“Então, o carcereiro, tendo pedido uma luz, entrou precipitadamente e, 
trêmulo, prostrou-se diante de Paulo e Silas. Depois, 
trazendo-os para fora, disse: Senhores, 
que devo fazer para que seja salvo?” 
(Atos 16:29,30)
 
Temos aqui e no contexto um relato da conversão do carcereiro, que é uma das mais notáveis nas Escrituras. Ele, anteriormente, parece não apenas ter estado completamente insensível às coisas da religião, mas ter sido um perseguidor, tendo perseguido estes mesmos homens, Paulo e Silas, embora agora venha a eles de forma tão urgente, per-guntando-lhes o que devia fazer para ser salvo. Lemos no contexto que todos os magistrados e multidões da cidade juntaram-se a uma em um tumulto contra Paulo e Silas, arrebatando-os, e lançando-os na prisão, encarregando o carcereiro da sua guarda. Imediatamente ele os lançou na prisão interior, e prendeu seus pés ao tronco. E é provável que não tenha agido assim meramente como um servo ou instrumento dos magistrados, mas que tenha se juntado com o resto do povo na sua fúria contra os apóstolos, e que assim o fez induzido por sua própria vontade, bem como pelas ordens dos magistrados, o que o fez executar suas ordens com tal rigor.
Mas quando, à meia noite, Paulo e Silas oravam e cantavam louvores, repentinamente houve um grande terremoto, e Deus abriu de forma tão maravilhosa as portas da prisão, e todas as cadeias foram afrouxadas, o carcereiro ficou extremamente aterrorizado, e, em uma espécie de desespero, estava prestes a se matar. Mas Paulo e Silas gritaram para ele: “Não te faças mal algum, pois estamos todos aqui”. Então, pediu uma luz, e saltou dentro [ARC], como temos o relato no texto. Podemos observar:
1. O objeto de sua preocupação. Ele está ansioso acerca de sua salvação: está aterrorizado por sua culpa, especialmente por sua culpa no maltrato destes ministros de Cristo. Está preocupado em escapar desse estado de culpa, o estado miserável que se encontrava devido ao pecado.
2. O senso que tem do horror do seu estado atual. Isto ele manifesta de diversas maneiras:
1. Por sua grande pressa em escapar desse estado. Por seu afã em inquirir o que deve fazer. Ele parece estar tolhido pela mais premente preocupação, sensível à sua presente necessidade de libertação, sem qualquer adiamento. Antes, estava quieto e seguro em seu estado natural; mas agora seus olhos foram abertos, está na mais urgente pressa. Se a casa estivesse em chamas sobre sua cabeça, não poderia ter sido mais diligente, ou estar mais apressado. Se apenas tivesse andado, poderia logo ter chegado a Paulo e Silas, para perguntar-lhes o que devia fazer. Mas estava em grande pressa para andar apenas, ou correr, pois saltou; pulou para o lugar em que estavam. Ele fugia da ira. Fugia do fogo da justiça divina, e por isso apressava-se, como alguém que foge pela sua vida.
2. Pelo seu comportamento e gesto diante de Paulo e Silas. Ele se prostrou. Que tenha se prostrado diante daqueles a quem havia perseguido, e atirado à prisão interior, e prendido os pés ao tronco, mostra qual era o estado de sua mente. Mostra alguma grande perturbação, que o alterou de tal maneira que o levou a isto. Estava, por assim dizer, despedaçado pela perturbação de sua mente, em um senso do horror de sua condição.
3. Sua maneira urgente de inquiri-los acerca do que devia fazer para escapar desta condição miserável: “Senhores, que devo fazer para ser salvo?” Estava tão perturbado, que foi levado a se dispor a qualquer coisa; ter a salvação em qualquer termo, e por qualquer meio, mesmo que difícil; foi levado, por assim dizer, a escrever uma fórmula, e entregá-la a Deus, para que Ele prescrevesse seus próprios termos.
DOUTRINA: Os que estão em um estado natural, estão em uma condição terrível.
Isto me esforçarei para provar por uma consideração particular do estado e condição das pessoas não regeneradas.
