim Jônatas fala em favor de Davi: “Por que há de ele morrer? Que tem feito?” (1 Sm 20:32). “Se a Mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós.” (Jo 15:20). “Então Saul atirou-lhe com a lança, para o ferir.” (1 Sm 20:33). Agora ele bem conhecia o ódio resoluto que seu pai tinha contra Davi.

O quanto ele sentiu em seu coração, quando a flecha de aviso foi atirada, nós podemos deduzir disto: “E, indo-se o moço, levantou-se Davi da banda do sul, e lançou-se sobre o seu rosto em terra, e inclinou-se três vezes: e beijaram-se um ao outro, e choraram juntos, até que Davi chorou muito mais. E disse Jônatas a Davi: Vai-te em paz: o que nós temos jurado ambos em nome do Senhor, dizendo: O Senhor seja entre mim e ti, e entre minha semente e a tua semente, seja perpetuamente. Então se levantou Davi, e se foi; e Jônatas entrou na cidade” (1 Sm 20:41-43).

As tristezas de Davi, o ungido de Deus, não passavam de sombras das tristezas muito mais profundas do Filho Unigênito de Deus, seja quando olhamos para os múltiplos sofrimentos pelo qual Ele foi consagrado Príncipe da nossa salvação, ou no sofrimento da morte, por meio da qual Ele está agora glorificado à destra de Deus. Sem dúvida, a pressão no coração de Davi foi usada para dar expressão àqueles sofrimentos futuros de nosso Jesus.

 

SEGUIR O REJEITADO

 

Mas neste ponto da história de Jônatas – e trata-se de um ponto solene – devemos nos lembrar de que Davi passava a ser um desterrado da casa de Saul, e que o Senhor Jesus é, neste exato momento, um desterrado deste mundo; e assim como Saul odiou Davi, de modo semelhante, e até mais, este mundo odiou, rejeitou e desterrou – sim, até mesmo assassinou – o ungido Cristo de Deus; e Ele continua sendo, ainda hoje, o odiado e rejeitado Jesus.

Mas há um outro lado nesta figura. Deus havia rejeitado a casa de Saul, embora a tivesse suportado por um longo tempo – sim, durante todo o tempo da rejeição de Davi. E Ele havia escolhido e ungido a Davi. E o Senhor estava com Davi, tanto quanto não estava com Saul. Certamente Samuel sabia disso, e Davi sabia também, ainda que a fé estivesse sendo dolorosamente provada. E Jônatas sabia disso, como veremos em seu próximo, e último, encontro com Davi.

Mas devo agora falar a você daquela uma só coisa que faltou em nosso Jônatas. É muito doloroso fazê-lo; devo dizer-lhe por que? Ah, porque existem tantos Jônatas em nossos dias! Porventura não é algo triste conhecer Jesus, amar Jesus, confessar o Seu Nome, se deleitar muito em Jesus, desejar servi-Lo neste mundo mau, e, apesar de tudo, parar de repente quando só faltava uma coisa!

O que poderia ser essa coisa? O leitor talvez possa dizer, pela graça de Deus: “Tudo o que você disse de Jônatas se aplica a mim”. Pode, então, lembrar-se de quando Deus fez com que você visse os seus pecados; de quando o adversário teve permissão para fustigar sua alma, como Golias desafiando os exércitos de Israel no vale de Elá? Você não encontrou libertação, não encontrou paz, até que o Espírito Santo revelasse Jesus à sua alma; até que lhe fosse revelado Aquele que foi enviado por Deus, e Ele mostrasse a você como havia completado a grande obra da redenção, e que, pelo Seu precioso sangue, seus pecados tinham ido embora para sempre, como os filisteus haviam fugido do vale de Elá. E não foi isso o que conquistou o seu coração para Jesus, do mesmo modo como Jônatas teve seu coração unido a Davi? Talvez seu orgulho próprio tenha sido, desde então, muitas vezes esmagado, mas será que você pode dizer: “Senhor, Tu sabes que Te amo”? (Jo 21:15).

