DONS ESPIRITUAIS

Leitura: 1 Coríntios 12:1 - 14:40.
 
 
A Variedade dos Dons Espirituais (11.1-11)
 
"Acerca dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes.
Vós bem sabeis que éreis gentios, levados aos ídolos mudos, conforme éreis guiados.
Portanto vos quero fazer compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é anátema, e ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo.
Ora há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo.
E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo.
E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.
Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil.
Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência; E a outro, pelo mesmo Espírito, a fé; e a outro, pelo mesmo Espírito, os dons de curar; E a outro a operação de maravilhas; e a outro a profecia; e a outro o dom de discernir os espíritos; e a outro a variedade de línguas; e a outro a interpretação das línguas.
Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer."
 
Esta longa seção (12:1-14:40) é composta de seis divisões (veja Introdução). A primeira divisão (vs. 1-11) pode ser subdividida da seguinte maneira:
 
a) O Senhorio de Cristo vs. 1-3;
b) A Atividade da Divindade vs. 4-6;
c) Os Dons do Espírito vs. 7-11.
 
Devemos notar que, no capítulo 12, os próprios dons são apresentados; no capítulo 13, aquilo que é necessário para que os dons operem em harmonia, isto é, o amor; no capítulo 14, vemos os dons em operação. É importante explicar que, enquanto o Espírito é mencionado nove vezes no capítulo 12, Ele não é mencionado nenhuma vez no capítulo 14. No capítulo 12, Ele é visto como sendo a fonte, o poder e administrador dos dons, enquanto que no capítulo 14 a pessoa que recebe o dom é inteiramente responsável pelo seu uso.
 
1. Este versículo mostra como os coríntios precisavam de esclarecimento; v. 2 salienta que, nos dias antes da sua conversão, eles estavam em servidão;  o v. 3 indica que a verdadeira confissão do Senhorio de Cristo somente pode ser feito sob o controle do Espírito Santo. "Acerca dos" faz-nos lembrar do uso anterior destas palavras, em 7:1 e 8:1; veja a Introdução sob o cabeçalho A Ocasião e o Propósito em Escrever. A palavra "dons" não consta no texto original. A maioria dos tradutores insere a palavra "dons" porque o adjetivo "espirituais" (pneumatikos) está no plural, e porque o assunto dos dons começa no V. 4. R. Young traduz:
"coisas espirituais"; J. N. Darby: "manifestações espirituais"; talvez "realidades espirituais" seria mais apropriado nesta passagem.
 
2. Paulo lembra-lhes da sua origem, a fim de enfatizar a liberdade que agora gozavam em Cristo, e a riqueza da generosidade de Deus, demonstrada na variedade dos dons que possuíam. Antigamente eram idólatras, enganados, cativos, fracos, desamparados e escravizados.
Não havia nenhuma liberdade de escolha; estavam oprimidos, dominados por um poder maligno. Este poder não é identificado, mas evidentemente Paulo está pensando nas atividades malignas dos demônios, capacitados e controlados por Satanás. Esta é a resposta à objeção dos ímpios que dizem que o cristianismo é restritivo, e que não querem perder sua liberdade, tornando-se cristãos. O contrário é a verdade. Não são livres, mas sim, cativos e enganados; veja Tito 3:3. "ídolos mudos" dá ênfase a sua incapacidade de falar, sua falta de comunicação; eles são mudos. Veja o Salmo 115:4-8, especialmente o v. 5. Não podem comunicar palavras de consolo e perdão, e são um contraste nítido com o Deus vivo e verdadeiro, que se deleita em falar, e com o Espírito Santo que energiza os dons que comunicam a verdade. Paulo passa a contrastar a nova esfera que agora ocupam, onde Deus, Cristo e o Espírito Santo dominam.
 
3. Paulo está, claramente, dando-lhes um critério pelo qual poderiam reconhecer a voz do Espírito de Deus. Os recém convertidos não teriam experiência alguma de tais comunicações, e a lastimável condição espiritual da maioria dos outros os tornariam insensíveis à Sua orientação. Porém o contraste é impressionante: "Jesus é anátema"; "Jesus é o Senhor". É claro e explícito que o Espírito Santo, falando através dos homens, dará glória a Cristo, e reconhecerá a Sua supremacia como Senhor. O Espírito sempre há de exaltá-Lo. É possível que estes fossem dois lemas, um usado pelos inimigos de Cristo, e o outro pelos Seus seguidores. É difícil aceitar que qualquer verdadeiro cristão diria: "Jesus é anátema". Pode ser que, numa reunião da igreja, um judeu se tivesse levantado e exclamado: "Jesus é anátema", e um cristão piedoso respondido: "Jesus é o Senhor". Mais tarde, em dias de perseguição, os inimigos do Evangelho tentariam obrigar os cristãos a renunciar a sua fé, dizendo:
"César é senhor", e o teste supremo para determinar se uma pessoa era cristã ou não, seria ver se ele pudesse ser forçado a dizer: "Jesus é anátema". O que se enfatiza aqui é que somente o Espírito de Deus pode capacitar uma pessoa a descobrir e exclamar, em verdade: "Jesus é o Senhor". Nós pertencemos à esfera onde a igreja reunida reconhece o Senhorio Soberano de Jesus, como proclamado e interpretado pelo Espírito Santo.
 
4-6. Agora chegamos à atividade da Divindade, o controle soberano das Pessoas divinas em relação a toda a esfera de serviço. Sua unidade de propósito é enfatizada. Três palavras são usadas para indicar os dons, considerando-os de diferentes pontos de vista: dons, ministérios e operações.
Os dons são dons da graça, dados aqui pelo Espírito de Deus.
São evidências da graça de Deus, e da soberania do Espírito Santo, e fornecem a capacidade necessária para servir a Deus, abençoar o Seu povo, e não causar divisões entre eles.
Os ministérios indicam diferentes formas de serviço, todos efetuados e regulados pela direção do Senhorio de Cristo, e todos exercitados para o benefício dos outros.
As operações são poderes ou energias fornecidos, tendo em vista a-realização da obra. Deus é quem dá todo o poder e torna tudo eficaz.
A revelação destas coisas deve manter-nos humildes, reconhecendo que tudo é de Deus, e que somos privilegiados ao sermos os objetos desta atividade divina. A manifestação de tais dons numa igreja local deve fazer-nos reconhecer a graça da Divindade, ao manifestar a Sua presença entre nós. Observe a referência a cada Pessoa da Trindade nestes versículos: "o Espírito é o mesmo"; "o mesmo Senhor" e "o mesmo Deus". Sem considerar a natureza passageira dos dons dados como sinal (este assunto será abordado depois), a operação destas Pessoas divinas ainda continua no exercício dos dons, na igreja local.
 
7. Este versículo inicia o parágrafo (vs. 7-11) que trata de alguns dos dons do Espírito. Há mais duas passagens principais que tratam dos dons espirituais: Rom. 12 e Ef. 4. Em Rom.12, Deus é quem os dá (v. 3); Em Ef. 4 o Senhor ressurrecto "deu dons aos homens" (v. 8); aqui é o Espírito Santo quem os dá. Nove dons são mencionados aqui, entre os quais os dons milagrosos e de sinal são muito destacados. Em Rom. 12:6-8, somente sete dons são mencionados, e somente inclui um dos nove mencionados aqui. A lista em Ef. 4: 11 é ainda mais curta; cinco (alguns julgam que há apenas quatro) são especificados, apenas um dos quais se encontra também em nosso parágrafo ("profetas" é paralelo com "profecia" do V. 10, aqui).
As diferenças são muito importantes, como veremos mais tarde ao tratarmos dos dons dados como sinal. Devemos observar que enquanto antes, nos vs. 4-6, Paulo usou plurais ao falar de dons ("dons ... ministérios ... operações"), neste versículo ele usa o singular: "manifestação". Ele desenvolve a idéia através dos plurais, e então concentra tudo num singular. Não são apenas alguns que recebem os dons, mas eles são distribuídos a cada um, e deste modo o Espírito se manifesta a Si mesmo para benefício de todos. O benefício será visto no desenvolvimento do caráter espiritual nos santos; há de aumentar-lhes o conhecimento e utilidade; trará à luz a capacidade de liderança (que não é produzida por freqüentar seminários ou colégios) ao estarem sob a influência do ensino da Palavra, sendo sensíveis a ela; e promoverá o amor e unidade na igreja local.
 
8-10. Antes de definir os nove dons, vamos notar que a palavra "outros" (heteros), entre o segundo e terceiro dons e entre o sétimo e oitavo, quer dizer "de espécie diferente". Isto divide os dons em três grupos. Vamos agora apresentá-los quanto ao seu significado, tendo em mente o seu caráter sobrenatural, e a grande probabilidade de que estivessem operando nos tempos primitivos da igreja a fim de manifestar o poder de Deus na nova ordem que fora estabelecida. O novo começo trouxe à luz novas manifestações do poder de Deus. Nenhum destes dons opera no dia de hoje.
 
A Palavra da Sabedoria, a Palavra da Ciência: É correto estes dois dons estarem juntos, pois operaram somente naquele tempo.
Convém reconhecer que naqueles tempos estas igrejas não tinham o NT, para onde pudessem recorrer para receber orientação. Deus providenciou estes dons a fim de suprir a necessidade desta situação.
"Palavra" aqui significa "expressão"; eram dons que envolviam comunicação. Em qualquer situação, onde surgisse a necessidade de se ter uma percepção profunda, para resolver um problema, um irmão se levantaria para fazer conhecida a mente de Deus, que lhe fora revelada. "Ciência" não se refere ao conhecimento adquirido através de estudo, mas sim ao que foi divinamente revelado para suprir a necessidade do momento. Um exemplo disso se vê no conhecimento concedido a Pedro em Atos 5:3-4. Hoje em dia a Palavra de Deus é o suficiente.
 
Fé: É claro que este dom não é aquilo que chamamos de fé salvadora, nem a fé e confiança que exercemos diariamente. Aqui, está intimamente associada com curas e milagres, e o contexto mostra que esta fé era divinamente dada, e era necessária para que o dom milagroso operasse. Pondere atentamente Mateus 17: 14-21 e 21: 17-22. Em cada um destes acontecimentos, o Senhor repreende os discípulos por causa de sua falta de fé. Este dom de fé pode transportar montes. Observe a ligação entre Mateus 17:20; 21 :21 e I Cor. 13:2.
Este dom forneceu a fé especial que era necessária para o exercício dos dons de curas e da operação de maravilhas, para que homens pudessem realizar aquilo que era humanamente impossível.
 
Dons de curar: A palavra (no grego) está no plural: "curas".
Os Evangelhos estão repletos de exemplos disto, como também o livro de Atos. Observe atentamente a expressão: "dons de curas"; ambas as palavras estão no plural. Isto indica que cada caso de cura manifestava uma operação distinta do dom. Este dom não está operando hoje em sua plenitude, variedade e perfeição, como nos dias do Senhor e dos apóstolos e outros, mencionados aqui. Com a passagem do tempo, tornou-se claro que o dom estava diminuindo. O espinho na carne de Paulo, o problema de estômago de Timóteo, a enfermidade de Trófimo, e a doença de Epafrodito, não foram tratados imediatamente com poder apostólico. Em Tiago 5: 13 etc., nenhum apóstolo, ou outro irmão com o dom de curar, deveria ser chamado, porque o caso envolvia uma questão de pecado; era para chamar os anciãos, os quais, coletivamente, não tinham recebido este dom. Convém dizer que cremos que Deus pode curar hoje, e que Ele tem feito isto; a questão é que isso não é o normal, e Deus não prometeu que seria. Estes poderes estavam operando plenamente a fim de demonstrar que a nova obra era de Deus.
 
Operação de Maravilhas: observe os plurais outra vez: "operações de milagres" (ARA). Estão em contraste com as curas que Paulo acabou de mencionar. São demonstradas no ministério do Senhor: transformando água em vinho (João 2); alimentando os cinco mil (João 6); acalmando a tempestade (Marcos 4). Nos Atos, há também tais operações: a ressurreição de Dorcas (cap. 9); a cegueira de Elimas (cap. 13), um milagre judicial; a ressurreição de Eutico (cap. 20). Atos 19:11 nos diz que Paulo fazia maravilhas extraordinárias, inclusive expulsar espíritos malignos.
 
Profecia: Este dom estava em segundo lugar de importância, depois do dom do apóstolo (veja o v. 28), e ambos eram de caráter fundamental. O profeta falava por revelação direta de Deus, seja em doutrina fundamental, ou seja em suprir a necessidade duma situação específica, dando, em ministério, a mente de Deus para aquele tempo presente. Não existem profetas hoje, neste sentido. O ensinador, em contraste, ministra das Escrituras, já completas. Qualquer grupo que diz ter profetas hoje, indica que Deus ainda está revelando-Se, e nega que a Bíblia seja a revelação completa de Deus. 2 Ped. 2: 1 indica que os profetas foram substituídos pelos ensinadores.
 
Discernimento dos Espíritos: Isto se refere ao dom de discernir se a mensagem era do Espírito Santo, ou se era de um espírito maligno, apresentada de tal maneira a parecer vir de Deus. Uma ilustração disto se encontra em Atos 16:16-18, onde a mensagem pronunciada pela jovem parecia genuína, mas Paulo discerniu que ela estava endemoninhada. Paulo, no v. 3 deste capítulo, e João, em I João 4:2-3, dão testes para descobrir a origem de qualquer ensino.
Porém, parece que este dom era dado para discernir o espírito atrás da mensagem quando, aparentemente, parecia ser genuíno, como em Atos 16.
 
Línguas: Cremos que estas eram línguas naturais. Há muita polêmica sobre a questão de serem somente palavras extáticas, ou se Atos se refere a línguas naturais e I Coríntios se refere a palavras extáticas, ou se em todas as ocasiões, trata-se de línguas naturais.
Nós defendemos esta última opinião. O Senhor prometeu, em Marcos 16: 17, que o dom de línguas seria um dos sinais: "Falarão novas línguas" - não novas em relação a tempo, mas novas para quem falasse. Como foi a promessa, assim foi o cumprimento: a promessa falou de línguas dos homens, o cumprimento foi línguas dos homens também, tanto nos Atos, nas três ocasiões mencionadas (capítulos 2, 10 e 19), como também em I Coríntios, nos três capítulos que as mencionam (capítulos 12, 13, 14). É essencial que nosso entendimento da natureza do dom de línguas provenha das Escrituras, e não do culto yagão, nem das chamadas manifestações do dom, no dia de hoje. E claro que algum tipo de linguagem incompreensível não seria sinal algum. O irmão que exercia este dom falava numa língua diferente da sua língua materna, ou da que houvesse aprendido depois. Ele não era lingüista. "Variedade de línguas", indica que o mesmo irmão poderia falar em mais de uma língua. Depois, vamos observar a probabilidade clara de que junto com o dom de línguas era dada a capacidade para compreender aquilo que era falado.
 
