O Espírito Santo em 1 Coríntios

O assunto do Espírito Santo em I Coríntios está concentrado em três áreas principais. Estas são primeiramente o cap. 2, depois cap. 12, e finalmente os caps. 3 e 6, onde tanto a igreja local quanto o corpo do cristão são chamados de templo de Deus e templo do Espírito Santo, respectivamente.
O assunto do cap. 2 é a demonstração do poder do Espírito Santo na pregação do Evangelho, contrastada com a sabedoria humana. No cap. 12, o tema é dons espirituais e seu exercício da igreja local, como demonstrados pela figura do corpo. Há também uma referência doutrinária importante e vital ao batismo no Espírito Santo que precisa ser compreendida para podermos evitar os excessos vistos nos círculos carismáticos. As referências ao Espírito Santo em relação ao templo, nos caps. 3 e 6, que juntas são tidas como a terceira referência principal no livro, enfatizam de forma inequívoca a necessidade de pureza e santidade tanto em termos individuais como coletivamente.
O assunto será tratado nestas três divisões principais e na ordem em que se encontram na epístola.

O Espírito Santo e o Evangelho
Godet* sugere que nos capítulos iniciais da epístola aos Coríntios o apóstolo se esforça para enfatizar que as contendas não combinam
com o Evangelho crido e pregado (caps. 1 e 2), e com o ministério que desempenhamos nos caps. 3 e 4.
O Evangelho não é uma exibição de sabedoria terrena ou humana, como Paulo indica em 1:17: “Porque Cristo enviou-me, não para batizar, mas para evangelizar; não em sabedoria de palavras, para que a cruz de Cristo se não faça vã”. Entretanto, tem como seu objetivo a verdadeira sabedoria, isto é, a sabedoria de Deus. “Todavia falamos sabedoria entre os perfeitos; não, porém, a sabedoria deste mundo, nem  dos príncipes deste mundo, que se aniquilam; mas falamos a sabedoria de Deus” (I Co 2:6-7).

O assunto é então ampliado da seguinte maneira:

O evangelho não está relacionado à sabedoria humana:
• Quanto à mensagem que pregamos (a cruz de Cristo — 1:18-25);
• Quanto aos membros que são chamados (não são muitos os sábios… poderosos … nobres — 1:26-31);
• Quanto aos métodos adotados (2:1-5).

O evangelho tem como tema a verdadeira sabedoria, isto é, a sabedoria de Deus:
• Definido quanto aos seus detalhes (2:6-9);
• Disseminado como baseado em revelação (2:10-13);
• Discernido quanto à sua recepção (2:14-16).

A primeira referência ao Espírito Santo está na seção que trata dos métodos adotados (2:1-5) na disseminação da mensagem. Esta seção pode ser considerada uma das duas seções principais do capítulo:
• O Evangelho não é a sabedoria do homem — 2:1-5.
• O Evangelho é a sabedoria de Deus — 2:6-16.
* GODET, F. L. Commentary on First Corinthians. Grand Rapids, MI: Kregel Publications,1979.

Vamos considerar cada uma destas, por sua vez.
O Evangelho não é a sabedoria do homem (2:1-5)
Nos vs. 1-5, o Evangelho é visto como não sendo a sabedoria dos homens sob quatro aspectos:

A mensagem que é ensinada (2:1-2)
O autor da mensagem é o próprio Deus: “… o testemunho de [da parte de] Deus”. Seu tema é “Jesus Cristo, e Este crucificado”. Isso quer dizer que não tivemos nada a ver com sua origem, e não temos o direito de interferir no conteúdo. A crucificação, obviamente, é o aspecto menos atrativo para a sabedoria humana. A mensagem é simples e básica:  não temos o direito de introduzir nossas próprias ideias no assunto. O Autor da mensagem sabe o que é melhor!

O mensageiro que ensina (2:3)
O homem precisa ser coerente com o caráter da mensagem. Ele não vem com um ar de sucesso garantido, ousadia e confiança. A importância da mensagem é claramente enfatizada. Ele se apresenta “em fraqueza, e em temor, e em grande tremor”. Talvez se isso fosse mais evidente nos pregadores de hoje os resultados seriam semelhantes aos do apóstolo. Talvez suas experiências em Tessalônica e Beréia (At 17:1-5) ainda estivessem vivas na sua memória, mas não devemos perder de vista a necessidade de seriedade no pregador do Evangelho.