I. Quanto a seu estado atual neste mundo.
II. Quanto as suas relações com o mundo futuro.
I. A condição daqueles que não são convertidos é terrível no mundo presente.
Primeiro. Devido ao estado depravado de suas naturezas. Os homens, quando vêm ao mundo, têm naturezas terrivelmente depravadas. O homem, em seu estado primitivo, era uma peça nobre de habilidade Divina; mas, pela Queda, está horrivelmente desfigurado. É triste pensar que uma criatura tão excelente deva estar tão arruinada. O horror desta condição, na qual se encontram os não-convertidos neste respeito, prova-se pelo seguinte:
1. O horror de sua depravação evidencia-se pelo fato de serem tão insensivelmente cegos e ignorantes. Deus deu ao homem a faculdade da razão e do entendimento, que é uma nobre faculdade. Por ela, ele se diferencia de todas as outras criaturas inferiores. É exaltado em sua natureza acima delas, e é, neste aspecto, semelhante aos anjos, capacitado a conhecer a Deus, e conhecer as coisas eternas e espirituais. Deus lhe deu entendi-mento para este fim, para que O pudesse conhecer, e conhecer as coisas celestiais, e o fez capaz de compreendê-las como quaisquer outras. Mas o homem degradou a si mês-mo, e perdeu sua glória neste respeito. Tornou-se ignorante da excelência de Deus à maneira das próprias feras. Seu entendimento está cheio de obscuridade; sua mente está cega; está completamente cego para as coisas espirituais. Os homens são ignorantes de Deus, e ignorantes de Cristo, ignorantes do caminho da salvação, ignorantes de sua própria felicidade, cegos em meio a mais brilhante e clara luz, ignorantes sob todas as formas de instrução. Rm 3:17: “Desconheceram o caminho da paz”. Is 27:11: “Não é povo de entendimento”. Jr 4:22: “O meu povo está louco, já não me conhece; são filhos néscios e não inteligentes”. Sl 95:10, 11: “É povo de coração transviado, não conhece os meus caminhos. Por isso, jurei na minha ira: não entrarão no meu descanso”:1 Co 15:34: “Alguns ainda não têm conhecimento de Deus; isto digo para vergonha vossa”.
Há um espírito de ateísmo prevalecendo nos corações dos homens; uma estranha disposição para duvidar da própria existência de Deus, e do outro mundo, e de qualquer coisa que não possa ser vista com os olhos físicos. Sl 14.1: “Diz o insensato no seu coração, não há Deus”. Não percebem que Deus os vê, quando pecam, e os chamará a prestar contas por isso. E, portanto, se podem esconder os pecados dos olhos dos homens, não se preocupam, e são ousados em cometê-los. Sl 94:7-9: “E dizem: O SENHOR não o verá; nem para isso atentará o Deus de Jacó. Atendei, ó brutais dentre o povo; e vós, loucos, quando sereis sábios? Aquele que fez o ouvido, não ouvirá? E o que formou o olho, não verá? [ARC]” Sl 73:11: “E diz: Como sabe Deus? Acaso, há conhecimento no Altíssimo?” São tão insensivelmente incrédulos das coisas futuras, do céu e do inferno, que comumente preferem correr o risco da condenação a ser convencidos. São estupidamente insensíveis da importância das coisas eternas. Como é difícil levá-los à fé, e dar-lhes real convicção de que ser feliz por toda a eternidade é melhor que todos os outros bens; e ser miserável por toda eternidade, debaixo da ira de Deus, é pior que todo mal. Os homens mostram-se insensíveis o suficiente nas coisas temporais, mas muito mais nas espirituais. Lc 12:56: “Hipócritas, sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu e, entretanto, não sabeis discernir esta época?” São muito engenhosos para o mal; mas rudes naquelas coisas que mais os importam. Jr 4:22: “São sábios para o mal e não sabem fazer o bem”. Os ímpios se mostram mais tolos e insensíveis para o que lhes é melhor, do que os brutos. Is 1:3: “O boi conhece o seu possuidor, e o jumento, o dono da sua manjedoura; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende”. Jr 8:7: “Até a cegonha no céu conhece as suas estações; a rola, a andorinha e o grou observam o tempo da sua arribação; mas o meu povo não conhece o juízo do SENHOR”.
