Introdução

Doenças mentais é um assunto controverso, porém importante, pois afeta a todos nós, seja direta ou indiretamente. Em algum momento de nossas vidas provavelmente todos nós teremos a oportunidade de ter contato com a doença mental, e é claro que qualquer um de nós pode, ocasionalmente, experimentar alguns de seus sintomas, mesmo que não apresentemos manifestações totais da doença. Durante os últimos 50 anos, mais ou menos, houve muitas mudanças no modo como a doença mental é vista, especialmente no mundo ocidental. A proliferação das drogas psicotrópicas ocasionou uma vasta diferença no tratamento de transtornos mentais graves. Esses avanços no tratamento trouxeram a questão cada vez mais a público, e tornaram as pessoas mais dispostas a falar sobre o assunto. No mundo moderno definitivamente tem havido um notável aumento nos estresses e tensões em nossas vidas, e como resultado tais coisas como psicologia, tipos de aconselhamentos diversos, grupos de autoajuda e outras formas de terapia mental se multiplicaram. Tudo isto levanta perguntas nas mentes de muitos crentes. Por um lado eles se encontram, pelo menos em certa medida, como vítimas das mesmas forças e das mesmas distúrbios que são vistas no mundo em geral, mas por outro lado eles se veem diferentes dos incrédulos. Muitos estão perplexos e confusos, até mesmo assustados, pela tremenda quantidade de opções de tratamento, e muitos temem (muito justificadamente) que alguns desses tratamentos podem não apenas ser inúteis, como também prejudiciais.

Muitas Perguntas

Ao viajar a várias partes do mundo e interagir com crentes de diferentes culturas, vejo que o assunto da doença mental aparece frequentemente. Muitos têm parentes e entes queridos que claramente precisam de ajuda nessa questão, e que estão perplexos sobre onde procurar tratamento. Muitas questões surgem, tais como:

  1. Eles devem buscar ajuda de psiquiatras e outros tipos de conselheiros, ou é sempre uma questão espiritual?

  2. Há algumas vezes um desequilíbrio químico que pode ser corrigido por medicação adequada, ou esta é uma ideia não comprovada?

  3. Sabemos como as drogas que afetam o cérebro realmente funcionam? Existe lugar para o uso delas entre cristãos?

  4. Quão responsável é o indivíduo por seu comportamento em casos de distúrbios mentais?

As respostas a perguntas como essas nem sempre estão prontamente disponíveis. Espera-se que sejamos capazes de abordar o assunto, percebendo que, como nas doenças físicas, assim também nas doenças mentais, há coisas que não podemos compreender totalmente. Contudo, contamos com Deus e Sua Palavra para obter respostas para nossas perguntas, pois em qualquer assunto moral e espiritual, Deus nos deu em Sua Palavra a luz que precisamos.

Em 2 Pedro 1:3 é dito que “Seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade”. Nossos corações precisam se apossar desse princípio tão importante. Podemos não conhecer ou entender tudo sobre doenças mentais, ou sobre muitos outros assuntos como este, mas Deus nos assegurou que “pelo conhecimento daquele que nos chamou pela sua glória e virtude” (2 Pedro 1:3), temos toda a luz que precisamos para viver uma vida piedosa neste mundo. Tendo em conta esta e outras passagens, estamos confiantes em olhar para a questão da doença mental na luz da Palavra de Deus, e buscaremos encontrar as respostas para algumas das questões que inevitavelmente surgem quando o assunto é apresentado. Podemos não encontrar respostas para todas as nossas perguntas, mas sabemos que Deus nos deu tudo o que precisamos saber para viver para Sua glória neste mundo.

As Doenças e as Curas na Bíblia

O que é então a doença mental? Creio que há uma base bíblica para o uso do termo.

Em Mateus 4:23–24, lemos:

“E percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas suas sinagogas, e pregando o evangelho do Reino, e curando todas as enfermidades e moléstias entre o povo. E a sua fama correu por toda a Síria; e traziam-lhe todos os que padeciam acometidos de várias enfermidades e tormentos, os endemoninhados, os lunáticos e os paralíticos, e ele os curava.”

Aqui encontramos o Senhor Jesus curando todas as doenças e todas as fraquezas do corpo. Quando as Escrituras começam a se referir àqueles que estavam doentes, eles são agrupados em cinco diferentes categorias:

  1. Havia aqueles que tinham várias doenças, e certamente estas incluíam coisas como infecções, câncer, inflamações de vários tipos e doenças decorrentes da idade.

  2. Juntamente com a doença havia os que sofriam com dores que, é claro, incluíam a dor resultante de doenças tais como artrite, dores de cabeça ou câncer, mas podiam incluir também dores infligidas de fora do corpo. O pensamento de tormento ou tortura está incluído na palavra.

  3. As pessoas também ficam doentes quando possuídas por um demônio, e, é claro, isto pode afetar tanto o corpo como a mente.

  4. Paralíticos são mencionados, sendo aqueles que tinham perdido a capacidade de usar algumas partes do corpo, e assim eram incapazes de exercer normalmente suas funções.

  5. A palavra “lunáticos” também está incluída na lista, indicando aqueles que tinham um estado de mente desordenado. A palavra no grego traz o pensamento de ser um “alucinado”, ou louco, e é uma palavra genérica usada para aqueles que não estão em sã consciência. A mesma palavra é usada em Mateus 17:15 para descrever o garoto que se jogava no fogo ou na água. Neste caso, o comportamento lunático foi causado por um demônio. Tais indivíduos são colocados juntamente com os outros que tinham doenças e dores, e são categorizados como estando enfermos. O estado de ser um lunático era uma doença que o Senhor Jesus curou do mesmo modo como curou as outras doenças.

A Doença Mental

Como, então, definimos a doença mental? Não há, de fato, uma definição que englobe cada aspecto do assunto, pois estamos lidando com um assunto que não possui um escopo bem demarcado. Até certo ponto, nossa visão sobre doenças mentais é afetada pela cultura e pela sociedade em que vivemos. Além disso, assim como há uma variação no que é geralmente considerada saúde física normal, assim há uma variação no que é considerado um padrão normal de pensamento e comportamento. Todos nós, em algum ponto de nossas vidas, podemos experimentar alguns dos sintomas de pensamento desordenado, mas apenas se os sintomas vão além de um certo ponto é que a pessoa será considerada doente mental. Assim, definiremos a doença mental simplesmente como sendo qualquer padrão anormal de pensamento e sentimento que resulta em um distúrbio de comportamento e que, assim, afeta a capacidade individual de funcionar em seus relacionamentos com o próximo e/ou em seu trabalho.

Aqui é importante esclarecer nossa definição em relação ao que as Escrituras têm a dizer, pois a definição que sugeri é muito ampla. A Palavra de Deus usa a palavra “lunático” para descrever aqueles com distúrbios de pensamento e comportamento, e, como já vimos, tais indivíduos também são incluídos entre aqueles a quem o Senhor Jesus curou. É difícil saber até onde essa palavra se estende em descrever aqueles cujo comportamento é anormal, e que grau de distúrbio é abrangido por isso. Cito as Escrituras apenas para mostrar que o Senhor Jesus reconheceu ao menos alguns comportamentos anormais como doenças, e as curou como fazia com outras doenças. Podemos muito bem hesitar em colocar cada indivíduo com alguma anormalidade de pensamento ou sentimento nessa categoria e chamá-lo de lunático. Neste artigo discutiremos uma ampla variedade de distúrbios que possuem pelo menos algum componente de distúrbio de pensamento e/ou de comportamento. O leitor pode não ver todos eles como a manifestação de doença mental, mas simplesmente como a demonstração do que a Escritura chama de “a carne” – nossa natureza pecaminosa. Como veremos, há, muitas vezes, uma mistura de ambos. Seja qual for a causa, sugiro que uma consideração de todas essas entidades, perante o Senhor, é apropriada para nosso assunto.

Ao lidarmos com esse assunto, olharemos para o que claramente é doença mental – os indivíduos com comportamento assim chamado “psicótico”. Esses que exibem tal comportamento não têm controle de si mesmos, e em grande medida estão fora de si com relação à realidade. Eles definitivamente se encaixariam na categoria de “lunáticos”, como é mencionado nas Escrituras.

Discutiremos, também, o comportamento anormal no qual o indivíduo ainda tem noção da realidade e não está fora de controle. Esses distúrbios comportamentais são geralmente chamados de “neuroses”, em contraposição à “psicose”. Como veremos, há geralmente uma sobreposição entre ambas. Mais que isso, em ambos os casos há aspectos de seu comportamento nos quais o indivíduo não pode fazer nada, mas também há uma parte em que deve ser responsabilizado.

No início deste artigo mencionei que eu iria abordar o assunto na luz da Palavra de Deus. Espero que este seja o caso, e que as conclusões alcançadas, especialmente na esfera moral e espiritual, sejam mantidas com a mente de Deus como é revelada em Sua Palavra. No entanto, uma vez que o autor é um médico, e que procurou a assistência de outros médicos cristãos, haverão comentários ocasionais baseados nesse treinamento e experiência. Espero que isso seja útil “completar” a discussão sobre o assunto, mas ao dizer isso, percebo que o conhecimento médico está em constante mudança. Alguns dos comentários feitos nessa área podem ser superados por conhecimento melhor em algum ponto no futuro. Além disso, farei outros comentários, de vez em quando, que são baseados nas minhas próprias observações e experiência como indivíduo, não tanto como médico, mas como cristão. Tais comentários serão obviamente identificados pelo leitor, e, é claro, devem ser tomados como opiniões [ou juízos] pessoais, e não como tendo a autoridade das Escrituras.

Os distúrbios mentais podem ter múltiplas causas. Algumas podem ser primariamente orgânicas (causadas por mudanças físicas no cérebro), enquanto outras podem ter suas origens na alma e no espírito. Frequentemente ambas estão envolvidas, e, muitas vezes, tais causas estão interconectados de tal modo que pode ser de difícil separação. Há uma grande variedade de opiniões sobre o assunto, não apenas entre crentes, mas também no mundo em geral. Uma vez que o assunto não se presta à pesquisa científica do mesmo modo como as outras disciplinas médicas, algumas das ideias sobre a natureza e a causa da doença mental tende a se basear em teorias e conceitos em vez de evidência científica sólida. Muito do que é feito quanto ao tratamento tende a ser empírico (baseado na observação e experiência), e talvez esteja enquadrado e determinado, em alguma medida, pela cultura em que vivemos. Além disso, o campo da mente é muito inter-relacionado ao espiritual, e aqui estamos, definitivamente, em uma área onde as Escrituras, e não a ciência, deve ser a autoridade final. Esse princípio deverá ser mantido em mente enquanto lidamos com nosso assunto, e certamente nos levará de volta à Palavra de Deus, “viva, e que permanece para sempre” (1 Pedro 1:23). É muito reconfortante e assegurador saber que Deus nos deu tudo o que precisamos para viver uma vida piedosa neste mundo, enquanto reconhecemos que há aspectos da doença mental que estão além de nosso entendimento.

Não é o propósito deste artigo discutir em detalhes todos os variados tipos de doenças mentais que têm sido reconhecidas, ou abordar o assunto por meio da classificação usada pela profissão psiquiátrica. No entanto, uma vez que a doença mental se expressa em uma grande variedade de formas, será bom termos alguma ideia do escopo do assunto. Assim, algumas considerações sobre essas diferentes manifestações são necessárias antes de prosseguirmos. Os termos que usaremos serão os mesmos usados por aqueles que tratam as doenças mentais, pois esses termos são comumente reconhecidos e entendidos. Vejamos alguns exemplos de doenças mentais e distúrbios comportamentais.

Distúrbios Psicóticos

Primeiramente, chegamos ao tipo mais sério de doença mental, abrangendo a esquizofrenia e outras condições psicóticas. Nesses casos, os indivíduos parecem não estar em contato com a realidade, uma vez que perderam a capacidade de diferenciar entre o que é real e o que é imaginário.

Doenças psicóticas são caracterizadas por comportamento e fala severamente perturbados, incluindo ilusões e alucinações (tais como ouvir vozes, ver coisas não existentes, etc.). Ocasionalmente episódios psicóticos podem ocorrer em outros distúrbios mentais, tais como distúrbios de humor. Sintomas similares podem também ser causados por abuso de substâncias, efeitos colaterais de remédios e condições médicas gerais. O autismo provavelmente também deveria ser incluído nessa categoria, por ser um distúrbio caracterizado por problemas de linguagem, comportamentos repetitivos e dificuldades com interação social. A esquizofrenia, no entanto, é sempre caracterizada pela psicose.

Essas pessoas são muitas vezes tão perturbadas em sua capacidade de pensar e julgar claramente que elas costumam não perceber que são doentes mentais. A seguir é apresentada uma descrição de um típico esquizofrênico paranoico:

“A. B., um médico de 38 anos de idade, foi internado em 1937 em um hospital público por distúrbio mental após sua prisão por perturbar a paz. Especificamente, ele tinha assustado seus vizinhos ao lançar objetos em pessoas imaginárias que, dizia ele, o estavam atormentando, batendo no ar com cordas e quebrando o vidro no apartamento em que ele e sua esposa moravam.

“No momento de sua internação no hospital, sua esposa descreveu seus traços de personalidade como segue: ’Ele sempre foi um pensador profundo. Ultimamente, no entanto, ele não tem conseguido se concentrar. Ele é bastante agressivo e é do tipo que insiste em impôr suas próprias ideias sobre todo mundo. Ele acha que todo o mundo tem que concordar com ele. Ele é teimoso e argumentativo. Essa característica foi até mesmo mencionada em seu anuário da faculdade. Ele é um pensador independente e é muito brilhante. Ele tinha grandes planos para o futuro. Ele era, antigamente, bem extrovertido até os últimos anos, quando começou a se recusar a se juntar a outras pessoas.’

À medida que o distúrbio mental do paciente progredia, ele desenvolveu uma grande quantidade de ilusões. Ele afirmava que era ”o elo entre os vivos e os mortos“, que era um ”médium universal“, que um certo médico falava com ele por telepatia mental para lhe aumentar a força e habilidades em operações cirúrgicas. Ele acreditava que alguém se escondia em um baú em sua casa e então disparou várias balas no baú. Ele acusou seu irmão de espirrar hidrato de cloral nele desde o terceiro andar de sua casa. Então, ele se sentou atrás de uma porta fechada esperando por seu irmão e, ao ouvir um barulho, atirou pela porta. Ele deixou a barba crescer por que dizia que seu rosto estava sendo modificado de maneiras sutis por influências externas, acrescentando que, se usasse uma barba, sua verdadeira identidade se tornaria conhecida. Após sua internação no hospital, ele muitas vezes passava longas horas em seu quarto, de onde podia-se ouvir ele andando pelo chão, gemendo ou fazendo um barulho como de um cachorro, batendo sua cabeça com o pulso ou batendo na parede. Quando lhe perguntavam o motivo de seu comportamento, ele explicava que estava sofrendo torturas pois as pessoas abusavam de seus poderes de telepatia mental e estavam direcionando esses poderes para ele. Ele passava quase o dia inteiro em seu quarto quando, durante o quarto e quinto ano de sua residência no hospital, ouvia-se frequentemente ele gritando e proferindo ruídos que as enfermeiras descreviam como parecendo o uivo de um lobo.”1

(A descrição acima é a de um paciente que teve de ser hospitalizado por um longo período de tempo, uma vez que as drogas psicotrópicas usadas atualmente para tratar sua condição ainda não existiam.)

Distúrbios Neuróticos e Comportamentais

Distúrbios de Personalidade

Nesta categoria reconhecemos primeiramente uma gama de problemas que podem ser chamados de distúrbios de personalidade. Todos temos traços comportamentais que são padrões duradouros de percepção, que se relacionam e reagem a nós mesmo e aos outros em uma ampla gama de contextos. Esses traços nos tornam indivíduos distintos e são conhecidos como nossa personalidade. Em alguns indivíduos certos traços tornam-se exagerados em tal extensão que passam a ter padrões de comportamento seriamente inflexíveis e limitados. Muitas vezes a inflexibilidade de personalidade e sua vulnerabilidade a estresses específicos resultam em verdadeiras dificuldades de adaptação social, levando a distúrbios significativos na vida individual. Alguns possuem uma personalidade dependente, na qual o indivíduo tem dificuldade de tomar decisões, iniciar projetos por conta própria, ou expressar desacordo. Tais pessoas fazem de tudo para obter a aprovação dos outros e são urgentes na busca por relacionamentos. Outros possuem um tipo de personalidade evasiva, não estando dispostos a se envolverem com coisa alguma a não ser algumas coisas que gostam. Tais pessoas se preocupam em ser criticadas e são inibidas em situações novas por se sentirem inadequadas. A personalidade antissocial não tem capacidade de formar relacionamentos adequados com os outros. Eles parecem insensíveis e autocentrados, desprovidos de um senso de responsabilidade, e são dados a prazeres imediatos. Eles muitas vezes não possuem capacidade de juízo próprio, mas ainda assim são inteligentes o bastante para planejar racionalizações que convençam a si mesmos que suas ações são razoáveis e justificadas. A personalidade obsessivo-compulsiva preocupa-se com ordem, perfeccionismo e controle interpessoal, ao custo de flexibilidade, abertura e eficiência. A descrição a seguir nos fornece um exemplo de uma personalidade obsessivo-compulsiva:

“A Sra. C., uma gerente de loja de 41 anos, foi fazer uma avaliação psicológica graças à insistência do gerente regional da rede de lojas para a qual trabalha. Ela falhou em entregar os últimos quatro relatórios periódicos em tempo, e sua loja tem uma das piores taxas de produtividade da rede, apesar de ela usualmente chegar cedo no trabalho e ficar até mais tarde do que qualquer outro gerente, e parecer estar ocupada em cada minuto do dia. A Sra. C trava frequentes batalhas com seus funcionários e tem a maior taxa de rotatividade de funcionários na rede. Quando confrontada com esses problemas, ela insiste que sua loja está sendo conduzida ’adequadamente’ e de acordo com as regras – diferente das outras lojas da rede, que estariam mantendo padrões de ’má qualidade’.

“É fácil identificar a fonte da dificuldade na loja. A Sra. C insiste que seus funcionários coloquem e arranjem as mercadorias em linhas requintadamente retas. Ela verifica uma vez, duas, três, quatro vezes todos os itens, e é essa a razão pela qual ela nunca consegue terminar seus relatórios periódicos a tempo. Ela microgerencia cada aspecto da operação da loja e, consequentemente, seus gerentes subordinados estão sempre pedindo transferência para outras lojas. Em vez de apreciarem a constante supervisão da Sra. C, seus gerentes acham isso irritante e demorado. Ela está constantemente elaborando gráficos, tabelas e diretrizes de funcionários. Ela gasta boa parte de seu tempo toda manhã construindo e elaborando listas de tarefas que nunca encontra tempo para completar.

A Sra. C é casada há 15 anos e tem dois filhos adolescentes. Seu marido é carteiro. O Sr. C relatou ao terapeuta que antes da Sra. C começar a trabalhar na loja há 6 anos atrás eles tinham muitas brigas conjugais por causa da necessidade da Sra. C de supervisionar e dirigir cada aspecto de sua vida. Ela insistia em saber onde ele estava em cada momento e tinha tentado planejar todas as atividades de seu tempo livre. Ele disse que foi um grande alívio para ele quando ela começou a trabalhar na loja, tornando-se ocupada demais para prestar tanta atenção na vida dele. O Sr. C diz que é difícil para ele e os filhos convencerem sua esposa a tirar férias e que geralmente acaba não sendo muito divertido quando ela concorda em ir. A Sra. C planeja o itinerário e as atividades minuciosamente e insiste que todos devem participar do que ela agendou. Nada de espontâneo ou não planejado é permitido, e ela espera que todos passem o tempo ’produtivamente’, mesmo quando de férias.”2

Distúrbios de Ansiedade

Outra manifestação bem reconhecida de distúrbio comportamental é a dos distúrbios de ansiedade. Esta é uma das formas mais comuns de doença mental. Nessa categoria encontramos coisas como fobias, distúrbios de estresse e distúrbios que causam ataques de pânico. Algumas pessoas tem um distúrbio de ansiedade generalizado, no qual se preocupam o tempo todo com quase tudo. Como pode-se esperar, tais indivíduos têm (por muitos motivos) um alto grau de ansiedade, muitas vezes acompanhada por medos irracionais. Além disso, pela ansiedade intensa e muitas vezes incapacitante, podem experimentar sintomas físicos tais como palpitações no coração, sudorese, tremores, falta de ar e tontura. Distúrbios de ansiedade podem afetar tanto crianças como adultos, como mostra o exemplo a seguir:

“Anne-Marie (não é seu verdadeiro nome) era uma filha de 10 anos de idade, de uma família intacta e apoiadora, que foi descrita como ’ansiosa de nascimento’. Ela tinha sido retraída e tímida na pré-escola, mas se adaptou bem à 1ª série e começou a fazer amigos e a se dar bem na escola. Ela apresentou várias vezes dores abdominais crônicas e difusas que eram piores de manhã e nunca ocorriam à noite. Ela tinha perdido cerca de 20 dias de escola durante o ano anterior por causa da dor. Ela também evitava viagens de campo da escola, temendo um acidente com o ônibus. Seus pais relataram que ela tinha dificuldade em pegar no sono e frequentemente pedia que a tranquilizassem.