Os métodos adotados (2:1, 4)
Aqui é apresentado tanto o lado negativo quanto o positivo. Ele não veio com “sublimidade de palavras”, isto é, usando eloquência e
refinamento para impressionar psicologicamente e conseguir uma resposta.
Não que o apóstolo não fosse capaz de eloquência, mas ele não a usava adversamente para induzir decisões. Ele veio não com “sabedoria”, usando de profundidade filosófica e conhecimento científico para impressionar.
Ele não veio com “palavras persuasivas de sabedoria humana”(v. 4), usando de persuasão e pressão. Não havia nenhum espetáculo.
Por outro lado, há quatro palavras que indicam o lado positivo do método usado pelo apóstolo. É bom destacarmos o que é positivo e evitar o que é negativo. As quatro palavras são “anunciar” (v. 1), “palavra” e “pregação” (v. 4), e “demonstração” (v. 4). A ideia contida em “anunciar” é proclamar publicamente, dando testemunho de um fato. O testemunho era simples e direto — a proclamação da pessoa de “Jesus Cristo” (v. 2).
O segundo termo é “palavra”. É o nosso bem conhecido vocábulo “logos”, e significa “discurso, referindo-se à maneira da sua apresentação do evangelho”.*
A palavra “pregação” (v. 4) indica a proclamação da mensagem. Os dois termos “palavra” e “pregação” juntos indicam o “o quê” e o “como” da mensagem. Em um o que ela contém, e no outro o método pelo qual é comunicado. É essencial que o pregador do Evangelho considere ambos. Ele precisa ter conteúdo — incluindo a base doutrinária da sua mensagem — e ela precisa ser comunicada com seriedade e vigor, com consciência da importância da Pessoa que é o seu tema. Não deve haver engodo com mera gratificação da “coceira nos ouvidos”, ou para satisfazer a curiosidade do ouvinte. Ele falará “segundo as palavras de Deus … para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo” (I Pe 4:11).
A palavra final nos leva ao âmago do nosso assunto: deve ser “em demonstração de Espírito e de poder” (v. 4). A palavra traduzida “demonstração” é usada somente aqui no Novo Testamento. Ela traz a idéia de manifestar, uma evidência, uma apresentação. É algo que convence através da operação do Espírito Santo. Assim, o pregador está consciente do poder por trás da mensagem. Vine diz:
Existe uma dúvida quanto à construção, se ela é subjetiva, significando “a demonstração que vem do Espírito e de poder”, ou objetiva: “a demonstração que manifesta a obra do Espírito e poder”.
* VINE, W. E. The Collected Writings of W. E. Vine, Vol. 2. Glasgow: Gospel Tract Publications, 1985.

É quase certo que a primeira opção contenha o sentido correto. A ordem oposta é usada em I Tessalonicenses 1:5, onde o apóstolo diz aos seus leitores que o Evangelho que ele e seus colegas pregavam não veio a eles “somente em palavras”, isto é, não somente como a afirmação de um fato, “mas também em poder, e no Espírito Santo”. Lá, como aqui, o artigo definido está ausente no original. Mas isso não justifica a ideia de que é uma referência ao espírito humano. A ausência do artigo serve para enfatizar o caráter do poder (isto é, o poder do Espírito Santo em operação). Compare com Romanos 15:19.*

O propósito a ser alcançado (2:5)
O apóstolo deseja que aqueles que exercem “fé” o façam sobre um fundamento sólido — “não … em sabedoria dos homens, mas no poder de Deus”. A sabedoria dos homens seria mutável e passageira, sem convicção real. O poder de Deus garante um alicerce sólido que há de permanecer firme nos dias de provação. A mensagem, o mensageiro e o método adotados terão um efeito correspondente na pessoa que exerceu fé. Argumentos inteligentes, excelentes habilidades de debate e sabedoria humana jamais serão um fundamento firme para a fé. É necessário uma demonstração do Espírito de Deus para que almas possam estar sobre um firme fundamento, estabelecidas, e permanecer firmes.
Os pregadores de hoje deveriam levar isso tudo a sério e verificar que a mensagem pregada tenha um sólido fundamento, para que as almas não sejam levadas a uma decisão baseada em métodos que não tenham fundamento na Palavra de Deus. “Portanto, o Evangelho não é um conhecimento, mas um poder … não é uma filosofia, mas a salvação”.†
* Ibid.
† GODET, F. L. Commentary on First Corinthians. Grand Rapids, MI: Kregel Publications, 1979.

