Igreja

07/05/2024

1. Presbíteros e Diáconos

Bispos (Presbíteros - Anciãos)
Qualificações Citadas (1 Timóteo 3: 1-7)


O segundo elemento do mandamento dado a Timóteo para a preservação do testemunho trata das qualificações que devem ter aqueles que exercerão autoridade na igreja local. Certas qualidades morais e espirituais estarão em evidência em homens capacitados para esta tarefa. Tais homens, pelo seu trabalho e caráter, tem uma parte vital no testemunho para Deus.


1. O trabalho é descrito como "episcopado" (episkope). 

Isto não destaca uma posição, mas o trabalho envolvido. Thayer mostra que o substantivo significa "inspeção, visitação, e o verbo cognato tem vários sentidos, como considerar, examinar, superintender, cuidar, interessar-se por." Todos estes significados têm, como ideia básica, vigilância e observação.


Dentro do contexto imediato, os seguintes pontos devem ser notados:
a. O trabalho em questão é definido por duas palavras. A primeira é "terá cuidado" (v. 5), e a segunda é o particípio traduzido "governam bem", de 5:17. As palavras revelam a natureza das responsabilidades no trabalho de um bispo.


b. O fato de que só os homens são contemplados para assumir estas responsabilidades, é consequência do ensino de 2:13-14 (veja "use de autoridade", v. 12) e, concordando com isto, todos os adjetivos que seguem são masculinos.


c. Quando vistos em operação, os bispos são mencionados no plural (Atos 20:17, 28; I Tim. 5:17). Há sempre uma pluralidade de bispos em cada igreja local.


d. Timóteo não é chamado a apontar tais homens; Tito foi instruído a fazer isto (Tito 1:5) entre os novos convertidos em Creta. Já em Éfeso, os bispos eram reconhecidos na igreja local (Atos 20:28; I Tim. 5: 17). 

Esta lista de qualificações impostas aos bispos, portanto, não é dada apenas, ou principalmente, para o benefício de Timóteo, mas para que os santos possam reconhecer a capacidade divina em tais homens. Não há qualquer justificativa bíblica para a ideia de que apenas os apóstolos ou seus enviados podiam apontar bispos. Cada igreja, divinamente reunida, deve esperar ter tais homens, divinamente preparado levantados entre eles, para serem reconhecidos (I Tess 5: 12).


Estes requisitos não apresentam um padrão ideal ao qual se deve aproximar, mas são as qualidades essenciais para alguém que exerce este trabalho. Nenhuma seleção ou eleição pela igreja local pode assegurar tal capacidade. 

Também não é conseguida por ser nomeado a um comitê, mas o Espírito Santo capacita o homem para o trabalho, providencia a oportunidade para a sua execução, e os santos reconhecem (I Tess. 5:12) a pessoa que está na realidade fazendo o trabalho.Esta ordem das palavras é exatamente a mesma usada nas outras quatro ocasiões em que ocorre. É a única das três ocorrências nesta epístola em que não vem acrescida da expressão "e digna de toda aceitação". 

Alguns tentam ligar esta afirmação com a do final do capítulo anterior, mas não há nada que apoie esta ideia, já que nenhuma "palavra fiel" é aparente em 2:15. 

Mais uma vez, Paulo usa uma expressão cristã comum e bem conhecida aos cristãos e, pela supervisão do Espírito Santo, coloca-a nos registros das Escrituras, selando-a com o selo da autoridade divina. Pode bem ser que, à luz da tarefa difícil do bispo e da tendência das autoridades civis em perseguir estes líderes, haveria uma certa relutância por parte de alguns, que foram preparados por "Deus para o trabalho, em aceitar a responsabilidade na igreja local. Paulo então passa a mostrar a excelência de tal trabalho. 

A palavra "excelente" é kalos, e W. E. Vine a traduz "trabalho nobre". A palavra "obra" é ergon (em física temos erg como uma unidade de trabalho); a tarefa requer um gasto de energia física e também espiritual.Dois verbos fortes são usados para descrever o desejo para este trabalho. 

O primeiro (orgo) significa esticar-se a si mesmo para tocar ou pegar algo; significa mais do que simplesmente desejar, pois inclui o estender a mão para um determinado objeto. A segunda palavra (epithumeo) significa desejar ardentemente, e destaca o impulso que nos impele em direção ao objeto. Este é o motivo por trás do movimento sugerido pelo primeiro verbo.


Três palavras bíblicas são usadas em relação aos homens que exercem autoridade na igreja local:
a. "Presbíteros" traduz presbuteroi, um adjetivo, o grau comparativo de prebus, um homem velho; assim, indica um homem mais velho, um ancião. Usada em Atos 14:23; 20:27; Fil. 1:1; I Tim. 5: 17; Tito 1:5, esta expressão tem origem judaica no Velho Testamento, e enfatiza a maturidade espiritual dos que estão aptos para o trabalho.


b. "Bispos" (episkopoi, de epi, sobre, e skopeo, olhar ou vigiar) é encontrada em Atos 20:28; Fil. 1:1; I Tim. 3:1; Tito 1:7; I Ped. 2:5. Baseado no contexto grego da palavra, Thayer a define, no sentido secular, como indicando um supervisor, um homem que tem por tarefa certificar-se de que esteja tudo sendo feito corretamente pelos outros, um guardião, superintendente, um tutor. Na igreja local, a palavra descreve alguém que olha ou cuida dos cristãos. Esta palavra enfatiza a natureza do trabalho espiritual de supervisão que é feito para Deus.


c. "Pastores" (poimen), usado em Ef. 4: 11, é o cognato do verbo em Atos 20:28 e em I Ped. 5:1-2. Esta palavra enfatiza a capacidade espiritual daqueles que necessariamente moldam o seu caráter ao de Cristo, que é descrito como o Sumo Pastor (I Ped. 5:4). 