Interpretação de Línguas: Este também era um dom, e sendo assim não pode referir-se à capacidade lingüística de algum irmão presente na reunião que o capacitaria a traduzir; isto seria um dom natural, e não espiritual. Depois de um irmão falar numa língua estrangeira, um outro irmão, com este dom, se levantaria e interpretaria a mensagem. De acordo com 14: 5, 13, o mesmo irmão que fala em línguas deve orar pelo dom de interpretar, assim, ambos os dons poderiam ser exercidos pela mesma pessoa. Se não houvesse alguém presente que tivesse o dom de interpretar, o dom de línguas não deveria funcionar (14:28). Alguns podem pensar que se tivesse alguém presente que falava em outra língua e a entendesse, poderia interpretá-Ia. Não é verdade. Vamos citar J.Heading: "Interpretação é uma capacidade além da capacidade de falar". Sua observação apropriada sobre este assunto é muito instrutiva; veja as págs. 201-202 de First Epistle to the Corinthians 11. Este versículo salienta que todos estes dons não somente tem a sua origem no Espírito de Deus, mas que também operam pelo Seu poder. A "operação" (energeo), atribuída aqui ao Espírito Santo, vem da mesma raiz da palavra "operações" no v. 6. Aquilo que se atribui a uma Pessoa da Trindade é freqüentemente atribuído também a uma outra Pessoa. Três coisas são observadas, aqui, com respeito ao Espírito Santo: Sua vontade, Sua distribuição, e Seu poder.
Observe que Sua vontade controla a Sua distribuição. Ele é quem escolhe o dom que há de dar a cada pessoa, segundo o conhecimento que Ele tem dos poderes e capacidades dela. Então Ele ativa, no Seu infinito poder, todos estes dons em suas variedades e formas.
Cada um deve sua origem e função e utilidade a um só e ao mesmo Espírito. Isto deve convencer a todos nós que não há lugar para reclamações, nem jactância, nem inveja, nem rivalidade. Tudo é segundo a Sua vontade, e não segundo os nossos desejos. Cada dom é, igualmente, uma manifestação do Espírito.
 
NOTAS ADICONAIS
 
1 "Não quero ... que sejais ignorantes" é uma frase que Paulo usa quando quer frizar certos assuntos aos seus leitores. Veja 10:1; 12:1; Rom. 1:13; 11:25; II Cor. 1:8; I Tess. 4:13.
5 "Jesus é Senhor". Nenhum dos discípulos jamais chamou o Senhor pelo nome Jesus. Numa passagem impressionante, João 13:25 - 14:22, cinco de Seus discípulos, João, Pedro, Tomé, Filipe e Judas, não o Iscariote, todos dirigem-se a Ele como Senhor.
4·6 Observe a palavra "diversidade" (diairesis) nos vs. 4, 5 e 6. Esta palavra destaca não somente a variedade, como também a distinção de cada dom .
7-11 Observe como a unidade do Espírito é enfatizada. A expressão "o
mesmo Espírito" ocorre quatro vezes (vs. 8, 9, 11), e "um só Espírito" uma vez (v. 11).
8-9 Devemos notar que a preposição "pelo", usada nestes versículos, é a tradução de três preposições diferentes no grego. No V. 8a, "pelo" é dia; V. 8b, "pelo" é kata; V. 9, "pelo" é en. A primeira preposição, dia, destaca a agência ou mediação do Espírito; a segunda, kata, Sua determinação ou vontade; a terceira, en, Seu poder.
 
O Corpo e Seus Membros (vs.12-27)
 
"Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também.
Pois todos nós fomos batizados em um Espírito formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito.
Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos.
Se o pé disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; não será por isso do corpo?
E se a orelha disser: Porque não sou olho não sou do corpo; não será por isso do corpo?
Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde estaria o olfato?
Mas agora Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis.
E, se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo?
Agora pois há muitos membros, mas um corpo.
E o olho não pode dizer à mão: Não tenho necessidade de ti; nem ainda a cabeça aos pés: Não tenho necessidade
de vós.
Antes, os membros do corpo que parecem ser os mais fracos são necessários.
E os que reputamos serem menos honrosos no corpo, a esses honramos muito mais; e aos que em nós são menos decorosos damos muito mais honra.
Porque os que em nós são mais honestos, não têm necessidade disso, mas Deus assim formou o corpo, dando muito mais honra ao que tinha falta dela; Para que não haja divisão no corpo, mas antes tenham os membros igual cuidado uns dos outros.
De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos
os membros se regozijam com ele.
Ora vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular."
 
Esta seção pode ser dividida em dois parágrafos: o primeiro trata do Batismo no Espírito (vs. 12-13); o segundo do Funcionamento dos Membros (vs. 14-27). O conteúdo do primeiro é doutrinário, a aplicação do segundo é prática. Vamos considerar agora o primeiro.
 
12. É claro que o corpo mencionado é o corpo humano, e que a ênfase da ilustração é unidade ("um") e diversidade ("muitos", "todos"). "Assim é o Cristo também" indica que é uma comparação com o Corpo de Cristo. Aqui, Ele dá o Seu nome ao Corpo, declarando assim a união vital entre Cristo e o Seu povo. É a Igreja inteira que está em vista, a Igreja dispensacional. Como ela veio a existir se explica no V. 13.
 
13. Por Cristo "todos nós fomos batizados em (no poder de) um Espírito formando um corpo". "Batizados" está no tempo aoristo (no grego), que não somente relembra um ato, mas considera o ato como completo, já realizado. Este verbo "batizado" se refere, portanto, ao dia de Pentecostes, e dá-nos a explicação doutrinária daquele acontecimento. Todas as referências a este batismo tinham em vista o dia de Pentecostes, no futuro (Mat. 3: 11; Marcos 1:8; Lucas 3:16; João 1:33; Atos 1:5), ou no passado (Atos 11:15; I Cor. 12: 13). Além disso, "batizados" liga-se com o que aconteceu em Atos 2, onde lemos que o Espírito encheu a casa (v. 2). Foi literalmente um batismo. O Espírito Santo tinha vindo em cumprimento à promessa do Senhor nos Evangelhos (João 14:26; 15:26; 16:7), para formar o corpo de Cristo. Aqueles que estavam presentes foram realmente batizados no elemento, o Espírito. Pela descida do Espírito Santo todos foram batizados em um corpo. Quando Paulo diz "nós", ele está pensando na Igreja inteira, em contraste com "vós" no V. 27, que se refere à igreja local. Não é verdade que as palavras de João Batista, nos Evangelhos, indicam que todos os que ele batizou em água seriam batizados também no Espírito (Marcos 1 :8)? Na mente de Deus, todos os cristãos foram vistos como batizados. É essencial ver que o Espírito Santo desceu uma s6 vez. Sua vinda foi única e final. Foi única, porque nunca acontecera antes; foi final, porque nunca acontecerá outra vez, desta maneira. Houve somente um batismo desse tipo. Este foi o dia do nascimento da Igreja. Nós falamos dos nossos aniversários, mas de fato temos um só dia de nascimento, o resto são apenas aniversários. Os cristãos não são batizados desta maneira na conversão; mas entram no benefício daquilo que aconteceu em Pentecostes. Não existe nenhuma Escritura que diz que o cristão é batizado no Espírito na conversão.
As palavras que se usam com respeito àquilo que o Espírito Santo faz na conversão são "habitar", "ungir", "selar", "penhor", mas não batismo. No término de Atos 2, três mil almas foram salvas e receberam o Espírito Santo sem qualquer evidência externa. Não houve nenhum fenômeno. O Espírito veio habitar neles, como Ele habita em nós, pois agora nenhum cristão tem a experiência dos primeiros versículos de Atos 2. Isto demonstra que a experiência dos três mil no término do capítulo é o normal, e destaca a singularidade e finalidade dos primeiros versículos. Os três mil, porém, foram associados com a companhia original batizada no Corpo de Cristo. Foi assim conosco, quando nos convertemos. Entramos nos benefícios do derramamento do Espírito Santo feito uma vez por todas. Esta associação com a experiência de uma companhia original é bíblica. Na história de Israel, citada no capítulo 10, observamos que "todos foram batizados em Moisés ... e todos ... beberam duma mesma bebida espiritual". Este batismo foi coletivo e nacional e nunca foi repetido; também foi posicional e algo realizado por Deus, do qual não estavam cônscios. Em contraste com isto, o beber foi individual; foi algo que fizeram por si mesmos. Qualquer pessoa que nasceu mais tarde não teve a experiência inicial do batismo, mas bebeu da água. Assim foram associados com a experiência dos primeiros.
Portanto o batismo na nuvem é uma ilustração do batismo no Espírito, enquanto o beber da bebida espiritual corresponde ao beber de um Espírito. Em Amós 2:10, Deus falou à geração de que Amós fazia parte: "Também vos fiz subir da terra do Egito, e quarenta anos vos guiei no deserto, para que possuísseis a terra do amorreu". Porém, esta geração nunca tinha estado no Egito, nem no deserto, nem fora conduzida na terra. É verdade, mas estavam associados com os que tinham passado por tudo isso, os primeiros. O que foi verdade com respeito a eles, foi verdadeiro com respeito à geração de Amós também. Assim nós temos entrado na realidade daquilo que aconteceu em Pentecostes. Lemos em João 1:29 acerca do "Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo". Isto antecipou o Calvário. Em João 1:33 diz-se a respeito de Cristo: "esse é O que batiza no Espírito Santo". Isto antecipou o dia de Pentecostes. Assim como nós entramos no benefício do Calvário na ocasião da nossa conversão, assim também entramos no benefício de Pentecostes. Se não há nenhum problema com respeito ao primeiro, onde está a dificuldade quanto ao segundo? Além disso, quando Adão caiu, a raça inteira caiu com ele; quando nós nascemos, entramos nos efeitos da Queda. Assim Cristo batizou a Igreja inteira em um Corpo; quando nós nascemos de novo, entramos em todos os benefícios deste ato. A Igreja inteira estava lá em prospecto, vista como um só Corpo, e habitada pelo Espírito Santo.
O ensino dos pentecostais sustenta que o Batizador, aqui, seria o Espírito Santo, pois consideram este versículo diferente das outras seis referências citadas anteriormente, onde se afirma que Cristo é o Batizador. Ensinam que, neste versículo, todos são batizados pelo Espírito em um corpo, mas nem todos têm sido batizados com o Espírito Santo. Se as outras seis referências indicam claramente que Cristo é o Batizador, normalmente se entenderia que na sétima, seria Q mesmo. Cabe aos que pensam de outra maneira mostrar as provas.
Mas, pensando nisso com atenção, eles verão que o Espírito não pode ser o Batizador. Em qualquer batismo quatro coisas são necessárias.
Tem que haver um batizador, a pessoa sendo batizada, o elemento em que o batismo se realiza, e a razão pelo batismo. Ora, neste versículo (v. 13) o Batizador é Cristo, os batizados são todos os cristãos, o elemento é o Espírito Santo, e a razão se resume na expressão "formando um Corpo". Se afirmarem que o Espírito, e não Cristo, é o Batizador, então o elemento é removido. Mas não é possível realizar um batismo sem um elemento. Portanto, essa teoria tem que ser rejeitada.
Este versículo afirma também que todos os cristãos têm sido batizados no Espírito, o que contradiz o ensino deles, que diz que apenas alguns cristãos têm-no recebido. Além disso, todos são unidos por este batismo em um corpo, enquanto que o ensino deles divide os cristãos em dois grupos, os que têm experimentado o batismo e
os que não o têm. Finalmente, "e todos temos bebido de um Espírito" se refere à recepção do Espírito, na conversão.
Gramaticamente, a presença de dois verbos aoristos no mesmo versículo não exige, necessariamente, que se refiram ao mesmo acontecimento.
"E" introduz uma nova declaração, que ajuda-nos a entender como entramos nos benefícios das declarações anteriores. F. L. Godet comenta isto na sua exposição: "Kai, 'e', indica um fato novo. Se a segunda proposição somente servisse para reafirmar, de outra forma, a idéia da primeira, haveria um assíndeto". Paulo está olhando para traz, como nós também devemos fazer; e é por esta razão que ambos os verbos, "fomos batizados" e "temos bebido", são aoristos (no grego). Referem-se à mesma verdade, mas em tempos diferentes. Em primeiro lugar, "fomos batizados" destaca o que aconteceu no dia de Pentecostes; em segundo lugar, "temos bebido" destaca o que aconteceu na ocasião de nossa conversão, quando entramos na realidade disto. O versículo inteiro ensina que o que aconteceu em Pentecostes foi realizado na nossa conversão, e foi a experiência dos três mil, como temos observado. Esta também foi a experiência de Comélio e sua família. Ao falar disto, em Atos 11:15-16, Pedro se refere a este aspecto da recepção do Espírito.
 
14-16. Agora chegamos à parte muito prática onde, pela ilustração do corpo humano, ele mostra o absurdo de divisão entre os cristãos numa igreja local (v. 27), pois estar em conflito uns com os outros destroe aquela unidade que é tão necessária para se manter o testemunho.
 
Vamos observar:
a) O Perigo de Inveja vs. 14-16
b) O Perigo de Monopólio vs. 17-20
c) O Perigo de Interdependência vs. 21-22
d) A Necessidade de Consideração Compassiva vs. 23-26
e) A aplicação e o Desafio v. 27
 
O V. 14 destaca a multiplicidade dos membros, e a necessidade de todos funcionarem. A variedade dos órgãos e a singularidade de função são a essência da vida. No v. 15, ouvimos o pé reclamando, ao considerar a mão, com inveja. Ocupando um lugar mais baixo do que qualquer outro membro, suportando o peso de todos os demais, e cônscio das condições desagradáveis ao seu redor enquanto trabalha despercebido, a maior parte do tempo, ele está cônscio da destreza da mão com seus movimentos hábeis, e sua capacidade de realizar tantas tarefas com habilidade. Estes pensamentos sobre sua sorte tão infeliz logo produzem insatisfação, e então o pé expressa sua inveja e descontentamento, por declarar que não é mais membro do corpo, e assim recusa trabalhar. No V. 16, o ouvido reclama; de formato feio, escondido no lado do rosto, também quase despercebido
enquanto desempenha sua tarefa tão importante, ele observa o olho, colocado em lugar de destaque à frente; nota a versatilidade de suas funções, nota como transmite constantemente ao cérebro tudo que observa, notando sua alegria por ser a parte mais inteligente do rosto. O ouvido acha que sua função não é nada em comparação com a do olho, e assim resolve que ele também deixará de trabalhar. O ensino é claro. Os membros são variados, mas todos são necessários. A repetida pergunta dá ênfase à lição: "Não será por isso do corpo?" Mesmo se recusar trabalhar, ainda será uma parte do corpo. Algumas vezes, na vida de uma igreja local, somente percebemos a presença de inveja e descontentamento quando algum irmão deixa de participar na obra e adoração do Senhor. Quão petulantes e invejosos nos tomamos! Também, pode ser que um irmão fica consciente de que o seu dom não é tão óbvio, ou público, como o do outro, e assim ele começa a sentir que tem tão pouca importância que ninguém sentirá a sua falta. Eu tenho tão pouco a oferecer, por que me esforçar para participar? Vamos aprender esta importantíssima lição: recusar trabalhar não nos absolve da responsabilidade.
Temos que contribuir com a nossa cota, e funcionar segundo a intenção divina.
 
