A dificuldade de muitos hoje foi exatamente a mesma que os primeiros discípulos e até os judeus piedosos enfrentaram ao tentar compreender como o Senhor Jesus — sendo judeu e afirmando a unidade de Deus conforme Deuteronômio 6:4 — poderia, ao mesmo tempo, afirmar ser um com o Pai (João 10:30).
Na verdade, a revelação da Trindade não contradiz o monoteísmo hebraico; antes, o aprofunda e o esclarece. Quando Moisés declarou: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Deuteronômio 6:4), a palavra hebraica usada para “único” é echad, que significa unidade composta, e não yachid, que expressa unidade absoluta. O mesmo termo é usado em Gênesis 2:24: “...e serão ambos uma só carne” — dois seres distintos, unidos em uma só realidade. Assim, o Antigo Testamento já deixava aberta a possibilidade de uma pluralidade dentro da unidade divina.
Quando o Senhor Jesus repetiu o mesmo mandamento em Marcos 12:29-30, Ele não estava negando a sua divindade, mas revelando que Ele mesmo fazia parte dessa unidade divina. O próprio contexto do Evangelho mostra isso: o mesmo que citou o Shemá (“Ouve, Israel...”) é o que perdoa pecados (Marcos 2:5-10) — prerrogativa exclusiva de Deus —, acalma o mar com uma palavra (Marcos 4:39-41) e aceita adoração (Marcos 5:6), o que nenhum judeu fiel poderia fazer se não fosse verdadeiramente Deus.
A fé cristã, portanto, não ensina três deuses, mas um só Deus que subsiste eternamente em três Pessoas — o Pai, o Filho e o Espírito Santo —, iguais em essência e natureza, mas distintos em relação e função. O Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus; contudo, não são três deuses, e sim um só. O próprio batismo cristão foi instituído “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mateus 28:19) — observe que “nome” está no singular, mostrando unidade, mas três Pessoas distintas são mencionadas.
Em suma, o monoteísmo judaico foi confirmado e revelado de forma mais plena na pessoa do Senhor Jesus Cristo. Ele não veio negar o Deus de Israel, mas revelá-Lo em toda a Sua plenitude: o Pai que planeja, o Filho que executa e o Espírito que aplica a obra divina na redenção.