Aquele que Se deu sem reserva nos interesses do Seu rebanho (João 10:11).
Fica claro que estes termos são usados das mesmas pessoas, indistintamente, pela comparação de Atos 20:17 (anciãos) e Atos 20:28 (bispos) - onde, evidentemente, o mesmo grupo de homens está sendo considerado. No v. 28, este grupo de homens é exortado a "apascentar" (poimano, agir como pastor, verbo cognato do substantivo poimen) a igreja de Deus. 

Pedro usa a mesma troca em I Ped. 5:1-2, entre "apascentar" (poimano) e "anciãos" (de episkopos). Uma referência a anciãos (presbuteros) e bispos (episkopos) em Tito 1:5 e 1:7 indica a mesma verdade. 

Todas as conotações eclesiásticas oficiais destes termos, ou distinções hierárquicas entre eles, elevando um acima do outro, são de origem pós-apostólica e não encontram apoio algum nas Escrituras.
A maturidade espiritual (presbíteros) e capacidade espiritual (pastores) serão manifestas em homens equipados por Deus para fazer o trabalho espiritual de bispos. Este trabalho exigirá um caráter impecável e uma conduta irrepreensível, pois envolve cuidar (3:5) e governar (5: 17) na igreja de Deus.

Se aceitamos o sentido abrangente contido na primeira afirmação, "irrepreensível", então veremos que existem catorze qualificações (a ARA, na evidência de bons manuscritos, omite "não cobiçoso de torpe ganância", v. 3), e uma divisão conveniente seria definir quatro áreas, bem amplas, onde o ancião deve se destacar em relação aos outros cristãos:

  • a. Em Conduta Moralidade Pessoal 4 afirmações
  • b. Em Companhia Maturidade Patente 4 afirmações
  • c. Em Caráter Personalidade Paciente 3 afirmações
  • d. Na Comunidade Integridade Pública 3 afirmações


2. O uso de "presbítero", no singular e com o artigo, é genérico; descreve um de uma classe, como em Tito 1:7; quando vistos na igreja, o plural é sempre usado (veja 5:17). 

"Convém" afirma a necessidade de tal qualificação (a ARA traduz "é necessário"), e "pois" (ARC), ou "portanto" (ARA), liga com o versículo anterior para mostrar que tal boa obra requer um bom homem. 

A qualificação abrangente é "irrepreensível". 

A palavra é anepileptos, indicando que o bispo não deve apresentar qualquer defeito de caráter ou conduta que pessoas mal intencionadas, dentro ou fora da igreja, poderiam usar como armas contra ele. 

A palavra é usada apenas nesta epístola. As outras ocorrências são 5:7 e 6: 14 ("sem mácula") onde, como aqui, significa alguém que não dá motivo para censura ou crítica.

"Marido de uma mulher" (mias gunaikos andra) quer dizer, traduzindo literalmente, "homem de uma mulher". 


Há vários pontos de vistas em relação a esta frase que descreve a qualificação conjugal do bispo:
a. O bispo precisa ser casado. 

Este ponto de vista concordaria com o lugar altamente valorizado do casamento nesta epístola, como em 4:3; 5:14; e é certamente verdade que as Escrituras geralmente presumem que o bispo seja casado. Entretanto, tal interpretação é muito improvável nesta passagem, pois deixa o enfático "uma" sem sentido. Assim, a insistência de que o bispo seja casado não pode ser baseado nesta afirmação.


b. O bispo não pode casar novamente se sua primeira esposa falecer; em outras palavras, ao bispo é permitido apenas uma mulher em toda a sua vida. Apesar de muitos aceitarem este ponto de vista, novamente esta interpretação é pouco provável. 

Ela sugere algum tipo de suspeita em relação ao segundo casamento, como se, enquanto fosse permitido, não deveria ser incentivado, como se a espiritualidade de cristãos casados pela segunda vez fosse ligeiramente suspeita. Isto é contrário a Rom. 7:23, e à instrução clara às viúvas mais jovens no cap. 5: 14. 

Supor que os deveres do bispo deveriam ter - prioridade, após o falecimento da primeira esposa, é dar ao estado de não casado um mérito que nunca é sugerido nas Escrituras. É difícil entender como Paulo poderia insistir, mesmo de forma implícita, no celibato para um viúvo que desejasse o episcopado, e, ao mesmo tempo denunciar o celibato forçado dos falsos mestres (4:3). 

Veja também Heb. 13:4, e note o "todos" naquele versículo.


c. O bispo deve ter apenas uma mulher de cada vez. Assim, segundo esta interpretação, proíbe-se a bigamia ou poligamia, e o bispo deveria ser fiel a uma mulher. Esta também é uma interpretação pouco provável. O Novo Testamento jamais sugere que um bígamo ou polígamo pudesse ser recebido na comunhão de uma igreja neotestamentária, muito menos aspirar ao episcopado. Não existe qualquer evidência histórica de que a poligamia fosse, em qualquer época, aceita no testemunho da Igreja. Muitos desconhecem o fato de que a poligamia era proibida no Império Romano nos dias de Nero.


d. A interpretação simples é ver esta afirmação como enfatizando a fidelidade absoluta do bispo a uma mulher. Contra o pano de fundo do paganismo de Éfeso, com a sua degradação moral centrada no culto de Artemis, onde a prostituição, o concubinato, a fornicação, o adultério e o divórcio prevaleciam, o bispo precisava evidenciar uma fidelidade absoluta, de onde nada pudesse surgir, mesmo nos dias anteriores à sua conversão, que pudesse ser usado contra ele. 