17-20. Observamos, no V. 17, que se os membros adotarem esta atitude, seria como se fossem eliminados do corpo. Visto que nenhum membro tem o monopólio de função, nem pode adquirir as funções do outro, o corpo deixaria de ser um organismo complexo com uma variedade de funções, e se tomaria um corpo de um órgão só, que não poderia mais funcionar, segundo o plano. O v. 18 nos leva, em pensamento, dos membros para o Criador do corpo; a colocação dos membros foi conforme a sabedoria de Deus; cada um sendo perfeitamente adaptado e apropriadamente colocado para a sua distinta e única função. Portanto, se algum membro está insatisfeito com o seu dom, sua contenda não é com os outros membros mais dotados do que ele, mas com Deus que tem ordenado tudo segundo o Seu prazer. Se todos fossem um só membro, então não seria mais corpo, mas sim, uma monstruosidade. Isto certamente condenou as divisões em Corinto; eram contrárias à verdade do corpo.
Também condena o princípio de clericalismo; isto é, um homem tomando para si uma variedade de funções. Expõe igualmente a loucura de um irmão apropriar para si as mais destacadas responsabilidades.
Se o V. 14 salienta a multiplicidade e diversidade dos membros, então o v. 20 indica a diversidade em unidade. Variedade é essencial para a unidade.
 
21-22. Devemos observar que a analogia do corpo físico é usada nesta passagem toda, e as lições são baseadas na aplicação do V. 27. Antes de considerarmos o ensino, observamos que a "cabeça", aqui, é um membro comum do corpo; não representa o Senhor. O corpo, aqui, é apresentado de um ponto de vista diferente daquele que se apresenta em Efésios ou Colossenses; lá Cristo é contemplado como a Cabeça do Corpo; aqui, Cristo difunde a Sua vida pelo corpo. Como temos observado, o corpo, aqui, é um organismo, e não uma organização. Uma organização requer somente regras e regulamentos para operar, mas um organismo requer vida, que é a vida de Cristo.
O perigo que estes versículos mostram é o desenvolvimento de uma atitude de superioridade e independência. Existe a tendência entre os que são mais dotados, de pensar que podem dispensar com os menos dotados. Isto é uma falácia, pois se o olho vê um objeto e deseja obtê-Ia, ele não pode fazê-la sozinho, mas depende da mão para ajudá-Ia. Também, se a cabeça deseja ir para outro lugar, depende inteiramente dos pés para realizar esta operação. Portanto, todo membro é necessário, e devemos aprender a apreciar os outros, especialmente aqueles que são muito menos importantes aos nosso olhos. Isto leva Paulo a referir-se aos órgãos que parecem ser mais fracos (v. 22). Agora ele está tratando da necessidade relativa dos vários membros, para a vida do corpo. O corpo poderia existir sem os membros maiores, como braços e pernas, mais não poderia existir sem os membros menores, intestinos ou glândulas. Uma igreja local continua a funcionar quando irmãos estão ausentes, exercendo seus dons (pregando, por exemplo) em outro lugar. Aqueles que freqüentemente são considerados de somenos importância estão mantendo o testemunho da igreja local em andamento, demonstrando que são necessários, e mostrando quão valiosa é a sua contribuição.
No seu próprio lugar são essenciais.
 
23-24a. Estes versículos tratam do revestimento do corpo. Aqueles membros do corpo que não devem ser vistos não são expostos à vergonha e ridículo, mas são vestidos com cuidado. "A esses honramos muito mais", quer dizer revestir de modo adequado. Nossos membros "menos honrosos" são os que nunca devem ser vistos em público. Estes nós vestimos com muito cuidado. Por outro lado, nossos membros "mais honestos" (ou "nobres" ARA), aquelas partes do corpo, como mãos e rosto, que podem ser vistos publicamente, não têm necessidade de roupa. Assim, adequadamente vestidos, aparecemos apresentáveis e atraentes. Vamos aplicar isto agora à igreja local. Quando os membros que podem ser vistos, publicamente, estiverem funcionando, desempenhando as responsabilidades de pregação, etc., e os membros que não são capacitados desta maneira estiverem realizando a sua obra, discretamente e fora da atenção do público, então a aparência inteira da igreja local será de ordem piedosa e beleza espiritual.
 
24b. Foi a sabedoria e habilidade criativa de Deus que planejou o corpo com seu equilíbrio delicado; aquele instinto (v. 23), que dá mais honra aos membros que em si não são atraentes, provém de Deus.
 
25-26. A maneira pela qual Deus planejou o corpo foi calculada a fim de produzir harmonia e não divisão, cuidado e não indiferença.
"Igual cuidado" indica que não há nenhuma parcialidade entre os membros; cada um tem a mesma preocupação, a mesma profundidade de cuidado, com o bem-estar de todos. Semelhantemente, não devemos ter predisposição em favor de alguns amigos especiais e somente mostrar este cuidado para com eles. Este cuidado se manifestará em nossa atitude perante os sofrimentos e honras de todos os membros. Todos nós temos experimentado, em nossos próprios corpos, o que significa quando todos os membros sofrem juntos com um membro ferido. Também, quando a mão executa uma obra de arte, a pessoa é quem recebe o louvor, tanto quanto a mão. É assim que deve acontecer conosco. Deve haver um forte sentimento de simpatia uns para com os outros, quando um ou outro dos membros está passando por tempos de dificuldade. A nossa comunhão deve ser caracterizada por carinho e por compartilhar. Do mesmo modo, quando um membro é honrado, e seu dom está se tomando mais aparente e útil, não sejamos invejosos, especialmente se ele é mais novo, mas vamos alegrar-nos por Deus ter assim honrado a ele e à congregação.
 
27. Agora chagamos à aplicação e desafio da passagem. Observe a ausência do artigo; deve ser traduzido: "vós sais corpo de Cristo" (VR), e não "o corpo"; mas também não é "um corpo", pois Cristo não tem uma multiplicidade de corpos. A idéia principal com respeito ao corpo é a de manifestação; veja I Tim. 3: 16. A idéia secundária na figura, para completá-Ia, é de unidade em diversidade.
O termo "corpo de Cristo" quer dizer que a igreja local é a manifestação de Cristo para a comunidade. Esta é a sua responsabilidade principal. Isto quer dizer que cada membro deve estar vivendo Cristo na sua vida. A igreja local não tem a responsabilidade de representar qualquer denominação, mas sim, representar a Cristo. Ela é qualitativa e caracteristicamente o corpo de Cristo. É Cristo vivendo através do Seu povo, numa determinada localidade. Isto se expressa quando os diversos membros cooperam juntamente em unidade - sem nenhuma divisão, todos dedicados aos interesses do Senhor, e aos interesses uns dos outros. Como tudo isso deve ter tocado as consciências dos coríntios. Em última análise todos nós somos responsáveis pelo tipo de igreja que mantemos.
 
A Colocação dos Dons (vs.28-31)
 
"E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutrores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas.
Porventura são todos apóstolos? são todos profetas? são todos doutores? são todos operadores de milagres?
Têm todos o dom de curar? falam todos diversas línguas? interpretam todos?
Portanto, procurai com zelo os melhores dons; e eu vos mostrarei um caminho ainda mais excelente."
 
Devemos reconhecer a soberania de Deus na expressão "pôs Deus", que também foi usada no v. 18. Nos vs. 29-30, Sua sabedoria em selecionar cada dom é enfatizada e confirmada, através de uma série de perguntas, das quais cada uma exige a resposta óbvia: "Não". Há três listas neste capítulo: a primeira nos vs. 8-10; a segunda no v. 28; e a terceira nos vs. 29-30. A segunda lista repete somente quatro dos nove dons da primeira lista, omitindo cinco e acrescentando quatro. A terceira lista não acrescenta nenhum outro dom, omitindo quatro da primeira lista, e dois da segunda. Podemos apresentar isto da seguinte maneira:
 
  1. Lista 1 - Profecia, Milagres, Dons de Cura, Línguas, Interpretação de Linguas, Palavra de Sabedoria, Palavra de Ciência, Fé, Discernimento dos espíritos.
  2. Lista 2 - Apóstolos, Profetas, Doutores, Milagres, Dons de Curar, Socorro, Governo, Línguas.
  3. Lista 3 - Apóstolos, Profetas, Doutores, Milagres, Dons de Curar, Línguas, Interpretação de Línguas.
 
Ao todo, treze dons são mencionados. Levando em consideração Rom. 12 e Ef. 4, há um total de, aproximadamente, vinte dons.
 
28. Paulo começa citando os dons segundo a sua ordem e valor, mencionando as pessoas nos primeiros três, e depois mencionando somente os dons. Devemos notar como o dom de línguas está em último lugar na Lista 2, e no final das Listas 1 e 3, junto com a interpretação de línguas. O fato de ser o menor e último é surpreendente,
quando vemos a inundação de literatura sobre este dom, e a importância que ele tem em certos grupos. Agora vamos examinar a lista.
Apóstolos: sem dúvida isto se refere aos Doze (com Matias tomando o lugar de Judas) e Paulo. Estes estavam em primeiro lugar com respeito a tempo, sua distinção sendo baseada no chamamento divino (veja 1:1), suplementado, no caso de Paulo, pelo fato dele ter visto o Senhor ressurrecto (9: 1; 15:8), e no caso dos Doze, pelo fato de terem acompanhado o Senhor, e sido testemunhas da Sua ressurreição (Atos 1:21-22). Não existem apóstolos hoje, pois não existe ninguém que pode cumprir estas condições. Convém enfatizar que o dom de apóstolo foi fundamental e incluiu a comunicação da revelação recebida de Deus. Neste ensino exerceram autoridade divma.
Profetas: estes falavam por revelação direta, recebida de Deus no poder do Espírito de Deus, o qual era um dom essencial antes que o cânon das Escrituras fosse completo. Quanto à prioridade e distinção, estão ligados com os apóstolos. Outra vez, convém enfatizar que este dom não pode existir hoje.
Doutores: estes homens foram especialmente dotados para expor, aos novos convertidos, os fundamentos doutrinários da nova fé, juntamente com suas conseqüências práticas.
Milagres, Dons de Curar: veja e explanação destes dons no comentário sobre os vs. 8-10.
Socorros: este dom parece abranger toda a ajuda liberal e prática que pode ser prestada quando uma necessidade for percebida.
Paulo falou da necessidade de "auxiliar os enfermos" (Atos 20:35), e instruiu os cristãos: "que ... consoleis os de pouco ânimo, sustenteis os fracos" (I Tess. 5:14). Inclui ajudar os pobres e necessitados, à medida do possível, talvez providenciando concertos e a pintura de suas casas, bem como ajuda financeira e provisão de coisas materiais. Este dom abrange muitas coisas. Alguns ligam-no com o serviço geral dos diáconos. Este poderia ser chamado, corretamente, de o mais numeroso dos dons.
Governos: a palavra parece se referir ao trabalho de um piloto ou timoneiro. O dom trata daqueles que têm a capacidade, dada por Deus, de guiar a igreja local através de tempos difíceis e situações cheias de perigo. Enquanto presbíteros não sejam mencionados nesta epístola, a palavra parece incluir os requerimentos administrativos deste grupo - homens dedicados para trabalhar em favor da unidade, saúde, prosperidade espiritual e bem-estar da igreja local.
Diversidades de Línguas: temos falado sobre este dom no comentário sobre os vs. 8-10. Observe como "apóstolos" tem o primeiro lugar na lista, e "línguas" o último. Parece que a ordem dos dons havia sido invertida pelos coríntios.
 
29-30. Todas as sete perguntas exigem uma resposta negativa.
Alguns sustentam que a evidência de ter sido batizado pelo Espírito é a capacidade de falar em línguas. Observe que o V. 13 afirma que todos foram batizados no Espírito, mas o V. 30 indica que nem todos falavam em línguas.
 
31. Por causa da ênfase dada à soberania de Deus na distribuição dos dons, e o fato deles serem ligados à atividade coletiva da igreja local, é possível que "procurai com zelo" seja um apelo a todos para desejarem intensamente que Deus levante homens que possuam os melhores, maiores, e mais úteis dons para a edificação da igreja. Porém, entender esta exortação como "procurai com zelo para vós mesmos" levaria a um resultado semelhante. Se todos desejarem (no sentido espiritual) um dom maior, como, por exemplo, o de profecia (14: 1), para o bem de todos, estarão livres da tendência de enaltecer os dons menores, mas mais espetaculares, como por exemplo, o dom de línguas. Paulo então lhes apresenta o caminho sobremodo excelente. Não é que o amor seja mais excelente do que os dons, nem preferível aos dons, mas sim, que a motivação suprema para procurar e usar tais dons é o amor. Isto conduz à manifestação do Espírito, antecipada no v. 7.
 
Agora vamos apresentar as principais lições deste importantíssimocapítulo:
 
a) Observe a ênfase ao Senhorio de Cristo, no início deste capítulo.
Sua autoridade como Senhor é suprema e reconhecida pelos cristãos, individualmente e na igreja local. É somente o poder do Espírito de Deus que pode nos capacitar a reconhecer e confessá-la.
 
b) Ao considerarmos as três listas de dons, vamos notar a riqueza do Doador, a plena provisão dos dons, e a responsabilidade daqueles que são dotados a exercer os mesmos, para o bem de todos.
 
c) Vamos ponderar profundamente na singular verdade do Corpo como revelada no NT, e na maravilha da graça que nos colocou nele.
 
d) Devemos compreender o princípio que forma a base da verdade do Corpo para ser praticado na igreja local, a saber, o de unidade em diversidade. Os membros são tão diversificados, mas demonstram tanta unidade orgânica.
 
e) Devemos reconhecer que cada membro da igreja local possui um dom, o qual deve ser usado para o bem de todos; não se pode retirar, nem dispensar de nenhum, como se não tivesse importância ou valor.
 
f) Vamos entender claramente que cada igreja local existe com a finalidade de testemunhar de Cristo à comunidade, e manifestar a Sua vida.
 
g) O reconhecimento da soberania divina e da sabedoria e riqueza do Doador divino deve humilhar-nos profundamente; se somos possuidores de, pelo menos, um destes dons, já nos tomamos objetos da escolha divina para abençoar os outros.
 