2. Não há bem algum neles. Rm 7:18: “Em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum”. Não há neles nenhum princípio que os disponha a qualquer coisa boa. Os não-convertidos não têm princípio mais elevado em seus corações do que o amor-próprio. E nisso não excedem os demônios. Estes amam a si mesmos, e sua própria felicidade, e tem em sua própria miséria. E não vão mais longe. Seriam tão religiosos quanto os melhores dos não-convertidos, se estivessem nas mesmas circunstâncias. Seriam tão moralistas, e orariam com o mesmo fervor a Deus, e sofreriam o mesmo tanto pela salvação, se houvesse oportunidades semelhantes. E, assim como não há bom princípio nos corações dos não-convertidos, também nunca há quaisquer bons exercícios do coração, nunca um bom pensamento, ou mover de coração neles. Particularmente, neles não há amor por Deus. Jamais tiveram o mínimo grau de amor pelo Ser infinitamente glorioso. Jamais tiveram o mínimo respeito verdadeiro pelo Ser que os criou, e em cujas mãos está sua respiração, e de quem procedem todas as suas misericórdias. Conquanto, às vezes, possam parecer fazer coisas por respeito a Deus, e vistam o rosto como se O honrassem, e altamente O estimassem, tudo não passa de hipocrisia. Mesmo que haja um exterior limpo, são como sepulcros caiados; por dentro não há nada senão putrefação e podridão. Não têm amor por Cristo, o glorioso Filho de Deus, que é tão digno de seu amor, e que mostrou graça tão maravilhosa pelos pecadores ao morrer por eles. Jamais fizeram qualquer coisa por respeito verdadeiro ao Redentor do mundo, desde que nasceram. Jamais produziram quaisquer frutos a esse Deus que os criou, e em quem vivem, movem-se e tem seu ser. Jamais responderam de alguma forma ao fim para o qual foram criados. Têm, até agora, vivido completamente em vão, e sem nenhum propósito. Jamais obedeceram com sinceridade a um mandamento de Deus; nunca moveram um dedo motivados por um espírito verdadeiro de obediência a Ele, que os fez para servi-lO. E quando pareceram, externamente, concordar com os mandamentos de Deus, em seus corações não o fizeram. Jamais obedeceram movidos por um espírito de sujeição a Deus, ou por qualquer disposição em obedecê-lO, mas meramente foram levados a isso pelo medo, ou de alguma forma influenciados por seus interesses mundanos. Jamais deram a Deus a honra de nenhum de Seus atributos. Nunca Lhe deram a honra de Sua autoridade, obedecendo-Lhe. Jamais Lhe deram a honra por Sua soberania, submetendo-se a Ele. Jamais Lhe deram a honra de Sua santidade e misericórdia, amando-O. Nunca Lhe deram a honra por Sua suficiência e fidelidade, confiando nEle; mas olharam para Deus como Alguém indigno de ser crido e confiado, e o trataram como se fosse um mentiroso: 1 Jo 5:10: “Aquele que não dá crédito a Deus o faz mentiroso”. Eles jamais agradeceram de coração a Deus por uma simples misericórdia recebida em toda sua vida, embora Ele os tenha sustentado, e tenham vivido debaixo de Sua liberalidade. Jamais agradeceram genuinamente a Cristo por ter vindo ao mundo, e morrido para lhes dar a oportunidade de serem salvos. Jamais lhe mostrariam alguma gratidão a ponto de recebê-lO, quando bateu em suas portas; mas sempre lha fecharam, embora tenha batido sem nenhum outro propósito senão o de oferecer-Se para ser seu Salvador. Jamais tiveram qualquer desejo verdadeiro por Deus ou Cristo em toda a sua vida. Quando Deus se ofereceu para ser sua porção, e Cristo, para ser o amigo de suas almas, não os desejaram. Jamais quiseram ter Deus e Cristo como sua porção. Prefeririam, ao contrário, estar sem eles, se pudessem evitar o inferno sem Sua companhia. Jamais tiveram um pensamento honroso sobre Deus. Sempre estimaram as coisas terrenas antes dEle. E, apesar de tudo o que ouviram nos mandamentos de Deus e de Cristo, sempre preferiram um pequeno ganho mundano ou um prazer pecaminoso a eles.
3. Os não-convertidos estão em uma condição terrível devido à horrível impiedade que há neles.
1. O pecado possui uma natureza terrível, e isso se dá porque é cometido contra um Deus infinitamente grande e santo. Há na natureza do homem inimizade, desprezo e rebelião contra Deus. O pecado se levanta como um inimigo do Altíssimo. É terrível para a criatura ser inimiga do Criador, ou ter no coração algo como uma inimizade, como ficará bem claro, se considerarmos a diferença que há entre Deus e a criatura, e como as criaturas, comparadas a Ele, são como o pó da balança, como nada, menos do que nada, um vácuo. Há um mal infinito no pecado. Se víssemos a centésima parte do mal que há no pecado, isso nos tornaria sensíveis que aqueles que têm qualquer pecado, ainda que seja mínimo, estão em uma condição terrível.