Tomar o lugar de bispo coloca um homem numa posição na qual a moralidade e a fidelidade conjugal precisam ser intocáveis. Se, por exemplo, surgisse, mesmo do tempo anterior à sua conversão, uma esposa divorciada ou crianças ilegítimas, não seria isto uma culpa sobre ele, de forma que não mais seria "irrepreensível"? 

O fato desta moralidade pessoal englobar os dias anteriores à conversão, é decorrente do princípio de que os padrões de moralidade de Deus são para todos os homens, e não apenas para os salvos.
"Vigilante" (nephalios, "ternperante" na ARA), usado no v. 11 (de esposas) e Tito 2:2 (de homens idosos), significava, inicialmente, abstinência total do álcool, mas aqui é usado num sentido figurado (sendo que a embriaguez é tratada especificamente no v. 3, para descrever um temperamento que não se exalta com facilidade. Kelly traduz apropriadamente: "mente-clara".

Este uso figurado está também no verbo cognato, "ser temperante", de I Tess 5:6, 8."Sóbrio" (sophron) é o adjetivo do substantivo em 2:9 ("modéstia") e é usado três vezes em Tito (1:8; 2:2, 5). 

Indica a qualidade de autocontrole que surge de uma mente bem equilibrada.O adjetivo kosmios ("honesto") é traduzido "decente" em 2:9, (ARA) e "decoroso" na ARA. 

Sugere a mente ordeira, refletida numa vida bem organizada, pois o pensamento disciplinado leva a um comportamento disciplinado e digno. 

A vida de muitos cristãos consiste em um verdadeiro turbilhão de atividades caóticas, que manifesta falta de ordem e disciplina no pensamento."

Hospitaleiro" (philoxenos, de phileo, amar, e xenos, um estranho) indica um homem que não tem o espírito anti-social que se esconde atrás de uma porta fechada, mas expressa o desejo de receber um estranho na sua casa, e cuidar dele. 

Esta atitude era essencial nos dias de Paulo, quando acomodação apropriada era quase inexistente para os viajantes cristãos, e ainda hoje é importante oferecer o calor e o amor de um lar cristão aos que precisam. 

A palavra é usada novamente somente em Tito 1:8 e I Ped. 4: 19. 

Aqui, o bispo está na companhia de estranhos.A palavra traduzida "apto para ensinar" (didaktikos) é usada outra vez somente em II Tim. 2:24 do servo do Senhor. Ela não indica apenas o conhecimento em si, mas a capacidade de transmitir tal conhecimento. 

Prontidão e habilidade neste ponto equipam o bispo a apresentar a verdade, formal ou informalmente. Um ensinador hábil e preparado, em companhia, nunca perde uma oportunidade de instruir. Aqui o bispo está na companhia dos santos.


3. "Não dado a muito vinho" (me paroinos) expressa a ausência, não apenas de embriaguez, o sentido básico da palavra, mas também daquela grosseria e arrogância que acompanham a falta de autocontrole causado pelo vinho. É daí que vem a agressividade.Nenhum cristão tem o direito de se embriagar (veja I Cor. 6: 10), mas o bispo deve estar separado de todas as cenas barulhentas causadas pela tolerância ao vinho. Aqui ele é visto na companhia de pecadores, e se destaca por ser diferente.

Na palavra "não espancador" (me plektes) o temperamento do homem é evidente, independentemente de sua companhia. Seja qual for a provocação, de outro cristão ou dum pecador, ele permanece em total controle de si mesmo, e nunca apela para a violência.O adjetivo vem dum verbo que é traduzido por "espancar", encontrado em Apoc. 8:12. 

Um bispo que responde à provocação com violência física desqualifica-se a si mesmo.

"Mas" leva o nosso pensamento das duas negativas anteriores para o positivo nesta afirmação, "moderado" (epieikes, "cordato" na ARA). 

Em Tito 3:2, a mesma palavra é ligada com mansidão, e em li Cor. 10:1 o substantivo cognato é usado de Cristo, o modelo de paciência e consideração. Consideração, e preocupação em favor dos outros, estão por trás desta palavra, que M. Arnold traduz, "doce moderação", e J. N. D. Kelly, "magnânimo". 

A expressão "não contencioso" (amachos, "inimigo de contendas" na ARA) é traduzida por W. E. Vine como, "não combatente". 

Tendo um caráter pacífico, não arrogante, ele estará sempre disposto a renunciar aos seus direitos pessoais. Isto não quer dizer que ele não "batalha pela fé" (Judas 3), mas não faz isto com um espírito áspero e contencioso.

"Não avarento" (aphilarguros, de a, prefixo de negação, phileo, amar, e argurion, prata; isto é, um que não ama a prata) é usada outra vez apenas em Heb. 13:5. 

