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8. J.N. Darby era Calvinista? (08/01/2025)

Caro WK

Agradeça sua mensagem e o interesse em compartilhar sobre esse tema. A questão do livre-arbítrio, especialmente no contexto dos escritos de John Nelson Darby, é de fato profunda e merece uma análise cuidadosa.

Em relação à carta que você mencionou, é importante considerar que Darby, em sua vasta obra, frequentemente abordou a natureza humana e a soberania divina, colocando uma forte ênfase na incapacidade do homem natural em buscar a Deus por si mesmo. Sua posição sobre o livre-arbítrio é consistente com a visão das Escrituras sobre a condição caída do homem. Darby argumenta que o homem, em seu estado natural, está morto em delitos e pecados (Efésios 2:1), incapaz de agradar a Deus ou de buscar a salvação sem a intervenção soberana da graça divina.

Essa visão não é uma negação da responsabilidade humana, mas uma eliminação da ideia de que o homem possui, por si só, a capacidade de escolher a Deus sem a obra do Espírito Santo. Para Darby, a liberdade verdadeira só é encontrada em Cristo, quando o Espírito Santo vivifica o pecador. Ele cita frequentemente Romanos 8:7-8, que afirma que "a mente carnal é inimizada contra Deus" e que "os que estão na carne não podem agradar a Deus". Isso reforça sua posição de que a vontade humana, à parte da graça, é escravizada ao pecado.

No entanto, Darby divergia dos calvinistas em alguns aspectos importantes. Embora compartilhasse da visão reformada sobre a depravação total e a necessidade da graça, ele discordava da ideia da predestinação incondicional nos moldes em que foi defendida por muitos calvinistas. Para Darby, a soberania de Deus não anulava a responsabilidade humana. Ele acreditava que todos os homens são chamados à misericórdia e à fé no Evangelho, mas somente aqueles que responderam a essa chamada pela graça divina podem ser salvos. Ele também rejeitou qualquer noção que pudesse sugerir que Deus fosse o autor do pecado ou que a vontade humana fosse irrelevante no processo de salvação.

Uma discordância fundamental de Darby em relação aos calvinistas estava na visão lógica de que, se Deus elegeu uns para a salvação, então os outros deixados foram eleitos para a perdição. Para Darby, essa conclusão não era bíblica e comprometia o caráter de Deus. Ele afirma que a Escritura não ensina a dupla predestinação dessa forma, mas apresenta Deus como justo e amoroso, desejando que todos cheguem ao arrependimento (2 Pedro 3:9). Embora tenha percebido que apenas os eleitos são salvos, ele enfatizou que a notificação dos ímpios é resultado de sua própria eleição deliberada da graça de Deus e não de um decreto divino que os destina à perdição.

Darby via a responsabilidade humana e o livre-arbítrio como realidades que coexistem com a soberania divina, mas enfatizou que, na prática, o homem só pode exercer essa responsabilidade corretamente quando capacitado pela graça de Deus. Ele ilustrava isso com a figura do pecador que, ao ouvir o Evangelho, é chamado a responder. Embora incapaz por natureza, o Espírito Santo opera no coração para torná-lo disposto e apto a crer. Assim, a responsabilidade do homem é aceitar ou rejeitar a luz que Deus lhe concede, mesmo que a capacidade de aceitar venha exclusivamente de Deus.

Na prática, isso significa que o crente, ao pregar o Evangelho, deve fazê-lo com a plena consciência de que Deus é quem opera a salvação. No entanto, essa pregação nunca deve ser negligenciada com base em uma suposta incapacidade do ouvinte, pois, como Darby afirmava, Deus usa a Palavra para alcançar os corações. Além disso, Darby insistiu que todos os homens são responsáveis por seus pecados e pela exclusão do Evangelho, pois Deus não nega a ninguém a oportunidade de ouvir e responder à Sua Palavra.

Se considerarmos o contexto histórico e teológico em que Darby escreveu, percebemos que ele estava reagindo contra sistemas que enfatizavam o papel da vontade humana na salvação, muitas vezes em detrimento da obra redentora de Cristo e da soberania de Deus. Essa ênfase está em linha com a teologia reformada clássica, que também sublinha a depravação total e a necessidade da graça irresistível.

Portanto, ao examinar os escritos de Darby, incluindo a carta mencionada, parece claro que sua posição sobre o livre-arbítrio é autêntica e consistente com sua teologia geral. Não há promessas de adulteração no conteúdo dessa carta, mas sim uma reafirmação de princípios que ele defendeu amplamente em sua obra.

Espero que essas observações sejam úteis para esclarecer sua dúvida. Caso tenha interesse em explorar mais profundamente os escritos de Darby ou discutir outros temas, estarei à disposição para ajudar.

Por Josué Matos