 
A Supremacia do Amor
 
1 Coríntios 13:1-13
 
"Ainda que eu falasse as Iinguas dos homens e dos anjos, e não tivesse caridade, seria como o metal que soa ou
como o sino que tine.
E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse caridade, mada seria.
E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse caridade, nada disso me aproveitaria.
A caridade é sofredora, é benigna; a caridade não é invejosa; a caridade não trata com leviandade, não se ensoberbece, Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
A caridade nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência,
desaparecerá; Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos; Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face: agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
Agora, pois, permenecem a fé, a esperança e a caridade, estas três, mas a maior destas é a caridade."
 
No capítulo 12 temos a doação dos dons, e sua relação uns aos outros. No capítulo 14 temos os dons em operação, mas aqui no capítulo 13 temos o ambiente em que eles devem operar. Em Corinto, parece que o amor estava tristemente em falta. Nenhum dom lhes faltava, mas faltava o elemento vital que é tão essencial ao funcionamento de tais dons. Como é agradável chegar a um capírtulo como este depois de todas as carnalidades que temos considerado; é como um oásis no deserto. Considera-lo-emos da seguinte forma:
 
a) A Necessidade do Amor vs. 1-3;
b) As Qualidades do Amor vs. 4-7;
c) A Permanência do Amor vs. 8-13.
 
1. Ao apresentar a necessidade do amor no seu valor supremo, a ausência do qual somente produz um resultado negativo, Paulo se refere à esfera da Fala (v. 1), à esfera do Intelecto (v. 2), e à esfera de Devoção (v. 3). Neste versículo, ele imagina uma pessoa com a capacidade de falar línguas terrestres e celestes, "as línguas dos homens"
sendo o comum, e "as línguas dos anjos" o extraordinário; porém, se exercitadas sem amor, tudo que se produz será somente barulho e um som vazio. Pouco, ou nada, sabemos a respeito da linguagem usada entre os anjos; somente sabemos que quando se comunicavam com os homens, usavam a língua que o ouvinte conhecia.
Em Atos 26: 14, o Senhor ressurrecto falou ao apóstolo em Hebráico. A impressão geral aqui é de alguém falando muitas línguas com fluência e poder, e até atingindo uma eloqüência sobrenatural; contudo, se o amor estiver ausente, não há nada de substância nem de valor duradouro. Que aqueles entre nós que passam muito do seu tempo pregando, possam aprender esta lição salutar: o amor pode proteger o uso do dom, e fazer com que ele seja um meio de bênção aos outros.
 
2. A pessoa vista aqui seria muito superior aos seus contemporâneos; seria considerada pelos outros como um gigante. Vamos notar as coisas mencionadas:
 
a) Profecia: Este dom foi notado em 12: 10, 28. A profecia vinha através de alguém que recebera uma mensagem de Deus, por revelação direta.
 
b) Mistérios: Alguns destes já foram mencionados na exposição de 4: 1. São segredos divinos que não foram revelados anteriormente, e que não podiam ser compreendidos, se Deus não os tivesse revelado.
 
c) Ciência: Este é o conhecimento, divinamente dado, para suprir a necessidade do momento. Veja 12:8.
 
d) Fé: Veja 12:9. Como já foi observado, esta não é a fé exercitada na conversão, nem na vida cotidiana. Refere-se à fé necessária para realizar milagres, até para transportar os montes.
 
Observe agora a repetição da expressão "e não tivesse amor".
Sem esta qualidade a pessoa não é nada - é sem importância. Isto deve ter sido um tanto surpreendente aos coríntios, que davam muito importância à possessão de dons, mas que tinham muita falta do essencial. É muito difícil aprender esta lição. É tão difícil compreender como alguém tão dotado pode carecer de amor. Mas devemos aceitar este ensino com todo o seu peso e aplicação; é possível ser tão dotado, tão conhecedor, tão apreciado, tão aplaudido, mas ainda exercer esses dons sem amor; a pessoa que faz isto não é nada, e o ministério assim realizado é sem valor.
 
3. Agora chegamos aos atos que pensaríamos ser impossíveis de realizar sem amor. Temos dois atos de doação sacrificial. Que mais poderia alguém dar do que seus bens e a si próprio? Observe:
"todos os meus bens" (ARA); isto abrange tudo, mas ainda falta o amor. Parece que, até certo ponto, Ananias e Safira foram culpados deste pecado.
Em seguida, temos o sacrifício supremo, a entrega da vida em martírio. Passo a passo, Paulo nós leva a ver o lugar supremo que o amor deve ter em tudo que for feito em nome de Cristo. Nem mesmo o sacrifício da própria vida poderá ter proveito, ou reconhecimento, se for realizado sem amor. Sem dúvida, Paulo sentiu tudo isso ao escrever tais palavras, mas em Atos 21: 13 ele se declara "pronto ... ainda a morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus". Estêvão e Tiago são exemplos daqueles que voluntariamente pagaram o preço de devoção e lealdade ao Senhor, seu sacrifício sendo caracterizado pelo amor.
 
4. Nos vs, 4-7, as qualidades do amor são apresentadas em toda a sua beleza, perfeição, poder e valor inestimável. Podemos ver descrito, aqui, o caráter de Deus e a vida de Cristo. O Cristianismo abre para nós um mundo inteiramente novo de experiência, uma oportunidade singular para demonstrar, em nossas vidas, o caminho mais excelente. Outros têm analisado esta passagem de várias maneiras, que nos ajudam muito, considerando-a de diversos pontos de vista, mas nós vamos simplesmente tomar cada qualidade e apresentar o o seu ensino. O amor pode ser muito positivo em ação, mas passivo em reação. Que o Senhor nos ensine muitas lições. Observe que o amor é personificado e tem em vista a maneira como o cristão deve viver.
 
a) Sofredor: O amor manifesta auto-domínio diante de provocação, demora a ofender-se e não deseja retaliar; recusa tomar vingança e não perde a calma apesar da conduta dos outros.
Está pronto a deixar que o outro aproveite dele. Sendo tardio em irar-se e em mostrar ressentimento, o amor, quando injuriado, não injuria (I Ped. 2:23).
 
b) Benigno: Se sofredor é passivo, benigno é ativo. Disposto a fazer o bem, mesmo àqueles que se opõe ou nos causam dano; é sempre ajudador, amigável, compassivo.
 
c) Não é invejoso: Esta qualidade evita o desejo de ter aquilo que pertence ao outro. Não inveja o sucesso dos outros. A alma que ama está contente com o que tem, e se alegra com a prosperidade do outro. Sempre dá honra ao outro, e nunca diminuiria o louvor que lhe é devido. Inveja é mencionada em 3:3 como evidência de carnal idade, e é ilustrada em 12: 15-16.
 
d) Não trata com leviandade: Ou, "não se vangloria" (Versão Revisada). Não deseja ganhar popularidade com os outros, nem parecer superior. O amor não se gaba, nem é jactancioso, nem ostensivo, nem convencido. O amor não coloca-se a si mesmo em primeiro lugar, nem superestima o seu próprio dom ou sucesso.
É caracterizado por abnegação. Os coríntios cometeram o erro de exultar e gloriar-se nos seus próprios dons, havendo perdido de vista o fato de serem apenas receptores.
 
e) Não se ensoberbece: O amor não se caracteriza por orgulho, arrogância nem amor-próprio, nem fica inchado com sua própria importância. Paulo se refere constantemente ao fato dos coríntios estarem inchados (4:6, 18, 19; 5:2; 8:1) e, no caso deles, isto se manifestou quando se gloriavam contra Paulo, e mostravam indiferença ao mal.
 
f) Não se porta com indecência: Esta frase anula toda a conduta mal-educada, rude, ou insuitante. O amor nunca tem motivo de sentir vergonha por causa de sua conduta. É caracterizado por cortesia, tato, e consideração dos outros. Graça e simpatia são suas qualidades distintas. Não convém que um cristão seja grosseiro e bruto.
 
g) Não busca os seus interesses: O amor não se preocupa em promover seus próprios interesses ou estabelecer seus próprios direitos; não atenta para o que é propriamente seu, mas também para o que é dos outros (Fil, 2:4). Abnegação, o sacrifício de si mesmo em buscar os interesses dos outros, é a ocupação do amor. Isto teria impedido que os coríntios processassem uns aos outros. Egoísmo é a raiz dos males da sociedade, como também de muitos dos problemas que surgem na vida da igreja local.
 
h) Não se irrita: Isto é o contrário de ser melindroso, pois o amor não se ofende facilmente. Suporta menosprezo e insultos, e não se entrega à ira que produz amargura, nem fica amargurado por linguagem ofensiva, injúrias, ou prejuízo. Nunca fica exasperado, preferindo antes abençoar aqueles que se opõe (Rom. 12: 14).
 
i) Não suspeita mal: pode ser traduzido: "não toma nota do mal". O amor não faz "contabilidade" dos erros dos outros para depois cobrá-los. Não dá lugar para ressentimento ou rancor, nem tempo para represálias "com juros". Não registra o mal, nem procura vingança. Estando inteiramente livre de malícia, o amor está sempre pronto a perdoar e esquecer-se de qualquer ofensa contra si mesmo. Devemos estar prontos para esquecer; sem isto não há perdão sincero.
 
j) Não folga com a injustiça: O amor não tem prazer nos erros dos outros; não se deleita com a queda do outro, nem tem prazer malicioso em ouvir aquilo que é pejorativo. Rodeado por um mundo de injustiça, nós, que temos amor, somos um povo que defende o que é justo. Pertencemos à comunhão dos puros.
 
k) Folga com a verdade: É claro que "verdade" aqui está em contraste com injustiça. O amor não somente regozija-se com a verdade do Evangelho, como também com aquilo que é verdadeiro e justo em contraste com injustiça. Num mundo falso e perverso, aqueles que são caracterizados pelo amor sempre defendem e representam aquilo que é reto, justo, e honesto.
Somos contra toda espécie de corrupção em toda camada da sociedade.
 
l) Tudo sofre: "Sofre" tem o sentido de suportar o vitupério associado com a defesa da verdade. O amor está sempre pronto a sofrer por causa da justiça, suportando insultos, ou, se necessário, prejuízo. Nunca reclama por causa dos muitos sofrimentos, mas aguenta as aflições, varonilmente e sem reclamar.
 
m) Tudo crê: Isto não quer dizer que o amor seja ingênuo, ou aceita como verdade tudo que se fala, mas sim, que está sempre pronto a imputar os melhores motivos, e crer o melhor acerca dos outros; está sempre pronto a interpretar da melhor forma, e atribuir os melhores motivos. Isto está em grande contraste com um mundo que sempre está pronto a acreditar o pior.
 
n) Tudo espera: A esperança é um dos elementos básicos de nossa fé, e deve banir o pessimismo. A esperança nunca aceita uma falha como final. O amor continua esperando, sem importar-se com o tamanho do desapontamento. Esta atitude é inspirada no Deus da esperança (Rom. 15:13).
 
o) Tudo suporta: O amor é caracterizado por firmeza, apesar das circunstâncias. É o espírito que persevera e conquista e triunfa.
É a perseverança, não de uma resignação passiva, mas de um glorioso triunfo e coragem.
 
Devemos notar os negativos, nos vs. 4-6: o que o amor não é, e no V. 7, o que o amor é. Observe também que Paulo vê todas estas qualidades existindo, não num mundo ideal ou numa igreja perfeita, mas em meio de pressão, oposição, angustia e desapontamento. O amor sempre triunfa, e suas qualidades resplandecem em graças radiantes, comprovando sua superioridade a tudo ao seu redor.
 
Os últimas versículos (vs. 8-13) tratam da permanência do amor; vamos dividi-los em três partes:
 
a) Em Parte e Perfeito vs. 8-10
b) llustrações da Revelação Progressiva vs. 10-12
c) A Preeminência do Amor V. 13
 
É importante observar que o V. 8 menciona apenas três dons, o V. 9 apenas dois, e que no V. 10, "o que é perfeito" está em contraste com os dois dons do V. 9. Devemos observar também que no V. 8 a ARC traduz a mesma palavra grega (katargeo) por duas palavras diferentes "serão aniquiladas" e "desaparecerá". Convém dizer também que nossa exposição destes versículos será diferente da interpretação de muitos eruditos e ensinadores cuja ajuda tem sido valiosa enquanto temos procurado expor esta epístola. Não devemos deixar esta diferença de opinião sobre a interpretação de "o que é perfeito" causar divisão. De acordo com o ensino dos versículos anteriores, amor e cortesia devem caracterizar nossa atitude para com aqueles que têm genuínas dificuldades em aceitar aquilo que será apresentado aqui. Convém dizer que a prova da cessação dos dons de sinal não depende da interpretação de I Coríntios 13, como Ef. 2:20 e Heb. 2:3-4 demonstram.
 
8. Este versículo diz que o amor nunca há de falhar, nunca deixará de ser ativo ou manifesto. Isto está em contraste com os três dons mencionados: profecias, línguas, e ciência. Vamos diferenciá-los novamente:
 
Profecias: proclamando a mensagem de Deus, recebida por revelação direta.
 
Línguas: o dom de falar um idioma que não é a língua materna daquele que fala.
 
Ciência: conhecimento dado diretamente por Deus para suprir uma determinada necessidade naquele tempo, até que as Escrituras fossem completas. É conhecimento recebido por revelação, e não conhecimento adquirido por estudo.
 
Ao comentarmos 12:8-10 acima, foi observado que a palavra heteros, que quer dizer "outro de espécie diferente", ocorre entre o segundo e terceiro dom, e entre o sétimo e oitavo, dividindo assim a lista em três grupos. Observe que aqui um dom é tomado de cada grupo para dar-nos os três dons mencionados acima: "profecias" do segundo grupo, "língua" do terceiro grupo, e "ciência" do primeiro grupo. O fato destes três não terem, como veremos, o propósito de ser permanentes, indica que os outros dons, nos três grupos, também cessariam.
Agora precisamos notar como profecias e ciência "desaparecerão" (VB). Este verbo "desaparecer" é katargeo, e quer dizer tirar de serviço, tomar inativo, reduzir à inatividade, tornar sem efeito, abolir, anular. É uma palavra com um significado muito forte, e indica uma cessação completa, sem a possibilidade de revocação. A voz é passiva, indicando que foram abolidos por um poder fora de si mesmos; isto é, logicamente, pela mesma autoridade que os deu, a saber, o Espírito Santo (veja o capítulo 12). A cessação não foi temporária, mas sim permanente. Em contraste com estes, porém, vemos que línguas "cessarão". "Cessarão" (pausontai) está na voz média, indicando que cessariam espontaneamente, "ficarão quietas". Devemos notar esta declaração geral, pois não se repete. É declarada claramente, e deixada assim.
Novamente, vemos que estes dons não eram permanentes, de sorte que tanto a profecia, que era para os cristãos, como as línguas, que eram para os descrentes (veja 14:22), e a ciência, que era cornunicada a certas pessoas escolhidas, todos acabariam.
 