O Evangelho é a sabedoria de Deus (2:6-16)
O apóstolo agora volta sua atenção para a verdadeira sabedoria, “a sabedoria de Deus”. O parágrafo se inicia com “todavia”, um adversativo.
Existe alguma coisa a mais que precisa ser dita! Ele já indicou a pobreza da sabedoria humana. Já demonstrou isso pela sua experiência pessoal: “eu … me … eu” (vs. 1, 2, 3). Todavia, embora o Evangelho não seja uma sabedoria, ele contém sabedoria; aliás, o Evangelho é “a sabedoria de Deus” (v. 7). Isso ele demonstra, não por experiência pessoal somente, mas mencionando também os demais apóstolos: “[nós] falamos sabedoria”!
Nesta parte o tema é apresentado nas palavras iniciais do v. 6: “falamos sabedoria entre os perfeitos”, e daqui para frente a frase é desenvolvida para mostrar o que a sabedoria é; indicar a sua fonte; e, finalmente, indicar as condições necessárias naquele que a recebe para que possa apreciar o seu verdadeiro valor.
A definição e a natureza da verdadeira sabedoria (2:6-9) O apóstolo já indicou que a mensagem só pode ser apreciada pelos “perfeitos”. Essa palavra, enquanto indica maturidade espiritual, talvez signifique algo mais no contexto. Ela era usada nos dias do Novo Testamento para aqueles que eram “iniciados” nos mistérios. Já que o apóstolo vai se referir a um “mistério” no v. 7, é provável que fosse essa a idéia que ele tinha em mente. Aqueles que exercem a verdadeira “fé” do v. 5 estão entre aqueles a quem os mistérios foram revelados. Assim, o apóstolo começa indicando os recebedores; as pessoas a quem a verdadeira sabedoria foi manifestada.
Em seguida ele indica a fonte, novamente sob o aspecto negativo e o positivo. Ela não é a “sabedoria deste mundo [era, época], nem
dos príncipes deste mundo”. Sua sabedoria vangloriada “se aniquila”, termina em nada! A fonte da verdadeira sabedoria é o próprio Deus.
A natureza dessa sabedoria é indicada como sendo um mistério — a palavra usual para mistério no Novo Testamento (musterion). Não se trata, naturalmente, de algo misterioso ou difícil de compreender — é simplesmente uma verdade até então oculta, mas agora revelada, “que desde tempos eternos esteve oculto, mas que se manifestou agora” (Rm 16:25-26). A ordenação (ou predeterminação) — a mesma palavra traduzida “predestinar” em Romanos 8:29-30) — se deu antes do tempo, tendo em vista a “nossa glória”. Esse era o propósito de Deus na Sua sabedoria — a salvação daqueles que exercem a “fé” do v. 5 — trazendo-os até a glória.
O cristão está mais bem informado do que os “príncipes deste mundo”.
Bruce* os descreve como “os senhores desta era” e diz que Paulo está pensando … no poder na esfera espiritual pelo qual as autoridades humanas eram compelidas no seu caminho escolhido. [Se tivessem conhecido as consequências] não teriam crucificado o
Senhor da Glória, selando assim a própria condenação. Compare Colossenses 2:15, onde a paixão de Cristo é retratada como Sua
luta vitoriosa contra “principados e potestades” agressivos.
Há um contraste interessante entre “os príncipes deste mundo” e o “Senhor da glória”. Este último título indica não somente a supremacia, como também a divindade do Senhor. Entretanto, as maravilhas dessa glória futura são sublimes e inacessíveis ao homem (sem a revelação do Espírito de Deus) quer seja através dos olhos, ouvidos, ou coração (v. 9).