Amar o dinheiro demonstra um defeito sério do caráter cristão. O bispo deve claramente estar livre da avareza; o desejo pelo dinheiro não deve dominar a sua vida. Se o fizer, ele se tornará mercenário e mesquinho.


Três itens são apresentados para completar as qualificações do bispo que definem como ele é visto objetivamente, pelos outros:

  • a. Sua autoridade moral vs. 4-5
  • b. Sua maturidade evidente v.6
  • c. Seu bom testemunho v.7


4-5. O caráter do homem se torna evidente dentro do ambiente familiar. Sua qualificação para a liderança é revelada numa casa bem governada. 

A palavra "governar" é proistemi (que significa estar adiante, portanto liderar, ou presidir), e é a palavra usada em 5:17 e em Rom. 12:8; I Tess. 5:12 ("presidem sobre vós") para descrever o trabalho de um bispo. Assim, o lar mostra a sua capacidade para uma esfera mais ampla de responsabilidade na igreja. 

Ao passo que este versículo não exige que o bispo seja casado e tenha filhos, reflete um padrão normal de maturidade, e avalia um aspecto vital de seu caráter.O advérbio "bem" (kalos) mostra que não é apenas autoridade autocrática que está em vista no pensamento de governar. Pelo contrário, é o governar feito de tal forma que o resultado é admirável.

A admiração, logicamente, não é baseada em conquistas educacionais, nas boas maneiras das crianças, mas na bênção espiritual vista na família. É nas crianças, especialmente, que isto será observado, no fato de ele conseguir a sua obediência de uma forma digna ("com toda a modéstia"). 

Enquanto alguns veem aqui uma descrição da modéstia e do comportamento das crianças, parece mais de acordo com o contexto vê-lo como descritivo da maneira com que o homem trata a sua família. Ele o faz com uma firmeza que toma aconselhável obedecer, com uma sabedoria que toma natural obedecer, e com um amor que toma agradável obedecer.Paulo apoia o valor deste requisito com um paralelo tipicamente paulino; um argumento do menor ao maior. 

Se um homem demonstra incompetência no lar, no governar de seus próprios filhos, então o problema precisa ser encarado; como conseguirá ele tomar conta da igreja? "Sua própria casa" (oikos, como no v. 4) fica em contraste com "a igreja de Deus". A ausência do artigo antes de "igreja" frisa o caráter da igreja local (veja v. 15). 

O termo "igreja de Deus" no Novo Testamento é usado apenas da igreja local (Atos 20:28; I Cor. 1:2, 10,33; 11:16, 22; 15:9; Gál. 1:3; 11Tess. 1:4), e descreve a companhia dos santos numa localidade, reunidos ao nome do Senhor Jesus Cristo (Mat. 18:20).

O segundo contraste é entre os verbos usados. Em relação à sua própria casa, é "governar"; em relação à igreja, é "ter cuidado", um verbo usado, no Novo Testamento, apenas em Luc. 10:34-35, na parábola do bom samaritano. 

Indica o interesse amoroso que será mostrado pelo bispo no bem-estar dos membros da igreja; o mesmo cuidado que um pai demonstraria pelos membros de sua família.

Em relação a isto, veja o uso interessante do substantivo cognato na afirmação de Atos 27:3, traduzida "ver os amigos para que cuidassem dele" (literalmente, ter o cuidado deles); esta é uma linda ilustração de tal cuidado.


6. A palavra "neófito" '(neophutos), encontrada somente aqui no Novo Testamento, significa, literalmente, recém-plantado, e descreve aqui um recém-convertido (na LXX, é usada de árvores recém-plantadas, Sal. 144:12; 128:3, e assim, figurativamente, das crianças na família). 

Isto não indica um limite arbitrário na idade cronológica do bispo, pois a experiência não é exclusiva de homens na faixa etária mais velha, mas mostra que a experiência nas coisas de Deus, nas verdades das Escrituras e entre o povo de Deus é essencial.Nenhum recém-convertido pode ter isto. A falta de experiência carrega um perigo inerente para o bispo. Este perigo surgirá da possibilidade que é definida no particípio traduzido "ensoberbecendo-se". 

O verbo ensoberbecer-se (tuphoo) originalmente significava envolver em fumaça e, usado figurativamente, indica um inchaço mental (compare também com 6:4, "soberbo", e 11Tim. 3:4, "orgulhosos"); ou, como a fumaça cega fisicamente, assim também o orgulho cega espiritualmente, e leva, inevitavelmente, à queda. 

Em ambos os casos, o bispo corre o risco do mesmo tropeço que teve o grande representante do orgulho, o diabo. O artigo ligado à palavra "diabo", mostra que nenhum impostor humano está em vista, mas o próprio diabo. A expressão "condenação do diabo" deve ser entendida objetivamente, como a condenação que o diabo trouxe sobre si por causa de orgulho vanglorioso (Isa. 14: 12-15; João 8:44). 

O particípio aoristo (traduzido "ensoberbecendo-se") e o tempo aoristo do verbo "cair" indicam quão rápida, repentina e desastrosamente a falta de experiência pode ser evidenciada.


7. Na comunidade, distinta da igreja de Deus (v. 5), o bispo deve ter "bom testemunho". A palavra "testemunho" é marturia, e isto precisa ser "bom" (kalos). Um testemunho excelente ajudará a capacitar o homem para uma excelente obra (v. 1). Os que estão de fora da igreja local precisam ter razões para falar bem de sua honestidade, integridade e santidade. 