“Ela se preocupava que ela e os membros de sua família pudessem morrer. Ela era incapaz de dormir antes de um teste. Ela não conseguia tolerar que seus pais estivessem em outro andar da casa em que ela não estivesse, e ela verificava as portas e janelas à noite, temendo intrusos.

“Seu medo de ficar sozinha, necessidade de tranquilização constante, problemas com faltas na escola eram tanto frustrantes quanto perturbadores para seus pais.

“Ela não tinha experimentado quaisquer eventos traumáticos, embora ela reagisse fortemente às imagens do 11 de setembro de 2001 na televisão. Um de seus avós tinha morrido no ano interior. Uma tia materna tinha recentemente sido tratada com fluoxetina [uma droga antidepressiva] para depressão e era descrita como ’uma pessoa nervosa’.

“Anne-Marie tem sintomas típicos de um distúrbio de ansiedade infantil.”3

Distúrbios de Humor

Outra manifestação frequente de doença mental é a dos distúrbios de humor. Nesta categoria estão os bem conhecidos tipos de depressão e doença maníaco depressiva. A depressão é caracterizada por sentimentos contínuos de tristeza e vazio, um interesse marcadamente diminuído em todas as atividades, uma incapacidade de se concentrar, insônia, cansaço constante e um sentimento de inutilidade. O distúrbio maníaco-depressivo (ou bipolar) é caracterizado por períodos de depressão alternados a períodos de exaltação, devaneios, tremenda energia, diminuição na necessidade de sono e extrema extroversão e necessidade de conversação. Kay Redfield Jamison, uma professora da Universidade Johns Hopkins e uma autoridade internacional em doença maníaco-depressiva, conta sua própria experiência com o distúrbio. Segue uma descrição de como ela se sentia:

“Há um tipo particular de dor, exaltação, solidão e terror envolvido nesse tipo de loucura. Quando você está alto é algo tremendo. As ideias e sentimentos são rápidos e frequentes como estrelas cadentes, e você os segue até encontrar outros melhores e mais brilhantes. A timidez se vai, as palavras e gestos corretos de repente estão lá, o poder de cativar os outros uma certeza sentida. Interesses são encontrados em pessoas desinteressantes…Sentimentos de facilidade, intensidade, poder, bem-estar, onipotência financeira e euforia permeiam sua essência. Mas, em algum ponto, tudo isso muda. As ideias rápidas são rápidas demais, e são muitas; a clareza dá lugar à confusão opressiva. A memória se vai. O humor e a assimilação dos rostos dos amigos dão lugar ao medo e preocupação. Tudo o que antes se movia favoravelmente agora se volta para trás – você se torna irritado, assustado, incontrolável e totalmente enredado nas mais sombrias cavernas da mente. Você nunca soube que essas cavernas estavam ali. E parece que não acaba nunca, pois a loucura esculpe sua própria realidade.

“E assim continua…O que fazer então, após os remédios, o psiquiatra, o desespero, a depressão e a overdose? Todos aqueles sentimentos incríveis…o que eu fiz? Por quê? E o mais assustador: quando vai acontecer de novo? Quais dos meus sentimentos são reais? Quais dos ”eus“ sou eu? Será o selvagem, impulsivo, caótico, enérgico e louco? Ou o tímido, retirado, desesperado, suicida, condenado e cansado? Provavelmente um pouco de ambos, com muita esperança de não ser nenhum deles.”4

Vimos aqui um caso no qual o comportamento neurótico pode ser acompanhado de episódios ocasionais de comportamento psicótico, de modo que a linha entre condições “lunáticas” e distúrbios comportamentais é às vezes difícil de distinguir.

A Doença Mental na Bíblia

A loucura ou insanidade é mencionada várias vezes nas Escrituras, mostrando-nos que tais coisas eram presentes e bem reconhecidas tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Já vimos como a palavra “lunático” é usada no Novo Testamento para descrever aqueles que eram afligidos por pensamento e comportamento desordenado. Há muitas outras referências, no entanto, na Palavra de Deus. Nos versículos a seguir a palavra “louco” significa um padrão de pensamento e ação sem motivo ou juízo.

Em Deuteronômio 28:34, Israel foi informado que eles “enlouqueceriam com o que veriam com os seus olhos” quando vissem os terríveis juízos que Deus traria sobre eles por sua desobediência. A palavra aqui tem o pensamento de delirar através da insanidade, claramente provocada por circunstâncias adversas.

Então, em 1 Samuel 21:13–15, Davi se fingiu de louco para que Aquis, rei de Gate, pensasse que ele estava insano e não o matasse. Obviamente o ardil funcionou, pois Aquis claramente considerou que Davi estivesse louco e fora de si.

Em Eclesiastes 7:7 lemos que “a opressão faria endoidecer até ao sábio”, enquanto em Oseias 9:7 lemos: “o profeta é um insensato, o homem de espírito é um louco; por causa da abundância da tua iniquidade”.

Em Daniel 4:1–37, Nabucodonosor conta a sua nação como Deus o humilhou com uma doença mental severa por sete anos até que ele aprendeu uma lição muito importante, a saber, que “o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer, e até ao mais humilde dos homens constitui sobre ele” (Daniel 4:17).

Em Atos 26:24, Festo acusou Paulo de louco. A palavra aqui tem o pensamento de “mania”, ou loucura. Paulo respondeu que não estava louco, mas sim que estava falando as palavras da verdade e de um são juízo. Novamente, em 1 Coríntios 14:23, Paulo diz que se incrédulos viessem à assembleia quando os crentes estivessem falando em línguas, eles pensariam que estavam loucos, ou delirantes como maníacos.

Essas referências nos mostram que a insanidade era claramente reconhecida por milhares de anos. Às vezes era trazida pelas circunstâncias, às vezes por possessão demoníaca, e às vezes pelo Próprio Deus. A palavra “lunático” é usada uma vez no Novo Testamento (Mateus 17:15) para descrever o estado de alguém que estava possuído por demônio, mas em Mateus 4:24 é feita uma distinção entres aqueles possuídos por demônios e aqueles que eram lunáticos. Um estado mental desordenado podia ser causado por possessão demoníaca, mas tal condição também podia ocorrer na ausência de um demônio. Assim vemos que doenças mentais de vários tipos e de diferentes causas são reconhecidas na Palavra de Deus.

A Natureza do Homem

(Ao considerar a doença mental, é útil ter um entendimento do homem e sua natureza, como nos é dado na Palavra de Deus. No entanto, uma vez que o homem é um ser complexo, alguns leitores podem achar o assunto complicado e os conceitos difíceis de entender. Por esse motivo, uma seção sobre o assunto será encontrada no Apêndice. No entanto, essa parte pode ser lida neste ponto se o leitor assim desejar.)

  1. Noyes, Arthur P., and Kolb, Lawrence C., Modern Clinical Psychiatry. (W. B. Saunders Co., Philadelphia, 1963), pg. 348–9↩

  2. Frances, Allen, M.D., and Ross, Ruth, M.A., DSM-IV Case Studies. (American Psychiatric Press, Washington, D.C., 1996), pg. 315–6↩

  3. Manassis, Katharina, M.D., F.R.C.P.©), Childhood Anxiety Disorders. (Canadian Family Physician, March, 2004), pg. 380↩

  4. Jamison, Kay Redfield, An Unquiet Mind. (Alfred A. Knopf, New York, 1995), pg. 67–8↩

A Natureza da Doença Mental

Como então a doença mental se desenvolve? Será algo físico, causado por algum desequilíbrio químico ou outras mudanças no cérebro que não permitem que a alma e o espírito se expressem adequadamente? Ou trata-se de algo pertencente principalmente ao domínio metafísico – a alma e o espírito? Seria algumas vezes a combinação de ambos? Ou será que a origem vai ainda além disso, e envolve o “eu” consciente que controla o espírito, a alma e o corpo? Seria a origem sempre a mesma, ou diferentes formas de doença mental possuem diferentes causas? Ao buscarmos responder tais questões a partir de um ponto de vista bíblico, devemos começar com a raiz do problema – o pecado. Todo distúrbio e confusão neste mundo decorre dessa terrível coisa que foi introduzida no mundo no Jardim do Éden. Ao considerarmos o efeito do pecado e suas consequências neste mundo, devemos abordar a questão de pelo menos três formas. Primeiramente, devemos considerar o pecado em cada um de nós como criaturas adâmicas [provenientes de Adão], e que, portanto, sentimos os efeitos do pecado em nosso ser porque nascemos de uma raça caída. Em segundo lugar, devemos considerar o pecado que voluntariamente permitimos em nossas vidas e que também podem causar efeitos em nossas vidas. Finalmente, devemos considerar o pecado como estando no mundo e assim afetando cada um de nós do lado de fora, como em circunstâncias adversas ou em algo que pode ser feito contra nós.

O Pecado como Resultado da Queda do Homem

Os Efeitos Físicos

Primeiramente, sabemos que nossos corpos são afetados pelo pecado, o pecado que foi introduzido no mundo no Jardim do Éden. Deus tinha dito a Adão: “Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” (Gênesis 2:17). As palavras “certamente morrerás” no original hebraico podem ser lidas como “morrendo, morrerás”. Ao longo da história da humanidade o homem aprendeu de forma brutal a verdade dessa afirmação à medida que experimentou os distúrbios e deterioração gradual de seu corpo. O cérebro é parte do corpo e assim foi afetado por tudo isso. Uma vez que a alma e o espírito (e finalmente o “eu” consciente) devem se expressar por meio do cérebro, eles podem se encontrar incapazes de fazê-lo adequadamente por causa do funcionamento desordenado do cérebro. A organização física imperfeita do homem desde a queda tornou a mente (usada no sentido geral), através de sua conexão com o corpo (neste caso, o cérebro), sujeita a falsas percepções e expressões anormais.

Tais coisas como o mal de Alzheimer, de Parkinson, tumores cerebrais, lesões na cabeça e infecções cerebrais podem causar distúrbios comportamentais. A falta de sono adequado pode também ser incluída aqui. Podemos colocar o álcool e outros abusos de substâncias nessa categoria, pois afetam o cérebro de forma física. Aqui já estamos lidando com uma combinação de causas, pois o álcool e o abuso de substâncias envolve pecado voluntário, enquanto problemas na cabeça e falta de sono envolvem circunstâncias adversas e o efeito do pecado vindo de fora.

A maioria de nós já teve contato com alguém que desenvolveu mal de Alzheimer, e como resultado não pensa nem age de modo normal. O indivíduo geralmente tem concentração fraca, memória ruim para eventos recentes, dificuldade de planejamento e organização de sua vida, e habilidades de raciocínio prejudicadas. Mais sérios ainda são os problemas emocionais e psicológicos resultantes, tais como mudanças de personalidade, comportamento inadequado em situações sociais, agitação, irritabilidade, e até mesmo paranoia (uma suspeita irracional ou falta de confiança nas outras pessoas).

Em problemas sérios de cabeça ou após um acidente vascular a capacidade do indivíduo de funcionar intelectualmente é comumente danificada, pois geralmente há outras mudanças tais como um aumento de ansiedade, labilidade emocional1 e até mesmo agressão. Em alguns casos há um exagero de certos traços (tais como teimosia ou impulsividade) que o indivíduo pode ter tido antes do acidente, e uma falta de controle sobre tendências que podem já ter estado presentes.

Além dessas causas físicas um tanto óbvias da doença mental, sabemos que o cérebro está envolvido em distúrbios mentais tais como a depressão e a esquizofrenia. Não é nosso propósito tomarmos muito tempo sobre o que a ciência médica pode ter descoberto nesse domínio, mas é suficiente dizer que a pesquisa científica tem sido capaz de demonstrar um componente biológico em alguns distúrbios mentais. Por exemplo, várias substâncias químicas estão envolvidas na ação adequada dos neurotransmissores no cérebro, e quando essas não estão presentes na quantidade correta (seja um excesso ou um déficit), sintomas de doença mental podem ocorrer. Isto é certamente um fator importante que contribui em algumas formas de doença mental, e predispõe o indivíduo a um distúrbio particular. No entanto, é um erro categorizar alguém tendo uma doença mental como simplesmente tendo um “desequilíbrio químico”. O assunto é muito mais complicado do que isso, assumindo uma complexidade na qual múltiplos genes atuam em conjunto com fatores não genéticos para produzir um risco de distúrbio mental.

Deixaremos o assunto do álcool e do abuso de substâncias por enquanto, pois estes se enquadram melhor na categoria de um problema espiritual em vez de um ocorrido naturalmente. Mas os outros que mencionamos são coisas que ocorrem porque nascemos em uma criação pecaminosa. Embora os crentes tenham tido seus pecados perdoados, ainda são parte da criação que “geme e está juntamente com dores de parto até agora” (Romanos 8:22). O próximo versículo nos diz que “nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo” (Romanos 8:23). Apenas quando o crente tiver seu corpo glorificado ele funcionará do modo que Deus pretendia. Mas, novamente, o problema da doença mental é mais complicado do que simplesmente um distúrbio do cérebro.

Alma e Espírito

Até agora, consideramos apenas como o pecado afetou o lado físico do homem, e como um cérebro doente ou danificado pode não responder da maneira correta. Mas será que percebemos que o pecado atingiu cada parte do nosso ser, moral e espiritual, assim como o físico? Nós prontamente concordaríamos que a tendência a mentir, roubar ou matar é evidência definitiva do pecado que está em nós por causa da queda do homem. Devemos reconhecer, no entanto, que a alma e o espírito são afetados pela queda do homem, não apenas em nossa tendência de cometer pecado, mas também ao manifestarmos anormalidades que o pecado causou. Somos todos nascidos neste mundo como pecadores perdidos, e enquanto a essência do mal não está nem no próprio corpo nem na natureza humana e suas faculdades, mesmo assim tudo isso é prejudicado por ela. Davi podia dizer no Salmo 51:5: “Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe”. Paulo diz em Romanos 7:18: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum”. O termo “a carne”, como usado nas Escrituras, às vezes refere-se ao ser natural completo do homem – corpo, alma e espírito.2 (Isto é desenvolvido mais plenamente na seção sobre “A Natureza do Homem”.) As Escrituras também nos dizem que somos naturalmente “filhos da desobediência; entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos” (Efésios 2:2,3). Eu sugeriria que tudo do ser humano está incluído nesses versículos. Deste modo, o corpo (incluindo o cérebro) sente o efeito do pecado em seu funcionamento desordenado e em sua deterioração, e a alma e o espírito, com todas as nossas faculdades, foram afetados pelo pecado.

Em seu livreto “Auto-Estima”, o autor afirma:

“Muitos de vocês estão cientes de que há diferentes tipos de personalidade, e que de uma maneira geral podemos todos nos encaixar em um (ou em uma combinação) desses diferentes tipos. Por exemplo, algumas pessoas são muito trabalhadoras, bem disciplinadas e bem organizadas. Essas são pessoas que podem gerenciar qualquer coisa, e que geralmente realizam muitas coisas neste mundo. Sem dúvida essa capacidade foi-lhes dada por Deus, e é justo dizer que eles teriam essa capacidade mesmo se o homem não tivesse caído. Mas essas pessoas geralmente possuem um lado negativo, pois são muitas vezes arrogantes e intolerantes para com os outros. Elas podem ser sarcásticas, e muitas vezes não trabalham bem com os outros. Eles podem subir ao topo no mundo dos negócios e estarem em posições gerenciais, porém, às vezes, não são apreciados por seus subordinados.

“Por outro lado, há aqueles que são bem mais abertos e amigáveis, e que são o que chamaríamos de ’pessoas do povo’. Eles são intuitivos, podem perceber os sentimentos das outras pessoas e reagem adequadamente. Eles geralmente possuem muitos amigos e são bastante apreciados pelos outros. Novamente, este é um traço dado por Deus, e seria parte deles antes da queda. Do lado negativo, essas pessoas muitas vezes têm um problema com autodisciplina e sentem dificuldade de disciplinar os outros. Elas acham mais difícil comparecer a um compromisso pontualmente, gerenciar seus assuntos de maneira ordenada e tomar responsabilidades seriamente.

“O que vemos nas personalidades dos homens, incluindo nós mesmos, é parte o que Deus em Sua sabedoria criou, e parte o que o pecado causou. Vemos beleza na natureza e reconhecemos a obra de Deus, mas então vemos a ruína que o pecado trouxe.”

Algumas das chamadas doenças mentais ou distúrbios comportamentais são, de fato, uma expressão exagerada de respostas mentais e emocionais normais, mas sem a integração adequada e o equilíbrio com outros traços que permitiriam que o indivíduo agisse normalmente. Assim como cada tipo de personalidade tem um lado ruim que é, sem dúvida, o resultado do pecado, assim também o efeito da queda da alma e do espírito humano contribui para um comportamento anormal que pode resultar em doença mental. O efeito dos desequilíbrios em nossa composição resulta no que é convencionalmente chamado de personalidade – a combinação de qualidades que tornam um indivíduo único. No entanto, se esses desequilíbrios forem além de um certo ponto, o exagero de uma ou mais tendências resulta em comportamentos anormais que podem ser consideradas doenças mentais. Por exemplo, a imaginação é uma parte importante, útil e interessante da personalidade humana, mas uma imaginação hiperativa que não distingue entre fantasia e realidade pode resultar em ilusões e até mesmo em alucinações.

Consideremos uma doença mental bem conhecida tal como o transtorno maníaco-depressivo (ou bipolar). Seria meramente uma condição física, ou será que há mais coisas envolvidas? Seria causado simplesmente por um cérebro que está condicionado a ocasionalmente decolar em um voo frenético, seguido por uma falha correspondente na depressão? Sem dúvida, parte disso é causado por uma distorção na função cerebral, e esse é o motivo pelo qual as drogas psicotrópicas podem aliviar os sintomas. No entanto, eu acredito que as Escrituras nos levariam a crer que o pecado que afeta a alma, o espírito e o “eu” consciente também está envolvido. Como já observamos, a alma e o espírito interagem com o corpo (o cérebro) de um modo que apenas Deus pode compreender totalmente, e uma vez que o pecado permeou cada parte do ser humano, o efeito disso é sentido no corpo, alma e espírito.

Muitos crentes já sofreram de distúrbios mentais e continuam a sofrer. Em alguns casos isso se deve muito a fatores que vão além do controle deles, como no caso de William Cowper, o famoso escritor de hinos que viveu no século XVIII. Quando ele se sentia bem ele conseguia escrever lindos hinos tais como “Ere God had built the mountains” e “Misterioso é Nosso Deus” (do inglês: “God moves in a mysterious way”), e até mesmo poemas mais leves como “The Ride of John Gilpin”. Mas quando a depressão o tomava ele era assombrado pela escuridão do desespero, e várias vezes tentou o suicídio. Toda a sua vida ele esteve sujeito aos “altos e baixos” de sua doença, embora ele visse claramente a plenitude da obra de Cristo para sua salvação.

Eu conheci mais de um crente sincero que lutava com a esquizofrenia, com suas ilusões e alucinações. Outros têm que lidar com distúrbios de ansiedade, estando sujeitos a tais coisas como ataques de pânico e fobias, e com a angústia mental e física decorrentes. Tendo conhecido alguns desses indivíduos por mais de 25 anos, estou convencido de que os problemas não são nem puramente físicos nem puramente no campo da alma e espírito. Em vez disso, devemos entender que, assim como o corpo está sujeito a distúrbios e doenças através do pecado, assim a alma e o espírito também são afetados por isso. Além de tudo isso, o pecado também afetou o “eu” consciente – a essência do próprio indivíduo que finalmente controla o espírito, alma e corpo. Embora isso possa ser às vezes um problema espiritual, e possa sempre ter uma dimensão espiritual, a própria tendência é o resultado do pecado distorcendo a alma e espírito assim como o corpo. Muitas vezes, o pecado distorce tanto o físico quanto o não-físico ao mesmo tempo, resultando em uma origem complexa para uma doença mental em particular. Isto nos traz a uma consideração de um segundo aspecto do pecado e suas consequências, a saber, o pecado que permitimos em nossas vidas.

Pecado Voluntário

Já vimos que todos nascemos membros de uma raça caída, e, como tais, somos sujeitos aos efeitos do pecado em nosso espírito, alma e corpo. Além disso, uma vez que o pecado entrou neste mundo temos também uma natureza pecaminosa que as Escrituras chamam de “a carne”. As Escrituras usam essa expressão para descrever o “eu” pecaminoso do homem que não pode agradar a Deus (Isto também é explicado em mais detalhes na seção sobre “A Natureza do Homem”3). No Novo Testamento, especialmente nas epístolas de Paulo, essa expressão é usada para se referir à condição moral do homem sem Deus e aos princípios de vontade própria que governam as ações do homem natural. Quando permitimos que nossa natureza pecaminosa, “a carne”, aja, ela pode certamente contribuir, e às vezes ser o fator principal, da doença mental.