9. Como já foi dito anteriormente, os dons agora são apenas dois. A profecia, que compreende a recepção e proclamação da verdade revelada, e a ciência, que compreende a revelação da mente de Deus, são parciais, em contraste com aquilo que é completo. O versículo seguinte repete o que foi dito no v. 8, que estes dons "desaparecerão", e diz-nos quando isto aconteceria. Deve ter ficado claro que o assunto é revelação divina, e se relaciona com a terra e não com o céu.
 
10. "O que é perfeito" se refere à conclusão daquilo que mais tarde ficou reconhecido como o cânon das Escrituras. Quando o último livro do NT foi escrito, a revelação ficou completa. Não há necessidade de introduzir a idéia do céu. Afinal, não é necessário informar-nos que os dons cessarão ao chegarmos lá. Isto é óbvio demais. W. Hoste, em Bible Problems and Answers, pág. 332, comenta:
"Não é necessário provar que estes dons serão supérfluos lá no céu. Se você encontrasse um amigo carregando uma lamparina através de uma rua suburbana escura, e lhe dissesse solenemente que, quando o sol nascesse, ele não precisaria mais da sua lamparina, ele pensaria que você só falava banalidades; mas se você lhe dissesse: 'Você não vai precisar mais desta lamparina quando a companhia elétrica terminar o seu projeto na localidade', isto seria compreensível e digno de atenção". Assim também, por que mencionar estes dois dons separadamente de todos os outros dons que , hão de cessar quando chegarmos ao céu? Estes dons são mencionados porque eram dons de revelação, através dos quais Deus revelou a Sua mente até que as Escrituras fossem completas. Escrevendo sobre as duas expressões, ek merous ("em parte") e teleion ("perfeito"), G. B. Weaver salienta o seguinte: "Logicamente to teleion tem que referir-se a algo completo ou perfeito na mesma esfera daquela a que se refere a expressão ek merous. Já que to ek merous se refere à transmissão da verdade divina através de revelação, o outro termo, teleion, deve se referir à revelação completa da verdade de Deus, o Novo Testamento inteiro (juntamente, é claro, com o livro que forma o seu fundamento, o Velho Testamento)".
Mais uma coisa: se profecia e ciência continuam até a vinda do Senhor, então a Bíblia ainda está sendo escrita. Esta é a posição do movimento carismático. Os reformadores salvaram o cristianismo de erros extra-bíblicos com o clamor: "Sola Scriptura", que quer dizer:
"Somente as Escrituras". Agora destes, e de outros, vem o clamor: "As Escrituras mais a nova revelação de Deus". Que Deus nos preserve.
É importante notar que, se os dons mencionados como "em parte" continuam, então há uma contínua revelação divina. De fato, os carismáticos insistem numa contínua revelação contemporânea. J. Rodman Williams, no seu livro The Era of the Spirit, diz: "A Bíblia realmente tomou-se co-testemunha da presente atividade de Deus ...
Hoje, se alguém tem talvez uma visão de Deus e de Cristo, é bom saber que isso já aconteceu antes ... Se alguém disser: 'Assim diz o Senhor', e se atreve a dirigir-se à congregação usando a primeira pessoa - indo até além das palavras das Escrituras - é isso que aconteceu na antigüidade ... O Espírito, como o Deus vivo, move através e além dos registros do testemunho passado, por mais valiosos que sejam tais registros, como um modelo para o que acontece hoje ... Na profecia Deus fala ... De fato a fala pode ser até rude e gramaticamente incorreta; pode ser uma mistura de linguagem antiga e moderna: pode gaguejar ou fluir - realmente isto não tem importância ... A maioria de nós, é claro, estamos familiarizados com discursos proféticos como os que são registrados na Bíblia, e prontos para aceitá-los como a palavra de Deus. Estávamos acostumados com o 'assim diz o Senhor' de Isaías ou Jeremias, mas ouvir um João ou uma Maria hoje, no século vinte, falar do mesmo jeito ... ! Muitos de nós havíamos convencido a nós mesmos que profecias tinham terminado com a chegada do Novo Testamento (apesar de toda a evidência neo-testamentária que diz o contrário), até que, de repente, através do impulso dinâmico do Espírito Santo, a profecia reviveu. Agora gostaríamos de saber como pudemos ter interpretado maio Novo Testamento durante tanto tempo!" Esta citação, enquanto surpreendente, apresenta plenamente o ponto de vista do movimento carismático.
 
Observe certas coisas nessa declaração:
 
a) A afirmação de que a Bíblia é co-testemunha com a presente revelação em profecia.
 
b) Diz-se que é possível alguém apresentar o que tem a dizer, hoje, como sendo uma revelação nova, usando a expressão: "Assim diz o Senhor".
 
c) O autor insiste que é permissível usar a primeira pessoa. Isto significa que se pode dizer: "Eu, porém, vos digo", e ir além das Escrituras, acrescentando alguma coisa à revelação já existente.
 
d) Ele diz que o Espírito vai além dos registros de testemunhas passadas, isto é, além dos testemunhos do VT e do NT.
 
e) Ele considera que qualquer João ou Maria, hoje, podem profetizar com autoridade igual à de Isaías, Jeremias, Pedro e Paulo.
 
Fica perfeitamente claro que, uma vez que aceitamos a idéia de que o que é "em parte" ainda continua, a evidência da autoridade final das Escrituras fica enfraquecida, e qualquer João ou Maria  pode dizer ter revelação divina com autoridade igual à do VT e NT.
Que sejamos avisados, e que falemos, constantemente, do perigo de tal ensino; todas as suas implicações são realmente assustadoras.
 
11. Aqui e no V. 12 temos duas ilustrações. A primeira trata do crescimento da infância à maturidade, do parcial ao completo, não do imperfeito ao perfeito. Levou tempo, e foi progressivo, à medida que as Escrituras chegavam à conclusão. Maturidade é o fim do processo natural; aqui, o resultado é a Escritura completa. Outras
Escrituras confirmam o uso da palavra "menino" como referindose a um estado imaturo. Heb. 5: 11-14, fala de cristãos hebreus que haviam deixado de progredir e estavam inclinados a apegar-se à Lei. O escritor repreende-os e deseja que sejam homens maduros.
Em vez de serem negligentes para ouvir (v. 11), na fase de alunos (v. 12), alimentados com mamadeira (v. 13), deveriam progredir para se tomarem mestres, alimentando-se de alimento sólido, e sendo caracterizados por percepção espiritual e discernimento. Em I Cor. 3: 1-3 ele expõe aos coríntios a sua condição pouco desenvolvida.
Ainda eram meninos, com o crescimento interrompido, atrasados quanto ao desenvolvimento, não espirituais. Em Ef. 4: 13-15, o apóstolo almeja ver os santos em Éfeso deixarem de ser meninos (para que não sejam expostos à exploração dos falsos mestres) e chegarem à maturidade. Assim também, aqui, o desenvolvimento de "menino" para "homem" se apresenta para demonstrar a revelação de Deus avançando até a conclusão.
 
12. Temos agora a segunda ilustração da mesma verdade do V. 11.
Não tem nada a ver com o céu, embora possamos aplicá-Ia desta maneira. O espelho é aquela parte da palavra de Deus que tinha sido revelada até o tempo quando o apóstolo escreveu. O único outro uso da palavra é em Tiago 1:23, onde também significa a palavra de Deus. "Em enigma" significa uma coisa complicada, que precisa de mais esclarecimento; algo precisa ser acrescentado para explicar o seu significado. Corresponde, perfeitamente, com a idéia do estado parcial da revelação no tempo quando estes dons estavam operando, esperando a revelação plena da Bíblia completa. "Face a face" é a plena e clara revelação das Escrituras. Vamos deixar a palavra de Deus confirmar esta interpretação. Em Núm. 12, Deus defende Moisés dizendo que com os outros a revelação foi através de uma visão ou sonho (correspondendo ao parcial), mas que com Moisés foi "boca a boca" (correspondendo a "face a face"). É muito interessante observar a semelhança entre as expressões em Núm. 12 e nesta passagem.
Muitos se opõe a esta interpretação, dizendo que estamos afirmando ter um conhecimento maior do que o conhecimento de Paulo. Mas não é assim. Os apóstolos tinham todo o conhecimento que era necessário para aquele tempo. "Conheço em parte" volta aos vs. 9-10. Paulo estava cônscio da revelação parcial, e estava profundamente cônscio que Deus estava constantemente revelando verdades novas. Conhecimento mais completo é a revelação progressiva das Escrituras. Não há nenhuma questão do conhecimento dele, ou nosso, chegar a ser igual ao conhecimento de Deus. "Então conhecerei" significa chegar à revelação final de Deus, como revelado nas Escrituras, cônscio de que Deus sempre nos conheceu perfeitamente.
 
13. "Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor", quando todos os dons tiverem desaparecido. A expressão "Agora, pois" (nuni de), é temporal e lógica. Paulo está contrastando a natureza temporária dos dons mencionados no v. 9 com a permanência da fé, esperança e amor. Estes são três dos elementos essenciais do cristianismo.
Então, ele afirma que o maior destes é o amor. A fé permanece na excelência de sua função, e a esperança na clareza de sua visão, mas o amor excede a todos, no seu valor superlativo. Não é que o amor excede à fé e à esperança em duração, mas sim, que excede-as em importância, agora, como a verdadeira essência do cristianismo, pois "o amor é de Deus" (I João 4:7) e "Deus é amor" (I João 4:8). A questão de alguma ou todas estas graças continuarem na eternidade não aparece neste versículo.
 
Vamos agora ajuntar algumas das lições apresentadas neste capítulo:
 
a) A excelência do amor em todo o seu inestimável valor e necessidade, e a terrível perspectiva da sua ausência.
 
b) A futilidade de oratória (v. 1), de amplo conhecimento (v. 2), e de ofertas sacrificiais (v. 3), se não houver amor.
 
c) A riqueza das variadas excelências do amor, cuja presença tanto enriquecerá as nossas vidas.
 
d) As excelentes qualidades do amor nos seus valores positivos e negativos.
 
e) As afirmações positivas acerca do amor excluem as funções negativas, e as afirmações negativas garantem a presença das funções positivas.
 
f) Observe que, em contraste com a permanência do amor (v. 8), certos dons cessarão, serão retirados, tendo realizado aquilo para o que existiram.
 
g) Note a importância do tempo na revelação progressiva de Deus, quando as Escrituras foram completadas. Este foi um marco importante (Quando os dons de sinal cessaram. N do R).
 
 
A Superioridade da Profecia
 
1 Coríntios 14:1-25
 
"Segui a caridade, e procurai com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de profetizar.
Porque o que fala língua estranha não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala de mistérios.
Mas o que profetiza fala aos homens para edificação, exortação e consolação.
O que fala língua estranha edifica-se a si mesmo, mas o que profetiza edifica a igreja.
E eu quero que todos vós faleis línguas estranhas, mas muito mais que profetizeis, porque o que profetiza é maior do que o que fala línguas estranhas, a não ser que também interprete para que a igreja receba edificação.
E agora, irmãos, se eu for ter convosco falando línguas estranhas, que vos aproveitaria, se vos não falasse ou por meio da revelação, ou da ciência, ou da profecia, ou da doutrina?
Da mesma sorte, se as coisas inanimadas, que fazem som, seja flauta, seja cítara, não formarem sons distintos,
como se conhecerá o que se toca com a flauta ou com a cítara?
Porque, se a trombeta der sonido incerto, quem se preparará para a batalha?
Assim também vós, se com a língua não pronunciardes palavras bem inteligíveis, como se entenderá o que se diz? porque estareis como que falando ao ar.
Há, por exemplo, tanta espécie de vozes no mundo, e nenhuma delas é sem significação.
Mas, se eu ignorar o sentido da voz, serei bárbaro para aquele a quem falo, e o que fala será bárbaro para mim.
Assim também vós, como desejais dons espirituais, procurai abundar neles, para edíficação da igreja.
Pelo que, o que fala língua estranha, ore para que a possa interpretar.
Porque, se eu orar em língua estranha, o meu espírito ora bem, mas o meu entendimento fica sem fruto.
Que farei pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento.
Doutra maneira, se tu bendisseres com o espirito, como dirá o que ocupa o lugar de indouto, o Amém, sobre a
tua ação de graças, visto que não sabe o que dizes?
Porque realmente tu dás bem as graças, mas o outro não é edificado.
Dou graças ao meu Deus, porque falo mais línguas do que vós todos.
Todavia eu antes quero falar na igreja cinco palavras na minha própria inteligência, para que possa também instruir os outros, do que dez mil palavras em língua desconhecida.
Irmãos, não sejais meninos no entendimento, mas sede meninos na malícia, e, adultos no entendimeto.
Está escrito na lei: Por gente doutras línguas, e por outros lábios, falarei a este povo; e ainda assim me não ouvirão, diz o Senhor.
De sorte que as línguas são um sinal, não para os fiéis, mas para os infíeis; e a profecia não é sinal para os infiéis, mas para os fiéis.
Se pois toda a igreja se congregar num lugar, e todos falarem línguas estranhas, e entrarem indoutos ou infiéis,
não dirão porventura que estais loucos?
Mas, se todos profetizarem, e algum indouto ou infiel entrar, de todos é convencido, de todos é julgado.
Os segredos do seu coração ficarão manifestos, e assim, lançando-se sobre o seu rosto, adorará a Deus, publicando que Deus está verdadeiramente entre vós."
 
Nesta seção (vs, 1-25), Paulo está mostrando o contraste entre línguas e profecia, e estabelece claramente que o dom de profecia deve ser preferido e procurado, pois é mais produtivo. Havendo colocado o dom de línguas em último lugar nas listas dos dons (12:28-30), e mostrado o prejuízo que pode causar se não for interpretado, agora, nas palavras de H. Chadwick, ele "vai dar uma ducha de água gelada sobre toda esta prática". É extremamente estranho que os pentecostais e carismáticos não têm percebido isto, e ainda elevam este dom a um lugar de supremacia nos seus pensamentos e conduta. (Fica claro que o que dizem ser o dom, isto é, falar em êxtase, fazendo sons que mais parecem o barulho dos animais de uma fazenda (como J. M. Davies o descreve), sem qualquer vocabulário distinto, sem características gramaticais, e com poucos sons vocálicos, não tem nada a ver com o dom dos dias primitivos.)
Também convém afirmar que o dom de profecia era um dom fundamental (Ef. 2:20); um irmão falava por revelação direta, o que não acontece hoje. Alguns tentam ensinar-nos que este dom é permanente, e o comparam com a pregação, ensino expositivo, ou com uma palavra do Senhor, inspirada pelo Seu Espírito. Isto não pode ser sustentado pelas Escrituras. Hoje, falamos através das Escrituras já completas; não existe revelação direta. Vamos dividir esta seção em três partes:
 
a) O Teste quanto a Edificação vs. 1-5
b) O Teste quanto a Inteligibilidade vs. 6-12
c) O Teste quanto ao Proveito vs. 13-25
 
1-2. Nestes versículos, o apóstolo os exorta a procurar, ardentemente, o amor com todas as suas excelentes virtudes, e juntamente com isto desejar dons espirituais, mas especialmente o de profetizar.
Em seguida, ele começa a contrastar línguas e profecia, e apresenta as suas razões pela escolha de profecia como o dom superior. O dom de línguas era somente para com Deus (quando não houvesse interpretação), mas o dom de profecia era para a edificação da igreja, era dirigida ao homem. No V. 2, ele destaca que alguém falando em língua estrangeira não é entendido pelos ouvintes, somente Deus o entende. A razão por não ser entendido não se encontra no conteúdo da mensagem, mas no meio de comunicação da mensagem; ele usava uma língua que ninguém entendia, pois não há nenhuma menção de um intérprete. Ele poderia estar expressando mistérios, isto é, verdades que antes não foram reveladas, e que agora estavam sendo reveladas por Deus, mas
ninguém o entenderia. Observe que esta pessoa falava com Deus, sugerindo uma fala coerente e não sons ininteligíveis. Ele entendia o que estava falando. Isto é muito importante, e dá apoio àquilo que vamos falar mais tarde sobre inteligibilidade. Os carismáticos, e outros, geralmente supõem que aquele que falava não entendia o
que dizia.
 