"Os que estão de fora" são os que não estão na comunhão da igreja local; esta referência passageira faz demarcação clara entre os reunidos ao nome do Senhor Jesus Cristo e todos os outros. As Escrituras esperam que cada cristão obedeça à Palavra de Deus neste' ponto, e, se assim fizerem, reunirão "ao nome do Senhor Jesus Cristo" (Mat. 18:20). 

Dentro da igreja local, os princípios das Escrituras, o poder do Espírito Santo e a presença do Salvador são conhecidos por experiência.Entretanto, aqueles que estão "fora" (exothen) da comunhão, certamente irão observar, criticamente, as vidas dos santos. Um homem conhecido por ter um temperamento, ou linguagem, desagradáveis, ou por sua desonestidade ou impureza, não pode ocupar lugar de bispo, pois isto seria "cair em afronta", isto é, dar razão aos que debocham ou zombam de sua vida. 

Mesmo os incrédulos, com a Lei de Deus gravada no seu coração (Rom. 1:15), sabem distinguir, instintivamente, o certo do errado, e podem avaliar corretamente o valor de uma profissão de fé. N. D. White tem uma nota interessante:"Existe algo questionável no caráter de um homem, se o consenso da opinião dos de fora é desfavorável a ele, independentemente do quanto ele seja admirado e respeitado pelos membros do seu próprio grupo". 

Governar dentro requer respeito de fora, e desafiar a opinião de fora é convidar desastre. A suspeita e censura (repreensão) apontadas contra um bispo poderiam facilmente desencorajá-lo, e nesta condição ele seria um alvo fácil para o diabo, que certamente colocaria uma armadilha (laço) no seu caminho. 

A palavra "laço" (pagida) se refere à'l armadilhas que I Timóteo cap. 3 Satanás coloca para os pés incautos. A imagem transmitida pela palavra mostra o diabo como um caçador de almas. Isto causaria grande mal ao homem e grande estrago para a igreja. Quanto à libertação do laço do diabo (mesma expressão que aqui) veja 2Tim. 2:26. 

O alvo do diabo é sempre destruir os líderes, e um que não tem a qualificação mencionada aqui lhe daria esta oportunidade.É evidente que o "laço do diabo" deve ser entendido como um subjetivo genitivo, isto é, o laço que o diabo arma para o santo.



Diáconos
Qualificações Citadas (1 Timóteo 3: 8-13)


Os diáconos, aqui, são aqueles homens aos quais o Senhor concedeu dons para o ministério e ensino dentro da igreja.Para que este ministério tenha valor espiritual, certas qualidades devem marcar os homens. Estas são, também, apresentados em quatro itens:


a. Sua Dignidade Pessoal v.8;

b. Sua Vitalidade Espiritual vs. 9-10;

c. Sua Integridade Conjugal v. 11;

d. Sua Fidelidade Familiar vs. 12-13.


A palavra "diácono" (diakonos) ocorre 29 vezes no Novo Testamento, e é sempre traduzida "servo" ou "ministro", a não ser em três ocasiões, onde diácono é usado (Rm. 1:1; I Tim. 3:8-12). É evidente que a tradição eclesiástica influenciou nesta tradução. 

A ideia principal é "servo", mas com uma referência específica ao trabalho que ele faz. Outra palavra geralmente traduzida "servo" é doulos, mas esta apresenta um escravo em relação a seu senhor. 

A palavra diakonos é usada de Cristo em relação ao Seu povo (Rom. 13:15), e do magistrado em relação à função que ele exerce para Deus (Rom. 13:4).

Os dois aspectos do trabalho do diácono que se tomam claros no Novo Testamento, com relação ao serviço da igreja, podem ser encontrados em Atos cap. 6, onde, mesmo que esta palavra não seja usada, as palavras cognatas são instrutivas. Em Atos 6:1, temos o substantivo: "suas viúvas eram desprezadas no ministério (diaconia) cotidiano". 

No V. 2, temos o verbo:"não é razoável que deixemos a palavra de Deus e sirvamos (diakoneim) às mesas." 

Estes dois versículos ligam o diaconato I Timóteo cap. 3 com o serviço material; mas, no V. 4, temos a afirmação apostólica:"mas nós perseveraremos na oração e no ministério (diakonia) da palavra". 

Isto indica que diaconato tem outro aspecto, um lado espiritual, ilustrado no trabalho apostólico. 

W. Hoste (Bishops, Priests and Deacons, pág. 115) afirma que "tanto os sete quanto os doze cumpriram os seus respectivos diaconatos. Como resultado de um, não houve mais murmuração entre as viúvas; como resultado do outro, 'crescia a palavra de Deus, e em Jerusalém se multiplicava muito o número de discípulos', Atos 6:7."

Assim é evidente que o diácono será visto em duas esferas diferentes de trabalho:
a. Um plano físico, material, administrativo, para o benefício do grupo, por homens escolhidos por, e responsáveis a, este grupo (Atos 6:5). 

Em apoio a isto, o substantivo cognato é usado desta forma em Atos 12:25; Rom. 15:31; II Cor. 8:4, 9, 12.

Dentro desta esfera, estariam os trabalhos administrativos a serem realizados em benefício da igreja; o cuidado do local de reuniões, a distribuição dos hinários, os deveres de tesoureiro, etc. Todos estes contribuem para o bem-estar da igreja de uma forma material.


b. Um trabalho espiritual, de ministrar ao cristão e ao pecador.Embora exercido dentro e através da igreja, é ministrado por homens capacitados e apontados pelo Senhor para tal responsabilidade.Paulo referiu-se desta maneira a si próprio e a outros em 11Cor. 3:6; 6:4; Ef. 3:7; 6:21; Col. 1:7,23,25; 4:7; I Tess 3:2, na pregação do Evangelho e no ministério aos santos. 