2. Os corações dos não-convertidos estão completamente cheios de pecado. Se tivessem apenas um pecado neles, seria suficiente para tornar suas condições muito terríveis. Mas têm não apenas um pecado, mas todo tipo de pecado. Há todo tipo de desejo carnal. O coração é um mero poço de pecado, uma fonte de corrupção, de onde emerge todo tipo de regatos imundos. Mc 7:21, 22: “Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura”. Não há um desejo maligno no coração do diabo, que não esteja no coração do homem. Os homens naturais são à imagem do diabo. A imagem de Deus é demolida, e a imagem do diabo é estampada nele. Deus graciosamente se agrada em restringir a impiedade dos homens, especialmente pelo temor e respeito que têm pelos seus créditos e reputações, e pela educação. Não fosse tais restrições, não haveria tipo de impiedade que os homens não cometeriam, quando lhes viessem ao encontro. A prática daquelas coisas que os homens agora, à simples menção, prontamente ficam chocados quando ouvem o relato, seria comum e geral; e a terra seria um tipo de inferno. Se não temesse, o que o homem natural não faria? Mt 10:17: “acautelai-vos dos homens”. Os homens têm não apenas todo tipo de luxúria, e disposições ímpias e perversas em seus corações, mas as têm em um grau desesperador. Não há apenas o orgulho, mas um grau fantástico dele: orgulho tal que o dispõe a colocar-se acima até mesmo do trono do próprio Deus. Os corações dos não-convertidos são meras sarjetas de sensualidade. O homem se tornou como as feras ao colocar sua felicidade nas diversões sensuais. O coração está cheio das paixões mais repugnantes. Suas almas são mais vis e abomináveis que a de qualquer réptil. Se Deus abrisse uma janela no coração, de forma que pudéssemos contemplar o seu interior, seria o espetáculo mais repugnante que já se viu sob nossos olhos. Não há apenas malícia nos corações dos homens naturais, mas uma fonte dela. Os homens merecem, portanto, a linguagem aplicadas a eles por Cristo em Mateus 3.7: “Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura?” e Mt 23:33: “Serpentes, raça de víboras!” Eles, não fosse pelo medo e outras restrições, não apenas cometeriam toda sorte de pecado, mas a que grau, a que distância não procederiam! O que impede um homem natural de abertamente blasfemar contra Deus, como faz qualquer um dos demônios; sim, de destroná-lo, se fosse possível, e não houvesse o medo e outras restrições no caminho? Sim, não aconteceria isto com muitos dos que agora aparecem com um rosto justo, falando muito de Deus, e com muitas pretensões de adorá-lO e servi-lO? A grande impiedade dos homens naturais aparece abundantemente nos pecados que cometem, não obstante todas estas restrições. Todo homem natural, se refletir, pode ver o suficiente para mostrar-lhe como é excessivamente pecador. O pecado flui do coração com tanta constância como a água flui de uma fonte. Jr 6:7: “Como o poço conserva frescas as suas águas, assim ela, a sua malícia”. E esta impiedade, que abunda desta maneira nos corações, tem domínio sobre eles. São escravos dela: Rom 7:14: “eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado”. Estão de tal maneira debaixo do pecado, que são conduzidos por suas luxúrias em um curso contra suas próprias consciências, e contra seu próprio interesse. Apressam-se em direção à própria ruína, e isso ao mesmo tempo em que suas próprias razões lhes advertem que isto provavelmente será sua perdição. 2 Pedro 2.14: “Insaciáveis no pecado”. Devido ao fato dos ímpios estarem de tal maneira sob o poder do pecado, o coração humano é descrito como desesperadamente corrupto em Jr 17.9 e Ef 2.1 diz: “[estáveis] mortos nos vossos delitos e pecados”.
