Os “filhos de Deus” em Gênesis 6 são os anjos de Judas 6?

Primeiro, a frase “filhos de Deus” não significa necessariamente anjos. Isso (no caso dos anjos) acontece 3 vezes (Jó 1:6; 2:1; 38:7), mas pelo menos 4 vezes essa palavra descreve o relacionamento de Israel com Deus como “filhos” (Êxodo 4:22; Oséias 1:10; Deuteronômio 14:1; Salmos 73:15). Isto expressa uma relação de favor com Deus, distinta de todas as outras; esse pode ser o seu pensamento em Gênesis 6.

Em segundo lugar, no seu contexto, estes versículos são a ponte entre a genealogia dos homens piedosos no capítulo cinco e a corrupção que exigiu o julgamento justo do dilúvio. Visto que outras passagens consideram os homens – e não os anjos caídos – responsáveis ​​pelo mal daqueles dias (Gênesis 6:12, 13; Jó 22:15-17; 2 Pedro 2:5), o contexto favorece a visão de que a falta de separação por uma geração humana favorecida acelerou a corrupção.

O contexto em Judas também parece diferenciar as duas passagens. Com o Egito e Sodoma, esses anjos fazem parte de um dos muitos “grupo de três” de Judas. Tal como acontece com aqueles mencionados em Judas 4, todos pecaram enquanto eram privilegiados e depois sofreram julgamento, como aconteceria com aqueles no versículo 4. Se o pensamento de Lúcifer trouxe julgamento imediato (Isaías 14:12, 13), o pecado destes em Judas 6 também deve ter exigido o banimento imediato para cadeias eternas. Mesmo que os “filhos de Deus” em Gênesis 6 fossem anjos, eles eram anteriormente anjos caídos (julgados), que por um período prolongado – como se supõe – coabitaram com mulheres. Esta não é uma ilustração daqueles que pecam enquanto são privilegiados e, portanto, sofrem severamente.

Se há um período da história sobre o qual gostaríamos de mais informações é o período antediluviano, entre a queda e o dilúvio. A narrativa de Gênesis mostra-se muito reticente, por uma razão muito simples. Mil e seiscentos anos são concentrados em duas páginas, de modo que não podemos ignorar a ligação significativa entre a queda e o dilúvio, quer vejamos ou não qualquer outro elemento. O escritor inspirado omite tudo que não é vital ao seu propósito. A narrativa bíblica jamais se preocupa com o simples lapso de tempo, e sim com a importância moral dos eventos. Entre a queda e o dilúvio, o desenvolvimento dos fatos é quase dramático. Vamos observá-los com cuidado.

No capítulo 3 vemos a queda.

No capítulo 4, temos Caim e sua linhagem — “os filhos dos homens”.

No capítulo 5 aprendemos sobre Sete e sua linhagem — “os filhos de Deus”.

No capítulo 6 as duas linhas se cruzam, com resultados morais trágicos.

No capítulo 7 o juízo é executado — o dilúvio.

Esta sequência dramática, uma vez observada, não pode mais ser esquecida. A separação entre as duas linhagens era vital; sua mistura, fatídica. A condição moral resultante foi espantosa; a corrupção, extrema. Tornou-se inevitável a intervenção divina, assim como o castigo. O dilúvio foi enviado como um ato de juízo e também como uma medida de salvação moral. Esta é a primeira grande lição bíblica de que são indispensáveis a separação e a intransigência. A insistência divina em todo o tempo é para que a descendência espiritual “saia e se separe”.

Alguns afirmaram que os “filhos de Deus” mencionados no capítulo 7 são anjos decaídos, isto é, anjos “que não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio”, referidos em Judas 6.

O falecido Dr. E. W. Bullinger, exegeta capaz, mas frequentemente fantasioso e falho, defende esta ideia. Um pouco de reflexão mostrará como ela é absurda. Os anjos são seres espirituais, assexuados, e, portanto, incapazes de experiências sensuais ou processos sexuais; também não podem reproduzir-se. A sugestão de esses anjos perversos de alguma forma terem tomado a forma humana e se tornado capazes de uma atividade sexual não passa de um disparate, como qualquer um pode verificar. A ideia é inconcebível tanto no terreno psicológico como no fisiológico.

Todos sabemos como é peculiarmente delicada, sensível e intrincada a inter-reação que existe entre o corpo humano e a mente ou a alma humana. Isto se deve ao fato de a alma e o corpo terem nascido juntos e estarem misteriosamente unidos em uma personalidade humana. É assim que as sensações do corpo se tornam experiências da mente. Se os anjos simplesmente tomassem corpos e habitassem neles, isso não os capacitaria de modo algum a experimentar as sensações desses corpos, pois os anjos e os corpos não estariam unidos em uma personalidade, como no caso da mente e corpo humanos. Na verdade, os corpos não poderiam ser de carne e osso, pois, não habitando neles o espírito humano, o corpo humano de carne e osso morre.

Quando o Senhor Jesus veio a este mundo para tornar-se nosso Salvador, Ele não tomou para si apenas um corpo humano e habitou nele. Tal coisa não o tornaria humano, não seria uma encarnação real. O Filho de Deus não tomou somente um corpo humano, Ele tomou para si a nossa natureza humana; e para isto teve de nascer.

Se esses “filhos de Deus” em Gênesis eram anjos decaídos, a única maneira de se tornarem humanos e se casarem e terem filhos (Gênesis 6:1, 4) seria submetendo-se a um nascimento humano real — isto é, sendo encarnados e nascidos de mães humanas, mas sem pais humanos! Pensar que isto aconteceu é absurdo.

Há que afirma que “filhos de Deus” é uma descrição aplicada apenas às criações diretas de Deus — isto é, os anjos, o primeiro homem, Adão (Lucas 3:38) e aqueles na presente dispensação que constituem uma “nova criação” em Cristo (2 Coríntios 5:17; Romanos 8:14 etc.); mas ele certamente se esquece de versículos como Isaías 43:6 e 45:11, onde a expressão “meus filhos” é equivalente a “filhos de Deus”.

Porque só agora, e não antes, quando ainda Eva estava no Éden, sendo a mais linda e perfeita mulher já criada, ou também depois.

Ignoremos completamente, então, a estranha ideia de que esses “filhos de Deus” em Gênesis eram os anjos decaídos, que “não guardaram o seu estado original” a fim de coabitar com as mulheres da terra. Além das objeções que já levantamos, a impressão que a Escritura nos transmite é de que a queda desses anjos — como a de Satanás — ocorreu muito antes de o homem ser criado na terra.

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