É neste contexto que as três ocorrências da palavra nesta epístola devem ser vistas, duas vezes neste capítulo (vs. 8 e 12), e de Timóteo em 4:6, "bom ministro (diakonos) de Jesus Cristo." 

Com dons dados pelo Senhor, e responsáveis a Ele, eles exerceram um ministério dentro da igreja local para a edificação dos santos.
São as qualificações de tais diáconos que são citadas em 3:11- 13, e isto explica a razão por que estas qualidades apresentam o mesmo padrão daquele requerido dos presbíteros. 

Em alguns aspectos, de fato, especialmente em relação "à fé" (vs. 9 e 13), são até mais exigentes. O uso da palavra no plural serve para sugerir que pode haver mais diáconos do que presbíteros numa igreja.


8. "Da mesma sorte" (hosautos) tem a mesma função que teve em 2:9, de marcar um paralelo do mesmo caráter. 

Assim, os diáconos, em suas qualificações, devem ter o mesmo padrão que os bispos. O mesmo verbo (dei), traduzido "convém" no v. 2, é usado para completar a gramática do versículo. "Honestos" (semnos) traz em si o pensamento de dignidade e sobriedade, sendo que "distinto" daria uma boa ideia do sentido desta palavra. 

Assim, a seriedade de propósitos que domina a mente do diácono possui evidências exteriores que a refletem. 

O substantivo cognato ocorre em 2:2 ("honestidade") em no v. 4 ("modéstia"). A demonstração deste comportamento digno está em contraste nítido com o comportamento proibido nas próximas três negativas:"Não de língua dobre" (me dilogous) se refere a palavras: literalmente, significa não falsos no falar. Usado somente aqui no Novo Testamento, dá a ideia de inconsistência no falar. M. E. Bengel explica: "Dizer uma coisa para uns e outra para outros".
Hoje, diríamos: "adaptar a mensagem aos ouvintes". Não há qualquer seriedade de propósito neste tipo de atitude."Não dados a muito vinho" (me oino pollo prosechontas) chama a atenção ao vinho. Compare com o que foi dito do bispo no v. 3. 

O verbo cognato, usado em 1:4 ("se deem") e em 4:1 ("dando ouvidos"), não significa, apenas, não dar atenção, mas não dar consentimento, ou não aderir de qualquer maneira. Nada faz um cristão perder a dignidade mais depressa do que a tolerância ao vinho; perde-se o controle, e o desastre vem logo a seguir. 

Beber "socialmente" tem estragado muitos testemunhos."Não cobiçosos de torpe ganância" (me aischokedeis) chama a atenção à riqueza. Esta é uma palavra muito forte, derivada de kerdos, ganho, e de aischros, sujo, e é usada, novamente, somente em Tito 1:7. 

O ganho se toma contaminado pelo motivo que o inspira.O diácono deve estar livre de qualquer suspeita de que o seu motivo de servir seja de proveito pessoal. 

O ganho se toma sórdido (ARA) quando o homem faz da aquisição do mesmo, e não da glória de Deus, o seu principal objetivo. 

Não há nada mais vergonhoso do que tratar das coisas divinas, esperando enriquecer-se por meio delas.Este dinheiro merece ser descrito como "imundo".


9. Os diáconos devem ter uma vida espiritual vital se pretendem que o seu ministério seja válido. A ênfase recai nas palavras finais, "uma pura consciência", mostrando um relacionamento íntimo entre sã doutrina ("a fé") e uma consciência livre de mácula e auto condenação. 

"Mistério", no Novo Testamento, não significa algo secreto, misterioso ou incompreensível, mas aquilo que, anteriormente desconhecido, agora foi revelado (veja 16).

Assim, quando Paulo usa esta palavra (como em Rom. 16:25; Col. 1:26) ele está se referindo àquilo que, fora da esfera de compreensão humana natural, agora é revelado em Cristo para o Seu povo, pelo Espírito (I Cor. 2:7-19). 

Esta revelação é incorporada "na fé", que, entendida como genitivo descritivo, isto é, explicando o que é o mistério, fala do conjunto de ensinos objetivos, sendo equivalente à totalidade da verdade, inacessível ao raciocínio humano não iluminado, mas conhecido por revelação divina. 

Usando uma metáfora _ esta valiosa "joia" deve ser preservada numa "caixa" especial.Esta "caixa" é o centro da natureza moral do diácono - a consciência (veja 1:5). 

Esta faculdade, que distingue entre o bem e o mal, é agora iluminada por revelação, e purificada pelo sangue de Cristo (Heb. 9:22), para dar testemunho à correlação entre o que se crê ("a fé") e o que se pratica na vida. 

O diácono só pode ter tal consciência quando ele pratica na vida o que prega com os lábios.Abstrações teológicas devem ser refletidas na pureza da vida. I Timóteo cap. 3 10. 

H. Alford sugere que a primeira palavra deste versículo deveria ser traduzida "além do mais", para indicar que os diáconos precisam, não apenas, dar provas de seu caráter, mas ter, também, um período em que seu trabalho é posto a prova. 

O uso da palavra "também" provavelmente está ligado a este requisito adicional. 

