Áudios

Pesquisar este blog

Quando em Gênesis é dito "e serão ambos uma carne", que significa?

 Alguém que me escreveu no WhatsApp:

Irmão Josué, me veio uma dúvida sobre uma passagem bem conhecida das Escrituras.

Quando em Gênesis é dito  "e serão ambos uma carne", princípio este reafirmado por Cristo nos Evangelhos e novamente citado nas epístolas paulinas.

O que me chamou a atenção foi o uso da palavra carne, que geralmente nos fala da natureza pecaminosa e decaída do ser humano.

Por natureza, o casamento é só para nossa jornada aqui na terra, certo? Seria essa a explicação de "uma só carne" e não, por exemplo, "uma só mente" ou qualquer outra expressão?

Minha Resposta:

Irmão, que boa pergunta. Ela mostra atenção ao texto bíblico e sensibilidade para perceber que a expressão “uma só carne”, repetida em Gênesis, nos Evangelhos e nas Epístolas, não foi escolhida por acaso.

O ponto de partida é o texto de Gênesis 2:24, onde Deus institui o casamento dizendo que o homem deixará pai e mãe, se unirá à sua mulher “e serão ambos uma só carne”. O Senhor Jesus cita este mesmo princípio em Mateus 19:4-6, e o apóstolo Paulo faz referência a ele em Efésios 5:31.

A tua dúvida é legítima: por que “carne” e não “alma”, “espírito”, “mente” ou “coração”?

É importante notar que a palavra “carne” na Bíblia tem mais do que um significado. Há casos em que ela descreve a natureza pecaminosa, mas há outros em que ela indica simplesmente a realidade física e humana e sem qualquer conotação de pecado. Por exemplo, em Gênesis 6:12, “toda a carne” significa toda a humanidade. Em Joel 2:28, “derramarei o meu Espírito sobre toda a carne” não aponta para o pecado, mas para pessoas.

No contexto do casamento, “carne” é usada nesse sentido não moral, mas sim humano e corporal, indicando duas realidades:

1. A união física real e visível entre marido e mulher, própria da vida terrena.

2. A formação de uma unidade nova, que Deus reconhece como uma só entidade, embora composta por duas pessoas distintas.

O casamento pertence de fato à esfera da vida presente. O Senhor Jesus ensinou isso quando disse que, na ressurreição, os homens “nem se casam nem se dão em casamento” (Lucas 20:34-36). Portanto, a união matrimonial não pertence ao estado eterno, mas ao cenário da história humana. Sendo assim, a expressão “uma só carne” harmoniza-se com a natureza temporal do casamento: Deus uniu dois seres humanos para caminharem juntos nesta vida, como uma unidade familiar formada aqui, para aqui.

Mas há ainda algo mais profundo.

A escolha da expressão “carne” realça que o casamento é uma união inteira, não apenas espiritual ou intelectual. Duas mentes podem concordar; dois espíritos podem partilhar fé; duas almas podem ter afinidade. Contudo, nada disso cria uma unidade ontológica nova. Só a união matrimonial, selada pela decisão, compromisso, vida comum e intimidade — elementos próprios da existência terrestre — produz aquilo que Deus chama de “uma só carne”.

Por outro lado, quando Paulo fala da união entre Cristo e a Igreja, ele usa exatamente esta citação de Gênesis para mostrar que o casamento terreno é uma sombra, um símbolo vivo de algo muito mais elevado: “Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito de Cristo e da Igreja” (Efésios 5:32). A união espiritual com Cristo não é “uma só carne”, mas uma união eterna, que ultrapassa os limites da presente criação.

Portanto:

• O casamento é terreno e temporal;

• A expressão “uma só carne” descreve a união plena da vida humana nesta terra;

• A palavra “carne” não aponta para pecado aqui, mas para a realidade física e humana;

• Deus escolheu esta expressão porque é a única que descreve uma união de natureza corpórea, familiar e relacional, própria do propósito divino para o lar.

E ao mesmo tempo, esta expressão aponta para algo muito maior — um mistério que só se entende plenamente quando contemplamos Cristo e a Igreja.

Josué Matos