3. Os corações dos não-convertidos são terrivelmente endurecidos e incorrigíveis. Nada, a não ser o poder de Deus, os moverá. Apegar-se-ão ao pecado, e continuarão nele, aconteça o que acontecer. Pv 27:22: “Ainda que pises o insensato com mão de gral entre grãos pilados de cevada, não se vai dele a sua estultícia”. Não há nada que abale seus corações, e nada que os leve à obediência: quer sejam misericórdias ou aflições, ameaças ou chamados e convites da graça, reprovação ou paciência e longanimidade, ou conselhos e exortações paternais. Is 26:10: “Ainda que se mostre favor ao perverso, nem por isso aprende a justiça; até na terra da retidão ele comete a iniquidade e não atenta para a majestade do SENHOR”.
Em segundo lugar: O estado relativo dos não-convertidos é terrível. Isso será evidente se considerarmos:
1. Seu estado relativo com respeito a Deus; e isso porque:
1. Eles estão sem Deus no mundo. Não têm interesse ou parte com Deus: Ele não é o Deus deles. Ele próprio declarou que não o seria (Os 1:9). Deus e os crentes têm uma relação pactual mútua e direito um ao outro. Eles são seu povo, e Ele é o Deus deles. Mas não é o Deus pactual daqueles que estão em um estado natural. Há uma grande alienação e estranhamento entre Deus e os ímpios: Ele não é seu pai e porção, não têm nada com que possam questioná-lo, não têm direito a nenhum de seus atributos. O crente pode reivindicar um direito no poder de Deus, em Sua sabedoria e santidade, Sua graça e amor. Tudo é renovado para ele, em seu benefício. Mas o não-convertido não pode reivindicar direito algum a qualquer das perfeições de Deus. Não têm Deus para defendê-los e protegê-los neste mundo mau: para defendê-los do pecado, de Satanás ou de qualquer mal. Não têm Deus para guiá-los e orientá-los em quaisquer dúvidas ou dificuldades, para confortá-los e apoiar suas mentes nas aflições. Estão sem Deus em todos as suas ocupações, em todos os negócios que realizam, em seus assuntos familiares, e em todas os seus projetos pessoais, nas suas preocupações exteriores e nas preocupações de suas almas.
Como poderia uma criatura ser mais miserável do que estando separada de seu Criador, e não ter um Deus a quem possa chamar de seu? É miserável, de fato, aquele que vagueia pelo mundo, sem um Deus para velar por si, e ser seu guia e protetor, e abençoá-lo nos seus afazeres. A própria luz da natureza ensina que o Deus de um homem é seu tudo. Jz 18:24: “Os deuses que eu fiz me tomastes; que mais me resta?” Não há senão um Deus, e não têm direito algum a Ele. Estão sem aquele Deus, cuja vontade deve determinar sua inteira existência, tanto aqui quanto na eternidade. Que os não-convertidos estão sem Deus mostra que estão sujeitos a todo tipo de mal. Estão sujeito ao poder do diabo, ao poder de todo tipo de tentação, pois não têm Deus para protegê-los. Estão sujeitos a ser seduzidos e enganados pelas opiniões errôneas, e a abraçarem doutrinas condenadas. Não é possível enganar os santos desta maneira. Mas os não-convertidos podem ser enganados. Podem tornar-se papistas, ou pagãos ou ateus. Nada que tenham pode livrá-los disso. Estão sujeitos a ser entregues à dureza judicial de Deus no coração. Eles a merecem, e, uma vez que Deus não é o seu Deus, não têm certeza se não lhes aplicará esse terrível julgamento. Como estão sem Deus no mundo, estão sujei-tos a cometer todo tipo de pecado, e, até mesmo, o pecado imperdoável. Não podem ter certeza se não vão cometê-lo. Estão sujeitos a construir uma falsa esperança do céu, e, com essa esperança, irem ao inferno. Estão sujeitos a morrer insensíveis e estúpidos, como muitos morrem. Estão sujeitos a morrer da mesma maneira que morreram Judas e Saul, sem temor do inferno. Não estão seguros disso. Estão sujeitos a todo tipo de engano, uma vez que estão sem Deus. Não podem dizer o que poderá lhes suceder, nem quando estão seguros de qualquer coisa. Não estão seguros nem por um momento. Dez mil enganos fatais podem recair sobre eles, e torná-los miseráveis para sempre.