Quando permitimos o pecado em nossa vida, é algo imediatamente mais sério, pois traz em cena nossa responsabilidade perante Deus. Isto é visto claramente no caso de Nabucodonosor em Daniel 4, cujo estado mental foi permitido por Deus por causa de seu orgulho. Tal pecado é obviamente diferente da tendência à doença mental que é herdada, pois envolve o que as Escrituras chamam de “o pecado que tão de perto nos rodeia” (Hebreus 12:1). Embora não exista dúvida de que a tendência a esses pecados que nos rodeiam é muitas vezes transmitida de família, ainda assim devemos traçar uma distinção entre o que é o resultado do pecado e o que é o próprio pecado. Pensamentos pecaminosos e comportamento ruim podem precipitar a doença mental, e aqui temos, definitivamente, um problema espiritual. Há, no entanto, encorajamento para lidar com isso, pois como crentes podemos conhecer a libertação do pecado pois o Senhor Jesus morreu pelos pecados. Falaremos mais sobre esse assunto quando discutirmos o tratamento.

Por exemplo, raiva suprimida que é mantida em oculto no coração pode trazer a depressão, e a depressão não melhorará até que isso seja reconhecido e tratado. Muitas histórias sobre isso podem ser contadas. Um homem entrou no quarto de um amigo que havia caído várias vezes em depressão, de modo a precisar de hospitalização, e sem rodeios perguntou: “OK, do que você está com raiva desta vez?”. E funcionou. O paciente desabafou e começou a se recuperar. Outro exemplo é dado por E. C. Hadley em seu livro “You Can Have a Happy Life” (em português, “Você Pode Ter uma Vida Feliz”, não disponível em língua portuguesa). Ele comenta:

“Podemos não estar plenamente conscientes do fato de que o pecado e a vontade própria são a causa de nossos temores ansiosos. É tão fácil enganarmo-nos a nós mesmos e acreditarmos que alguém ou alguma coisa além de nós mesmos é o responsável. No entanto, nunca nos livraremos de nossos medos ou teremos qualquer paz real até admitirmos a verdade e acertarmos as contas com Deus.

“Uma jovem, criada em um lar cristão, começou a fazer coisas que sua consciência condenava. Não querendo admiti-las e confessá-las a Deus, ela começou a convencer-se a si mesma primeiramente de que Deus não se importava, e depois de que não havia Deus. Por muitos anos ela afirmava ser ateia. Mas o pecado em sua vida gradualmente se desenvolveu em ansiedade e medo.

Ela finalmente sentiu como se estivesse perdendo a cabeça e acabou em um hospital psiquiátrico. Muitos remédios foram tentados, mas nenhum alívio veio até que ela encarou o fato de que ela estava tentando tirar Deus de sua vida. Uma vez que ela confessou seus pecados e rendeu-se a Deus, ela foi capaz de sair do hospital livre de suas ansiedades e medos, e com sua consciência limpa.”

Às vezes tentamos culpar o mau comportamento a alguma causa física tal como uma anormalidade no cérebro. Um caso assim envolveu um proeminente político que estava atendendo a uma conferência de imprensa. Segue o relato do que aconteceu, escrito por alguém que o ouviu:

“Esse político que possuía uma campanha antidrogas foi um homem evasivo e que nunca assumiu suas culpas e responsabilidades através de seus dois mandatos. Embora ele tivesse enfrentado constantes encargos legais, nenhum deles foi bem sucedido. Desfalque, venda de favores políticos, uso de drogas – ele sempre era acusado mas nunca declarado culpado. Um dia ele foi flagrado no ato da compra e uso de drogas ilegais. Estava tudo gravado em uma fita. Como ele escaparia dessa vez?

“Enquanto se movia em direção ao pódio, um repórter gritou: ’Por que você fez isso? Por que você mentiu por todos esses anos?’

Sua resposta foi imediatada: ’Eu não fiz isso’, ele respondeu. ’Meu cérebro estava bagunçado. Foi meu cérebro que fez isso. Minha doença fez isso!’. Não havia qualquer sinal de remorso – apenas indignação de que alguém tivesse feito tal pergunta”4

Esse homem certamente não estava mentalmente doente no verdadeiro sentido da palavra, mas estava de fato inventando uma desculpa para seu comportamento pecaminoso dizendo que ele não era responsável pois supostamente seu cérebro estava bagunçado!

Todos estamos familiarizados com o bem conhecido caso de Judas Iscariotes, um discípulo do Senhor Jesus que O traiu por dinheiro. Quando o Senhor Jesus não usou Seu poder divino para escapar, mas sim permitiu-Se ser preso, registra-se que Judas devolveu o dinheiro e então cometeu suicídio. Sem dúvida ele lamentava o que tinha feito, mas sua tristeza era mais pela consequência do seu pecado do que pelo próprio pecado. As Escrituras nos dizem que “a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende; mas a tristeza do mundo opera a morte” (2 Coríntios 7:10). O pobre Judas sentiu tanto remorso que ele “retirou-se e foi-se enforcar” (Mateus 27:5). Tal foi o terrível resultado do pecado que ele permitiu em sua vida!

Até agora, mencionamos alguns exemplos de doença mental onde o pecado voluntário foi a causa primária do problema. No entanto, o pecado voluntário pode ser um sério fator na doença mental que tem sua origem primária no pecado como efeito da queda do homem. A pré-disposição à doença mental pode ser herdada, mas as manifestações externas de tais tendências podem ser o resultado do pecado voluntário na vida de alguém. Uma propensão à doença mental que, de outra forma, permaneceria latente (dormente) pode ser despertada pelo pecado voluntário. Episódios de doença mental são, às vezes, uma reação específica à ansiedade severa proveniente da incapacidade de lidar com as exigências da vida adulta. Tal dificuldade pode ter suas raízes em uma educação permissiva, onde houve uma falta da disciplina necessária para formar adequadamente o caráter do indivíduo. Um médico (crente) que tratou um grande número de estudantes universitários fez a seguinte observação:

Crianças que nunca foram condicionadas por algumas frustrações durante os primeiro quinze anos de vida não se tornam muito preparadas para lidar com as exigências da vida adulta sem experimentar um estresse incomum.”5

O Dr. Douglas Kelly, psiquiatra chefe dos julgamentos de Nuremberg, afirmou que criamos “uma geração de crianças que não foram ensinadas à disciplina necessária para se dar bem neste mundo…Temos sido entusiásticos demais em nossa recusa em ensinar o controle para que não traumatizemos as crianças.”6Se ele tivesse feito essa afirmação a mais de quinze anos atrás, o que ele diria hoje? As crianças que foram disciplinadas mentalmente e fisicamente para trabalhar, para aceitar as restrições em seus comportamentos, e para direcionar suas emoções e energias para fora em vez de para dentro, não desenvolverão tão facilmente a doença mental, mesmo que tenham a predisposição a ela por hereditariedade. Falaremos mais sobre o assunto quando considerarmos as circunstâncias e o efeito do pecado vindo de fora.

Em nossa discussão sobre o escopo da doença mental mencionamos os distúrbios de personalidade, e como o pecado algumas vezes distorce a “composição” do indivíduo de modo que seus padrões de comportamento se desviam marcadamente dos demais. É triste dizer que esse efeito do pecado na personalidade de uma pessoa às vezes conduz ao pecado voluntário, no qual o indivíduo fica irritado por não ser aceito como uma pessoa normal. Em vez de admitir o problema e procurar ajuda para lidar com ele, a pessoa ataca os outros. Ela pode negar que tem um problema, escolhendo, em vez disso, considerar-se normal e os outros como anormais. Tais pessoas estão condenadas a levar uma vida muito infeliz até que encarem o problema, o admitam, e busquem a ajuda do Senhor. Em outros casos o indivíduo é geneticamente predisposto a sua estrutura de personalidade ruim, mas então sua vontade toma essa tendência e permite que aja em pecado aberto. Isto é particularmente verdadeiro no sério distúrbio às vezes chamado de personalidade anti-social ou “psicopática”. Deixados por si mesmos, tais indivíduos muitas vezes acabam vivendo uma vida criminosa, a menos que a graça de Deus os alcance e os salve.

Vícios e dependências químicas também fazem parte desse aspecto de doença mental e estão conectados a uma tendência herdada que a pessoa então permite aflorar até ao ponto em que se torna pecado. Uma vez que este é um assunto muito amplo, vamos reservá-lo para uma discussão mais aprofundada mais adiante neste livro.

A questão do pecado voluntário também nos traz a uma discussão sobre nossa responsabilidade moral na doença mental, o que veremos no próximo capítulo.

A Responsabilidade Moral e a Doença Mental

Devemos nos lembrar de um princípio muito importante, a saber, que Deus sempre nos considera responsáveis pelos motivos de nosso comportamento. Uma criança pequena pode ser mais suscetível a se comportar mal porque não tirou uma boa soneca à tarde, mas pais sábios não aceitarão totalmente tal desculpa para o mau comportamento, mesmo que deem um crédito à falta de uma soneca. Do mesmo modo nós também não podemos jogar a culpa de nosso mau comportamento totalmente sobre uma doença física, embora esta possa tornar mais difícil para nós fazer o que é correto. As Escrituras nos dizem que “o Espírito ajuda as nossas fraquezas” (Romanos 8:26), e isso inclui tais coisas como o transtorno bipolar ou problemas emocionais decorrentes de lesões na cabeça. Além disso, uma doença física, independente de afetar o cérebro ou alguma outra parte do corpo, não pode nos prevenir de seguirmos o Senhor e O buscarmos por ajuda nessa situação. Paulo podia dizer aos coríntios: “Ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia” (2 Coríntios 4:16). Da mesma forma, o Próprio Senhor podia dizer a Paulo: “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Coríntios 12:9). Enquanto certamente não é fácil lidar com as capacidades naturais distorcidas, reduzidas ou até mesmo ausentes, ainda assim é uma oportunidade para nós de reconhecermos nossa fraqueza e buscarmos o Senhor para nos dar força e ajuda. Muitos queridos crentes descobriram a verdade disso e tornaram-se vencedores e testemunhas brilhantes para Cristo, mesmo com tais deficiências.

Ao fazermos essas declarações devemos, é claro, distinguir entre o comportamento anormal e o pecaminoso. Como resultado da deficiência mental ou doença mental, um indivíduo pode exibir comportamento anormal que é característico daquela doença em particular. Por exemplo, as fases maníaco-depressivas do transtorno bipolar estão muito além do controle do indivíduo, e causarão certos tipos de comportamento que ele não consegue melhorar. A falta de memória e a incapacidade de raciocinar que acompanham o mal de Alzheimer são características dessa doença, e não há o que possa ser feito. No entanto, o comportamento pecaminoso (aquele que é moralmente errado) é algo que temos controle sobre, pelo menos quanto ao motivo, embora as distorções de nosso espírito, alma e corpo por causa da queda do homem possam tornar mais difícil para nós controlar tais tendências. Sem dúvida há, às vezes, uma linha tênue entre o que é anormal por causa da doença mental, e o que é pecado por causa da nossa vontade e motivos errados que estão envolvidos. O assunto do pecado voluntário e de nossa responsabilidade perante Deus traz-nos à questão dos vícios, os quais trataremos melhor a seguir.

Vícios – Álcool e Abuso de Substâncias

Conectado ao pecado que permitimos em nossas vidas há também a questão do álcool e outros abusos de substâncias. Já o mencionamos em conexão com causas físicas da doença mental, pois o álcool e outras drogas tem um efeito físico no cérebro. Existem substâncias químicas (drogas) que, tomadas adequadamente e sob supervisão médica, afetam o cérebro de modo benéfico. Outras (tais como a cocaína ou a heroína) fornecem uma experiência prazerosa temporária, mas são acompanhadas de sérios efeitos prejudiciais.

A ingestão de tais substâncias é quase sempre feita com o pleno conhecimento de que haverá tanto consequências prazerosas quanto dolorosas. Como em outras causas de distúrbios mentais, reconhecemos que há aqueles que, por causa de sua composição mental e física, são mais facilmente propensos a tornarem-se viciados em drogas, especialmente o álcool. Uma vez que começam a abusar da substância envolvida, o indivíduo pode tornar-se viciado, talvez tanto fisicamente quanto psicologicamente, e pode encontrar dificuldade em parar com o hábito. Sintomas de doença mental são muitas vezes produzidas tanto no curto quanto no longo prazo. Todos já conhecemos o triste comportamento de alguém inebriado pelo excesso de álcool, mas o abuso crônico pode resultar em doença mental devido a dano cerebral permanente (psicose de Korsakoff). As Escrituras nos alertam sobre tudo isso, e Salomão nos diz nos Provérbios:

“Para quem são os ais? Para quem os pesares? Para quem as pelejas? Para quem as queixas? Para quem as feridas sem causa? E para quem os olhos vermelhos?Para os que se demoram perto do vinho…

“Não olhes para o vinho quando se mostra vermelho, quando resplandece no copo e se escoa suavemente.

“No fim, picará como a cobra, e como o basilisco morderá.

Os teus olhos olharão para as mulheres estranhas, e o teu coração falará perversidades.” (Provérbios 23:29–33)

Outros Vícios

Está além do escopo deste livro tratarmos em detalhes sobre cada tipo de vício, mas é interessante fazermos alguns comentários antes de prosseguirmos. Primeiramente, devemos nos lembrar que os vícios podem incluir muitas coisas em nossas vidas. Paulo diz aos coríntios: “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma” (1 Coríntios 6:12). As Escrituras mencionam tais coisas como imoralidade sexual, o abuso do álcool, e a glutonaria, mas podemos nos deixar dominar por muitas outras coisas – esportes, exercício físico, jogos de azar, cafeína – e até mesmo coisas como a tomada de riscos. Devemos reconhecer que os desejos indisciplinados que dirigem os vícios são encontrados em cada coração humano. O Senhor Jesus disse: “Todo aquele que comete pecado é servo do pecado” (João 8:34).

Sem dúvida, a tendência a um vício em particular é influenciada tanto pela genética quanto por várias influências em nossa educação, mas então nossa vontade entra em cena, pois gostamos de pecar. Então, quando nos entregamos repetidamente a um comportamento em particular, nos tornamos escravizados de modo que isso nos controla. Assim temos atos propositais de pecado combinados com a natureza controladora dos vícios. De fato, todo pecado age assim, mas os vícios tornam isso mais aparente. Se negamos a escravidão dos vícios, então precisamos assumir que o indivíduo tem poder para mudar a si mesmo. Isto não é verdade, pois a vontade do homem não tem poder algum contra o pecado sem o poder da graça de Deus. Por outro lado, se negamos o pecado voluntário envolvido nos vícios, então acabamos nos permitindo a colocar a culpa fora de nós mesmos, assim como fez o político mencionado anteriormente, que dava a desculpa de que seu tráfico de drogas era pelo fato de que seu cérebro estava bagunçado. A realidade é que uma tendência em nossos corações – “o pecado que tão de perto nos rodeia” (Hebreus 12:1) – encontra sua expressão nas escolhas pecaminosas e acaba num comportamento controlador que lembra uma doença. “Havendo a concupiscência concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a morte” (Tiago 1:15).

Consideremos agora o terceiro aspecto do pecado e suas consequências: as circunstâncias e o pecado agindo em nós do lado de fora.

As Circunstâncias e o Pecado Agindo sobre Nós

Já percebemos que as circunstâncias e sua influência em nosso estado mental são mencionados mais do que uma vez na Palavra de Deus. O Senhor predisse que, como resultado da desobediência, Israel sofreria muito em Sua mão. Um dos sofrimentos que eles experimentariam é mencionado em Deuteronômio 28:34, a saber, “E enlouquecerás com o que vires com os teus olhos”. A palavra aqui tem o pensamento de delirar através da insanidade, neste caso como resultado de verem os terríveis juízos que Deus traria sobre Seu povo. Do mesmo modo, lemos em Eclesiastes 7:7 que “a opressão faria endoidecer até ao sábio”. Muitos indivíduos conseguem levar a vida razoavelmente bem se as coisas correrem de forma suave e pacífica. No entanto, quando problemas e dificuldades surgem, muitas vezes eles se veem inclinados à beira de padrões de pensamento e comportamentos anormais. Tais coisas como dor física crônica, falecimento, perda de emprego, crises familiares, e outras circunstâncias estressantes, podem todas afetar nosso estado mental. A esta lista devemos acrescentar também causas menos comuns como a guerra, tortura, e a contínua falta de sono adequado (ao mencionarmos a falta de sono, nos referimos à privação de sono como resultado de circunstâncias estressantes). Tudo isso são efeitos externos – vindos de fora de nós mesmos – do pecado: o pecado que distorceu todo o padrão de vida neste mundo.

Se alguém sofre de dor física severa e crônica por mais de um mês, ele começará, humanamente falando, a desenvolver depressão. A perda da fonte de renda, ou mais sério ainda, a morte de uma pessoa amada, também pode precipitar um surto de depressão. Aqueles com distúrbios mentais mais sérios como a esquizofrenia podem, às vezes, conseguir seguir vidas relativamente normais se a maior parte do estresse for removido, mas sua doença é grandemente agravada pelas circunstâncias. Indivíduos sujeitos aos horrores da guerra e/ou à tortura frequentemente sofrem tais coisas como trauma pós-guerra e até mesmo mudanças de personalidade no longo prazo. Tudo isso é às vezes chamado de distúrbio de estresse pós-traumático. Quanto menos resiliente e quanto maior a fragilidade emocional, mais facilmente as circunstâncias adversas podem levar a pensamentos e comportamentos anormais óbvios.

Tudo isso aumentou muito em nosso mundo moderno. Na época em que este livro foi escrito, coisas como a depressão e casos sérios de ansiedade tinham aumentado dramaticamente no Canadá durante os últimos vinte anos. Distúrbios com um componente psicológico, tais como a fibromialgia e síndrome de fadiga crônica, têm se tornado cada vez mais comuns. Muitas vezes o estresse na vida de uma pessoa leva ao sono perturbado e finalmente à privação crônica do sono. Isto resulta em fadiga crônica, ansiedade aumentada, dor física, e, finalmente, depressão. Toda a síndrome torna-se um círculo vicioso, uma vez que a depressão e a ansiedade levam a mais estresse. Além disso, devemos perceber que o estresse pode ser devido à nossa própria vontade, onde nosso orgulho nos empurra para fazermos as coisas do nosso próprio jeito. A frustração que ocorre quando nossa vontade é frustrada pode produzir estresse e, finalmente, todos os problemas que temos mencionado. Alguém sabiamente observou que “as circunstâncias não nos dariam problemas se elas não encontrassem algo em nós que é contrário a Deus; elas apenas sussurrariam levemente como a brisa”7. Aqui novamente estamos em uma área onde diferentes causas de doença mental se sobrepõem, tornando o assunto bastante complexo.

O Senhor Jesus e a Depressão

É nesta área que devemos tecer alguns comentários sobre o Senhor Jesus Cristo. Ele como um Homem sem pecado veio a um mundo de pecado, e assim experimentou todos os terríveis efeitos do pecado vindos de fora de si mesmo. Ele passou por todo tipo de sofrimento que um homem sem pecado poderia passar. Lemos em Hebreus 4:15: “Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado”. Tudo isso foi elevado a uma altura sem paralelos quando Ele foi até a cruz, pois ali Ele experimentou não apenas tudo o que o coração perverso do homem podia inventar, como também a ira de um Deus Santo contra o pecado. Como um homem sem pecado, Ele sentiu isso tudo, e sentiu-o perfeitamente. Ao contemplar isso tudo no jardim de Getsêmani, Sua alma santa ficou oprimida pelo que lhe aguardava. O evangelho de Mateus relata a cena como segue:

Então chegou Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmani, e disse a seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto vou além orar. E, levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e ficar profundamente deprimido” (Mateus 26:36,37, versão de J.N.Darby).

Aqui encontramos a perfeição sem pecado na presença do mal, e mal tão grande como nenhum outro jamais pôde experimentar, mesmo encontrando-se naquela perfeição que tudo aceitou do Pai. Como vimos, o mal tende a deprimir a alma, e nosso Senhor sentiu o mal pessoalmente, mas perfeitamente, por causa de Sua santidade. Como resultado, uma vez que Satanás não tinha nada com Ele, a consequência de sua depressão apenas resultou em comunhão com Deus. Alguém observou com precisão, no que diz respeito à obra de Cristo na cruz: “Desprezo, inimizade, perfeita depressão (Ele foi crucificado em fraqueza, veja versículo 14 do Salmo 22) e a face de Jeová dEle escondida, essas coisas marcaram Seu verdadeiro estado lá, mas [Ele foi] fiel, dizendo: ’Tu és santo’.” (grifo do autor)

Teremos mais a dizer sobre esse assunto quando falarmos sobre o tratamento da doença mental, mas é humilhante e ao mesmo tempo encorajador ver nosso bendito Mestre experimentando todos os efeitos do pecado vindo de fora, e sentindo o que pode ser chamado de depressão. No entanto, andamos em terreno santo aqui, e é completamente claro que, enquanto nosso bendito Senhor tinha uma natureza humana, Ele não possuía a natureza caída. Como um homem perfeito, Ele pôde sentir as coisas como qualquer outro homem, e por ser sem pecado, Ele sentiu quão terrível é o pecado de um modo que ninguém mais podia. Quando isso tudo foi levado sobre Ele no jardim de Getsêmani, isso realmente O deprimiu, e resultou em oração ao Seu Pai.