A palavra "provados" (dokimazo) era a palavra usada para descrever o testar dos metais (Prov. 8: 10; 17: 10, na LXX), geralmente referindo-se ao processo de passá-los pelo fogo, com o objetivo de colocar um selo de autenticidade sobre eles. Figurativamente, é usada pelo apóstolo de si mesmo em I Tess. 2:4, "aprovados de Deus para que o evangelho nos fosse confiado". 

Com isso, ele não quer dizer conseguir permissão para pregar, mas aprovação divina depois de ser testado. 

Ele não se refere a um tempo de experiência ou a um exame formal como os que são agora estabelecidos nos círculos eclesiásticos, mas a uma observação constante e minuciosa do homem e do trabalho que ele já faz. Este exame constante leva à aprovação.

O imperativo presente traz a ideia de continuar pondo a prova. 

A ideia não é de condenação crítica constante, mas de uma apreciação daquelas qualidades de caráter de um homem que Deus está preparando para a obra, bem como uma avaliação da eficiência do seu ministério. 

10. "Irrepreensível" (anenkeletos) é sinônimo da palavra usada do presbítero (v. 2), e mostra que não há nada duvidoso na sua vida, nenhuma acusação contra ele. 

"Exerçam o diaconato" é a tradução, na ARA, de uma palavra que é melhor traduzi da pela ARC, "depois sirvam", Sendo o homem e seu trabalho testados e aprovados, o diácono é incentivado a cumprir seu ministério.


11. Muitos comentaristas questionam a tradução "suas mulheres", dizendo que não há nenhum artigo que poderia ser traduzido como possessivo ("suas''). Rejeitando, e com razão, a tradução da ARC, "mulheres", como se fossem mulheres em geral que estavam em vista, tais expositores (Elliott, H. Alford, W. E. Vine) sugerem que aqui temos uma ordem de diaconisas, cujas qualificações são citadas.

Em apoio a esta ideia, Febe (Rom. 16: 1) é mencionada como sendo representante desta classe de mulheres, reconhecida dentro da igreja e que executa tarefas especiais dentro da sua esfera de trabalho.Busca-se apoio gramatical dizendo-se que "da mesma sorte" (hosautos) separa classes; isto acontece no V. 8, portanto, agora no V. 11, dizem que uma terceira classe é introduzida.

O argumento é muito fraco. Paulo poderia ter usado a palavra "diácono" no feminino singular, (o plural seria igual à palavra do v. 8) se ele quisesse identificar uma outra classe. No mínimo, esperaríamos algo mais específico do que gunaikas (mulheres, ou esposas) sem o artigo. 

Um estudo das quatro ocorrências de hosautos nesta epístola (2:9; 3:8, 11; 5:25), ou as outras três ocorrências no Novo Testamento, não apoiam esta ideia, de que necessariamente introduz uma nova classe; pelo contrário, serve para comparar urna nova afirmação com a anterior. 

O presbítero irrepreensível (v. 2) corresponde ao diácono irrepreensível (v. 8) e, de acordo com isto, suas esposas (ambas, do presbítero e do diácono) precisam ter certo caráter. Seria estranho introduzir aqui uma nova classe, e resumir as qualificações do diácono no v. 12. É evidente que a tradução "suas mulheres" seria correta. 

A razão da inclusão desta afirmação aqui pode ser que os diáconos necessariamente aparecem em público, ainda mais que os bispos, e suas parceiras precisam ter caráter que combine com a sua posição.As qualificações das mulheres refletem, de perto, as qualificações dos diáconos. 

A palavra "honestas" é a mesma do v. 8, e mostra a seriedade de propósito por trás de uma conduta digna. Em Fil. 4:8 é traduzida "honestos", e na ARA, "respeitáveis".

"Não maldizentes" (me diabolous) lembra a palavra usada 34 vezes no Novo Testamento para descrever Satanás como o acusador (o diabo); em IITim. 3:3 e Tito 2:3 (traduzi da "falsos acusadores"), frisa o perigo da fofoca maldosa e maliciosa com que o diabo faz o seu trabalho. 

Compare a palavra no v. 8, "não de língua dobre". O Expositors Greek Testament diz, convincentemente, que, enquanto os homens são mais propensos do que as mulheres a "ter língua dobre", as mulheres são mais propensas do que os homens a ser "maldizentes"."Sóbrias" ("temperantes" na ARA), a mesma palavra que a do v. 2, tem a ideia do controle próprio cuja fonte é uma mente bem equilibrada (veja o substantivo cognato em 2:9). 

Compare com a ilustração paralela do v. 8, "não dado a muito vinho".Paulo agora acrescenta "fiéis em tudo". Já vimos, nesta epístola, um apóstolo "fiel" (1: 15; 3: 1); agora, uma mulher "fiel", onde a ideia é alguém de confiança. 

Ela merece confiança em todas as esferas. Como a mulher virtuosa de Prov. 30: 10-11, "o coração de seu marido está nela confiando". Uma das coisas incluída neste "tudo" seria, sem dúvida, o manejar das finanças da família.

Com referência às mulheres: Febe é chamada "nossa irmã que serve (diakonos) na igreja" (Rom 16:1), e seria reconhecida como uma pessoa a quem atos definidos de serviço, consistentes com o seu sexo, poderiam ser confiados pela igreja. Dentro desta esfera, o seu serviço abrangeria tanto o material como o espiritual. 