Os que têm Deus por seu Deus estão livres de tais males. Não é possível que recaiam sobre eles. Deus é seu Deus pactual, e têm sua promessa fiel de ser seu refúgio. Mas quantos enganos há que não possam recair sobre os não-convertidos? Quaisquer esperanças que tiverem poderão ser desapontadas. Qualquer perspectiva ingênua que possa aparentemente haver de sua conversão e salvação, pode desvanecer. Podem fazer grandes progressos em direção ao reino de Deus, e, ainda assim, falhar no final. Podem parecer estar em um estado deveras esperançoso de serem convertidos, e, ainda assim, jamais o serem. Um homem natural não tem segurança alguma. Não está seguro de bem nenhum, nem de escapar de qualquer mal. É, portanto, terrível a condição na qual se encontra o não-convertido. Os que estão no seu estado natural estão perdidos. Desviaram-se de Deus, e são como ovelhas perdidas, que se desviaram do seu pastor. São pobres criaturas desamparadas, em um deserto cheio de uivos, sem pastor para protegê-las ou guiá-las. Estão desolados, e expostos a inúmeros enganos fatais.
2. Estão não apenas sem Deus, mas a Sua ira permanece sobre eles, João 3.36: “O que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus”. Não há paz entre Deus e eles, mas Deus está irado com eles, diariamente. Não está apenas irado, mas o está num grau terrível. Há um fogo aceso na ira de Deus: ela está em chamas. A ira permanece sobre eles, que, se fosse ela executada, os lançaria no mais profundo inferno, e os tornaria miseráveis por toda eternidade. Provocaram o Santo de Israel à ira. Deus sempre esteve irado com eles, desde que começaram a pecar: tem sido provocado diariamente, e mais e mais, a cada hora. A chama de sua ira está continuamente ardendo. Provocaram a Deus mais do que muitos no inferno, e com maior frequência. Aonde quer que vão, convivem com a terrível ira de Deus sobre si. Comem, bebem e dormem debaixo de Sua ira. Como é terrível, portanto, a condição em que estão! É muito triste para a criatura ter a ira do seu Criador sobre si. Essa ira de Deus é algo infinitamente terrível. A ira de um rei é como o rugido de um leão; mas o que é a ira de um rei, que não é senão um verme do pó, comparada à ira do Deus infinitamente grande e terrível? Como é horrível estar debaixo da ira do Ser Primeiro, o Ser dos seres, o grande Criador e poderoso dono dos céus e da terra! Como é terrível para uma pessoa estar debaixo da ira de Deus, que lhe deu o ser, e em quem se move e existe, que é onipresente e sem o qual ela não pode dar um passo, nem um suspiro! Os não-convertidos, além de estarem debaixo de ira, estão debaixo de maldição. A ira e a maldição de Deus estão continuamente sobre eles. Não podem ter um conforto razoável, portanto, em qualquer de suas diversões, pois nada sabem, senão que elas lhes são dadas em ira, e serão amaldiçoados por elas, e não abençoados. Como é dito em Jó 18.15: “Espalhar-se-á enxofre sobre a sua habitação”. Como podem, então, ter algum conforto em suas refeições, ou posses, quando nada sabem senão que isso lhes é dado para prepará-los para a execução?
II. O estado relativo deles se mostrará terrível, se considerarmos como estão relacionados ao diabo.
1. Os que estão em um estado natural são filhos do diabo. Assim como os santos são filhos de Deus, os ímpios são filhos do diabo: 1 Jo 3:10: “Nisto são manifestos os filhos de Deus e os filhos do diabo” Mt 13:38, 39: “o campo é o mundo; a boa semente são os filhos do reino; o joio são os filhos do maligno; o inimigo que o semeou é o diabo”. Jo 8:44: “Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos”. São, por assim dizer, descendência do diabo; procedem dele: 1 Jo 3:8: “Aquele que pratica o pecado procede do diabo”. Assim como Adão gerou um filho à sua semelhança, os ímpios são à imagem e semelhança do diabo. Eles reconhecem esta relação, e se consideram filhos do diabo, consentindo que ele seja seu pai. Sujeitam-se a ele, ouvem os seus conselhos, como os filhos ouvem os conselhos de um pai. Ele os ensina a imitá-lo, e a fazer como ele faz, assim como as crianças aprendem a imitar seus pais. Jo 8:38: “Eu falo das coisas que vi junto de meu Pai; vós, porém, fazeis o que vistes em vosso pai”. Como é terrível este estado! Como é horrível ser um filho do diabo, o espírito das trevas, o príncipe do inferno, esse ímpio, maligno e cruel espírito! Ter alguma relação com ele é mui terrível. Seria considerado algo medonho e assustador o mero encontro com o diabo, aparecendo ele em uma forma visível para alguém. Como é terrível, então, ser seu filho; como é assustador para qualquer pessoa ter o diabo por seu pai!