Circunstâncias Passadas

Além das circunstâncias atuais, devemos mencionar experiências que alguém pode ter tido anteriormente em sua vida. Trazemos esse assunto com cautela, não porque o fenômeno não existe, mas porque tem havido muita controvérsia e mal-entendido sobre esse aspecto do comportamento humano. É lamentável que Sigmund Freud tenha falado tanto sobre esse aspecto do comportamento humano, pois os crentes o têm recebido amplamente e a suas teorias, tendo sido ele um homem de visões ateístas e ideias anticristãs. No entanto, é verdade que experiências passadas moldam nosso pensamento e perspectiva, e experiências dolorosas podem levar-nos a desenvolver certas estratégias de enfrentamento ou mecanismos de defesa. Desde que essas estratégias de enfrentamento sejam boas (tais como buscar a ajuda de alguém ou evitar a causa do problema), elas tornam possível que reduzamos o impacto de eventos estressantes e mantenhamos um comportamento normal. No entanto, se elas se degeneram em mecanismos de defesa que são destrutivos, elas podem muito bem provocar distúrbios mentais em vez de evitá-los. Aqueles que reprimem uma memória dolorosa ou negam que algo desagradável realmente aconteceu podem experimentar algum tipo de alívio no curto prazo, mas eventualmente descobrirão que devem encarar a realidade. Podemos deixar uma lasca em nosso dedo para evitar a dor associada a removê-la, mas a infecção e a inflamação resultantes criarão um problema muito maior do que se antes tivesse passado pelo transtorno de removê-la. Assim, dores e experiências ruins que ocorreram no passado podem lançar uma sombra sobre nossas vidas, fazendo-nos pensar e agir de maneiras que são anormais.

Possessão Demoníaca

Esta causa de doença mental é muito importante, sendo mencionada um número de vezes nas Escrituras. Por ser um fator na doença mental que é frequentemente negligenciado e talvez nem mesmo reconhecido, é importante que o consideremos cuidadosamente. No entanto, por estar em uma classe por si só e por ser tão importante, consideraremos a possessão demoníaca como um assunto à parte mais tarde em um apêndice.

Ações Criminosas

Vimos como o pecado voluntário pode causar doença mental, e como o pecado que permitimos em nossa vida pode agravar uma tendência que já está presente em nosso ser como resultado do pecado. Se isso for levado além de um certo ponto, o indivíduo pode acabar se envolvendo com atividades criminosas. Este é um outro caso em que o pecado voluntário combina-se ao pecado como um resultado da queda do homem. Novamente, por ser um tipo especial de pecado voluntário, o deixaremos para maiores considerações em um apêndice.

Conclusões

À luz de tudo o que temos considerado, torna-se óbvio que a doença mental, seja leve ou seriamente incapacitante, é um assunto muito complicado. Há quase sempre múltiplas causas – físicas, espirituais, circunstanciais, etc. É a presença dessas múltiplas causas juntamente com nosso entendimento limitado da doença mental que é, sem dúvida, responsável por muito do mal-entendido e pensamento desequilibrado sobre o assunto.

Há aqueles que reduziriam qualquer resposta mental ou emocional anormais a um problema espiritual, enquanto outros diriam que é tudo físico, relacionado ao mal funcionamento dos neurotransmissores e de problemas químicos no cérebro. Vimos que nenhuma dessas respostas está totalmente errada, mas que nenhuma também está totalmente certa. Alguns tentariam relacionar tudo a experiências que tivemos em algum momento anterior de nossas vidas, enquanto outros diriam que o pecado original é a causa de todos esses problemas. Novamente, ambos podem ser fatores causadores da doença mental, mas nenhuma explica o quadro todo. Em vez disso, em qualquer situação, múltiplos fatores provavelmente estão envolvidos e assim precisam ser abordados. Fatores genéticos, relacionadas ao ambiente e espirituais podem todos estar presentes, em maior ou menor grau. A avaliação dos diferentes fatores em um caso individual juntamente com a escolha de uma terapia adequada apresenta o maior desafio para aqueles que tratam a doença mental.

Para o crente, todo esse assunto deveria provocar humilhação, quando percebemos a complexidade do homem como o ser mais elevado da criação – aquele que foi criado à imagem e semelhança de Deus! Certamente a semelhança foi perdida como resultado da queda do homem, mas a imagem permanece – ele ainda é a cabeça da criação e assim representa Deus neste mundo. Deveríamos nos humilhar, também, quando consideramos que “por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte” (Romanos 5:12). Foi o pecado do homem que introduziu neste mundo não apenas distúrbios no corpo, como também na alma e no espírito, e todos estes estão envolvidos na doença mental. Que possamos sempre abordar o assunto com aquela santa reverência que percebe que “em parte, conhecemos” (1 Coríntios 13:9), seja nas coisas espirituais ou naturais. Vamos falar um pouco agora sobre o tratamento.

  1. Labilidade emocional: Psicopatologia. Ausência de estabilidade emocional; tendência para alternar emoções que oscilam entre estados de alegria e de melancolia ou tristeza.↩

  2. Do mesmo modo, lemos do Senhor Jesus que Ele “padeceu por nós na carne” (1 Pedro 4:1), que Ele “levou ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro” (1 Pedro 2:24), e que “a sua alma se pôs por expiação do pecado” (Isaías 53:10). Assim como todo o nosso ser esteve envolvido em pecado, assim o Senhor Jesus sofreu em todo o Seu ser pelo pecado.↩

  3. N. do T.: Não traduzida ainda, mas pode ser lida no texto original, das páginas 78 a 98: https://drive.google.com/file/d/0B-YRE-dLph2XX1IyUlhpYU43V0U/view?usp=sharing↩

  4. Welch, Edward T., Blame It on the Brain. (Phillipsburg, NJ, P & R Publishing Co., 1998), pg. 13↩

  5. McMillen, S. I., M.D., None of These Diseases. (Fleming H. Revell, Westwood, NJ, 1958), pg. 124↩

  6. Psychiatry at Work, (Time Magazine, July 18, 1955), pg. 55.↩

  7. Darby, J. N., God’s Rest, the Saint’s Rest. (The Collected Writings of J. N. Darby, Vol. 16, Stow Hill Ed.), pg. 117↩

Tratamento

Princípios Gerais

Todos sabemos que o tratamento de uma doença pode ser complicado, mesmo se estivermos considerando principalmente a doença física. Não é suficiente tratar apenas o corpo, pois sabemos que o espírito, alma e corpo interagem de maneiras bem reconhecidas, embora mal compreendidas. As Escrituras nos dizem que “um coração alegre promove a cura, mas um espírito quebrantado (abatido) seca até os ossos” (Provérbios 17:22, tradução de J.N.Darby). Do mesmo modo, lemos: “O espírito de um homem susterá sua enfermidade; mas um espírito quebrantado, quem pode suportar?” (Provérbios 18:14, tradução de J.N.Darby). Assim, a parte não-física e física influenciam uma à outra, seja para o bem ou mal. Este princípio é bem conhecido nos círculos médicos, e no mundo em geral. Mesmo em doenças simples e comuns como o resfriado, estudos apontam que pessoas felizes e bem ajustadas pegam menos resfriados, e de duração mais curta, do que aqueles que estão infelizes ou sob estresse.

O mesmo ocorre com a doença mental, pois vimos que, na maior parte dos casos, o espírito, a alma e o corpo estão envolvidos. Todos os variados fatores responsáveis devem ser considerados e identificados, e o tratamento não será efetivo sem isso. Muitas doenças mentais possuem algum componente físico, e assim é um erro enxergar todos os distúrbios mentais como problemas espirituais. Por outro lado, é um erro ainda maior enxergar todo o problema como físico, pois enquanto os medicamentos podem tratar o que é físico, eles não tem efeito moral, e jamais poderia alcançar a alma ou o espírito.

Um ponto muito importante deve ser feito aqui, a saber, que existe uma dimensão espiritual em todos os casos de doença mental. Há várias razões para isso. Em primeiro lugar, devemos reconhecer que Deus assim permite, assim como Ele permite as doenças físicas. A aceitação disso, e o reconhecimento da mão de Deus as permitindo, é o primeiro passo para lidar com o problema. Em segundo lugar, uma vez que o homem é um ser moral com uma responsabilidade perante Deus, existem questões morais e espirituais que afetam a doença mental. O espírito, alma e corpo interagem um com o outro, e quando o comportamento anormal ocorre, às vezes o comportamento pecaminoso também está envolvido (ou potencialmente envolvido). Finalmente, há a necessidade de reconhecer o problema da doença mental, e não negá-la. Assim como todo o pecado na carne, o homem tem uma tendência à excusar, negar, culpar aos outros, e talvez até mesmo culpar a Deus. Um indivíduo afligido pela doença mental pode ter a tendência de enxergar a si mesmo como normal, e os outros como anormais. Tal negação do problema resulta um uma vida muito infeliz, uma vez que nenhum tratamento pode resultar em qualquer efeito no longo prazo para essas pessoas. É claro, essas dimensões espirituais podem todas estar presentes também nas doenças físicas, mas tendemos a pensar que são frequentemente presentes, em um maior grau, na doença mental, e são, portanto, mais importantes neste caso.

Ao considerarmos o tratamento, nos referiremos com frequência às Escrituras. Enquanto os comentários feitos serão geralmente aplicáveis a todos que experienciam a doença mental, gostaríamos de deixar claro que iremos utilizar a Palavra de Deus livremente, como escritos para o benefício daqueles que conhecem o Senhor e que confiaram nEle como Salvador. Para aqueles que estão lendo isto que talvez não conheçam o Senhor Jesus como seu Salvador, nós ressaltamos que o único remédio para o pecado é encontrado no Senhor Jesus Cristo. Na cruz do Calvário Ele satisfez a Deus quanto a toda a questão do pecado, e agora lemos que “o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado” (1 João 1:7). Sobre esta base, lemos que Deus “manda agora que todos os homens em todo lugar se arrependam” (Atos 17:30, Almeida Revisada). Ele quer quer você conheça o Senhor Jesus como seu Salvador hoje mesmo, e que saiba que seus pecados estão perdoados!

O Senhor, o Grande Médico

Pois não temos um sumo sacerdote que não possa simpatizar com nossas enfermidades [ou fraquezas], mas tentado em todas as coisas da mesma forma, mas sem pecado. Aproximemo-nos, portanto, com ousadia ao trono da graça, para que possamos receber misericórdia, e encontrar graça para ajuda em tempo oportuno” (Hebreus 4:15–16, tradução livre da versão em inglês de J. N. Darby).

“Seja qual for o estado em que te encontras, venha a Jesus, e descobrirás que Ele é sempre gracioso, que Ele sempre tem graça…

“Ele foi desprezado por isto – fiel no amor, passando por todo a cena do homem, porque Ele foi a Testemunha fiel, para que a graça possa vir a mim onde estou, envergonhado à vista dos homens: lá Cristo vem buscar-me, determinado a ser a fiel Testemunha de Deus, que é rica em misericórdia.

É impossível estar em alguma condição na qual Cristo não possa vir ao auxílio. Ele mergulhou no próprio mar da miséria dos homens para te ajudar. É um conforto ter a simpatia do homem, mas ele muitas vezes não pode nos ajudar. O que não é termos a simpatia de Deus, o que realmente tem poder?”

Nosso Compreensivo Sumo Sacerdote

Já nos referimos ao Senhor Jesus como tendo passado por todo tipo de sofrimento e circunstâncias difíceis que um homem sem pecado poderia passar, até mesmo a perfeita depressão que lhe sobreveio ao contemplar e eventualmente passar pelos Seus sofrimentos na cruz. Vimos como Ele aceitou isso tudo das mãos de Seu Pai, e assim, em perfeição, continuou em comunhão com Seu Pai em tudo isso. Como resultado, Ele é agora capaz de ser um “misericordioso e fiel sumo sacerdote” (Hebreus 2:17) para aqueles que também estão passando pelas dificuldades do caminho cristão.

É claro que seria blasfemo sugerir que nosso bendito Senhor Jesus tenha sofrido alguma doença vinda de dentro de Si, seja física ou mental, mas ao passar por todas as circunstâncias que podemos ser chamados também a passar, Ele experimentou, vindo de fora de Si, todo o mal que havia no mundo. Por causa de Sua natureza santa e por causa de Seu amor, Ele sentiu tudo isso como nenhum outro poderia. Era comum que os homens perdessem a razão por consequência de uma flagelação romana, mesmo assim o Senhor Jesus suportou tudo isso, e “deu o testemunho de boa confissão” (1 Timóteo 6:13) perante Pilatos mais tarde. Já observamos que em Mateus 26:37 (versão de J. N. Darby) é dito que o Senhor Jesus ficou “triste e profundamente deprimido” no jardim de Getsêmani, mostrando que Ele sentiu grandemente a perspectiva de ser feito pecado por nós. Ainda assim Ele podia, ao mesmo tempo, pensar no bem-estar espiritual dos outros, dizendo aos Seus discípulos que orassem para que não entrassem em tentação. Assim nosso bendito Senhor está lá por nós, não como Alguém que não passou por nenhuma de nossas provas, mas que foi provado em tudo pelo que estamos passando, embora fosse sem pecado. Ele quer que venhamos a Ele com nossas enfermidades e fraquezas, de modo a obter misericórdia e graça para nos ajudar quando precisamos.

Apesar de não querermos sugerir que a doença mental é permitido por Deus simplesmente para nos tornar mais dependentes do Senhor, ainda assim é verdade que a natureza única de um distúrbio mental nos impele a buscarmos ao Senhor de um modo que talvez a mera doença física não faça. Alguém observou que Ele reserva Suas mais ricas cordialidades (estimulantes) para nossas mais profundas necessidades. Assim somos levados a sugerir que o Senhor deseja que nos aproximemos primeiramente dEle em nossas dificuldades, primeiramente em submissão e aceitação do problema permitido por Ele, e então em um espírito de súplica por Sua ajuda no assunto. Finalmente, apenas Ele pode curar, e apenas Ele pode direcionar quanto a que formas adicionais de tratamento devemos buscar. Não podemos enfatizar isto com muita força, pois enquanto o homem muitas vezes fornece alívio dos sintomas, tanto da doença física quanto mental, no final o único remédio para o pecado é encontrado na cruz. Todas as outras formas de tratamento devem ser vistas sob esta luz.

Ele Dá Graça

Se o problema decorre principalmente de uma tendência hereditária a um distúrbio de comportamento em particular, Ele pode nos dar a graça para tomar isso dEle, e para viver para Sua glória apesar disso. Ele pode nos mostrar que tipo de tratamento pode ser útil, e pode nos ajudar a ordenar nossas vidas de modo a sermos capazes de lidar com o problema.

Se o assunto envolve circunstâncias difíceis, talvez pelo estresse na família ou no local de trabalho, Ele deseja que coloquemos o fardo sobre Si. Ele disse: “Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós” (1 Pedro 5:7). Ele nos dará graça para suportar as circunstâncias difíceis, pois Ele experimentou o mesmo. Assim como Ele glorificou o Pai nas circunstâncias mais difíceis, assim Ele deseja dar-nos graça para assim fazê-lo também. Se alguma mudança em nossas circunstâncias forem úteis para aliviar o estresse, Ele nos mostrará como fazê-lo. Isto não significa dizer que Ele necessariamente retirará a fonte do problema, mas ao trazermos o assunto perante Ele podemos buscar e esperar Sua simpatia e direção. Ele pode nos ajudar a não “quebrarmos” sob o peso das circunstâncias, e em vez disso nos dar a força para sermos vencedores.

O Sofrimento como um Resultado do Pecado Voluntário

Mesmo que causemos alguns dos problemas pelos nossos próprios pecados que permitimos, lembremo-nos que se viermos ao Senhor falar sobre isso, Ele sempre nos encontrará em amor. Eu conheci um homem (já com o Senhor) que tinha perdido sua juventude e que sofreu de dano cerebral permanente como resultado do constante abuso de álcool. Ele foi obrigado a passar o resto de sua vida em uma instituição, e sua atitude e comportamento inicialmente dificultaram bastante para os funcionários que estavam ali para cuidar dele. Mas então ele aceitou o Senhor Jesus como seu Salvador, e embora suas capacidades mentais ainda fossem muito limitadas e seu comportamento não totalmente normal, a mudança nele foi marcante. Ele tornou-se fácil de lidar, sempre levava um sorriso no rosto, amava falar sobre o Senhor, e tomava parte proeminente no cântico de hinos que ocasionalmente ocorria no lugar em que vivia. Ele eventualmente faleceu, com idade relativamente jovem, mas ele foi certamente um caso onde “ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova de dia em dia” (2 Coríntios 4:16).

Se há pecado em nossa vida que contribui para com o problema, podemos trazê-lo diante do Senhor e lidar com isso. Muito do estresse em nossa vida deriva disso, e talvez nem sequer percebamos. Novamente, e gostaria de enfatizar muito bem este ponto. Muitos queridos crentes estão, de fato, tentando andar como filhos da luz. À medida que falhamos em produzir o fruto dessa luz, podemos nos tornar desiludidos pois somos dirigidos por algo que vem do profundo de nosso interior e que ainda não compreendemos. Talvez tenhamos entendido corretamente a salvação como um presente gratuito, mas não ter entendido que devemos operá-la com temor e tremor (Filipenses 2:12). Não entendemos adequadamente que a santificação (sermos separados para Cristo) é um processo assim como uma posição. Assim, tendemos a forçar em termos de controlar o comportamento em vez de o fazermos pela renovação da mente (Romanos 12:2). Em vez de um comportamento realmente mudado, o resultado é a repressão da carne em vez de morte para ela. Controlamos as tendências más enquanto permitimos que permaneçam armazenadas no coração. Então, quando o comportamento entra em erupção, o que não é de acordo com Cristo, lutamos intensamente para controlar o comportamento ou repreender o diabo (que teve matéria-prima para trabalhar, mesmo que tenha sido ele quem disparou o comportamento), em vez de lidar com a verdadeira raiz do problema.

Lidando com o Pecado – A Raiz

Há muitos versículos na Bíblia que nos mostram claramente que o sangue de Cristo lançou fora de vista os pecados do crente. Em passagens como Romanos 6, a questão do pecado é tratada, em sua raiz e princípio. Ali encontramos a verdade mais a fundo de que na morte de Cristo, Deus viu o fim moral do homem natural. “Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado” (Romanos 6:6). Deus nunca perdoa a velha natureza – morte é o único remédio para ela. Por causa da morte de Cristo, somos agora capazes de obedecer ao comando de “considerai-vos certamente mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 6:11). Uma vez que o crente que está “em Cristo” morreu também para o pecado, ele é instruído a tomar essa posição na prática, pois foi colocado nessa posição pela morte de Cristo. Como já mencionamos, a realização prática disso é algo progressivo na vida do crente. Devemos estar prontos a desistir de nós mesmos quanto a nossa velha natureza, se formos permitir que Cristo viva em nós. Quando fomos salvos tínhamos que chegar ao fim de nós mesmos, percebendo nossa completa incapacidade de nos livrarmos de nossos pecados por nós mesmos. Na vida cristã devemos também perceber a total ruína do “homem velho” (o que somos como membros da raça caída) se quisermos andar como cristãos da maneira correta. Enquanto nos concentrarmos em meramente controlar o mau comportamento, nunca perceberemos qualquer alívio permanente do pecado voluntário.

Ao dizer essas coisas, reiteramos o que foi mencionado anteriormente, a saber, que o pecado que permitimos em nossa vida é apenas uma causa que contribui para a doença mental. Nos demoramos nisto um pouco aqui porque é um grande fator que contribui para isso e que é provavelmente mais difundido do que percebemos, e para o qual nem sempre é dada a atenção merecida. Por outro lado, não queremos que o leitor deduza a partir destes comentários que estamos querendo dizer que toda doença mental é devida ao pecado voluntário. Em vez disso, estamos dizendo que é um fator que deve ser considerado, e se presente, deve ser tratado.

Responsabilidade Moral

Conectado a essa verdade está o importante princípio que mencionamos anteriormente, a saber, que somos sempre moralmente responsáveis pelos motivos de nosso comportamento. Não podemos jogar a culpa do comportamento pecaminoso em algum distúrbio biológico no cérebro. Do mesmo modo, não podemos jogar a culpa nas circunstâncias difíceis ou em alguma experiência ruim do passado, como se não fôssemos responsáveis pelo que fazemos. (Infelizmente há muito dessas desculpas de mal comportamento no mundo hoje). Nem podemos escusar nossa falha em não conseguirmos ser como Cristo tomando refúgio em nossas dores corporais, como se não pudéssemos fazer nada. Como dissemos anteriormente, certamente as doenças mentais e físicas podem tornar-nos mais vulneráveis a um ataque de Satanás e assim tornar mais fácil o pecar, mas não podemos usar isso como uma desculpa pelo comportamento errado.