A revelação da verdade através do Espírito Santo (2:10-13)
É aqui que entra a atividade do Espírito Santo. Que glorioso “Mas”!
Aquilo que está escondido dos senhores desta era e seus seguidores foi revelado a nós “pelo Seu Espírito”. Assim, temos dois detalhes nestes versículos:
• A revelação de Deus (vs. 10-11);
• A recepção pelos iniciados (vs. 12-13).
A revelação foi feita através do Seu Espírito. A razão pela qual o Espírito pode assim nos revelar estas coisas é que Ele penetra “todas as coisas, ainda as profundezas de Deus”. A ideia por traz de “penetrar”, ou sondar, é de uma pesquisa detalhada (não para adquirir conhecimento — Ele sabe, v. 11) levando a uma conclusão favorável em revelação. O futuro nos foi revelado pelo penetrante poder do Espírito de Deus, iluminando aqueles em quem Ele habita. Ele penetra “as profundezas de Deus”: os conselhos e propósitos, sabedoria e mistérios, tendo em vista sua comunicação nas Escrituras inspiradas.
No v. 11, há um contraste interessante entre as “coisas do homem” e as “coisas de Deus”, e entre o “espírito do homem” e o “Espírito de
Deus”. A revelação da verdade divina só pode ser feita por Um que discerne corretamente as coisas de Deus.
* BRUCE, F. F. I and II Corinthians, em New Century Bible. Edinburgh: Oliphants.


A recepção da verdade é na mesma base que sua revelação, ou seja, pela operação do Espírito Santo. Há um contraste no v. 12 entre o “espírito do mundo” e o “Espírito que provêm de Deus”. Este último foi dado como um “dom” que recebemos no momento da conversão. Tendo recebido o dom do Espírito Santo devemos conhecer “o que nos é dado gratuitamente por Deus”. Já fomos grandemente abençoados agora, e ainda o seremos de uma maneira infinitamente maior no futuro. Ponderar essas realidades deveria ser parte do nosso exercício espiritual.
A recepção do v. 12 leva ao ensino do v. 13. Não houve mudança quanto ao conteúdo, por isso a inclusão da palavra “também”; havia
poder Divino na comunicação: “com palavras … que o Espírito Santo ensina”; havia a consciência de que condições espirituais eram necessárias tanto no ensinador quanto no ouvinte, “comparando as coisas espirituais com as espirituais”.
O discernimento necessário para apreciar a verdade espiritual (2:14-16) O homem natural, ou seja, o homem “carnal” (não regenerado) vê as coisas do Espírito de Deus como loucura, e não pode aceitá-las, pois não tem o que é necessário para apreciar o espiritual — ele não é capaz nem de começar a entendê-las — elas se discernem espiritualmente.
Por outro lado, o homem espiritual — o homem dominado por e sujeito à direção do Espírito — é capaz de discernir as coisas espirituais.
Ele mesmo, entretanto, é discernido por ninguém, isto é, por ninguém que não tem o Espírito de Deus e, portanto, neste contexto, o homem natural.
O capítulo conclui indicando que a mente do Senhor só pode ser conhecida por aquele que tem uma mente espiritual. Assim o homem
natural não pode sequer começar a discernir os verdadeiros motivos das atividades e ministérios do apóstolo, que tem a mente do Espírito.
Assim, nesse capítulo há várias referências à atividade do Espírito Santo. Elas podem ser resumidas assim:
• A demonstração do Espírito (v. 4).
• A revelação do Espírito (v. 10), baseada no fato que:
O Espírito penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus (v. 10);
O Espírito sabe as coisas de Deus (v. 11);
• A recepção do Espírito (v. 12);
A primeira destas coisas leva ao poder na pregação do Evangelho, a segunda leva à iluminação na perspectiva do cristão, e a terceira leva ao conhecimento na apresentação da Palavra inspirada.

O Espírito Santo e o templo
Duas vezes nesta epístola há uma referência ao Espírito Santo em relação ao templo. Na primeira ocasião (3:16) o apóstolo está se dirigindo à igreja local como um todo, indicando que coletivamente são o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita neles. Em 6:19 Paulo se dirige aos cristãos individualmente: “ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?”