2. Eles são cativos e servos do diabo. O homem, antes da queda, estava em um estado de liberdade; mas, agora, caiu nas mãos de satanás. O diabo foi vitorioso, e o tomou cativo. Os homens naturais estão em posse de satanás, e estão sob seu domínio. São conduzidos por ele em sujeição a sua vontade, para seguirem suas instruções, e fazerem o que ele ordena, 2 Tm 2:16: “Tendo sido feitos cativos por ele para cumprirem a sua vontade”. O diabo governa sobre os ímpios. São todos seus escravos, e o servem com trabalhos forçados. Isto mostra que sua condição é terrível. Os homens consideram um estado de vida infeliz ser um escravo; e, especialmente, ser escravo de um senhor mau, de alguém que seja duro, implacável e cruel. Quão miseráveis consideramos aqueles que caíram nas mãos dos turcos, ou outras nações bárbaras semelhantes, sendo destinados a mais baixa e cruel escravidão, e tratados pior do que o gado! Mas o que é ser tomado cativo pelo diabo, o príncipe do inferno, e ser escravo dele? Não seria melhor ser escravo de qualquer um na terra a ser seu escravo? O diabo é, de todos os senhores, o mais cruel, e trata os seus servos da pior maneira. Coloca-os na realização dos mais vis serviços, os mais desonrosos no mundo. Nada é mais desonroso que a prática do pecado. O diabo põe seus servos para realizar obras que os degrada abaixo da dignidade da natureza humana. Devem tornar-se semelhantes às feras para fazer esse serviço e servir às suas concupiscências imundas. E, além da vileza do trabalho, é um trabalho árduo. O diabo os escraviza às custas de sua própria paz de consciência, e, com frequência, às custas de suas reputações, de suas posses, e encurtando seus dias. O diabo é um senhor cruel, pois o serviço a que submete seus escravos os destrói. Ele os põe em trabalhos forçados, dia e noite, para trabalharem em suas próprias ruínas. Jamais pre-tende lhes recompensar por suas lidas, mas estas servem para edificar sua destruição eterna. Serve para acumular combustível e chamas de fogo para eles mesmos serem atormentados por toda a eternidade.
3. A alma de um não-convertido é a habitação do diabo. Ele é não apenas pai deles, e seu chefe, mas habita neles. É terrível para um homem ter o diabo nas cercanias, visitando-o com frequência. Mas é ainda mais terrível tê-lo habitando com um homem, e aceitar sua habitação; e é ainda terrível tê-lo consigo, habitando no coração. Mas é isto que ocorre com o não-convertido. Ele tem o diabo habitando no seu coração. Assim como a alma de um justo é a habitação do Espírito de Deus, a alma de um ímpio é a habitação de espíritos imundos. Assim como a alma de um justo é o templo de Deus, a alma do ímpio é a sinagoga de Satanás. Ela é chamada na Escritura de casa de Satanás, e palácio de Satanás, Mt 12:27: “Ou como pode alguém entrar na casa do valente”, querendo dizer, o diabo. E Lc 11:21: “Quando o valente, bem armado, guarda a sua própria casa, ficam em segurança todos os seus bens”. Satanás não apenas vive, mas reina, no coração do ímpio. Não apenas fez sua morada lá, mas estabeleceu seu trono. O coração de um ímpio é lugar de encontro do diabo. As portas do seu coração estão abertas aos demônios. Têm livre acesso a ele, embora esteja fechado para Deus e Jesus Cristo. Há muitos demônios, sem dúvidas, que se relacionam com um ímpio, e seu coração é lugar de encontro deles. A alma de um ímpio é, como se diz da Babilônia, a habitação dos demônios, e a casa de todo espírito imundo, e um ninho de toda ave imunda e odiosa. Assim, terrível é a condição de um homem natural por causa da relação em que ele está com o diabo.
 
O Terrível Estado Dos Não-Convertidos
Sermão de Jonathan Edwards 
Fonte: CCEL.org
Tradução: OEstandarteDeCristo.com
Fonte: CCEL.org │ Título Original: Natural Men in a dreadful Condition
Tradução: OEstandarteDeCristo.com
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