Nosso comportamento pode ser simplesmente anormal e, assim, de certo modo censurável por nós mesmos e por outras pessoas, e às vezes pode ser claramente pecaminoso. Como já observamos, às vezes a linha entre ambos os casos é fina. No final, apenas o Senhor conhece perfeitamente todos os fatores que contribuíram para nosso estado mental alterado e talvez para nosso comportamento anormal. Na presença do Senhor podemos abrir nossos corações a Ele, que conhece todas as coisas, e que se importa conosco como um pastor cuida de Sua ovelha. Lemos em Isaías 53:4: “Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si”, e certamente isto inclui as dores da doença mental assim como a enfermidade que podemos experimentar. William Kelly comenta sobre esse versículo de um modo muito útil:

Ele estava aqui neste mundo em graça, passando por um mundo arruinado, necessitado e triste, pronto a ajudar a qualquer que viesse a Ele, todos os que Lhe eram trazidos, endemoniados ou doentes; e uma palavra era suficiente para o pior. Assim foi cumprido Isaías 53:4 (não ainda a obra vicária [substitutiva] do versículo 5, em sequência). Certamente aquilo não era sacrificial…era o poder que dissipava a doença de qualquer paciente que entrava em contato com Ele; e isso tudo não como alguém em distância insensível, mas alguém que (em amor tão profundo como Seu poder) tomou tudo, levou tudo, sobre Seu espírito com Deus.”1

A Graça de Deus

Nosso bendito Senhor quer que confiemos nEle como aquEle que nos conhece e nos ama. De acordo com isso, sugerimos que o que é necessário, mais do que qualquer outra coisa, para o crente que sofre de doença mental, é um profundo entendimento, na alma, da graça de Deus. Devemos ver que a graça de Deus é Seu favor imerecido, e que ela foi estendida a nós quando não havia nada em nós para amar. Quando vemos que Ele nos ama apesar do nosso pecado (pecado que trazemos sobre nós mesmos pela desobediência), e que Ele enviou Seu Filho para morrer por nós, percebemos quanto amor há em Seu coração para conosco. Vemos mais e mais da verdade de Romanos 8:32: “Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas?”. Isto não implica que a graça de Deus simplesmente removerá toda a dor da doença mental mais do que Ele remove de nossas doenças físicas. Em vez disso, ele nos mostra que aquEle que enviou Seu Filho para morrer por nós para que possamos passar a eternidade com Ele é certamente capaz de nos ajudar a lidar com questões que têm a ver com nossas vidas aqui neste mundo.

Quando realmente apreciamos a graça de Deus, não iremos chafurdar em auto-piedade, ou tornarmo-nos raivosos, ou desistir em desespero. Em vez disso, aceitaremos tudo de Deus, e assim como o Senhor Jesus no jardim de Getsêmani, usaremos da oportunidade para nos aproximarmos mais do Senhor em comunhão com Ele. Buscaremos a força dEle em vez de encararmos a dificuldade com nossas próprias forças. Outra pessoa expressou isso muito bem:

Se eu ouvir más notícias…isto me entristecerá e me derrubará, como aconteceu com Paulo, que passou por lutas por fora e temores por dentro. Mas, apesar de tão doloroso, se Satanás não tiver nada em nós, a consequência dessa depressão será comunhão com Deus, em vez de permitirmos que nossas afeições vagueem; estamos na presença de Deus, vigiamos com Ele de modo a falarmos com Ele; mas se este não for o caso, Satanás nos pegará despercebidos em momentos de descuido”2

Mencionamos anteriormente o assunto das más experiências ou dores do passado que podem envolver nosso pensamento e alterar nosso comportamento. Embora seja desejável abordar essas coisas com aqueles responsáveis por elas, isto nem sempre é possível. Creio que possamos colocar essas coisas na presença de Deus, e em Seu entendimento e simpatia poderemos experimentar cura e bênção. O salmista podia dizer: “Porque a tua benignidade é melhor do que a vida, os meus lábios te louvarão”(Salmos 63:3). Certamente conhecer e experimentar Sua benignidade (bondade amorosa) é melhor do que qualquer coisa que o homem possa fornecer no que diz respeito à cura. Não temos que viver sob a terrível sombra de dores do passado por toda a nossa vida. Precisamos ser trazidos de volta à cruz onde vemos nosso bendito Salvador lidando com tudo isso por nós, e onde Ele levou o juízo de Deus sozinho, de modo que pudéssemos ser curados. No jardim do Getsêmani, o Senhor Jesus passou por toda a agonia da cruz ao contemplá-la, e o fez sozinho na presença de Seu Pai. Ninguém entendeu realmente o que estava acontecendo, e mesmo assim o coração do Pai foi suficiente para Ele. Saindo daquele lugar, Ele podia calmamente encarar qualquer coisa que o Pai colocasse diante dEle.

Além disso, precisamos contar com a graça de Deus e pedirmos mais dela a Ele se sentirmos necessidade dela. A Paulo foi dado um espinho na carne, provavelmente algo físico, embora o Espírito de Deus não nos tenha dito exatamente o que era. De qualquer modo, isto o incomodava tanto que ele pediu ao Senhor três vezes que o tirasse. A resposta do Senhor foi: “A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Coríntios 12:9). Outra pessoa comentou sobre o assunto: “Sabedoria e filosofia nunca descobriram Deus: Ele se faz conhecer a nós através de nossas necessidades; a necessidade O encontra”3. Sem dúvidas, Paulo veio a conhecer o Senhor de um modo que ele não poderia se não tivesse esse problema, na graça que lhe foi dada em conexão com esse espinho na carne. Embora devamos hesitar em sugerir que a doença mental é permitida na vida de alguns de modo a permitir-lhes que venham a conhecer melhor o Senhor, ainda assim sabemos que em nossas necessidades, sejam físicas, espirituais, mentais ou materiais, Deus Se faz mais precioso para nós se tomarmos isso como vindo dEle. Paulo descobriu, como muitos outros crentes, que Deus podia usá-lo melhor em fraqueza do que em sua própria força, pois então ele teria que confiar mais no Senhor e andar em Sua força. Assim como muitos santos de Deus têm necessitado confiar na força do Senhor por causa da doença física, assim o crente pode ir ao Senhor com suas fraquezas e incapacidades mentais, pedindo a Ele a força para ajudá-lo a continuar. Sugerimos que muitos vieram a conhecer o Senhor de uma maneira mais rica e plena ao ver como Ele pode dar a graça para cada enfermidade, até mesmo para a doença mental.

Concluímos esta seção com uma citação de Romanos 8. Nesse capítulo Paulo faz a pergunta: “Quem nos separará do amor de Cristo?” (Romanos 8:35) Ele então continua nos mostrando que nada pode nos separar do amor de Cristo, sejam coisas nesta vida, tais como tribulações, perigos, a espada, etc., ou coisas além do controle humano, tais como os anjos, a morte, as coisas futuras, etc. Eu sugeriria que a doença mental está incluída nessas categorias.

Auxílio de Outros Crentes

“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação;

Que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus.

Porque, como as aflições de Cristo são abundantes em nós, assim também é abundante a nossa consolação por meio de Cristo”.

(2 Coríntios 1:3–5)

É o feliz privilégio de muitos de nós que somos crente no Senhor Jesus Cristo sermos um auxílio para outros crentes de vez em quando, e talvez isto seja muito necessário e apreciado no que diz respeito à doença mental. Isso é verdade, quer o distúbio seja mais suave, quer em tempos de tristeza ou estresse, ou quer estejamos lidando com um caso de psicose severa, no qual o indivíduo se encontra fora de si. Os versículos citados acima nos mostram claramente que Deus, nosso Pai, é a fonte de todas as verdadeiras misericórdias e consolações, e ainda assim Ele nos dá o privilégio de mostrar o mesmo amor e cuidado pelos outros assim como Ele mostrou a nós. Assim nos é dito em Gálatas 6:2: “Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo”.

Físico vs. Espiritual

Mostramos que a doença mental comumente envolve múltiplos fatores, incluindo o corpo (o cérebro) e a alma e espírito, assim como as circunstâncias que podem neles agir. Medicamentos e outras modalidades (tais como tratamento de eletrochoque) podem às vezes ser necessárias para ajudar o cérebro a funcionar melhor, enquanto a terapia na forma da escuta, interpretação e aconselhamento é necessária para ajudar a alma e o espírito. Há um ponto importante a ser feito aqui. Os aspectos físicos do tratamento (o uso de drogas, etc.) precisarão de supervisão profissional, mas para o crente, assuntos da alma e espírito são melhor atendidas por outros crentes espirituais. Profissionais (como os psiquiatras) podem, é claro, ser úteis em diagnosticar uma doença em particular, baseado na constelação de sintomas que apontam para um distúrbio específico. Ele pode também ser muito útil para reconhecer fatores que possam ter contribuído para com o surgimento da doença. Mas, enquanto a ciência descobriu muitas coisas para tratar o mal funcionamento do corpo (neste caso o cérebro), ela não pode tratar o comportamento moral que é afetado por uma alma e espírito distorcidos e um cérebro perturbado. Quando a doença envolve o espiritual, estamos fora do domínio da ciência e em uma área que precisa de uma revelação de Deus.

Escrituras, Psicologia e Psiquiatria

Nesta área do espiritual, as Escrituras e a psicologia (e psiquiatria) podem conflitar entre si. As Escrituras são a revelação de Deus ao homem, e deste modo faz muitas coisas além das capacidades humanas. Elas dão vida através do Espírito, ela julga (mas não é julgada pelo homem), e ela se comunica com o homem, dando-lhe todas as coisas que pertencem à vida e à piedade. Assim ela alimenta sua alma. Ela explica ao homem sua natureza e seu comportamento, o que o anima, e o que o controla. Além disso, ela diz-lhe o que são seus relacionamentos morais, e quais são suas responsabilidades nesses relacionamentos. A psicologia, por outro lado, é o estudo da natureza humana sem referência a Deus ou à Sua revelação, e assim não pode, em si mesma, erguer-se além da observação do homem. Ela não pode descobrir “leis” que expliquem a natureza das coisas como Deus as projetou: ela pode descobrir apenas “padrões” que foram observados como sendo geralmente verdadeiros, mas que por si só não explicam a natureza das coisas.

O Dom de Pastor

Aqui é onde entra o dom de pastor, um dom que é muito necessário, mas talvez muito raro. É um dom que muitas vezes não é apreciado como se deveria. Por causa da natureza da obra pastoral, pouca glória humana é associada a ela, pois ela é exercida, na maior parte, nos bastidores. É dispendiosa e às vezes não apreciada nem mesmo por aqueles a quem está sendo dirigida. Ainda assim, tal dom, quando adequadamente usado perante o Senhor, pode ser de valor inestimável em casos de doença mental entre os crentes. O valor de tal dom é expresso como segue:

Eu creio que um pastor é um dom raro…Um pastor deve ser como um médico; ele deve conhecer o verdadeiro alimento, e o verdadeiro medicamento, e o verdadeito diagnóstico, e toda a ”pharmacopoeia“, e também deve saber como aplicar isso tudo. Em um sentido é um dom raro, e muito precioso.” 4

Outro comentou de modo similar:

Parece-nos que um pastor é para a alma o que um médico é para o corpo. Ele deve ser capaz de sentir o pulso espiritual. Ele deve entender a doença e o remédio. Ele deve ser capaz de dizer qual é o problema, e qual remédios aplicar. Infelizmente, quão poucos médicos adequados há. Talvez sejam tão raros como pastores adequados. Uma coisa é tomar para si um título, e outra coisa é fazer a obra”. 5

Há duas dificuldades ligadas à obra de um pastor. Já falamos de uma delas, a saber, a raridade do dom. Quantas vezes uma pessoa anseia pelo coração de um verdadeiro pastor, sobre quem as dificuldades possam ser derramadas! Mesmo que alguém tenha o dom de um pastor, a pressão e a correria dos dias em que vivemos às vezes tornam difícil para que se tome o tempo para o verdadeiro trabalho que é necessário nesse caminho. O ensino e o ministério público podem ser muito úteis, mas muitas vezes erram o alvo pois passam sobre as cabeças daqueles que mais precisam. É na obra pastoral que a verdadeira natureza das dificuldades pode ser descoberta, e as palavras certas dadas.

Confiando nos Outros

Outra dificuldade surge, particularmente com a doença mental, porque os crentes sentem-se embarassados e hesitantes em confiar em alguém que os conhece bem, e com quem talvez vivam e convivam regularmente. Eles sentem-se envergonhados de admitir que um problema tal qual a doença mental exista, e talvez temem tornarem-se assunto de fofocas. Infelizmente tais temores são, às vezes, jutificados. Como resultado, alguns crentes podem buscar ajuda de fontes mundanas em vez de serem ajudados por um verdadeiro pastor.

Deveríamos estar sempre dispostos a confiarmos mais uns nos outros, pois as Escrituras nos dizem para “confessar as vossas culpas uns aos outros, e orai uns pelos outros, para que sareis” (Tiago 5:16). Creio que essa cura inclui as doenças mentais, assim como as físicas. Se houvesse maior disposição em reconhecer tais problemas, confessá-los uns aos outros, e orarmos juntos, creio que veríamos mais resultados positivos. Tal confissão não significa “querer se aparecer”, onde deliberadamente buscamos em nosso coração e experiência quantas falhas pudermos lembrar, apenas para espalhá-las a nossos companheiros crentes. Não, não é isso o que as Escrituras querem dizer, pois Deus nunca nos ocupa com o pecado e a falha exceto para nos fazer tratar disso. Mas se uma dificuldade particular se apresenta em minha vida, seja física ou mental, que possamos ter a graça de primeiramente trazê-la perante o Senhor, e então estarmos dispostos a mencioná-la a outros, pedindo que orem por nós. Lembremo-nos também que todos nós sentimos os efeitos do pecado em nossas pessoas, de um modo ou de outro. Se alguns passam por maiores dificuldades do que outros, é apenas uma oportunidade para que a graça de Deus possa abundar.

Outras Formas de Ser um Auxílio

Ao considerarmos o auxílio que podemos dar aos outros, não devemos nos sentir desamparados mesmo se não tivermos o dom de pastor. Há muitas formas que o auxílio pode tomar, e o grau de ajuda que alguém pode oferecer será determinado não apenas pelo dom individual, mas também por sua maturidade e sabedoria nas coisas espirituais. Isto, por sua vez, dependerá muito do quão próximo a pessoa estiver andando com o Senhor. Assim como “a oração [fervente] feita por um justo pode muito em seus efeitos” (Tiago 5:16), assim um crente que está vivendo em proximidade com o Senhor terá a mente dEle e será de muito maior ajuda em tais situações do que um que é meramente inteligente, em um sentido natural. Além disso, como vimos nas Escrituras que já citamos de 2 Coríntios 1:3–6, é muitas vezes aquele que, ele próprio, já passou por dificuldades, que pode ajudar o próximo que está passando por uma provação similar. Isto não é o mesmo que dizer que precisamos experimentar a doença mental de modo a sermos capazes de ajudar outro crente que tem esse problema, mas faz-nos perceber que aqueles que já passaram por provações com o Senhor são geralmente mais equipados para auxiliar outros do que aqueles que podem ter tido um caminho mais fácil.

O auxílio dado pode tomar diferentes formas. Às vezes, a simples preocupação e companheirismo do outro, com o conhecimento de que outros estão orando por ele, podem ser de imensurável ajuda a alguém que está sofrento de doença mental. Provavelmente, muito do que se passa por doença mental neste mundo está relacionado à falta (ou falta aparente) de amor e entendimento por parte dos outros, e o cuidado e preocupação expressa pelos outros muitas vezes contribuem muito para com o alívio dos sintomas. Devemos estar dispostos a sermos bons ouvintes, a aceitarmos a pessoa (não seu pecado), e orar tanto com ela quanto por ela. É claro que sabedoria deve ser usada aqui, e um entendimento do problema particular do indivíduo ditará como o auxílio pode ser dado. Por exemplo, pessoas que estão deprimidas são geralmente mais ajudadas por visitas curtas daqueles que são otimistas e positivos, ao mesmo tempo em que são sérias e capazes de comiserar com a pessoa sobre seus sentimentos. Elas não são ajudadas por longas visitas e longas exortações das Escrituras.

Se sentimos que conhecemos e entendemos o indivíduo mais profundamente, e podemos passar mais tempo com ele, então podemos ser capazes, gentilmente, de sondar as dificuldades ou experiências passadas que possam estar contribuindo para com o problema. Isto requer muita sabedoria e dependência do Senhor, pois tal tipo de aconselhamento é algo sério de empreender, e não deveria ser tratado levianamente. Já vimos que a doença mental é complicada, e o tratamento deve ser aplicado com cautela. Ao tentar ajudar alguém nessa situação, devemos ser cuidadosos para não fazermos declarações definitivas sobre eles e sobre sua doença a menos que estejamos muito certos sobre o quê estamos falando. Muito mal já foi feito por aqueles que, tendo apenas uma visão simplista e desequilibrada da doença mental, fizeram julgamentos rápidos e declarações precipitadas. Como resultado, às vezes o conselho impensado e ingênuo é dado em vez de uma sabedoria piedosa. Em vez disso é melhor fazer perguntas, compreender a pessoa e conduzir seus pensamentos de modo que eventualmente ela verá por si mesma o ponto que precisa ser tratado. Conhecimento da Palavra de Deus é necessário, assim como a maturidade espiritual para aplicá-la corretamente, mas isto também deve vir acompanhado da direção do Senhor. Frequentemente Ele nos dará uma passagem e um pensamento específico das Escrituras para colocar diante de alguém que lidará com o problema, trazendo-o na presença do Senhor. Nosso objetivo deveria ser, não de ter domínio sobre a fé deles, mas sim de sermos cooperadores de sua alegria – veja 2 Coríntios 1:24.

Muitas vezes indivíduos sofrendo de doença mental precisarão ser “carregados” por algum tempo, pois eles parecem melhorar e então têm uma recaída em pensamentos e comportamentos similares novamente. Não devemos deixá-los ir tão cedo, e devemos estar prontos para ajudar quando o problema retorna. Aqueles com doenças mais severas podem ter de ser carregados, até certo ponto, durante toda a sua vida.

Levando Cargas e Sendo Sanguessugas

Ao lidarmos com esse levar de cargas, devemos distinguir entre levar as cargas uns dos outros e permitir que as pessoas se tornem “sanguessugas”. A palavra “carga” em Gálatas 6:2 carrega o pensamento de um estresse ou peso intolerável e pesado que se requer ajuda para ser levado, enquanto a palavra traduzida como “carga” no versículo 5 do mesmo capítulo é uma palavra diferente, tendo o pensamento daquilo que é a responsabilidade normal e própria do indivíduo. Há coisas na vida que são propriamente nossa própria responsabilidade, e que não deveriam ser empurradas para os outros. Uma sanguessuga suga continuamente a força de outro, e nunca dá nada em troca. Alguns crentes não estão dispostos a pagar o preço da oração pessoal e da disciplina espiritual de modo a manter seu bem-estar emocional e espiritual, e assim acabam continuamente se aproveitando da força dos outros. Tal comportamento representa um tomar que impede o dar, e finalmente é algo da carne. Ocasionalmente tal comportamento pode ter que ser repreendido. Mas, na maioria das vezes, aqueles com doença mental serão capazes de exercer normalmente suas funções diárias, embora possam precisar de ajuda de tempos em tempos. É um privilégio ser capaz de oferecer tal ajuda!

Podemos resumir nossas observações como segue. Da parte daquele que sofre da doença mental, ele deve estar disposto a admitir o problema, assim como no caso de doença física. Aqueles que se negam a admitir sua doença não serão capazes de ser muito ajudados. Uma vez que o problema é admitido, o indivíduo deve estar disposto a aceitar auxílio, percebendo que Deus proveu-lhe esse auxílio. É gratificante para nosso coração natural dizer: “Eu posso lidar com isso sozinho; eu não preciso de ajuda”. Mas se Deus proveu auxílio para nós, que o aceitemos. Finalmente, o indivíduo deve estar disposto a ajudar a si mesmo. Auxílio pode ser necessário, mas ser capaz de lidar com isso com o mínimo de ajuda possível deveria ser finalmente o objetivo. É claro, existem doenças mentais severas nas quais isso pode nem sempre ser possível, mas deveria sempre ser esse o objetivo.

Falamos sobre terapia para a alma e espírito; agora falaremos um pouco sobre a terapia para o corpo – o cérebro.

O Psiquiatra

A mera menção da palavra “psiquiatra” evoca reações variadas e às vezes muito emocionais da parte dos crentes. Alguns crentes, especialmente aqueles que já tiveram um amado ou bom amigo que foi beneficiado pelo tratamento psiquiátrico, respondem muito positivamente. Outros, que associam a profissão às teorias de pessoas como Sigmund Freud e Carl Jung e com todas as demais ideias anticristãs recuam com horror de que qualquer crente pudesse até mesmo considerar ser tratado por um deles. É claro que existem diversas posições entre essas duas visões polarizadas.

Reconhecendo Sintomas

Como muitas coisas na vida cristã, o equilíbrio é necessário em nosso pensamento, assim como a sabedoria que vem ao termos a mente do Senhor. Vimos que o espírito, alma e cérebro humano podem ser perturbados por fatores que vão além do nosso controle, e que algumas pessoas possuem uma tendência constitucional a desenvolver a doença mental. Padrões anormais de pensamento e comportamento podem ser estudados, categorizados, e então reconhecidos no indivíduo pelo sintoma particular que ele apresenta. Tais coisas como esquizofrenia, transtornos de ansiedade, transtorno bipolar e transtornos de personalidade podem ser reconhecidos e rotulados quando os sintomas próprios se apresentam. Os nomes aplicados a tais distúrbios podem variar de cultura para cultura, e a causa atribuída a diferentes coisas, mas o padrão geral da doença mental é muito similar em várias partes do mundo.