O contexto do cap. 3
No cap. 3 o apóstolo está tratando do assunto da esfera de ministério cristão. Ele mostra que o seu espírito contencioso (1:12; 3:4) é
inconsistente com o ministério que lhes foi confiado. Para assim fazer, ele está “mostrando a casa à casa” (Ez 43:10) através de uma metáfora tripla. A primeira é a de um campo, ou lavoura. “Vós sois lavoura de Deus” (v. 9), e isso requer fruto para Deus resultando em recompensa:
“cada um receberá o seu galardão segundo o seu trabalho” (v. 8b). Logo, os servos não devem ser comparados um ao outro, já que um servo não receberá a recompensa pelo trabalho de outro, e é somente Deus que determina o valor do serviço prestado (v. 9a).
A segunda metáfora é a de um edifício — “vós sois … edifício de Deus” (v.9b), e isso requer fidelidade a Cristo emanando de uma apreciação da responsabilidade individual — “veja cada um como edifica sobre ele”. Aquele que lança o fundamento apenas dá início à obra; outros precisam construir a superestrutura. Assim ele enfatiza: não se deve conferir aos membros fundadores a posição de líderes partidários. Cada um deve assumir responsabilidade para o desenvolvimento do trabalho.
A última metáfora é a do templo de Deus. Aqui fidelidade à Pessoa do Espírito Santo como a presença que habita no interior é enfatizada, com a correspondente necessidade de reverência. A questão aqui é a possibilidade, não de edificar mal, mas de destruir o que já foi construído.
Se um espírito partidário for tolerado, a possibilidade de intrusão do “homem natural” (2:14) na esfera da igreja de Deus aumenta. Há então, a possibilidade do templo de Deus ser corrompido (3:17; comparar com Sl 79:1). Com certeza essa contaminação seria totalmente inconsistente com a presença do Espírito de Deus que ali habita. Seria totalmente incompatível com a afirmação do apóstolo: “Vós sois o [um] templo de Deus”, ou “vós sois templo de Deus”.
A omissão do artigo dá ênfase ao caráter da igreja local, como descrito pela metáfora. A palavra é naos, um santuário; em relação ao templo em Jerusalém, naos se referia ao santuário interior, o lugar santíssimo, em contraste ao edifício todo, o hieron (veja 9:13), e correspondia à parte interior do Tabernáculo, onde ficavam a arca e o propiciatório. Nas aplicações figurativas nãos sempre é usado, quer seja da igreja como um todo (Ef 2:21), ou de uma igreja local — como é o caso aqui e em II Coríntios 6:16, ou ainda do corpo do cristão (6:19); é também usada através de todo o Apocalipse.
A palavra bem poderia ser traduzida “santuário”. Uma igreja local, retratada dessa forma, é um ajuntamento colocado à parte para Deus, um lugar de adoração, uma comunidade a ser caracterizada por santidade e pela manifestação da Sua glória como vista na vida e testemunho daqueles que a constituem, e pela beleza do caráter de Cristo. A situação de partidarismo e divisão na igreja em Corinto era uma negação de tudo isso.*
A santidade do templo é enfaticamente afirmada no v. 17: “Porque o templo de Deus, que sois vós, é santo”. A palavra para santo é hagios.

Essa palavra significa,… primariamente, “separado” e, portanto, no seu significado moral e espiritual nas Escrituras, significa separado do pecado e consagrado a Deus. Há uma grande ênfase no pronome “vós”. O “que” é tido por alguns como se referindo a “santo”; embora isso seja possível, a adição em itálico [na versão inglesa] da palavra “templo” parece estar correta. Aqueles que ensinam a Palavra de Deus deveriam tremer, com receio de, até mesmo involuntariamente, danificar a estrutura que estão procurando erguer.†
O contexto do cap. 6 Há duas partes no capítulo 6 (vs. 1-11 e vs. 12-20), onde encontramos seis vezes o apelo: “Não sabeis” — nos vs. 2, 3 e 9 na primeira parte, e nos vs. 15, 16 e 19 na segunda. O tema da primeira parte é a inconsistência e o contrassenso do cristão levar outro perante a lei. “Não sabeis” que:
• “os santos hão de julgar o mundo?” (v. 2);
• “havemos de julgar os anjos?” (v. 3);
• “os injustos não hão de herdar o Reino de Deus?” (v. 9).
* VINE, W. E. The Collected Writings of W. E. Vine, Vol. 2. Glasgow: Gospel Tract Publications, 1985.
† Ibid.