SÓ FALTOU UMA COISA

Você já conseguiu se despojar de toda a sua justiça-própria? Será que você está totalmente sujeito a Jesus? Será que Ele é tudo, e você nada? É Ele precioso para a sua alma? Pode você dizer: “Tenho nEle o meu prazer?” Pois estou certo de que pode-se ter muito prazer nEle, à medida que compreendemos a vaidade de tudo o mais, e a inutilidade de tudo aquilo que vem do homem. E será que você já confessou o nome de Jesus em seu círculo social em, digamos, sua própria casa? Você continuou falando bem de Jesus, mesmo tendo que enfrentar todo o ódio e oposição? Assim como Jônatas foi testemunha de Davi – foi o homem de Davi na casa de Saul – têm você sido testemunha de Jesus? Tem sido seu prazer manter comunhão com Jesus e servi-Lo, como Jônatas teve prazer em falar com Davi e servi-lo? Se sua resposta for “sim”, não seria triste descobrir que, apesar de tudo, só faltou uma coisa?

Você reparou quais foram as últimas palavras de nosso Jônatas? (1 Sm 20:42). “Então se levantou Davi, e se foi; e Jônatas entrou na cidade.” (1 Sm 20:43). Para onde foi Davi? No capítulo 22 nós o encontramos na caverna de Adulão. “Então Davi se retirou dali, e se escapou para a caverna de Adulão: e ouviram-no seus irmãos e toda a casa de seu pai, e desceram ali para ele. E ajuntou-se a ele todo o homem que se achava em aperto, e todo o homem endividado, e todo o homem de espírito desgostoso, e ele se fez chefe deles: e eram com ele uns quatrocentos homens.” (1 Sm 22:1-2). Mas havia um que não estava com ele, e esse era o próprio Jônatas. Talvez você pergunte: “Como podia ser possível que Jônatas, que sabia do reino de Davi que estava para vir, não estivesse com ele?” Bem, vamos ler a última conversa que Jônatas teve com Davi, e não teremos mais dúvidas sobre isto.

“Então se levantou Jônatas, filho de Saul, e foi para Davi ao bosque, e confortou a sua mão em Deus; e disse-lhe: Não temas, que não te achará a mão de Saul, meu pai; porém tu reinarás sobre Israel, e eu serei contigo o segundo: o que também Saul meu pai, bem sabe. E ambos fizeram aliança perante o Senhor: Davi ficou no bosque, e Jônatas voltou para a sua casa” – a casa, a mesma casa de Saul, o rejeitado por Deus. No entanto, fica evidente que Jônatas bem sabia do reino vindouro de seu amado Davi; tanto quanto sabia da rejeição da casa de Saul; e, ainda assim falhou quando deveria ter saído dela e tomado o seu lugar, o lugar da fé, com o rei que viria, o escolhido de Deus.

Você sabe, querido leitor, como terminará a presente era? Você sabe que “quando disserem: Há paz e segurança; então lhes sobrevirá repentina destruição”? (1 Ts 5:3); – que “é tempo que comece o julgamento pela casa de Deus”? (1 Pd 4:17); – que, assim como a casa apóstata de Saul foi eliminada, o mesmo acontecerá com a cristandade apóstata que será vomitada da Sua boca? (Ap 3:16). Acaso você não está vendo que há muitas coisas ao seu redor que refletem um espírito assim? Que dia este de trombetas soando! Ouçam os hebreus o que estamos fazendo! (1 Sm 13:3). Nunca antes houve uma época de tantos feitos humanos e de tantas trombetas alardeando esses feitos.

“Como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu.” (Ap 3:17). Esta é a descrição, dada pelo próprio Senhor, do último estado da grande e condenada casa professa (Ap 3:15- 20). Saul certamente era grande neste mundo, se comparado com o desterrado Davi, mas quão desventurado e miserável foi o seu fim!

REUNIDOS A JESUS

Mas, querido leitor, acaso você não sabe que esse Jesus, rejeitado no mundo, encontra-Se neste exato momento à destra da Majestade nas alturas, e que Ele cedo virá, e com um clamor reunirá os Seus santos para encontrá-Lo nos ares (1 Ts 4); e que depois disso Ele voltará em juízo sobre aqueles que não obedeceram ao evangelho (2 Ts 1); e que então o glorioso reino desse, agora rejeitado, Jesus certamente terá o seu lugar? Você concorda que todas essas coisas certamente acontecerão? E será que você sabe que Deus está, pelo Seu Espírito, reunindo uns poucos dos redimidos do Senhor a esse Jesus, agora rejeitado, como foram reunidos a Davi aqueles quatrocentos homens na caverna de Adulão? É verdade, aqueles quatrocentos formavam um grupo bem desprezível, mas era a Davi que estavam reunidos. Ah, se Jônatas tivesse sido um deles, você acha que seu corpo teria sido pregado no muro de Bete-Sã?