No que diz respeito ao diagnóstico, a psiquiatria e a psicologia não podem ir além da observação e classificação de tais padrões de comportamento, além de talvez associá-los, em alguns casos, a fatores no ambiente do indivíduo, ou reconhecer que um desequilíbrio químico particular no cérebro pode ser uma causa contributiva. No entanto, é bom ser capaz de rotular o problema do paciente, para ser capaz de reconhecer o padrão daquela doença em particular, e para ter alguma ideia da severidade disso. O psiquiatra pode ser útil em tudo isso.

Drogas Psicotrópicas

Além disso, houve grandes passos feitos, durante os últimos cinquenta anos, na pesquisa e desenvolvimento de drogas psicotrópicas. Começando com a descoberta do lítio e da clorpromazina na década de 1950, os últimos cinquenta anos têm testemunhado o desenvolvimento de uma miríade de novas drogas que revolucionaram o tratamento de distúrbios mentais. Antes da década de 1950, a maioria dos indivíduos seriamente perturbados tinham de ser tratados em instituições, às vezes com portas trancadas, janelas com barras, e, algumas vezes, com restrições físicas. (O tratamento do esquizofrênico paranoico na seção “Esquizofrenia e outras Condições Psicóticas” é um exemplo disso). Hoje em dia a maioria das admissões psiquiátricas são breves, com um rápido retorno à vida em comunidade. Muito dessa mudança é o resultado de melhores drogas para o tratamento de doenças mentais, e aqui o psiquiatra é necessário, pois apenas ele saberá como prescrever e supervisionar o uso dessas drogas. É fácil perceber que tais medicamentos devem ser prescritos e administrados por um médico capaz de apreciar as indicações para eles, assim como a dosagem adequada, os efeitos colaterais, e a interação com outras drogas. Do mesmo modo, alguém que é treinado a reconhecer e classificar distúrbios mentais pode diagnosticar melhor um problema em particular e iniciar o tratamento.

Como um médico, o psiquiatra é treinado para investigar as variadas causas dos sintomas que ele enxerga, e após juntar as informações, decidir que formas de tratamento serão úteis no caso particular. Ele é treinado para reconhecer diferentes forças na vida do indivíduo, e a integrá-las com a hereditariedade, personalidade, experiências e crenças da pessoa. Então ele tenta mapear um regime de tratamento que pode incluir terapia de apoio e drogas, assim como ajudar a dar ao paciente uma melhor visão sobre o que ele pode fazer para aliviar seus problemas.

Administrando Remédios

Há muitos cristãos sérios que foram grandemente ajudados após consultarem um psiquiatra, e que agora encontram-se capazes de levar vidas normais como resultado de um programa de tratamento cuidadosamente monitorado que pode incluir medicamentos psicotrópicos. Até mesmo as visitas feitas pelo doutor de tempos em tempos pode fornecer apoio de alguém que conhece e entende, que é capaz de discutir e aconselhar, e se necessário manipular medicamentos que atinjam o efeito adequado. Assim como, por exemplo, o diabético precisa de insulina ou medicamento oral monitorado e ajustado periodicamente, assim também o indivíduo com uma doença mental de longo prazo precisa de alguém que desempenha esse papel. O psiquiatra é necessário em muitos casos, pelo menos para iniciar tudo isso. Às vezes um médico da família pode fazer alguns desses diagnósticos e prescrições, e podem certamente monitorar um paciente quando um regime e tratamento foi estabelecido.

Remédios e Moralidade

Talvez alguns perguntarão: “Por que então alguns crentes tem tais sentimentos negativos sobre os psiquiatras, e são tão fortemente contra seu papel na vida dos cristãos?” Primeiramente, devemos nos lembrar do que foi dito anteriormente, a saber, que drogas psicotrópicas não possuem efeito moral. Elas capacitam o cérebro a funcionar de modo mais normal, mas não podem melhorar nada além do que é físico (o cérebro). Lidaremos mais a fundo com este assunto em uma seção subsequente. Em segundo lugar, enquanto o psiquiatra pode certamente fornecer cuidados de apoio e de psicoterapia, ele não pode lidar com o aspecto espiritual da doença mental a menos que ele próprio seja um crente no Senhor Jesus Cristo.

Enquanto a medicação e a psicoterapia humana possa fornecer algum alívio temporário, elas normalmente não fornecerão uma solução permanente para o problema, porque há questões espirituais que precisam ser abordadas. O comportamento pode ser explicado e talvez justificado como sendo a manifestação da doença (Enquanto os psiquiatras raramente referem-se a um certo comportamento como pecado, eles costumam dizer que “isso é apenas comportamento”, o que significa que é uma ação voluntária, e não uma manifestação de uma doença mental em particular). Certos comportamentos podem ser reconhecidos como prejudiciais, mas o ponto de referência tenderá a ser o homem. Assim, o comportamento pode ser considerado prejudicial para ele próprio ou para os outros, mas geralmente não é visto como um pecado contra Deus. Finalmente, deve-se reconhecer que o relacionamento entre o paciente e o psiquiatra é, por necessidade, muito íntimo. As informações mais privadas e detalhes delicados da vida da pessoa podem ter de ser expostos, e, como tal, o psiquiatra se encontra em uma posição de ter que direcionar a terapia e talvez moldar o pensamento do paciente de um modo que poucos outros teriam a oportunidade de fazer. A maioria dos psiquiatras, reconhecendo a importância das convicções religiosas de um paciente, normalmente não dariam conselhos contrários a elas a menos que percebessem que tais crenças estivessem no caminho de uma resolução do problema. É fácil ver, no entanto, que tal opinião seria baseada na própria percepção que o psiquiatra tem da situação, e se for baseada na sabedoria do homem e não na de Deus, pode muito bem vir a ser contrária às Escrituras. Devemos nos lembrar que “o temor do Senhor é o princípio do conhecimento” (Provérbios 1:7), e isso em qualquer assunto moral e espiritual: nosso pensamento é errado a menos que seja firmado na Palavra de Deus. Que possamos sempre nos lembrar da afirmação em Isaías 8:20: “Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles”. Se o homem deve ter uma verdadeira compreensão de si mesmo, ele deve começar com respeito ao Senhor, e reconhecendo que o Senhor o fez, e é a quem ele é responsável.

Assim não devemos confiar na sabedoria do homem, seja por meio de drogas ou psicoterapia, para curar problemas espirituais. Em vez disso, eles devem ser encarados na presença do Senhor. Até mesmo homens incrédulos reconheceram isso. Considere as seguintes observações do Dr. Carl Jung, um contemporâneo de Sigmund Freud:

“Eu gostaria de chamar a atenção para os seguintes fatos. Durante os últimos trinta anos, pessoas de todos os países civilizados da terra me consultaram. Eu tratei várias centenas de pacientes…Dentre todos os meus paciente já na segunda metade da vida – ou seja, com mais de trinta e cinco anos de idade – não houve um cujo problema, em última instância, não fosse o de não ter encontrado uma visão religiosa da vida…

“Parece-me que, lado a lado com o declínio da vida religiosa, as neuroses crescem visivelmente com maior frequência…

O paciente procura por algo que tomará posse dele e dará significado e forma à confusão de sua mente neurótica. O médico seria páreo para a tarefa? Para começar, ele provavelmente entregará seu paciente ao clero ou ao filósofo, ou o abandonará à perplexidade que é o tom especial de nossos dias…O pensamento humano não pode conceber qualquer sistema ou verdade final que possa dar ao paciente o que ele necessita de modo a viver: que é fé, esperança, amor e discernimento…6 (grifos são do autor deste livro)

Carl Jung claramente reconheceu a necessidade religiosa de muitos de seus pacientes, e de fato, dentro da faixa etária que ele menciona, todos eles evidentemente sofriam de uma falta que nenhum homem ímpio poderia suprir. É possível que o psiquiatra seja um homem mundano sem entendimento da nova vida do crente em Cristo, ou pior ainda, ele pode até mesmo possuir sentimentos ateístas e anticristãos, como Sigmund Freud, a quem já mencionamos. Em tais casos, o psiquiatra (talvez com boas intenções) pode vir a dar conselhos e fazer sugestões que são contrárias à Palavra de Deus, e que, se seguidas, podem causar verdadeiros danos ao cristão. O pensamento humanístico que coloca o “eu” no centro de nossos pensamentos permeou nosso mundo nos últimos quarenta anos, e precisamos estar em guarda contra isto. Que possamos estar mais familiarizados com a Palavra de Deus, que coloca Cristo no centro de todas as coisas!

Considerações sobre o Tratamento

Onde tudo isso nos deixa então? Mais uma vez somos lançados de volta para o Próprio Senhor, que sozinho pode dar sabedoria em qualquer ocasião. Assim como às vezes precisamos de um médico para doenças físicas, assim podemos precisar de um psiquiatra para uma doença mental, particularmente se a medicação for necessária. Escolhemos cuidadosamente um médico para nossas necessidades físicas, e devemos ser ainda mais cuidadosos ao escolhermos um psiquiatra. De quanta ajuda é quando é possível encontrar alguém que conhece o Senhor, e que assim está preparado para tratar o paciente em todos os sentidos. Mas nem mesmo o melhor dos psiquiatras é capaz de tomar o lugar do pastor de verdadeiro coração.

É impressionante que Carl Jung reconheça que coisas como fé, esperança e amor sejam necessárias para a cura das pessoas, e que ele ainda reconheça que nenhum sistema de pensamento humano poderia supri-las. Apenas ao conhecer o Senhor Jesus como Salvador e ao andar com Ele essas coisas podem ser uma realidade em nossa vida. Devemos também ter em mente que, enquanto outros podem ser úteis ao indicar alguém na direção correta e talvez dando-lhe discernimento quando à natureza da dificuldade, no final apenas o próprio indivíduo pode realmente lidar com sua necessidade espiritual na presença do Senhor.

Consideremos agora uma disciplina aliada, mas bem diferente, que é a psicologia.

Psicologia

Mais uma vez, abordamos o assunto com certa hesitação por causa das fortes opiniões mantidas por muitos crentes sobre o assunto. Livros como A Sedução do Cristianismo, de Dave Hunt e T. A. McMahon, e Psychoheresy (“Psicoheresia”, não disponível em língua portuguesa), de Martin e Deidre Bobgan são implacáveis em sua condenação da psicologia como é praticada hoje, e alertam os crentes contra ela nos termos mais fortes possíveis. Tendo lido ambos os livros e outros como eles, tenho a dizer que esses alertas são necessários, pois algumas coisas que eles falam são verdadeiras. Sem dúvida muito do criticismo deles decorre do fato de que a psicologia moderna tende a adotar uma visão humanística e de “nova era” do homem e de seu comportamento, e deixa de lado a Palavra de Deus como a única verdadeira autoridade nas questões morais e espirituais que são abordadas. Tendo dito isto, é também minha opinião que muito desse criticismo, particularmente do ponto de vista dos Bobgans em Psychoheresy, é desequilibrado e enganoso. Ao procurar chamar a atenção para uma séria tendência em direção ao pensamento errôneo entre os crentes, eles mesmo caíram no erro e no pensamento distorcido. Em seu esforço de expor o pensamento falho por trás de muitas coisas na psicologia moderna, eles reuniram uma série de citações e opiniões negativas que nem sempre podem ser suportadas pelas Escrituras. Na afirmações deles de que Cristo é a resposta final para os problemas da vida, eles estão corretos. Em sua tentativa de considerar a maioria desses problemas como pecado voluntário, eu creio que eles foram longe demais. Quando eles negam que existam coisas como pensamentos e motivos inconscientes, eles estão errados, pois a Palavra de Deus claramente reconhece que pode haver pensamentos e motivos inconscientes que governam nosso comportamento. Eliú pôde aconselhar Jó a orar: “O que não vejo, ensina-me tu” (Jó 34:32). Ao reconhecer a possibilidade do pecado operar inconscientemente em si, Davi pôde dizer ao Senhor: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me, e conhece os meus pensamentos” (Salmos 139:23). Em outro lugar, ele pôde dizer: “Quem pode entender os seus erros? Expurga-me tu dos que me são ocultos” (Salmos 19:12). Novamente, quando eles sugerem que o crente é chamado para estar ocupado com Cristo em vez das dores que ele experimentou no passado, eles estão certos. Quando eles dizem que feridas emocionais passadas realmente não têm influência em nosso comportamento no presente, eles estão errados. Ao procurar expor um erro, eles próprios caíram no erro do lado oposto. É triste dizer, mas o homem é propenso a fazer isso em muitas áreas.

Tudo isso, então, levanta a questão: “A psicologia está sempre totalmente errada?” Por definição, a psicologia é o estudo do comportamento humano. Isto inclui coisas como testes de Q.I., avaliação de diversos tipos de personalidades, reações de indivíduos a diversas forças em seu ambiente, e as diversas maneiras pelas quais o comportamento pode ser modificado. O crente pode prontamente ver que a psicologia não pode ser vista como uma ciência do mesmo modo que, por exemplo, o estudo da química, pois envolve uma dimensão espiritual assim como uma dimensão natural. Aqui novamente temos uma área em que as Escrituras devem ser a autoridade final. Nas Escrituras, Deus explica a natureza do homem e seu comportamento, enquanto na psicologia, o homem observa padrões, faz suposições, e talvez aprende algo, mas de uma maneira limitada. No entanto, a psicologia nunca chegará à completa verdade sobre a questão, pois esta requer a revelação divina. Nas Escrituras, Deus afirma as relações que Ele estabeleceu e o comportamento moral que é requerido que o homem possua: na psicologia, o homem tenta explicar o comportamento sem uma base determinada de moralidade. Nas Escrituras, Deus revela o que fará o homem feliz, e por quê; na psicologia o homem procura descobrir o que fará o homem feliz, e falha. As Escrituras revelam que a causa raiz da maioria dos problemas comportamentais do homem é o pecado e suas consequências; a psicologia, em geral, não usa a palavra “pecado” em seu vocabulário.

Por outro lado, é, às vezes, útil entender por que um indivíduo reage de uma determinada maneira, mesmo que de um ponto de vista natural. Por exemplo, suponha que uma adolescente fuja de casa. Muitos fatores podem estar envolvidos, e precisamos deixar claro que não estamos de forma alguma justificando sua fuga. Pode haver mais de uma razão dela ter escolhido sair de casa, mas sabemos que em muitos casos é por que sua mãe abdicou de seu papel adequado como cuidadora e dona de casa, forçando, assim, a garota a tomar uma responsabilidade para a qual ela não está pronta, tornando-a ressentida. Chame isso de psicologia ou do que você quiser chamar, mas um entendimento desse modo de comportamento é, às vezes, útil ao lidar com a situação, e para auxiliar aqueles diretamente envolvidos. Muitos outros exemplos poderiam ser dados de comportamento que é, afinal, pecaminoso, mas que tem suas raízes em várias forças que agiram sobre o indivíduo. Isto de modo algum desculpa o pecado, mas talvez forneça uma base para o auxílio no alívio dos fatores que possam ter influenciado o mau comportamento.

Sugerimos que não é a psicologia, em si mesma, que é tão errada, mas sim a base na qual o comportamento é interpretado e tratado. Não é errado reconhecer certos padrões de comportamento que ocorrem como resultado de determinados eventos e relacionamentos que podem ter moldado o indivíduo, mas sugerir que os pensamentos do homem deveriam tomar o lugar das Escrituras como o remédio é um erro sério. Quando o humanismo secular e o pensamento da nova era são a base sobre a qual o comportamento humano é abordado, o homem torna-se o foco de seu próprio pensamento, e Deus é deixado de lado. O resultado é, por um lado, uma irresponsabilidade moral e uma desculpa para a conduta pecaminosa, enquanto por outro lado o tratamento de tal comportamento tende a ser baseado na autoajuda e no conceito de autoestima. Esta assim chamada liberdade de pensamento não está vinculada a qualquer verdade, nem conhece a verdade, e põe em dúvida toda a verdade. Tal abordagem põe o homem no centro das coisas, e é finalmente destrutiva, pois a incredulidade produzida pela confiança no homem o força a voltar-se para a superstição. Infelizmente, a psicologia moderna é tão crivada dessas ideias que é difícil separar as duas coisas.

Psicólogo ou Pastor

Na essência, afinal, se tivermos dificuldades que não são tão férias a ponto de precisarmos de ajuda médica, então é melhor nos colocarmos de joelhos com a Palavra de Deus diante de nós, e pedir ao Senhor por Sua ajuda para superar a dificuldade. Se for necessária mais ajuda, talvez um crente piedoso, disposto a ouvir e oferecer sugestões, possa ser encontrado. Certamente um psicólogo que não seja crente teria grande dificuldade em avaliar, por exemplo, uma família cristã disfuncional, e dar conselhos adequados. Embora ele possa ser capaz de fazer boas observações, seu tratamento seria sempre baseado em sabedoria humana, e não na Palavra de Deus. Certamente esta é uma área onde nós, como crentes, tenhamos talvez falhado muito seriamente, pois, como já discutimos, há uma grande necessidade de pastores no verdadeiro sentido da palavra. Quão grande necessidade há daqueles que adentram nos problemas e dificuldades de outros crentes, demonstrando simpatia e compaixão, e ainda sendo capazes de oferecer uma “palavra oportuna”!

Em Efésios 4:11, pastores e mestres (doutores) são colocados juntos, demonstrando que as características de ambos são desejáveis na mesma pessoa. Alguém não pode ser um mestre eficaz a menos que saiba como dar aconselhamento sólido e bíblico. Tais indivíduos são muito raros, mas muito necessários na igreja hoje. Se mais crentes com corações de pastor estivessem disponíveis para fazer essa que, muitas vezes, é uma obra pela qual não se recebe a devida gratidão, talvez não veríamos tantos santos tendendo a procurar psicólogos e outros profissionais.

Consideremos, agora, um aspecto final da doença mental e maiores detalhes.

Medicação

Já aludimos ao uso de medicamentos em nossa discussão sobre o psiquiatra. Notamos que houve uma tremenda proliferação de drogas (remédios) psicotrópicas durante os últimos cinquenta anos. Vimos que, apesar de não entendermos totalmente o modo de ação da maior parte das drogas psicotrópicas, ainda assim eles fizeram uma grande diferença no tratamento da doença mental. Kay Redfield Jamison, uma autora com distúrbio bipolar de cujo livro já citamos anteriormente, faz a seguinte declaração sobre ela mesma e sua condição:

Eu muitas vezes me perguntava se, dada a escolha, eu escolheria ter a doença maníaco-depressiva. Se o lítio não estivesse disponível para mim, ou não funcionasse para mim, a resposta seria um simples ’não’ – e seria uma resposta atormentada pelo terror. Mas o lítio funciona para mim, e, portanto, suponho que eu possa falar sobre essa questão.”7

Notamos que, antes do desenvolvimento das drogas psicotrópicas, a maioria dos pacientes com doença mental séria passavam sua vida em instituições, virtualmente prisioneiros de sua condição. A descoberta das drogas que podem ajudar os indivíduos a controlar seu comportamento têm sido um fator importante na habilitação dessas pessoas para viverem e exercerem, em geral, suas funções no mundo.

Nos apressamos em acrescentar que as drogas não foram o único fator nessa mudança. Juntamente com o desenvolvimento das drogas psicotrópicas, houve uma atitude de mudança no que diz respeito à doença mental. Tais coisas como a apreciação dos efeitos regressivos das instituições, um aumento da consciência social, e o aumento da comunidade psiquiátrica, ajudaram a facilitar a integração do paciente doente mental de volta à sociedade. No entanto, continua claro que, sem o uso de drogas psicotrópicas, muitas dessas pessoas veriam ser impossível exercer suas funções fora de uma instituição por qualquer período de tempo.

Qual, então, deveria ser a atitude do crente no que diz respeito a tais medicamentos? Alguns sentem que, uma vez que o Senhor somente pode curar, e uma vez que Deus disse: “A Minha graça te basta”, então deveríamos deixar de lado o uso de medicamentos, contando com o Senhor e Sua graça somente. Outros podem sentir que, uma vez que já tomaram medicamentos, eles pode confiar neles e não precisam se preocupar sobre qualquer possível dimensão espiritual em sua doença. Posso sugerir novamente que ambos os extremos estão errados?

No Antigo Testamento, quando o rei Ezequias estava seriamente doente, Deus enviou o profeta Isaías a ele com a mensagem: “Eis que eu te sararei; ao terceiro dia subirás à casa do Senhor” (2 Reis 20:5). Claramente, foi o poder do Senhor que realizou a cura, ainda que, ao mesmo tempo, Isaías dissera a Ezequias: “Tomai uma pasta de figos. E a tomaram, e a puseram sobre a chaga; e ele sarou” (2 Reis 20:7). Novamente, no Novo Testamento, Paulo pôde pedir a Timóteo: “Não bebas mais água só, mas usa de um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas frequentes enfermidades” (1 Timóteo 5:23).