3-4. Em contraste com o que dissemos acima, Paulo mostra, agora, que o profeta fala "aos homens" (compare com "a Deus", no v. 2) para edificação, exortação e consolação. Edificar significa informar a mente e fortalecer a alma; tanto ilumina quanto capacita.
Exortar quer dizer encorajar, animar, estimular, incentivar para mais esforço e devoção. Consolar quer dizer ajudar, socorrer, apoiar em meio às tempestades da vida, chegar ao lado e falar palavras de conforto e ternura, trazer uma palavra para elevar o espírito e encorajar a alma. Este deve ser o resultado de todo o ministério público. Paulo indica, no v. 4, que aquele que falava em línguas edificava-se a si mesmo. Isto quer dizer que ele entendia o que falava.
Aquilo que não pode ser entendido não pode edificar.
Observe que o profeta edificava a igreja. O grau de edificação resultante do uso de cada dom está no fato de que aquele que falava em línguas edificava uma só pessoa, a si mesmo, enquanto que o profeta edificava a muitos, a igreja inteira. Permita-me salientar, mais uma vez, que aquele que falava em línguas tinha que entender o que falava para ser edificado. Se pudesse ser edificado sem entender, a igreja toda poderia ser edificada do mesmo modo. Havia um certo egoísmo no exercício de um dom que somente edificava aquele que falava, e o amor "não busca os seus interesses" (13:5). Neste uso egoista do dorri é que estava o abuso. Não tendo ninguém que entendesse a sua língua, ele poderia ter edificado a todos usando a sua língua materna.
 
5. Paulo se apressa a lhes assegurar que ele não queria que deixassem de usar o dom de línguas. Ficaria feliz se todos possuíssem este dom, mas preferiria que profetizassem. A profecia era superior, porque o proveito da igreja era maior. Uma maneira de compensar a limitação das línguas era para aqueles que falavam línguas ter a capacidade de interpretá-Ias. Isto indica que uma só pessoa poderia possuir ambos os dons. O v. 13 supõe a mesma situação, enquanto que o v. 28 mostra a possibilidade daquele que falava em línguas não possuir o dom de interpretação. Se a mensagem fosse interpretada, ela então assumiria o caráter de profecia, e a igreja era edificada.
O fato da interpretação edificar a igreja indica que a mensagem era importante e proveitosa, e não meramente um amontoado de sons.
Os vs. 6-12 salientam a importância de comunicação inteligente e distinta para garantir a compreensão. Isto se vê ao notarmos certas expressões usadas nesta passagem: "que vos aproveitaria?" (v. 6); "como se conhecerá?" (v. 7); "quem se preparará?" (v. 8); "como se entenderá?" (v. 9); "nenhuma delas é sem significação" (v. 10); "se eu ignorar o sentido" (v. 11). Inteligibilidade é o que se espera daquele que fala (v. 6); de instrumentos musicais (vs. 7-9); de línguas (vs. 10-11); depois, segue-se a exortação (v. 12).
 
6. Aqui, o apóstolo contrasta a inutilidade do dom de línguas com o grande proveito de revelação, conhecimento, profecia, ou doutrina.
Novamente, o contraste está entre falar em outras línguas e falar na sua própria língua. De acordo com o v. 30, revelação e profecia estão ligadas; a primeira é interior e a segunda é a expressão externa.
O profeta tem que ter uma revelação. Da mesma forma, conhecimento e ensino (doutrina) estão ligados, pois o primeiro é necessário para o segundo. Mas a questão de suma importância é: "que vos aproveitaria?" Este é o alvo de todo o falar.
 
7-9. Três instrumentos são mencionados para esclarecer a necessidade de distinção nos sons: a flauta, a cítara, e a trombeta. O v. 7 indica que estes dois instrumentos (flauta e cítara) eram bem-conhecidos; a flauta representa os instrumentos de sopro, e a cítara instrumentos de corda. Mas estes, a fim de apresentarem um som distinto, estavam sujeitos às leis de som, ritmo e tom, para poderem produzir um som claro, ou uma melodia, que todos pudessem apreciar. Paulo está enfatizando que sem interpretação, as línguas são sons ininteligíveis, sem proveito aos ouvintes. No caso da trombeta, a clareza do som era vital, no exército; se não fosse, tudo seria confuso (veja Núm. 10:1-10). Agora, o V. 9 aplica estes princípios ao ato de falar na igreja local. A "língua", aqui, é a língua humana.
Sua ligação com inteligibilidade é clara. Um discurso deve ser caracterizado por simplicidade, clareza, e linguagem que pode ser entendida.
Se as palavras que se falam não são inteligíveis, seria o mesmo que falar "ao ar"; seriam palavras que nunca alcançariam as mentes e corações dos ouvintes; seria como se não houvesse ouvintes.
Que todos os irmãos que falam em público possam aprender esta importante lição.
 
10-11. A terceira ilustração é a existência de muitas línguas no mundo; cada uma tem suas próprias qualidades. Não existe língua sem palavras distintas. No v. 11, Paulo imagina alguém falando numa língua estrangeira - para ele é só uma voz. Tudo é incorn preensível à sua mente. O "bárbaro" seria um estrangeiro que não falava grego. É claro que, para o bárbaro, a língua grega era igualmente ininteligível. Qualquer um que viaja ao exterior já teve esta experiência. Quando alguém falava em línguas, levantava uma barreira, impossibilitando a comunhão. "Sentido", aqui, é literalmente "poder". O poder da fala se encontra na sua inteligibilidade.
 
12. Paulo agora os exorta, lembrando-lhes do seu zelo em procurar dons espirituais. A palavra "espiritual", aqui, é diferente daquela em 12:1 e 14:1. J. N. Darby a traduz "espírito"; mas o sentido parece ser dons ou manifestações espirituais. Ele exorta-os a direcionar o seu zelo na edificação da igreja. Edificar os outros era a coisa mais importante. Paulo volta constantemente a este tema supremo pois, em comparação, tudo toma um lugar secundário.
 
Os próximos treze versículos (vs. 13-25) destacam o que é proveitoso.
É extremamente importante observar que nesta passagem o apóstolo está tratando do dom de línguas em operação, mas sem interpretação.
Nenhuma interpretação foi necessária em Atos 2, porque os ouvintes podiam entender as línguas. A utilidade do dom dependia, inteiramente, da sua interpretação, quer seja por aquele que falava, quer seja por outro. Vamos considerar estes versículos sob três aspectos:
 
a) Do ponto de vista daquele que fala vs. 13-15;
b) Do ponto de vista da igreja vs. 16-19;
c) Do ponto de vista do visitante vs. 20-25.
 
13. Paulo encoraja o irmão que tem o dom de línguas a orar pelo dom de interpretação. O exercício do dom sozinho era muito limitado quanto ao seu valor, e de nenhum proveito aos ouvintes.
Exercer o dom de línguas era falar uma língua estrangeira, mas interpretar era traduzir a mensagem com explanação no vernáculo, na língua que todos entendiam. Esta é a premissa básica sobre a qual ele vai construir o seu argumento.
 
14. Agora ele exemplifica o que vai acontecer quando não há intérprete.
"Porque" estabelece a ligação; esta é a razão pela qual ele deve orar pela capacidade de interpretar. Se não há interpretação, o espírito ora, mas o entendimento fica infrutífero, significando que não há nenhum proveito para o ouvinte. "Se eu orar em língua estranha" é o exercício do dom; "o meu espírito ora", se refere ao seu próprio espírito sob a influência do Espírito de Deus. "Meu entendimento fica sem fruto" não significa que a sua mente não está envolvida, ou que fica de lado. Tal conclusão incrível é impossível, especialmente depois de toda a ênfase que se deu no versículo anterior à inteligibilidade. Paulo não diz que a mente não está envolvida; o que ele realmente diz é que o entendimento fica infrutífero - infrutífero embora envolvido. Nenhum fruto se produz no
ouvinte. O contexto dá apoio a esta interpretação: "procurai abundar neles, para edificação da igreja" (v. 12); "não sabe o que dizes" (v. 16); "o outro não é edificado" (v. 17). O propósito total do dom é alcançado quando o ouvinte ouve, e tira proveito, da interpretação.
 
15-16. Estes versículos consideram o dom de línguas usado em orar, cantar, e abençoar. (Observe que "bendisseres com o espírito" equivale a "ação de graças" no V. 16.) O V. 15 enfatiza que isso deve ser feito com o entendimento. Isso indica, claramente, que deve ser feito de tal maneira que outros possam tirar proveito, como demonstrado nos vs. 14, 16. Portanto, interpretação era necessário, senão o exercício do dom seria puramente egoísta; somente aquele que falava teria proveito. O V. 16 deixa isto claro. Algum irmão estaria dando graças numa língua estranha; haveria na congregação uma pessoa interessada, que não poderia acompanhar, nem expressar comunhão com a ação de graças (dizendo "Amem"), pois nada entenderia. Esta pessoa é chamada de "indouto" e, comparando o V. 16 com os vs, 23-24, indica claramente que seria um crente que ainda não estava na comunhão da igreja local. Parece ser uma pessoa interessada (veja nota abaixo). E possível que, havendo chegado à reunião e havendo ouvido o dom de línguas em operação, ficasse confuso e perturbado pelo fato de não poder acompanhar inteligentemente o irmão na sua ação de graças. É evidente que o uso de "Amem" nas reuniões era uma ocorrência comum. Seu uso em Neemias 8:6, indica que era também comum entre os filhos de Israel. Mesmo hoje em dia o seu uso significa que o crente concorda, e expressa a sua aprovação, como se fosse a sua própria oração.
Observe o profundo interesse que o apóstolo manifesta no bem-estar espiritual do visitante. Embora ele, evidentemente, não estava em comunhão, não deveria ser ignorado, mesmo que, provavelmente, ocupasse esse lugar por causa da sua imaturidade. No V. 23, a mesma expressão "indouto" é usada, mas parece que se refere
a um descrente, porque diz que o resultado de ouvir os profetas preensível à sua mente. O "bárbaro" seria um estrangeiro que não falava grego. É claro que, para o bárbaro, a língua grega era igualmente ininteligível. Qualquer um que viaja ao exterior já teve esta experiência. Quando alguém falava em línguas, levantava uma barreira, impossibilitando a comunhão. "Sentido", aqui, é literalmente "poder". O poder da fala se encontra na sua inteligibilidade.
 
12. Paulo agora os exorta, lembrando-lhes do seu zelo em procurar dons espirituais. A palavra "espiritual", aqui, é diferente daquela em 12:1 e 14:1. J. N. Darby a traduz "espírito"; mas o sentido parece ser dons ou manifestações espirituais. Ele exorta-os a direcionar o seu zelo na edificação da igreja. Edificar os outros era a coisa mais importante. Paulo volta constantemente a este tema supremo pois, em comparação, tudo toma um lugar secundário.
 
Os próximos treze versículos (vs. 13-25) destacam o que é proveitoso.
É extremamente importante observar que nesta passagem o apóstolo está tratando do dom de línguas em operação, mas sem interpretação.
Nenhuma interpretação foi necessária em Atos 2, porque os ouvintes podiam entender as línguas. A utilidade do dom dependia, inteiramente, da sua interpretação, quer seja por aquele que falava, quer seja por outro. Vamos considerar estes versículos sob três aspectos:
 
a) Do ponto de vista daquele que fala vs. 13-15;
b) Do ponto de vista da igreja vs. 16-19;
c) Do ponto de vista do visitante vs. 20-25.
 
13. Paulo encoraja o irmão que tem o dom de línguas a orar pelo dom de interpretação. O exercício do dom sozinho era muito limitado quanto ao seu valor, e de nenhum proveito aos ouvintes.
Exercer o dom de línguas era falar uma língua estrangeira, mas interpretar era traduzir a mensagem com explanação no vernáculo, na língua que todos entendiam. Esta é a premissa básica sobre a qual ele vai construir o seu argumento.
 
14. Agora ele exemplifica o que vai acontecer quando não há intérprete.
"Porque" estabelece a ligação; esta é a razão pela qual ele deve orar pela capacidade de interpretar. Se não há interpretação, o espírito ora, mas o entendimento fica infrutífero, significando que não há nenhum proveito para o ouvinte. "Se eu orar em língua estranha" é o exercício do dom; "o meu espírito ora", se refere ao seu próprio espírito sob a influência do Espírito de Deus. "Meu entendimento fica sem fruto" não significa que a sua mente não está envolvida, ou que fica de lado. Tal conclusão incrível é impossível, especialmente depois de toda a ênfase que se deu no versículo anterior à inteligibilidade. Paulo não diz que a mente não está envolvida; o que ele realmente diz é que o entendimento fica infrutífero - infrutífero embora envolvido. Nenhum fruto se produz no
ouvinte. O contexto dá apoio a esta interpretação: "procurai abundar neles, para edificação da igreja" (v. 12); "não sabe o que dizes" (v. 16); "o outro não é edificado" (v. 17). O propósito total do dom é alcançado quando o ouvinte ouve, e tira proveito, da interpretação.
 