Será que vocês são “indignos de julgar as coisas mínimas” (v. 2b)? As duras realidades são apresentadas com poder convincente e autoridade legal!
O tema da segunda parte é o do corpo de cristão e da necessidade de santidade por causa do Espírito Santo que nele habita. Há oito referências ao corpo, duas vezes nos vs. 13 e 18, e depois nos vs. 15, 16, 19 e 20. “Não sabeis”, diz o apóstolo com aparente incredulidade:
• “que os vossos corpos são membros de Cristo?” (v. 15a);
• “que o que se ajunta com a meretriz faz-se um corpo com ela?” (v. 16);
• “que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo?” (v. 19).

Os primeiros dois não fazem parte do nosso estudo, mas enfatizam, no primeiro, a ligação entre Cristo, o Cabeça, nos Céus, e os membros da Sua Igreja. É uma ligação mística, indissolúvel e eterna. O corpo é o veículo através do qual o serviço para Cristo é realizado. Seria totalmente inapropriado tomar os membros de Cristo e fazê-los membros de uma meretriz.
A segunda referência vai além — em flagrante contraste à “uma só carne” do relacionamento matrimonial, que indica uma união tanto
emocional quanto física, e o “um só espírito” do relacionamento com o Senhor, unir-se a uma meretriz é um relacionamento de “um só corpo”, e nada mais é do que gratificação da vil concupiscência, uma distorção total do ideal divino e uma negação de tudo que é espiritual.*
O apelo final que Paulo faz em relação a isso no v. 19 indica a dignidade e santidade do corpo do cristão — “o vosso corpo é o templo
do Espírito Santo”. A palavra para templo novamente é naos, como no cap. 3, indicando um santuário. A ideia de adoração e honra está assim ligada, não somente com a igreja local, mas também com o corpo do cristão. O apóstolo acrescenta três fatos adicionais:
A presença do Espírito Santo — “que habita em vós” Isso é uma indicação do que aconteceu na conversão do cristão, mas que continua como um fato permanente (Rm 8:9). Em Efésios 1:13 o apóstolo declara: “… em quem vós estais, e tendo nEle também crido …
fostes selados com o Espírito Santo da promessa”. A ideia é que o selar ocorreu quando creram (“tendo crido”), e o Espírito Santo, a partir de então, habita no cristão.
* BANKS, W. M. e WILSON, T. O que Deus ajuntou. Pirassununga: Editora Sã Doutrina, 2010, cap. 5.

O dom do Espírito — “proveniente de Deus”
Isso indica que o recebimento do Espírito pelo cristão é o resultado direto de uma implantação Divina. Deus dá o dom do Espírito Santo.

A responsabilidade resultante do dom — “não sois de vós mesmos”
Há uma responsabilidade correspondente para nos comportarmos de acordo com o que já vimos. Pertencemos a outro, portanto, não temos o direito de agir como se fôssemos de nós mesmos (comparar com o v. 18). O resultado final é que o preço pago (v. 20) deveria resultar num reconhecimento da necessidade de glorificar a Deus no corpo que é de Deus, e é habitado pelo Espírito de Deus.

O Espírito e o ministério
As últimas referências ao Espírito Santo se encontram no cap. 12 do nosso livro, na seção que trata das coisas “espirituais” (12:1), especialmente os dons espirituais. Fica naquela seção geral da epístola onde Paulo está respondendo a carta recebida dos coríntios: “Quanto às coisas que me escrevestes” (7:1). Aqui ele está tratando dos espirituais e seu ministério: “Acerca dos …” (12:1). Compare, relacionado a isso, outros aspectos desta correspondência: 7:1; 8:1 e 16:1.
O assunto dos espirituais é tratado nos caps. 12-14, onde o apóstolo considera:
Cap. 12 — os dons em si, em três listas — o que eu tenho;
Cap. 13 — a graça com que os dons devem ser usados — o que eu sou;
Cap. 14 — o governo dos dons — o que eu faço;
O cap. 12 pode ser dividido em três partes:
• A variedade dos dons quanto a sua esfera de ação (vs. 1-3), diversidade
(vs. 4-6), desígnio (v. 7) e distribuição (vs. 8-11);
• A administração dos dons (vs. 12-27);
• O resumo do ensino (vs. 28-31).