Em ambos esses casos, é definitivamente o Senhor que está no controle de nosso corpos e nossas enfermidades, como evidenciado em Suas palavras a Ezequias através do profeta: “Eu te sararei”. Do mesmo modo, em ambos os casos, foi dada instrução para usarem de meios disponíveis para tratar o problema. Assim, hoje, deveríamos confiar no Senhor e olharmos primeiramente para Ele para nossas doenças mentais, assim como físicas, para que finalmente Ele possa nos ajudar a descobrirmos as várias causas, e a razão pela qual Ele as permitiu. No entanto, não é errado usar esses remédios que Deus permitiu que o homem descobrisse, como vemos nos exemplos que mencionamos.

Há alguns queridos crentes que precisam de medicamento para manterem-se mentalmente “em equilíbrio”, assim como um epilético precisa de medicamentos para evitar que tenha convulsões. Assim também, aqueles que se encontram em dificuldades sérias sem uma dose regular de uma droga psicotrópica que os ajude a exercer normalmente suas funções deveriam aceitá-la, e serem gratos de que elas lhe estão disponíveis. Não é um sinal de fraqueza ou de falta de espiritualidade maior tomar esses remédios do que é alguém com insuficiência cardíaca tomar seus digitálicos e diuréticos (pílula de água).

Por outro lado, sabedoria é necessária aqui, pois, às vezes, nós, como crentes, podemos usar a medicação como uma muleta, quando o que realmente é necessário é que lidemos com a raiz do problema. Certamente cada indivíduo e cada doença mental é diferente, e deve ser avaliada e tratada diante do Senhor, levando em consideração cada aspecto.

  1. Kelly, W., Christ Tempted and Sympathizing. (The Bible Treasury, Vol. 20), pg. 189↩

  2. Darby, J. N., Notes on the Epistle to the Ephesians. (The Collected Writings of J. N. Darby, Vol. 27, Stow Hill Ed.), pg. 58↩

  3. Darby, J. N., Parables of Luke 15. (The Collected Writings of J. N. Darby, Vol. 12, Stow Hill Ed.), pg. 168↩

  4. Darby, J. N., Substance of a Reading on Ephesians. (The Collected Writings of J. N. Darby, Vol. 27, Stow Hill Ed.), pg. 74↩

  5. Mackintosh, C. H., Publicly and From House to House. (Things New and Old, Vol. 19), pg. 130↩

  6. Jung, Carl G., Modern Man in Search of a Soul. (Harcourt, Brace & Co., New York, 1933), pg. 260–262↩

  7. Jamison, Kay Redfield, An Unquiet Mind. (Alfred A. Knopf, New York, 1995), pg. 217↩

Conclusões Finais

Ao fazermos algumas observações finais, lembremo-nos de várias coisas. Primeiramente, vamos enfatizar novamente que Deus permitiu as doenças mentais na vida dos crentes, assim como Ele permitiu as doenças físicas. Muitas vezes, Sua graça é demonstrada mais na superação de tais problemas do que se nunca tivéssemos experimentado tais dificuldades. As palavras de um poema me vêm a mente:

“Muitos e muitos, como um menestrel arrebatador

Em meio àquelas cortes de luz

Dirão de sua mais doce música:

Aprendi isso na noite!’

“E muitos, em uníssono canto

Que enche a casa do Pai

Clamaram em suas primeiras provas

Sob a sombra de um cômodo escuro.”1

Quantos já desfrutaram de hinos como os de William Cowper, cujo nome já mencionamos. E tais hinos foram escritos sob a experiência da doença maníaco-depressiva. Quantos santos de Deus já sofreram sob sérias dificuldades, e ainda assim encontraram, na graça de Deus, suficiência para ajudá-los a superá-las, e levaram consigo um testemunho brilhante, apesar de todos esses problemas!

Em segundo lugar, lembremo-nos que “as coisas que se veem são temporais” (2 Coríntios 4:18), e que “a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente” (2 Coríntios 4:17). As dificuldades desta vida podem parecer, às vezes, esmagadoras, mas o crente pode enxergá-las, todas, na luz da eternidade. Tais coisas não são apenas temporais, mas, como nosso versículos nos diz, operam por nós um peso eterno de glória muito mais excelente. Sem dúvida, há tempos em que são grandes as dificuldades, mas se elas são aceitas como vindas do Senhor, e que podem ser retiradas através dEle, elas podem produzir um eterno peso de glória. Apenas nesta vida podemos aprender que Deus é o Deus de todo a consolação, o Deus de todo encorajamento, e o Deus que pode nos dar a graça para passar pelas mais difíceis circunstâncias. Não podemos aprender tais coisas no céu, pois não haverá nada lá pelo que precisaremos de consolação ou encorajamento. Podemos ter tais experiências apenas aqui embaixo, e ainda assim o peso de glória aqui operado por nós é eterno.

Vamos fechar com uma citação de C. H. Mackintosh:

“Observe aquela silhueta arqueada e atrofiada, aquele corpo arruinado pela dor e exaurido pelos anos de sofrimento pungente. É o corpo de um santo. Quão humilhante é vê-lo assim! Sim, mas espere um pouco. Basta apenas trombeta soar e, em um instante, aquela estrutura pobre e decadente será transformada e feita semelhante ao corpo glorificado do Senhor que virá.

“E ali, naquele sanatório para doentes mentais, está um pobre paciente. Ele está ali há anos. É um santo de Deus. Quão misterioso é isso! É verdade, não podemos compreender tal mistério, está além do estreito alcance de nossa compreensão. Mas assim é, aquele pobre paciente é um santo de Deus e herdeiro da glória. Ele também ouvirá a voz do arcanjo e a trombeta de Deus, e deixará sua enfermidade para trás para sempre, ao subir para o céu, em seu corpo glorificado, para encontrar o Seu Senhor que vem. Oh! Que momento radiante! Quantos leitos de enfermos ficarão vagos então! Que mudanças maravilhosas acontecerão! Como o coração é cativado por tal pensamento e anseia cantar, em coro, o belo hino:

“Cristo, o Senhor, sim, voltará,

Ninguém O aguardará em vão:

Então Sua glória mostrará:

Com Ele os santos estarão.

“Quando o arcanjo a voz soar,

Os que já dormem ouvirão,

E, ressurretos, vão cantar

Louvores, em adoração.

“’Este é o nosso Redentor!’

As hostes todas clamarão:

’A Ele seja o louvor

E universal adoração!’“2

(Hino #266 do Hinário Little Flock)

  1. Tradução livre.↩

  2. Mackintosh, C. H., ”A Vinda do Senhor”. Acervo Digital Cristão, pp. 28–29. Disponível em https://acervodigitalcristao.com.br/livros/a-vinda-do-senhor/↩

Apêndice

A Natureza do Homem

Ao discutirmos sobre a doença mental, é bom termos um entendimento do homem e de sua natureza, como nos é ensinado na Palavra de Deus. É porque o homem é um ser tão complexo que a doença mental é tão complicada. Dois versículos nas Escrituras que nos dizem claramente do que é constituído o homem são encontrados em 1 Tessalonicenses 5:23 e Hebreus 4:12:

“E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Tessalonicenses 5:23)

“A palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hebreus 4:12)

O Corpo

Esses versículos (na seção anterior) nos dizem claramente que o homem é um ser tripartido, composto de espírito, alma e corpo. O corpo é a parte física, ou material, de seu ser, enquanto sua alma e espírito são a parte espiritual, ou não física, do homem. Esta mesma verdade permeia toda a Palavra de Deus e é também encontrada no Antigo Testamento. Diferentes palavras são usadas, tanto no Hebraico quanto no Grego, para distinguir “alma” e “espírito”. Criaturas no reino animal possuem corpo, e em um certo sentido também possuem alma, pois uma “alma vivente” (Gênesis 1:22, etc.) é qualquer coisa que vive pelo sangue e respira. Assim, no dilúvio, na época de Noé, as Escrituras dizem que “tudo o que, em cujas narinas, havia o fôlego de vida…morreu” (Gênesis 7:22, versão King James). Mas enquanto os animais são almas viventes, eles não foram criados pelo sopro de Deus neles, o fôlego da vida, como é dito do homem (Gênesis 2:7). Esta é uma imensa diferença e claramente marca o homem como um ser distinto da criação animal inferior. Às vezes, a alma é chamada de “homem interior” (Romanos 7:22, etc.), distinguindo-a do corpo, o “homem exterior” (2 Coríntios 4:16). A alma do homem é imortal, como é claramente visto no caso do homem ímpio no hades após a morte, em Lucas 16. Assim, as Escrituras falam de “vossos corpos mortais” (Romanos 8:11), em contraste com a alma, que é imortal.

As Escrituras nos dizem no Salmo 139:14 que somos “de um modo assombroso, e tão maravilhoso…feitos”. As seguintes observações nos mostram algo sobre a magnitude e maravilha da formação do corpo:

“Cada pessoa, no momento da concepção, começa a vida como uma única célula. Como essa célula sabe o que fazer para construir um corpo composto de trilhões de células individuais de diferentes tipos e funções? A maioria das crianças na escola conhecem a resposta: impressas naquela célula original estão as instruções para a construção e operação do corpo humano – instruções que serão seguidas infalivelmente. O DNA replica esse plano em cada célula produzida. E cada célula, maravilhosamente, saberá que parte dessas instruções seguir.

“A criança que vai à escola hoje também sabe que o DNA tem uma incrível capacidade de guardar informações. A informação contida em DNA do tamanho de um alfinete encheria uma pilha de livros 500 vezes mais alta do que a distância da terra à lua! [Isto seria uma pilha de 120 milhões de milhas de altura!] Seriam necessários dezenas de milhares de computadores comuns para armazenar e processar essa quantidade de dados.

“Mas a aula de DNA vai muito além…As três bilhões de letras químicas [no genoma humano] expressam a informação em uma linguagem que deve ser lida para ser utilizável! Uma linguagem necessariamente envolve ideias enquadradas em regras gramaticais e pode ser criada e expressa apenas pela inteligência…

“Uma linguagem expressa pensamentos – e pensamentos não são físicos! Eles podem ser articulados de forma física, tais como por meio de sons, palavras ou sentenças em uma página ou por meio das letras químicas do DNA. Obviamente, no entanto, os pensamentos transmitidos pela linguagem são independentes do material sobre o qual eles são expressos. Uma sentença pode ser escrita em papel, madeira, areia, em um chip de computador, ou em uma fita de áudio, mas nenhuma dessas originou a mensagem. Deve haver uma fonte inteligente e não física, que seja independente dos meios físicos de armazenamento de comunicação.”1

O corpo humano é extremamente complicado, e talvez nada nele seja tão complicado como seu cérebro. Este é o órgão no qual todas as funções do corpo são coordenadas, sejam voluntárias ou involuntárias. Além disso, todo o processo de pensamento deve ser mediado pelo cérebro, e a memória deve ser armazenada ali. Qualquer lesão no cérebro pode causar efeitos profundos, não somente nas funções corporais e processos de pensamento, mas também na personalidade da pessoa. Embora o cérebro seja o assunto de muito estudo e pesquisa, é ainda pobremente compreendido.

No entanto, o homem não é constituído apenas de corpo, como vimos, mas também de alma e espírito. Vejamos o que as Escrituras dizem sobre eles.

Alma e Espírito

Alma e espírito são frequentemente usadas para se referir à mesma coisa, quando as Escrituras falam da parte não física do homem, em contraste com seu corpo. Dependendo da ênfase, às vezes a palavra “alma” pode ser usada, e em outras vezes a palavra “espírito”. Em 2 Pedro 2:8, lemos que “[Ló] afligia todos os dias a sua alma justa”, enquanto em 1 Samuel 30:12, no que diz respeito ao servo de um amalequita, as Escrituras dizem: “E comeu, e voltou-lhe o seu espírito”. Assim, enquanto as Escrituras fazem distinção entre eles, a alma e o espírito nunca se separam – pelo contrário, um é a parte mais elevada do outro. Como a parte mais inferior do ser imortal do homem, a alma está conectada aos seus apetites e emoções – aquilo que faz cada um de nós um indivíduo, distintos uns dos outros na personalidade. Por exemplo, o Salmo 107:9 nos diz: “Pois fartou a alma sedenta, e encheu de bens a alma faminta”. O espírito, por outro lado, é a parte mais elevada do ser humano. Tem mais a ver com a consciência inteligente ativa, e inclui a parte do homem que é consciente de Deus. No crente, o espírito é frequentemente conectado ao Espírito Santo que habita nele, e que age em seu espírito para produzir atividades adequadas para nossa nova vida em Cristo. Assim lemos em Romanos 8:16 que “o mesmo Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus”.

Muito mais poderia ser dito sobre este assunto, mas o espaço não nos permite entrar em tudo o que as Escrituras nos dão no que diz respeito à alma e ao espírito do homem. Para uma consideração mais detalhada do assunto, sugerimos ao leitor dois excelentes panfletos: “Body, Soul, and Spirit”, de J. R. Gill, e “Man: A Tripartite Being composed of Spirit, Soul, and Body”, de H. C. A.2

O “Eu” e a Personalidade

No entanto, o assunto é muito mais complicado até mesmo do que considerações tratadas podem indicar. Vimos que o homem é um ser tripartido composto de corpo, alma e espírito. Enquanto cada um é distinto do outro, sabemos que cada um se comunica com o outro, e cada um afeta o outro, seja positiva ou negativamente. A alma e o espírito devem operar e se expressar através do corpo, e o corpo não pode funcionar sem a alma e o espírito. Assim, as Escrituras nos dizem que “o corpo sem o espírito está morto” (Tiago 2:26). Assim como o corpo não pode fazer nada sem a alma e o espírito estarem nele, assim a alma e o espírito não podem se expressar neste mundo sem um corpo. Os três devem trabalhar juntos.

Mas como eles trabalham juntos? O que é que orquestra a união do espírito, alma e corpo de modo que possam funcionar de maneira integrada? Já observamos o versículo que nos diz que “[Ló] afligia todos os dias a sua alma justa” (2 Pedro 2:8). Em Provérbios, Salomão fala de alguém “que domina o seu espírito” (Provérbios 16:32, Almeida Atualizada). Paulo podia dizer aos crentes em Roma: “Não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal” (Romanos 6:12). É evidente que há um “eu” consciente, aquela essência do indivíduo que influencia e dirige o espírito, alma e corpo, mas que não faz parte desses três. Todos os três – espírito, alma e corpo – são unidos sob uma personalidade, ainda que o “eu” esteja acima deles, e assim é mais do que a soma do espírito, alma e corpo. A seguinte excelente citação resume o assunto para nós, e delineia a diferença entre o “eu” consciente, o espírito, a alma e o corpo:

Ademais, julgamos que as Escrituras distinguem entre ’personalidade’ – o ’eu’ consciente – e o espírito, a alma e o corpo, já que nem definitivamente, e muito menos exclusivamente, identifica a personalidade em algum dos três. Lemos que ’o espírito do profeta está sujeito ao profeta’ (1 Co 14:32). Temos o verso no Velho Testamento que diz: ’Aquele que governa o seu espírito’ (Pv 16:32). Em conexão com a alma, Davi disse: ’humilhava a minha alma’ (Sl 35:13); ’Levanto a minha alma’ (Sl 86:4). Salomão fala de um homem que destrói a sua alma e violenta a sua alma (Pv 6:32 e Pv 8:36). Em relação ao corpo, Paulo pôde dizer: ’subjugo o meu corpo’ (l Co 9:27). Essas e muitas outras passagens parecidas poderiam mostrar que, no homem, há a união do material e do espiritual sob uma única personalidade, como disse alguém: ’Dia após dia, hora após hora, minuto após minuto, observamos que todos, dentro de si, possuem uma autoridade central, dirigindo e controlando, por um lado, os movimentos e as operações de uma estrutura animal, e por outro, as faculdades e esforços de um espírito inteligente, ambos os quais encontram, nessa autoridade ou pessoa central, o seu ponto de unidade. Quanto isso pode ser desconhecido para nós’. A isso podemos acrescentar que, se a morte sobrevier, o ’eu’ está identificado com aquilo que é imaterial – o espírito e a alma – e, quando ainda no corpo, seja agora ou no estado de ressurreição, o ’eu’ está certamente identificado com o espírito, a alma e o corpo.”3

Como o autor da citação acima diz, tudo isso está além da compreensão humana. Deve ser observado, no entanto, que na citação acima, o autor usa a palavra “personalidade” para descrever a essência do próprio indivíduo, não meramente os traços particulares que distinguem um indivíduo do outro. Somos lembrados do que a Palavra de Deus diz em Eclesiastes 11:5: “Assim como tu não sabes qual o caminho do vento [espírito], nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as coisas”. Observamos neste versículo que ambos o espírito e o corpo (ossos) são mencionados, mostrando-nos que realmente não sabemos como o espírito entra no corpo, ou mesmo como o próprio corpo é formado. O homem pode ter descoberto o DNA, mas como isso tudo funciona é ainda um mistério. Como não podemos entender o “caminho do espírito”, e “nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida”, assim não podemos entender exatamente como as partes físicas e não físicas do ser humano interagem umas com as outras.

Muitas questões surgem nesse ponto, e algumas delas não podem ser respondidas. Como essa coisa que chamamos de “vontade” energiza a alma e espírito, e como a alma e o espírito se comunicam com o cérebro (o corpo) de modo que os atos voluntários possam ser executados? Como o corpo influencia a alma e o espírito? O que é a dor, e por que a sentimos? Por que interpretamos um odor como sendo prazeroso e outro como sendo ruim? Tais questões podem ser interessantes, mas, novamente, estão definitivamente além de nossa compreensão.

Por causa da natureza complexa do homem, descobrimos que alguns aspectos da doença mental serão, do mesmo modo, impossíveis de serem explicados. A disrupção que o pecado introduziu afetou o homem em todas as partes de sua natureza, e resultou em distúrbios que envolvem todas as três partes de seu ser – espírito, alma, e corpo. Enquanto podemos ser capazes de fazer algumas observações e traçar conclusões, estamos definitivamente em um domínio onde somente Deus pode compreender plenamente.

Ao mesmo tempo, não permitamos o que não podemos entender estragar e talvez obscurecer o que podemos compreender. Voltemos a lembrar que “Seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade” (2 Pedro 1:3). Se, durante essa discussão, encontrarmos coisas que estão além de nosso entendimento, não sejamos desencorajados. Se Deus não nos disse algo, então podemos descansar assegurados de que não é necessário para a vida e piedade. Deus não escolheu satisfazer toda a nossa curiosidade, mas Ele nos deu o que é necessário para viver para Sua glória neste mundo.

O Coração

O “coração” é uma expressão muito geralmente usada para se referir ao homem interior. Às vezes é mencionado como a sede da afeição e do desejo, e em outras como o ego pecaminoso com seus desejos malignos. Quando as Escrituras dizem: “Se o nosso coração nos condena” (1 João 3:20), então está se referindo à consciência. Quando lemos: “Dá-me, filho meu, o teu coração” (Provérbios 23:26), diz respeito as nossas afeições. Em Jeremias 17:9 descobrimos que “enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” Aqui é o homem em toda sua pecaminosidade como um resultado de sua queda. Quando lemos: “O véu está posto sobre o coração deles” (2 Coríntios 3:15), trata-se da percepção espiritual ou a falta dela. Assim o coração se refere a qualquer exercício moral que ocorre dentro de nós, mas a palavra deve ser interpretada, até certo ponto, pelo contexto em que é usada.

A Mente

A mente é aquela que pensa, percebe e raciocina. De acordo com as Escrituras, temos algum controle sobre ela, pois elas nos instruem a “termos nossa mente nas coisas que estão acima, e não nas coisas que estão na terra” (Colossenses 3:2, tradução de J. N. Darby). Meu coração (como morada da afeição) vai atrás das coisas que são importantes para mim, mas eu possuo a capacidade de colocar minha mente em algo como um ato de minha vontade. Assim, minha vontade, enquanto em um sentido faça parte da minha mente, também a controla e direciona de diferentes formas. Assim o homem em Romanos 7:25 diz: “Assim que eu mesmo com o entendimento sirvo à lei de Deus, mas com a carne à lei do pecado”. Aqui sua mente deseja fazer o que é certo, mas sua carne, seu velho ego pecaminoso, só consegue pecar. No incrédulo, sua mente é influenciada e está definitivamente sob o controle de sua carne, seu ego pecaminoso, e Satanás usa isso para manipular sua mente de um modo maligno. Assim lemos sobre Nabucodonosor cujo “coração se exaltou, e o seu espírito se endureceu em soberba”(Daniel 5:20). Romanos 12:2 fala da “renovação do vosso entendimento (mente)” como um resultado da mente estar sob o controle do Espírito de Deus em vez de estar sob o controle de Satanás e da carne.

O Intelecto

O intelecto pode também ser visto como parte da mente, como sendo aquilo que o homem usa para raciocinar, e que o capacita a usar conhecimentos adquiridos para fazer deduções. Em um outro sentido, é também parte do cérebro, naquilo que está ligado à capacidade de aprender, e então de usar o que foi aprendido. Assim, um intelecto pode ter habilidades em diferentes vertentes, pois uma pessoa pode ser boa em matemática e outra pode ser excelente em escrita criativa. É importante reconhecer que o intelecto nunca pode descobrir qualquer coisa no que diz respeito às coisas divinas: ele pode deduzir conclusões corretas, mas jamais pode ir além disso. O homem, quanto a sua mente e intelecto, é sempre um descobridor, nunca um criador. Ele pode usar seu intelecto para raciocinar com conhecimento e assim chegar a conclusões corretas, mas o próprio conhecimento é sempre o produto do testemunho ou da experiência.