15-16. Estes versículos consideram o dom de línguas usado em orar, cantar, e abençoar. (Observe que "bendisseres com o espírito" equivale a "ação de graças" no V. 16.) O v. 15 enfatiza que isso deve ser feito com o entendimento. Isso indica, claramente, que deve ser feito de tal maneira que outros possam tirar proveito, como demonstrado nos vs. 14, 16. Portanto, interpretação era necessário, , senão o exercício do dom seria puramente egoísta; somente aquele que falava teria proveito. O V. 16 deixa isto claro. Algum irmão estaria dando graças numa língua estranha; haveria na congregação uma pessoa interessada, que não poderia acompanhar, nem expressar comunhão com a ação de graças (dizendo "Amem"), pois nada entenderia. Esta pessoa é chamada de "indouto" e, comparando o V. 16 com os vs. 23-24, indica claramente que seria um crente que ainda não estava na comunhão da igreja local. Parece ser uma pessoa interessada (veja nota abaixo). É possível que, havendo chegado à reunião e havendo ouvido o dom de línguas em operação, ficasse confuso e perturbado pelo fato de não poder acompanhar inteligentemente o irmão na sua ação de graças. É evidente que o uso de "Amem" nas reuniões era uma ocorrência comum. Seu uso em Neemias 8:6, indica que era também comum entre os filhos de Israel. Mesmo hoje em dia o seu uso significa que o crente concorda, e expressa a sua aprovação, como se fosse a sua própria oração.
Observe o profundo interesse que o apóstolo manifesta no bem-estar espiritual do visitante. Embora ele, evidentemente, não estava em comunhão, não deveria ser ignorado, mesmo que, provavelmente, ocupasse esse lugar por causa da sua imaturidade. No V. 23, a mesma expressão "indouto" é usada, mas parece que se refere
a um descrente, porque diz que o resultado de ouvir os profetas seria o mesmo, tanto na experiência do indouto como do descrente.
Será que "indouto", indica uma pessoa que veio pela primeira vez?
Observe que a versão de J. N. Darby traduz esta palavra "indouto" no v. 16 por "um (cristão) simples", e no V. 23 por "(pessoas) simples".
 
17. Mostrando o efeito do uso do dom de línguas sobre esta pessoa, Paulo manifesta a sua preocupação com a reação de um cristão "indouto" com o que acontece na igreja local. O ideal seria que esta pessoa ficasse profundamente impressionada com o que viu e ouviu. Mas a língua não interpretada seria uma barreira para ela, e ela não seria ajudada, de forma alguma. Não importa quão inteligente fosse a adoração, não teria valor algum se as pessoas não entendessem.
Não haveria edificação para os outros. Isto indica que o crente pode ser edificado através de outras coisas, e não somente por ministério.
 
18-19. Parece que Paulo excedia a todos no exercício do dom de línguas (em particular, aparentemente). Tornando isto conhecido, ele mostra que não estava menosprezando o dom, nem tinha inveja deles, de modo algum. É realmente um toque magistral, e fortalece a sua posição para falar da óbvia exibição deste dom por eles.
Observe a expressão "em igreja" sem o artigo, no original; referese à igreja local reunida (veja 11:18 para uma expressão semelhante).
Sempre pertencemos à igreja local, mas somente estamos "em assembléia" quando nos reunimos. Em seguida, ele afirma que preferiria falar cinco palavras e ser entendido, do que falar dez mil palavras numa língua estrangeira. Seria difícil imaginar um contraste mais forte, ou mais claro. Cinco palavras seria uma declaração
curta e objetiva, na língua que todos conheciam. Assim Paulo demonstra a superioridade de profecia sobre o dom de línguas.
Parece que ele não usava o seu dom de línguas nas reuniões públicas.
A sua finalidade em falar nas reuniões era para instruir os outros, ensiná-los, e edificá-Ios. Assim ele enfatiza a necessidade de inteligibilidade, clareza e proveito.
 
Nos VS. 20-25 há uma mudança no alvo do ministério. Até este ponto Paulo estava demonstrando o prejuízo que poderia ser causado pelo uso do dom de línguas sem interpretação. Agora ele vai mostrar a falsidade do valor que os coríntios davam ao dom. Em vez de ser um sinal de bênção, era de fato sinal de juízo; em vez de ser para crentes, era primariamente para descrentes. Observe o que se destaca em cada versículo:
 
V. 20 A Imaturidade e a Maturidade;
V. 21 A Instrução das Escrituras;
v. 22 A Conclusão das Escrituras;
v. 23 0 Resultado de Falar em Línguas;
V. 24,25 0 Resultado de Profecia.
 
20. Aqui o apóstolo faz um apelo muito forte. Ele deseja que eles cresçam, deixem de ser crianças (paidion) nas suas mentes, e prossigam à maturidade. Em toda esta questão estavam se comportando como meninos. Estavam se alegrando, de uma maneira infantil, no dom espetacular de línguas, e usando-o para exibirem-se a si mesmos.
Ele reconhece que devem ser bebês (nepiazo), não meninos, na malícia, mas devem ser maduros na mente, evidenciando assim inteligência no uso do dom. Malícia, como usada aqui, indica a atitude que haviam adotado e as más relações que resultavam disto; um crescimento para entendimento corrigiria esta situação. Este versículo estabelece o lugar vital que a mente ocupa na experiência cristã, em contraste com a ênfase unilateral aos dons espetaculares.
Alguns pensam que era malicioso usar o dom para exibição vaidosa de si mesmos, em vez de para edificação.
 
21. Agora Paulo cita a lei. Este termo geralmente se refere ao Pentatêuco, embora em João 10:34 se refira aos Salmos (Sal. 82:6); aqui, inclui os profetas, especificamente Is. 28: 11-12 (veja também Deut. 28:49; Jer. 5:15). Ele queria ensinar-Ihes uma lição através do acontecimento mencionado na passagem. Refere-se a um tempo na história de Israel quando haviam virado as costas a Deus, deixando de ouvir os Seus profetas, e se caracterizavam por pecado e desobediência.
Deus então informou-Ihes do Seu juízo, através da invasão dos assírios. Por toda a parte ouviriam uma língua que não entenderiam.
Foi um sinal de juízo; mesmo assim continuariam no seu pecado e recusariam escutar. Observe, atentamente, o uso da palavra "línguas". Refere-se, sem dúvida, à língua dos assírios. No v. 22, "de sorte que" indica que Paulo tira a sua conclusão deste acontecimento do VT. Ele se refere ao dom de línguas pela mesma palavra "línguas" que se usa neste versículo, estabelecendo assim que era uma língua conhecida.
 
22. Paulo tira a conclusão de que as línguas eram sinal para os incrédulos, e não traziam nenhuma bênção, nem para Israel nem em Corinto (v. 23). Por outro lado, profecia era um sinal para os crentes e tinha por finalidade abençoá-Ios, e também poderia ser uma bênção para os descrentes (vs. 24-25). É bem provável que qualquer judeu que conhecia Isaías 28 reconheceria que o falar em linguas era um juízo sobre a nação. (É claro também que, se o dom de línguas fosse um sinal para os descrentes, isto descarta, completamente, a idéia de que era a evidência de que uma pessoa tinha sido batizada com o Espírito Santo, como os carismáticos dizem.)
 
23. Paulo agora descreve uma reunião da igreja local. O ajuntamento de toda a igreja indica que naqueles dias primitivos era o costume de todos assistirem a todas as reuniões. Devemos incentivar um mesmo senso de responsabilidade em cada cristão, nos dias de hoje. Se em tal ocasião todos falassem em línguas (sem dúvida os
coríntios teriam achado isto maravilhoso), qual seria o efeito nos visitantes? Uma torrente de sons ininteligíveis, numa língua estranha, lhes faria pensar que todos tivessem enlouquecido. Não associariam esta confusão com a presença de Deus. Em vez de serem abençoados, eles se afastariam, tendo certeza de que ali não havia nada.
Observe como o indouto, neste versículo, é um descrente, enquanto que no V. 16, como foi notado, é um cristão.
 
24-25. Por outro lado, se os profetas estivessem exercendo o seu ministério na língua da região, então todos entenderiam, inclusive os visitantes, e resultados seriam vistos. Estar cônscio da presença de Deus pode ser uma grande bênção, tanto para santos como para pecadores.
O fato da profecia não ser primariamente para os pecadores não quer dizer que não poderiam receber uma bênção, sob a direção do Espírito Santo. Muitas pessoas têm sido convertidas durante a Ceia do Senhor, ou até numa reunião de ministério. O poder da presença de Deus, e da palavra de Deus, é uma realidade. Vamos notar seis coisas que se afirmam destas pessoas:
 
a) Convencido: isto se refere à convicção do pecado. Sua consciência começa a operar. Ficando cada vez mais cônscio da presença de Deus, do Seu poder penetrante (veja Heb. 4: 12), e da operação do Espírito Santo (João 16:8), ele fica convencido da sua culpa e contaminação.
 
b) Julgado: a palavra profética penetra no seu íntimo. Ele sente que está sendo examinado, que todo o seu ser está sendo investigado.
A mulher samaritana teve uma experiência deste tipo (João 4). "De todos" qualifica tanto "convencido" como "julgado", indicando que cada um que fala está intensificando a obra no íntimo desta pessoa. Desperta-se nele o reconhecimento de que terá que prestar contas a Deus pela sua maneira de viver.
 
c) Os segredos do seu coração ficarão manifestos: ele se sente virado do avesso. Está começando a se ver como Deus o vê. Seus pensamentos, desejos, motivos, o seu homem interior, lhe estão sendo revelados. Humilhado e examinado, ele se sente condenado por si mesmo. Tudo isto está produzindo arrependimento e voltando-o a Deus.
 
d) Lançando-se sobre o seu rosto: isto manifesta uma atitude da mais profunda humildade. A luz que penetrou e iluminou a sua mente e o seu coração, leva-o a prostrar-se perante Deus.
Ele se volta para Deus. Quase que podemos ouvi-lo dizer: "Deus, tem misericórdia de mim, pecador".
 
e) Adorará a Deus: ao revelar ao homem a sua própria natureza Deus, ao mesmo tempo, Se revelou ao homem. Ele reconhece, como nunca reconheceu antes, a presença de Deus, e com a maravilha de tudo isso enchendo a sua alma, ele se prostra em humilde adoração, dando-Lhe homenagem. Tudo agora lhe é tão real.
 
f) Publicando que Deus está verdadeiramente entre vós: agora ele se toma uma testemunha; a pessoa creu com o seu coração, e com a sua boca fará confissão (Rom. 10:10). Sem dúvida, o seu testemunho quanto à presença de Deus entre eles foi confessado imediatamente: "Deus está, verdadeiramente, entre vós". Depois de deixá-Ios, certamente ele teria feito a mesma declaração a todos com quem se encontrasse: "podem dizer o que quiserem acerca deles, mas eu digo que Deus está ali". Eu entendo tudo isto como significando a verdadeira conversão do descrente. Este resultado e testemunho é o contrário de "estais loucos", no v. 23.
 
Temos observado o efeito nos ouvintes ao ouvirem o ministério dos profetas. Eles descobrem como a percepção da presença de Deus e a mensagem de Deus penetram na sua alma, revelando a vida toda de cada pessoa. Cada um está aprendendo algo da santidade de Deus, e também das suas próprias tendências pecaminosas. Cada um
se prostrará, na mais profunda adoração, e dará testemunho ao fato de Deus estar no ajuntamento, dizendo: "Este é o lugar onde o Deus verdadeiro habita".
 
NOTAS ADICIONAIS:
2 A palavra "estranha" não consta nos manuscritos, e deve ser omitida deste versículo. Veja os vs. 2, 4, 14, 19, 27.
16 "Indouto" é a tradução da palavra idiotes, e normalmente indica uma pessoa física em contraste com um oficial do estado, ou uma pessoa sem qualificações em contraste com uma pessoa qualificada. Ocorre somente mais duas vezes: em Atos 4: 13, onde é traduzida "indoutos", talvez referindo-se à falta de treinamento profissional; e em 11Cor. 11:6, onde é traduzida "rude", provavelmente inábil na oratória; na opinião deles, simples no seu modo de falar. A tradução de J. N. Darby é muito apropriada: "um (cristão) simples", no V. 16; "(pessoas) simples", no V. 23.
 
 
A Regulamentação dos Dons (14:26-40)
 
"Que fareis pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação.
E se alguém falar língua estranha, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete.
Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus.
E falem dois ou três profetas, e os outros julguem.
Mas se a outro, que estiver assentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro.
Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros; para que todos aprendam, e todos sejam consolados.
E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas.
Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos.
As mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei.
E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é indecente que as mulheres falem na igreja.
Porventura saiu dentre vós a palavra de Deus? Ou veio ela somente para vós?
Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do
Senhor.
Mas, se alguém ignora isto, que ignore.
Portanto, irmãos, procurai, com zelo, profetizar, e não proibais falar línguas.
Mas faça-se tudo decentemente e com ordem."
 
Nos vs. 1-12, o apóstolo Ihes apresentou os princípios de edificação e inteligibilidade; nos vs. 13-25, ele descreveu os dons em operação, sendo que a finalidade prática em vista é a sua utilidade.
Agora, nesta seção, ele vai indicar a necessidade de regulamentar os dons, porque até dons de Deus precisam ser controlados. No início e no final desta seção, ele apresenta dois princípios que servem para governar o controle dos dons nas reuniões públicas. (Vemos que são reuniões públicas que estão sendo consideradas pelas palavras do V. 26: "quando vos ajuntais"; veja 11: 18.) Em primeiro lugar, ele afirma no V. 26: "Faça-se tudo para edificação"; e, em segundo lugar, no V. 40: "Faça-se tudo decentemente e com ordem".
Observe em cada versículo a expressão "tudo"; todo aspecto de adoração deve promover a edificação de todos os que estejam reunidos; e deve ser feito decentemente, e de maneira digna, caracterizado por ordem divina. Semelhantemente, o V. 33 diz: "Deus não é Deus de confusão, senão de paz". Qualquer coisa que causa desordem e confusão, e não harmonia e paz, não provém de Deus.
Observe também que 16: 14 diz: "Todas as vossas coisas sejam feitas com amor". Vamos considerar esta seção da seguinte maneira:
 
a) O Controle dos Dons vs. 26-33;
b) O Silêncio das Mulheres vs. 34-35;
c) A Autoridade do Apóstolo vs. 36-40.
 
26. Agora podemos considerar as atividades da igreja local. Paulo apresenta certas atividades para depois, nos vs. 27-28, dar instruções para aqueles que falam em línguas e, nos vs. 29-33, para as atividades dos profetas. Ele menciona, aqui, cinco formas diferentes de atividade, que formam um contraste estranho com o ministério "programado" que existe em tantos lugares. Claramente, como foi notado no capítulo 11, não há indicação nenhuma do ministério de um só homem, mas a reunião estaria aberta para diversos irmãos participarem de várias maneiras. Pode ser que as palavras: "Faça-se tudo para edificação", indiquem um desejo imoderado de participar e fazer ouvir a sua voz. Todos poderiam estar envolvidos, mas deveriam considerar uns aos outros. Estes princípios ainda devem ser aplicados nas reuniões da igreja local, apesar da cessação dos dons de sinal.
 