Está mais do que na hora de colocar esta questão diante de você: Onde é que você está? Será que está construindo com madeira, feno e palha na grande casa de Saul – essa cristandade vistosa de mera profissão exterior – essa que professa ser a Igreja de Deus, mas que, na realidade, tornou-se a igreja do mundo? Ou será que você já tomou o seu lugar fora do arraial com esse Jesus, agora rejeitado, mas que voltará? Ah, penso estar ouvindo você dizer: “Oh, esses cristãos separados; são pessoas tão horríveis!” Jônatas deve ter dito o mesmo daqueles quatrocentos homens que estavam com Davi. Mas o que dizer de Jesus? Será que Ele não é digno de que você deixe tudo para identificar-se só com Ele? Você encontrará alguns outros, poucos, mas que por graça encontram-se nesse mesmo bendito lugar; apesar de o mundo religioso tentar fazer deles uma seita, e até, como nos dias de Paulo, uma seita da qual em todo lugar se fale mal. Estou sendo franco; falo sem rodeios. Há uma grande casa de profissão exterior, como era a casa de Saul; e há uma separação dela, em identificação com Jesus em Sua rejeição, como os quatrocentos que estavam com Davi; e se você é um cristão, certamente você está, ou em um lugar, ou no outro. É provável que você diga: “É neste grande sistema que ganho o meu pão”. Bem, se assim for, admito que trata-se de um assunto bem sério. Mas o mesmo acontecia com Jônatas, e você pôde ver o fim dele – os muros de Bete-Sã.

“Mas”, outro poderá dizer, “será que você não consegue ver a influência que posso ter, permanecendo onde estou? Veja que bela congregação! Que oportunidades de falar de Jesus! Você acha que eu conseguiria ter as mesmas oportunidades, ou algo parecido, se tomasse meu lugar fora, ao nome de Jesus? E pense só na oposição que encontraria daqueles com quem me relaciono! Por que deixar todo o esplendor e conforto de tudo o que é admirado no mundo, e onde pode-se, ao mesmo tempo, verdadeiramente confessar o nome de Jesus?”

Ah, meu amigo, Jônatas pode muito bem ter dito o mesmo, mas por que foi que ele perdeu o prêmio de seu amor e serviço a Davi? E por que foi ele acabar vergonhosamente pregado nos muros de Bete-Sã? Acaso não foi por ele ter agido nos mesmos princípios sobre os quais muitos agem ainda hoje? Ele uniu-se àquilo que era exterior, aquilo que Deus havia rejeitado, e falhou ao não tomar o seu lugar junto com os pobres e desprezados seguidores do ungido de Deus.

Você sabe muito bem, querido leitor, que Deus não Se associa a esse comércio,mundanismo e pecado que é tolerado na igreja professa. Se você tem um grande apreço por Jesus, se você deseja fazer o que quer que Ele deseje de você, então certamente Sua voz poderá ser ouvida nestas preciosas passagens que falam dEle. Oh, não é triste ficar perdendo o seu tempo com aquilo, e para aquilo, que será destruído na vinda do Senhor? Tem comunhão e encontros ocasionais com Davi e, então, lá vai você de volta para a casa de Saul. Ah, isso de nada adiantará! Você pode ter as quatro características que Jônatas teve, de uma verdadeira conversão a Cristo, e ainda assim perder seu galardão.

1. Como Jônatas, você pode ter ficado cheio de amor para Jesus, reconhecendo-O como o Cordeiro de Deus que levou de uma vez para sempre os seus pecados (1 Sm 18:1); 2. Você pode ter se despojado para Jesus (1 Sm 18:4);3. Você pode ter feito plena confissão do nome de Jesus, deleitando-se muito nEle (1 Sm 19:1-5); 4. Você pode ter desejado fazer o que quer que Jesus desejasse (1 Sm 20:4).

Mas será que, como Rebeca que deixou tudo para ir ao encontro de seu Isaque, você está disposto a deixar tudo e tomar o seu lugar de devota identificação com Jesus?

C. Stanley

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