A Carne

Outro termo que precisamos definir é o que as Escrituras chamam de “carne”. A palavra é usada de várias maneiras na Palavra de Deus. Às vezes é usada simplesmente para indicar o corpo como algo distinto da alma e espírito, como por exemplo em 1 Coríntios 15:50, onde nós é dito: “A carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus”. A palavra pode também ser usada para descrever a natureza humana em geral – o homem em todo o seu ser. Referindo-se à encarnação, lemos que “Deus se manifestou em carne” (1 Timóteo 3:16), e certamente isto implica mais do que simplesmente o fato de que o Senhor Jesus tomou um corpo. Ele teve uma alma e espírito humano (sem pecado), pois Ele foi um homem em todo o sentido da palavra. Do mesmo modo, quando Pedro e os outros caíram no sono no jardim de Getsêmani, o Senhor pôde dizer: “O espírito está pronto (disposto), mas a carne é fraca” (Mateus 26:41). O “eu” consciente de Pedro desejava seguir o Senhor, mas ele não percebeu a fraqueza de sua carne natural. Todo o seu ser natural estava envolvido nessa fraqueza, e não apenas seu corpo. Mas a palavra é também usada para descrever aquele ego pecaminoso que o homem adquiriu quando caiu – a natureza pecaminosa do homem que não pode fazer nada além de pecar. Assim lemos em Romanos 7:18: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum”. Paulo pôde dizer aos gálatas: “Porque o que semeia na sua carne, da carne ceifará a corrupção” (Gálatas 6:8). William Kelly faz os seguintes comentários no que concerne ao termo “a carne”:

Eu emprego a expressão ’natureza humana’ de forma abstrata para a humanidade, sem questionar o estado em que foi originalmente criada ou no qual rapidamente caiu. Nesse sentido a palavra ’carne’ é às vezes usada nas Escrituras simplesmente para se referir à natureza do homem, como em: ”E o Verbo se fez carne“ (João 1:14), ”Deus se manifestou em carne“ (1 Timóteo 3:16), Jesus foi ”mortificado, na verdade, na carne“ (1 Pedro 3:18), ”Jesus Cristo veio em carne“ (1 João 4:2,3, etc.), etc. O sentido doutrinal especial do termo, ao caracterizar a condição moral da raça, particularmente nas Epístolas de Paulo, aponta para o princípio da vontade própria no coração”4

A Vontade

Já vimos que a vontade está conectada ao “eu” consciente – a parte de nós que está acima do espírito, alma e corpo, e que definitivamente é capaz de influenciar e controlar todos os três. A vontade foi afetada pelo pecado, tanto que o homem caído agora tem vontade de fazer o mal. Assim Deus pôde dizer, no que diz respeito à humanidade nos tempos de Noé: “Toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente” (Gênesis 6:5). De fato, todo o exercício da vontade do homem é errado em si mesmo, pois, como criatura, a responsabilidade do homem é a de obedecer.

A palavra usada para o pecado e a iniquidade nas Escrituras pode realmente ser traduzida como “desobediência” ou “ilegalidade”, simplesmente significando o exercício de uma vontade independente. Uma vontade independente está sempre errada, mesmo quando estiver fazendo coisas que possam não ser erradas em si mesmas. Mas essa vontade sempre vai querer fazer o mal, por causa da natureza pecaminosa do homem. O crente possui uma nova vida em Cristo, uma nova natureza que deseja agradar a Deus. Assim em 1 Pedro 4:2 lemos que “as concupiscências dos homens” contrastam com “a vontade de Deus”.

Pelo fato da vontade ser afetada por nosso ego pecaminoso, “a carne”, como nos dizem as Escrituras, vemos que a mente também é afetada. Colossenses 2:18 fala de alguém que está “debalde (em vão) inchado na sua carnal compreensão (mente)”, enquanto Romanos 8:7 nos lembra que “a inclinação (mente) da carne é inimizade contra Deus”. Paulo pôde falar sobre como eram os efésios antes de serem salvos: “fazendo a vontade da carne e dos pensamentos (mente)” (Efésios 2:3). A mente foi feita serva de nossa natureza pecaminosa, e Satanás usa as cobiças malignas do homem para induzi-lo a cometer pecado.

Possessões Demoníacas

Foi Satanás (disfarçado de serpente) que primeiramente mentiu para Eva e a tentou a desobedecer a Deus ao comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Aprendemos de outras passagens que Satanás já foi, uma vez, um dos anjos de Deus, mas que se rebelou contra Deus, desejando ter um lugar que não lhe pertencia. Outros anjos evidentemente se rebelaram juntamente com ele, de modo que agora há milhares de demônios que constituem as hostes de Satanás. Eles estão constantemente buscando frustrar os propósitos de Deus e frequentemente o fazem vivendo em homens e mulheres, influenciando suas mentes e corpos de uma maneira ruim. Às vezes essa influência maligna envolve a tomada de controle da alma e do espírito humano (e finalmente do corpo) e a produção de sintomas de doença mental.

Há vários exemplos disso nas Escrituras. Em Mateus 17:14–21, temos a história de um garoto que foi possuído por um demônio, e que, como resultado, foi descrito por seu pai como “lunático e [que] sofre muito; pois muitas vezes cai no fogo, e muitas vezes na água”. Quando o Senhor Jesus expulsou o demônio, a criança foi curada. Em Marcos 5:1–20 lemos a história de um homem que estava possuído por demônios, e que vivia entre as tumbas, nu, gritando e se cortando com pedras. Quando Jesus expulsou os demônios, ele apareceu “vestido e em perfeito juízo” (Marcos 5:15).

Houve muitos outros relatos de testemunhas oculares que contam daqueles que agiram de modos muito anormais, evidentemente por causa da influência de demônios que os possuíram e perturbaram. Muitas vezes as alucinações e comportamento bizarro exibidos por essas pessoas é atribuído a outras causas, até que a verdadeira natureza do problema é reconhecida. Pessoas em países africanos e asiáticos sabem bem como feitiços e macumbas podem afetar não apenas o corpo, como também a mente das pessoas. Um psiquiatra americano, que trabalhou no Zimbábue por um ano, relata o seguinte, no que diz respeito a um paciente que ele foi chamado a tratar (o termo “irmã” refere-se simplesmente a uma enfermeira):

“’Você consegue entender o que ela está dizendo, Irmã?’

“’Sim, algumas coisas’, respondeu a Irmã Chimhenga. ’Amai está dizendo que sua bisavó, Ambuya Zezuru, está falando com ela, e a possuindo. Ela é chamada por Ambuya para sofrer por seus pecados.’

“Eu sabia o que a palavra Shona ’ambuya’ significava, e que ’amai’ significava ’mãe’ ou ’patroa’, mas eu não tinha entendido todo o significado cultural da interpretação da Irmã. ’Irmã, me desculpe, mas o que isso tudo significa?’

“’Significa que Amai acredita estar enfeitiçada por sua bisavó, que pode ter sido uma profetiza em seu tempo. Um espírito ancestral importante.’

“’Um feitiço?’

“’Poderia ser’, disse ela, pausando. ’A família dela deve ter pensado assim”’5

Infelizmente, enquanto grande parte do mundo definha em cativeiro nas mãos de tais forças malignas, muitas pessoas nos países ocidentais negam a existência de Satanás. O poder de Satanás está aumentando em países antes considerados cristãos, à medida que Deus e Suas reivindicações estão sendo cada vez mais deixadas de lado. Considere o seguinte incidente que ocorreu na prática de um médico cristão que eu conheço bem:

“Há cerca de seis anos atrás, eu estava entrevistando uma mulher em um quarto de hospital. Ela estava seriamente deprimida e não respondia aos remédios. Enquanto eu lhe fazia perguntas sobre seus pensamentos, ela de repente desenvolveu um olhar ’vidrado’, e eu logo soube que ela não podia mais me ouvir. Ela parecia estar congelada em seus próprios pensamentos enquanto fixava o olhar para o nada. Momentos depois, ela falou com uma voz mecânica e antinatural: ’Deixe ela em paz; ela é nossa!’

Não foi necessário muito discernimento para perceber que eu não estava mais falando com minha paciente e que uma força maligna e sobrenatural tinha empurrado ela para o lado para me intimidar diretamente.”6

Como o médico já tinha percebido nesse caso, os remédios usuais para tratar a depressão não estavam surtindo efeito naquela mulher. Uma força maior do que ela mesma tinha tomado posse dela, e apenas pelo expulsar do demônio ela poderia ser curada. Às vezes, aqueles sob poder demoníaco ouvirão vozes ou verão coisas irreais, e ocasionalmente é difícil saber, ao menos no início, se o indivíduo está sofrendo de uma doença psicótica ou se está experimentando um ataque demoníaco. Às vezes, profissionais que não são crentes não reconhecerão o que está acontecendo e colocarão o paciente sob medicação a princípio, apenas para descobrirem que ela não vai funcionar de forma previsível.

Desde o tempo em que o mundo rejeitou o Senhor Jesus Cristo, as Escrituras chamam Satanás tanto de deus como de príncipe deste mundo (Veja 2 Coríntios 4:4 e João 14:30). Ele é o deus deste mundo religiosamente e seu príncipe politicamente. Ele sabe que é um adversário derrotado, mas neste tempo da graça de Deus, ele continua sendo o “príncipe das potestades do ar” (Efésios 2:2), realizando a sua obra maligna. Ele pode habitar em um incrédulo, assumindo o controle de sua pessoa e o forçando a fazer o que quer que o espírito maligno comande. Embora ele não possa habitar em verdadeiros crentes (porque são habitados pelo Espírito de Deus), ele pode e consegue perturbá-los, especialmente aqueles que podem ter se envolvido com práticas ocultas antes de serem salvos. Ler livros pecaminosos (tais como os pornográficos) ou ocultos, ou assistir a entretenimentos que contenham temas malignos, pode abrir a porta para esses ataques demoníacos. Além disso, envolver-se deliberadamente em práticas ocultas (tais como usar tabuleiros Ouija, cantar chamadas ao mundo espiritual, envolver-se com adivinhos, etc.) pode convidar esses espíritos malignos para nossas vidas.

O único remédio para a possessão demoníaca é a autoridade do Senhor Jesus que pode comandar que um demônio saia da pessoa. O Senhor Jesus fez isso várias vezes durante seu ministério na Terra, e certamente os apóstolos também o fizeram. O Senhor Jesus tornou esse poder disponível a todos os crentes, através de Seu nome. Antes de subir de volta para o céu, o Senhor Jesus disse: “E estes sinais seguirão aos que crerem: Em meu nome expulsarão os demônios” (Marcos 16:17). Agora é possível que demônios sejam expulsos daqueles afligidos por eles por causa do poder no nome do Senhor Jesus. A seguinte história real mostra como isto aconteceu no caso de uma mulher possuída por demônios:

“A senhora K…veio me ver para falar de uma depressão de longa data. Ela estava muito vaga e nervosa durante a primeira parte da entrevista. Após alguns minutos de conversa fiada e questões preliminares ela me disse: ’Estou com dificuldade em te ouvir pois há três pessoas falando comigo continuamente em minha mente.’ Bem, essa era uma experiência nova para mim. Ela claramente não era esquizofrênica, então eu sabia que não se tratava de uma doença psicótica fazendo-a ouvir vozes. Ela estava totalmente sã, embora deprimida.

“Eu não sabia muito bem o que fazer, mas eu me perguntei se ela estaria tendo uma daquelas experiências ocultas que eu tinha passado tantas horas perguntando sobre. Essa interferência tornaria a entrevista muito difícil, então eu fiz uma pausa e fiz algumas notas simples em sua ficha para comprar tempo. Em meu coração eu disse a Deus: ’Eu não sei o que está acontecendo aqui. Se essa mulher está ouvindo espíritos malignos, em nome de Jesus, por favor, cale-os para que eu possa terminar esta entrevista’ .

“Quando, então, eu levantei meus olhos das anotações, ela olhava para mim com uma intensidade que eu não tinha visto nela antes e disse: ’O que você acabou de fazer?’ Eu expliquei que eu tinha apenas anotado sua última fala na ficha. Ela não se contentou com essa resposta e persistiu: ’Não, você fez mais alguma coisa.’ Eu estava confuso naquele momento e novamente afirmei que eu só estava escrevendo em sua ficha, e perguntei o que a fazia pensar que eu teria feito qualquer outra coisa. Sua resposta mudou o curso da minha vida espiritual e profissional quando ela afirmou: ’Você fez algo, pois as vozes pararam pela primeira vez em vinte anos. Elas estão agora se escondendo, e estão com medo de você. O que você fez?’…

Minha mente de repente se abriu para o fato de que sim, de fato, ela estava sã e estava sendo atormentada por vozes de demônios. Eles pararam de falar com ela porque quando eu orei a autoridade de Cristo encheu a sala e eles ficaram com medo…”7

É importante reconhecer o poder demoníaco como uma causa muito real de doença mental, não apenas em tais casos óbvios como o que acabamos de citar, mas também em outras manifestações tais como em padrões de pensamento malignamente distorcidos, insônia, pesadelos e ataques de pânico. Como a Palavra de Deus é abandonada e os valores e princípios cristãos são cada vez mais ignorados, acredito que estamos vendo um aumento na atividade de Satanás em países onde seu poder era anteriormente restringido em grande parte pela luz do Cristianismo.

Para o crente, o melhor antídoto para tais ataques de Satanás é uma vida vivida em comunhão com o Senhor. Os efésios tinham sido pesadamente envolvidos em práticas ocultas antes de ouvirem o evangelho, mas após terem sido salvos foi registrado em Atos 19:19 que “muitos dos que seguiam artes mágicas trouxeram os seus livros, e os queimaram na presença de todos”. Em sua epístola a esses mesmos crentes alguns anos depois, Paulo pôde dizer-lhes: “E não comuniqueis com as obras infrutuosas das trevas, mas antes condenai-as” (Efésios 5:11). Aos colossenses ele pôde dizer: “Ao Pai…o qual nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor”(Colossenses 1:12,13). O crente foi libertado do poder de Satanás, mas se ele persiste em viver uma vida mundana e se ocupa com comportamentos pecaminosos, ele novamente se coloca em uma posição na qual Satanás o pode perturbar. Lembremo-nos que fomos libertos do reino maligno de Satanás, e que somos agora chamados a “andarmos como filhos da luz” (Efésios 5:8). Se obedecermos a essa exortação, não daremos a Satanás a oportunidade de ganhar influência sobre nós.

Comportamento Criminoso

O crente reconhece que todo comportamento criminoso é o resultado da atividade do que as Escrituras chamam de “a carne” – aquele velho “eu” pecaminoso que é parte de nós como filhos de uma raça caída. Novamente, é tudo uma questão de graus, pois o que distingue a atividade criminosa de outros pecados é a transgressão de uma lei conhecida. Como vimos anteriormente, as Escrituras usam a palavra “iniquidade” para descrever o pecado, e essa palavra verdadeiramente significa “ilegalidade”, ou a ação de uma vontade independente. Como tal, o pecado é aquilo que é feito sem referência a Deus, e assim as Escrituras nos dizem que “a lavoura dos ímpios é pecado” (Provérbios 21:4). Não que o ato de lavrar seja em si mesmo pecado, mas sim o fato de que o homem o faz independente de qualquer consideração sobre sua responsabilidade perante Deus. No entanto, Deus instituiu e reconhece o governo na Terra, e governos estabelecem leis de modo a regular a sociedade e reduzir o mau comportamento.

Em alguns indivíduos com doença mental severa, a atividade criminosa ocorre – o que não apenas é anormal, como também causa sérios danos. Em distúrbios de personalidade sérios, particularmente a assim chamada personalidade antissocial, há aqueles que são, às vezes, chamados de “psicopatas”. Esses indivíduos possuem tanto traços de personalidade anormal severa quanto um marcante desvio de comportamento, ainda que muitas vezes pareçam muito normais e totalmente no controle da situação. Eles são geralmente espertos, charmosos e capazes de manipular bem os outros, enquanto por baixo eles permanecem totalmente egocêntricos, cruéis e aparentemente sem sentimentos ou remorso. Eles também são caracterizados pela impulsividade, uma necessidade por excitação, uma falta de responsabilidade, e uma tendência a enganar e mentir com frequência. Deixados a si mesmos, tais indivíduos muitas vezes acabam vivendo uma vida de crime de um tipo ou de outro, cobrindo todo o espectro de coisas desde fraude e peculato até violência, roubo e assassinato a sangue frio.

Tudo isso tem suas raízes no pecado que afetou o indivíduo de uma forma muito severa, agravado em muitos casos por uma educação e uma sociedade que agora não consegue controlar as manifestações exteriores disso. No passado, os efeitos da vida familiar estável, a disciplina firme e os princípios cristãos na sociedade tendiam a controlar tais comportamentos, ao menos em grande medida, mas as duas últimas décadas têm testemunhado um tamanho declínio moral nos países ocidentais que tem havido um marcante aumento de crimes sérios. Mais que isso, tais crimes estão sendo cometidos por crianças em idade cada vez mais jovem, e estamos vendo crianças com menos de dez anos que parecem capazes do tipo de violência estúpida que antes era vista apenas em criminosos adultos endurecidos. Estamos entristecidos com tudo isso, mas não deveríamos estar surpresos, pois quando o homem deixa Deus de lado, Deus pode deixar o homem para que experimente o efeito total do que ele escolheu.

Para piorar o problema, há o fascínio público por tal comportamento, pois o mal é naturalmente atraente para o nosso “eu” pecaminoso. Um artigo de jornal descreveu isso da seguinte forma:

Da malícia leve à criminalidade cruel, a realização de más ações é algo que o resto da população evidentemente deseja conhecer. Esta é uma forma de explicar o porquê do psicopata, a personificação do mal sem remorso, ter tal lugar estabelecido na consciência pública. Somos todos psicopatas debaixo da pele.”8

Tal indivíduo e nossa resposta a ele/ela evidencia tanto o efeito da queda em nós como criaturas de Adão quanto o pecado voluntário. Sem dúvida, o psicopata é geneticamente predisposto à sua estrutura ruim de personalidade, mas então sua vontade toma essa tendência e a permite agir em pecado aberto. Alguns diriam que esses indivíduos nasceram sem uma consciência, uma vez que eles parecem não sentir remorso por seus atos terríveis. Isto não é verdade, pois o homem adquiriu uma consciência (o conhecimento do bem e do mal) quando Adão e Eva comeu da árvore do conhecimento do bem e do mal. A verdadeira raiz do problema é encontrada no Salmo 53:1: “Disse o néscio no seu coração: Não há Deus”. A consciência do homem precisa de luz para funcionar adequadamente, e se Deus e Suas reivindicações são rejeitadas, então o homem se comporta como se não houvesse Deus. Outra pessoa comentou mais habilmente sobre esse versículo:

O segredo desse curso [do homem] é antigo também…todo o caminho do ímpio vem disso. Para ele não há Deus. A fé não existe, e Deus não é visto. Esse é o segredo de todo o erro na prática e no raciocínio humano. Quanto mais examinamos todo o curso da ação humana, as falhas de nós cristãos, os vários devaneios da filosofia, mais descobriremos que a negação de Deus está na raiz de tudo. Aqui temos o caso em que a consciência não percebe Deus. O coração não tem desejo por Ele, e a vontade funciona como se não houvesse ninguém. O homem assim diz (que não há Deus) em seu coração. Por que ele diria isso? Porque sua consciência lhe diz que, sim, existe. Sua vontade não quer que Ele exista; e, como Deus não é visto em Seus trabalhos, a vontade vê apenas o que quer. Deus é posto de lado, e toda a conduta está sob a influência da vontade, como se Deus não existisse”9

A crescente tolerância e até admiração de outros por alguns desses traços tem, de fato, sérias implicações, e veríamos o ápice disso se o Senhor nos deixasse aqui por um pouco mais de tempo. Enquanto a personalidade e comportamento dos assim chamados psicopatas possa ser extrema, devemos nos lembrar das solenes palavras das Escrituras: “Como na água o rosto corresponde ao rosto, assim o coração do homem ao homem” (Provérbios 27:19). O artigo do jornal se expressou bem quando comentou que todos somos psicopatas debaixo da pele. Os “tempos trabalhosos (perigosos)”mencionados em 2 Timóteo 3 e nos quais estamos agora vivendo, sem dúvida, verão uma prevalência crescente de tais comportamentos pecaminosos, e culminarão na completa anarquia após a Igreja ser chamada para o lar.

Embora possamos deplorar essas horríveis exibições do “eu” pecaminoso do homem que estamos testemunhando hoje, lembremo-nos que, como o escritor citado acima diz, o segredo de todo o erro em nós, mesmo como crentes, é o fato de pensarmos e agirmos independentemente de Deus. Que possamos ser mantidos perto daquEle que não apenas nos fez, como também enviou Seu Filho, “o qual se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau” (Gálatas 1:4). Fomos moralmente libertos disso; logo seremos fisicamente libertos disso, na vinda do Senhor. “Ora vem, Senhor Jesus” (Apocalipse 22:20).

Por W. J. Prost

 

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