Vamos notar, brevemente, as atividades:
 
a) Salmo: normalmente pensamos num Salmo de Davi, mas em outro lugar a palavra é traduzida "cantar" (no V. 15, por exemplo), ou "salmodiando" (Ef. 5: 19); portanto poderia se referir a um cântico de louvor.
 
b) Doutrina: isto se refere ao ensino das Escrituras, à exposição de uma passagem, e à apresentação do seu conteúdo principal e sua aplicação.
 
c) Língua: temos aqui um irmão falando numa língua estrangeira, quer seja em oração ou em ministério.
 
d) Revelação: provavelmente se refere à contribuição do profeta, tornando conhecido aquilo que lhe foi revelado diretamente por Deus.
 
e) Interpretação: o exercício do dom de interpretação é a tradução da substância daquilo que foi dito por aquele que falou em línguas.
 
Temos a impressão que a maioria desejava participar; em si isto é louvável, contanto que não haja manifetação do ego. Nunca devemos perder de vista o princípio governante, que toda a atividade deve ser para a edificação de todos, e assim para a glória de Deus.
Todas as vezes que um irmão participa somente para mostrar-se, ou destacar o seu dom, não haverá glória a Deus nem bênção aos outros.
 
27-28. Ao tratar daqueles que falavam línguas, ele estabelece certas regras para a orientação de todos e para garantir ordem e edificação.
Em primeiro lugar, ele indica um limite no número dos que participam: dois, ou quando muito três. Eles não devem dominar a reunião, mas deixar lugar para os profetas. Em segundo lugar, devem seguir-se uns aos outros, participando um por vez. Talvez isso pareça estranho a nós, mas mostra, claramente, a natureza da confusão e desordem contra as quais Paulo adverte nesta passagem. Em terceiro lugar, ele indica que tem que haver interpretação; ele tem insistido nisto no capítulo todo. Alguns acham que isso quer dizer um só interprete para os três que falariam em línguas. Se assim fosse, isso garantiria que um só participaria de cada vez, pois o próximo participante teria que esperar até que a interpretação do primeiro terminasse. O V. 28 estabelece, com bastante clareza, o seguinte princípio: se não houver intérprete, aquele que fala línguas deve permanecer em silêncio. Segundo 12: 10, o dom de interpretação era dado a vários santos, portanto todos saberiam se algum deles estivesse presente.
 
29. Ao tratar dos profetas, a primeira condição é semelhante àquela estabelecida para o dom de línguas, isto é, que os que falam sejam limitados a dois ou três. E claro que os que participavam desta maneira eram reconhecidos como possuidores deste dom, e este é um princípio importante. Embora não temos profetas, hoje em dia, mas sim ensinadores, somente os que possuem este dom são reconhecidos.
O uso do plural não permite o ministério por um só homem, mas o uso da palavra "profetas" limita a função, e indica que ministério por qualquer um, não deve ser permitido.
Vemos que os "outros" devem julgar. Várias opiniões existem quanto a identidade destes "outros". A própria palavra allos indica "outros do mesmo tipo", isto é, profetas. Sem dúvida, irmãos acostumados a exercer este dom teriam a sensibilidade espiritual necessária para testar a validade da mensagem, como em I João 4: 1, enquanto que, em I Tess. 5: 19-21, é a igreja local que prova o valor do ministério, pois aquilo que é ministrado no poder do Espírito Santo acha uma resposta nos corações dos cristãos, que discernem a voz de Deus, e fazem todo o esforço para por em prática as suas exigências.
 
30. Enquanto um falava, outro poderia receber uma mensagem; sendo assim, o primeiro deveria sentar-se. Não sabemos como se comunicavam. Poderia ser que o primeiro irmão sentia ter cessado a iluminação, a energia e impulso do Espírito, e então ficaria sabendo que o Espírito estava para usar outro profeta. Também poderia ser
que o segundo irmão indicasse de alguma maneira, por exemplo, ficando em pé, ou levantando a mão, que tinha recebido uma revelação.
Assim a soberania do Espírito era indicada, garantindo proveito a todos.
 
31. Agindo assim, eles garantiam a ordem, e cada profeta podia entregar a sua mensagem, e o grupo todo recebia ajuda. Todos poderiam aprender mediante a instrução, e poderiam ser consolados e encorajados. Desta maneira a igreja local, com toda a sua variedade de necessidades, recebia luz e poder e consolação e refrigério.
 
32-33. É instrutivo observar que os profetas estavam totalmente em controle de si mesmos. Isto está em contraste com 12:2, onde se afirma que antigamente eram levados, escravizados, pelo espírito maligno. Aqui, embora estivessem sob as influências sobrenaturais do Espírito Santo, o profeta estava em controle total, sujeito à Sua orientação, assim podendo participar inteligentemente, ou dar lugar a outro, se fosse necessário. A observância deste procedimento, na igreja de Deus, manifesta como Deus é o Controlador supremo, e mostra que Ele é um Deus que odeia desordem e confusão, e se deleita com paz e harmonia. Portanto, se tudo é feito de maneira ordeira e com paz, Deus é honrado, e Seu caráter verdadeiramente refletido; se confusão e desordem dominam, então Deus é desonrado e dá-se uma impressão falsa do Seu caráter. Como é essencial que
esta ordem, paz e harmonia prevaleçam quando os cristãos se ocupam em santas atividades no sagrado serviço de Deus! Paulo diz, em concluir, que isso deve caracterizar todas as assembléias dos santos.
Vamos tomar cuidado para que não percamos de vista a santa dignidade que deve caracterizar as reuniões.
 
34-35. Algumas traduções ligam o final do V. 33 com o V. 34.
Como não há pontuação no texto original inspirado, é deixado ao critério do tradutor ou tradutores; portanto, pode ser traduzido:
"Como em todas as igrejas dos santos, conservem-se as mulheres caladas nas igrejas" (ARA). Isto indicaria qual era a prática normal nas outras igrejas, e que Corinto estava sozinha ao permitir que mulheres falassem nas reuniões. Olhando para 11: 16, vemos que Corinto estava sozinha ao permitir que as mulheres tivessem as cabeças descobertas. Ao destacar a prática observada nas outras igrejas, Paulo questiona o direito dos coríntios de se colocarem acima das regras observadas por estas igrejas. Isto é muito atual, pois há muitos lugares onde se diz que cada igreja local está sozinha, responsável somente ao Senhor; isto é realmente verdade, porém eles estão usando esta verdade para fazer o que bem querem, e introduzir costumes que são contrários à palavra de Deus e à prática comum.
Esta atitude é alheia ao ensino de Paulo. Ela viola o espírito de comunhão estabelecida entre as igrejas. A prática de uma só igreja não estabelece a norma para as outras. A verdade é que os costumes desta única igreja em Corinto são totalmente condenados, pois é claro que, se todas as outras igrejas estivessem praticando a mesma coisa, então estes costumes teriam sido aprovados pelos apóstolos que haviam estabelecido estas igrejas. Uma igreja não deve comprometer a comunhão com outras igrejas por introduzir práticas que são contrárias à palavra de Deus. Convém destacar esta declaração geral: "As mulheres estejam caladas nas igrejas". É absoluta.
Não há como escapar. É simples, clara, objetiva e autoritária.
É um tanto patético ver até onde alguns comentaristas irão para tentar escapar da força desta declaração. Alguns colocam os dois versículos (os vs. 34-35) depois do V. 40. Outros sugerem que Paulo não escreveu estas palavras, mas que alguém acrescentou-as mais tarde. Outros também dizem que o "falar" aqui se refere à tagarelar, ou à mulher interrompendo para fazer perguntas, ou que estes versículos se referem à reuniões que não são reuniões da igreja local, embora não existe nada no contexto que indique tal distinção.
Alguns sugerem que é só ensinar que se exclui, porém o v. 35 exclui toda a participação pública, até mesmo fazer perguntas. Que o leitor observe, com atenção, a variedade de traduções, todas declarando, com clareza, esta posição:
 
ARC: "As mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas estejam sujeitas".
 
ARA: "Conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas".
 
VR: "As mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas estejam submissas".
 
MS: " As mulheres estejam caladas nas igrejas, porque não Ihes é permitido falar, mas devem estar sujeitas."
 
AVT: "As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas".
 
NVI: "Permaneçam as mulheres em silêncio nas igrejas, pois não lhes é permitido falar; antes permaneçam em submissão".
 
Não seria mais sábio aceitar esta clara declaração e interpretar todas as outras à luz dela? Observe que a palavra "estejam caladas" (sigao), no V. 34, é a mesma que se encontra no V. 28: "esteja calado", o no v. 30: "cale-se". Nestes dois últimos versículos é claro que quer dizer "parar de falar publicamente". Agora vamos considerar a palavra "falar" (laleo). Dizem que a palavra quer dizer tagarelar, mas a etimologia de uma palavra usada no NT não é sua interpretação final, mas sim, a maneira como ela é usada no NT, e especialmente, como é usada no contexto. Em mais que 300 ocorrências, no NT , ela não tem esse significado. É usada de Deus falando
(João 9:29); de C,risto falando (João 17:1); do Espírito Santo falando (Atos 28:25). E usada aproximadamente vinte e quatro vezes neste capítulo, sempre referindo-se a falar e não a tagarelar. Isto é conclusivo quanto ao seu uso e significado. A regra do V. 24 é positiva, explícita, e universal. Refere-se a todo ato de falar e fazer perguntas na renião. O significado não pode ser confundido. Não há nenhuma outra regra mais positiva do que esta no NT. Não importa quão plausíveis sejam as razões dadas para desconsiderá-la, e permitir que as mulheres participem, a linguagem do apóstolo é clara e positiva, e não pode ser rejeitada sem incorrer na censura do v. 38. A proibição é absoluta nas reuniões dos santos. A expressão "estejam sujeitas" (hupotassomai) destaca o lugar de sujeição, ou submissão, que Deus lhe deu. "Como também ordena a lei" se refere à narrativa da criação e à ordem dos sexos: o homem sendo apresentado primeiro, depois a mulher; veja I Tim. 2: 13-14. A liderança está nas mãos do homem. Tanto o homem como a mulher ocupam um lugar de honra que lhes foi dado por Deus, e todas as pessoas piedosas reconhecerão que é assim, e se sujeitarão à ordenança
da sabedoria de Deus. As mulheres, se estiverem em dúvida sobre alguma questão, não devem fazer perguntas publicamente, mas devem procurar a ajuda dos homens, em casa. A palavra traduzida "maridos", enquanto usada em certos contextos desta maneira, realmente quer dizer homens, como distintos de mulheres. O assunto é encerrado com a forte declaração: "É indecente que as mulheres falem na igreja". A palavra traduzida "indecente" (aischros) quer dizer ignominioso, impróprio, indecoroso, vergonhoso.
 
36-38. Esta longa seção (12: 1-14:40) chega à sua conclusão com um lembrete sobre a autoridade apostólica. O apóstolo está cônscio da oposição que seus conselhos vão provocar naqueles que querem desacreditar tudo o que ele lhes tem ensinado. Portanto, ele lhes desafia em relação à palavra de Deus. Quando ele mencionou "a lei" no V. 34, ele estava salientando-a como a palavra de Deus, e o próprio Deus como a fonte definitiva daquela autoridade que requer a obediência do Seu povo. Sempre existem pessoas e igrejas que querem fazer a palavra de Deus significar aquilo que elas acham que deve significar, e assim mostrar que são mais sábias do que Deus. A primeira pergunta se refere à fonte: será que a palavra de Deus originou com eles? Se fosse assim, eles poderiam determinar o seu significado. Será que eles foram a fonte da revelação? Sendo a primeira das igrejas a desviar-se da palavra de Deus, especialmente em relação à participação das mulheres (no contexto imediato), eles se estabeleceram como uma autoridade superior, e portanto o apóstolo os censura. A segunda pergunta se refere à recepção singular da palavra de Deus. Será que eles foram os únicos receptores de tal revelação, visto que puderam introduzir tais costumes? Poderiam eles agir independentemente e ignorar as outras igrejas? Isto era arrogância mesmo! Autoridade independente não estava nas suas mãos.
Mas ainda hoje encontramos a mesma atitude, e a mesma reivindicação de ser progressista e liberal. Porém, tal progresso é realmente afastamento da palavra de Deus; e tal libertação é o abandono da obediência a ela. Paulo toma uma posição firme quanto à autoridade apostólica. Ele declara que seu ensino tem o caráter de um mandamento do Senhor. Se alguém dissesse ser profeta (falando sob inspiração divina), dissesse ser realmente espiritual (desejando agradar ao Senhor), então que comprovasse estas afirmações por submissão ao ensino apostólico. Se tal pessoa recusasse o ensino, suas afirmações seriam falsas e espúrias. O que Paulo afirma não pode ser confundido: ele está escrevendo a palavra de Deus; isto não pode ser ignorado, e cabe a cada um submeter-se a este ensino caracterizado por autoridade apostólica, não importa que experiência ele alega ter. O V. 38 é muito solene: "Mas, se alguém ignora isto, que ignore". Ignorância voluntária é ignorância permanente; ignorância persistente é ignorância culpável. Havendo mostrado a posição, segundo a mente de Deus, Paulo não estava disposto a perder tempo discutindo com tais pessoas.
 
39-40. Aqui temos as conclusões de Paulo sobre este assunto todo.
Usando pouquíssimas palavras, ele avalia estes dois dons: "procurai, com zelo, profetizar, e não proibais falar línguas". Desejai aquele, e tolerai este. Tal conselho foi oportuno nos dias quando estes dons estavam operando. Observe o positivo "procurai", e o negativo "não proibais". Finalmente, como foi observado antes, "faça-se tudo descentemente em com ordem".
 
Agora vamos fazer um resumo do ensino deste capítulo:
 
a) A supremacia do amor para enriquecer cada dom e capacitar a todos a servirem de maneira aceitável.
 
b) A importância de edificação, pois o exercício dos dons é vão a não ser que todos sejam edificados na sua fé.
 
c) A importância vital de inteligilibilidade, para que todos entendam e tirem proveito.
 
d) A necessidade óbvia de ordem piedosa, para que visitantes sejam atraidos e não repelidos, e para que as suas necessidades espirituais sejam plenamente supridas.
 
e) A importância de estar pronto a aceitar o princípio de liberdade controlada, sobre o número de participantes (v. 29), submissão voluntária ao julgamento dos outros (v. 29), e prontidão para dar lugar a outro (v. 30).
 
f) A importância da autoridade da palavra de Deus, que deve ser obedecida tanto pelas mulheres (vs. 34-35) quanto pelos homens (v. 37).
 
g) O perigo de uma igreja local agir de maneira contrária à palavra de Deus e à prática de outras igrejas baseadas naquela Palavra.
 
h) Aceitação total da supremacia do ensino dos apóstolos e submissão total ao mesmo, como sendo o mandamento do Senhor.
 
Jack Hunter
Extraído do Comentário Ritchie
Editora Edições Cristãs

 

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