Aqui iremos considerar a primeira dessas seções.

A esfera de ação dos dons espirituais (12:1-3)
Nesta seção, vemos que o campo de ação da operação do dom está “no Espírito”. A preposição grega traduzida “pelo” duas vezes no v. 3 é en. Ela inclui o ambiente em que o verdadeiro Senhorio de Cristo é reconhecido. A obra do Espírito é glorificar a Cristo: “Ele Me glorificará” (Jo 16:14). Toda verdade deve ser testada em relação à Pessoa de Cristo. Ele é o parâmetro. A confissão de que Jesus é o Senhor é vista aqui como uma exclamação baseada num modo de vida, e no resultado de um processo deliberado. Confirma a afirmação feita por Pedro no dia de Pentecostes: “A esse Jesus … Deus O fez Senhor e Cristo” (At 2:36).
Seu título deve ser dado a Ele!

A diversidade dos dons espirituais (12:4-6)
A diversidade dos dons detalhadamente é dada numa seção que trata da diversidade do ministério espiritual em geral. Nestes versículos, a Trindade é vista como a verdadeira fonte de todo exercício espiritual.
Diversidade de dons espirituais (v. 4) o mesmo Espírito aptidão dada Diversidade da administração (v. 5) o mesmo Senhor ação antecipada Diversidade de operações (v. 6) o mesmo Deus atuação esperada O Espírito de Deus é visto, assim, como quem distribui os dons espirituais. A repetição tripla das palavras “diversidade” e “mesmo” indica a união das forças espirituais em diversidade. Esse pensamento é desenvolvido na continuidade do capítulo, a partir do v. 12. Estes dons são “dons de graça” — uma aptidão gratuitamente concedida.
Não se trata de habilidade humana, mas, sem dúvida, é coerente com ela. Os dons são dados a todo cristão pelo Espírito, e o propósito
de serem assim gratuitamente comunicados por Deus é promover o desenvolvimento espiritual e o crescimento do corpo de Cristo. Devem ser usados (v. 5) sob o Senhorio de Cristo para a realização do propósito divino (v. 6). É interessante que a referência ao “mesmo Espírito” é repetida nos vs. 8, 9 (duas vezes) e 11.

O desígnio dos dons espirituais (12:7)
Não pode haver dúvida quanto ao propósito geral da distribuição dos dons. O único alvo e objetivo é o bem de todo o grupo. Deveria
haver uma manifestação da habitação e poder do Espírito. Os dons não são dados para promoção pessoal ou para ostentação. Já foi dito que o princípio comum que os produz deveria levar ao fim comum que os une, isto é, o benefício espiritual e mútuo do grupo como um todo.

A distribuição dos dons espirituais (12:8-11)
É enfatizado que cada um (v. 11) recebe um dom: “… a um … a outro”. Os dons provavelmente são dados no momento em que o indivíduo é salvo. Para que o corpo funcione de forma correta, cada membro precisa fazer a sua parte. Assim, cabe a cada cristão verificar qual é o seu dom e usá-lo para a glória de Deus e para o bem do corpo de Cristo, tanto localmente como em geral.
Os nove dons são apresentados detalhadamente nos vs. 8-10. Eles parecem estar em três mini-listas de dois, cinco e dois, separados pela palavra heteros (traduzida “outro”, e que significa “outro de um tipo diferente”), diferentemente de allos (que significa “outro do mesmo tipo”).
Heteros é o primeiro “outro” do v. 9 e o quarto “outro” do v. 10. Isso significa que a lista se divide da seguinte maneira:
• A palavra da sabedoria e a palavra da ciência.
• Fé, dons de curar, operação de maravilhas, profecia, e discernimento de espíritos.
• Variedade de línguas, interpretação das línguas.
É possível que todos os dons mencionados aqui fossem de natureza temporária, dados antes da conclusão do cânon das Escrituras e usados para autenticar a obra de Deus na igreja primitiva.
O receptor não tinha parte na escolha do dom recebido. O mesmo Espírito reparte “particularmente a cada um como quer” (v. 11).

O batismo no Espírito Santo (12:13)
A referência final ao Espírito Santo em I Coríntios está neste versículo.
É de muita importância doutrinária, e certamente não deixa de estar relacionado com o que acabamos de ver. Estabelece a esfera de
operação dos dons mencionados nos vs. 1-11, e indica o poder pelo qual eles podem ser implementados para o benefício da Igreja que é o Corpo de Cristo como um todo, e também na sua expressão local.
Há, no Novo Testamento, sete referências ao “Batismo no Espírito”.
Há cinco referências proféticas: Mateus 3:11, Marcos 1:8, Lucas 3:16, João 1:33 e Atos 1:5. Há uma referência histórica em Atos 11:16, e finalmente uma referência doutrinária — aqui em I Coríntios 12:13.
Há quatro coisas que são verdade de todo batismo:
• Aquele que batiza;
• A pessoa, ou pessoas, que são batizadas;
• O elemento no qual o batismo é feito;
• O propósito para o qual o batismo é realizado.
As últimas três são indicadas no v. 13. As pessoas a serem batizadas somos “todos nós”; assim incluindo Paulo e os coríntios. O elemento no qual o batismo acontece é “em um Espírito”. A palavra “em” no v. 13 é a palavra grega en, usada uniformemente em todas as referências ao batismo no Espírito no Novo Testamento. O propósito pelo qual o batismo acontece é para formar “um corpo”. Assim o propósito é a formação de um corpo. Trata-se de uma referência “à formação da Igreja como o corpo de Cristo no dia de Pentecostes”,* conforme descrito em Atos 2. Note o tempo passado do verbo no v. 13: “Pois todos nós fomos batizados em um Espírito”.
Embora “aquele que batiza” não seja especificamente mencionado em I Coríntios, nas referências históricas Ele é claramente indicado.
Por exemplo, João Batista, em Marcos 1:8, referindo-se a alguém “que é maior do que eu”, diz: “Ele vos batizará com o [no] Espírito Santo”.
E. W. Rogers disse que há quatro coisas verdadeiras acerca desse batismo:
• É histórico (At 2:1). Houve um momento quando, um lugar onde, e um modo como aconteceu. O dia de Pentecostes foi “cumprido”.
• É único. Nunca algo assim acontecera antes.
• É definitivo. Nunca algo assim acontecerá novamente. Nunca será repetido.
• É coletivo. Tem em vista nosso estado, não a nossa posição.
* DAVIES, J. M. Letters to the Corinthians. G. L. S. Press, 1982.

O batismo no Espírito resultou na formação do corpo de Cristo.
Na conversão, cada cristão passa a fazer parte daquilo que foi formado no Pentecostes, e se torna um membro daquele corpo. Não há nenhuma sugestão de “segunda bênção”, nem de uma busca especial por esse batismo — ele é definitivo, completo, e envolve nossa incorporação em um corpo, indicando uma posição de bênção. O corpo é assim feito — “um corpo” (v. 13), sem distinções nacionais (“quer judeus, quer gregos”) e sem distinções sociais (“quer servos, quer livres”). Tendo todos “bebido de um mesmo Espírito”, cada cristão saturado com novas forças pode então servir o corpo do qual agora é membro.
O ensino do cap. 12 mostra como isso poder ser feito, tanto para o corpo como um todo quanto para o ajuntamento local específico, como o apóstolo enfatiza no v. 27: “Vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular”.

Conclusão
O Espírito Santo foi assim visto em três relacionamentos na primeira epístola aos Coríntios: o Evangelho, o templo e o ministério. Em
cada caso a responsabilidade pessoal do cristão foi enfatizada. O Evangelho deve ser pregado na demonstração do poder do Espírito. A igreja local e o corpo do cristão devem demonstrar a santidade e a dignidade de serem habitados pelo Espírito. Todo cristão deve apreciar a necessidade de exercitar o dom dado pelo Espírito, pelo poder do mesmo Espírito, no Corpo do qual é membro e para o benefício geral e proveito do povo de Deus.

 

Por William M. Banks, Escócia

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