No plano material, físico, e administrativo, estariam as obras de caridade, o cuidado dos doentes, a hospitalidade dentro do lar, etc; na esfera espiritual, estaria o ensinar a outras mulheres mais jovens, o ensino e cuidado das crianças, etc. 

As que irão se responsabilizar por tal trabalho devem ter, da mesma forma que o diácono masculino, as qualificações dadas pelo Senhor e a confiança dos santos aos quais ministram.

12. O padrão moral requerido dos diáconos é o mesmo que o do presbítero. A expressão "maridos de uma só mulher", é a mesma I Timóteo cap. 3 expressão do V. 2 (exceto, é claro, pelo plural). 

Veja o comentário daquela passagem. Não pode haver qualquer registro de má conduta conjugal naquele que ocupa uma posição proeminente e responsável no testemunho, de onde possa surgir qualquer acusação contra ele, mesmo dos dias anteriores à sua conversão.

O caráter do diácono, como do presbítero, será manifesto dentro do lar. Veja, no v. 5, os comentários acerca de "governar" e "bem" (kalos). 

O manejar dos filhos e do lar fornece uma evidência clara do calibre do diácono.

13. O "porque" neste versículo e o particípio do verbo diakoneo limitam este incentivo aos diáconos focalizados. O particípio ativo aoristo traduzido "servirem bem como diáconos" é um incentivo à felicidade no serviço dos diáconos e forma uma conclusão adequada para a passagem.

Duas promessas são feitas:
a. "uma boa posição" ("justa preeminência", na ARA). A palavra "posição" (bathmos) significa, literalmente, uma base, um alicerce ou degrau. Baseado na ideia errônea de que os diáconos eram oficiais subordinados da igreja, alguns veem nisto a promessa de promoção para o presbitério. Embora a palavra viesse a indicar isto em escritos eclesiásticos, tal significado é totalmente estranho ao seu uso no tempo do Novo Testamento.Outros têm visto esta palavra como referência à revelação de serviço no tribunal de Cristo. Eles apontam para o tempo aoristo no particípio (servirem bem como diáconos) como indicativo de um serviço completo. Mas Paulo não estava se referindo à promoção eclesiástica (uma noção não bíblica) e nem a uma recompensa futura. A referência é à excelente posição na igreja que o diácono obtém através de seu ministério excelente.O tempo aoristo chama atenção aos atos completos do serviço. O verbo "adquirirão" (usado de Deus em Atos 20:28) é o verbo "ganhar" e, na voz média, como aqui, significa ganhar para: si; o tempo presente indica que a "boa posição" é o resultado presente do seu serviço fiel.


b. "Muita confiança". A palavra "confiança" (parrhesia, de pas, toda, e rhesis, fala) significa, literalmente, liberdade de fala. Veja o seu uso em Atos 2:29 e em Atos 4:13, 29, 31. 

A palavra, entretanto, no seu uso geral veio a ser entendida como aquela confiança ou coragem que estão por trás da liberdade de expressão oral, e é melhor traduzida pela palavra "intrepidez". 

 Esta intrepidez pode ser perante Deus (Ef, 3: 12) ou perante os homens (II Cor. 7:4; Fil. 1:20; I Tess. 2:2). 

Aqui, fala da confiança interior que vem da consciência de ter integridade pessoal e de ser aceito pela igreja, que capacita o diácono a falar com autoridade e convicção.

Alguns consideram a "fé" como o crer pessoal e subjetivo do diácono em Cristo, que é fortificada. Assim, ele ganha em confiança à medida que seu ministério é cumprido fielmente. 

Esta ideia ganha força devido à ausência do artigo antes de "fé", e a frase final "que há em Cristo Jesus", onde Cristo é a pessoa em quem a fé descansa. Entretanto, isto é difícil de sustentar pelo contexto. Antes, a ideia é frisar uma confiança crescente em relação aos ensinos de fé que ele claramente expõe. 

Estes ensinos todos encontram a sua base em Cristo Jesus. Um resumo majestoso desta fé segue imediatamente no v. 14. 

Seria de esperar que "aguardando o mistério da fé" (v. 9) resultaria na exposição confiante da mesma, ao ser o ministério do diácono aceito na igreja. 

Embora não haja artigo antes de "fé", existe um imediatamente após, que gramaticalmente age como pronome; "na fé, a (qual), em Cristo Jesus".


O Conceito Divino

Governando o Testemunho

A Conduta Esperada na Igreja: a Casa de Deus (1 Timóteo 3: 14-15)


Estes versículos são a chave da epístola. Paulo explica por que ele está escrevendo, e nisto indica a importância e urgência do mandamento que ele está dando a Timóteo.

A questão em debate é a manutenção de um testemunho local para Deus, que refletiria glória no próprio Deus. Alguns termos são usados para indicar que este testemunho é divino, em caráter e constituição, e isto exige uma conduta correspondente aos associados com tal testemunho.


14. A razão pela qual esta epístola foi escrita é dada neste versículo.Incerto quanto aos seus movimentos futuros dentro da vontade de Deus, Paulo, pelo Espírito, é levado a registrar "estas coisas". 

Esta expressão, em primeiro lugar, se refere a assuntos já expostos, mas a figura gráfica no tempo presente do verbo "escrever" (eu estou escrevendo) necessariamente inclui assuntos dos versículos seguintes que completarão o mandamento. 

As palavras "em breve" não apresentam adequadamente o grau comparativo do advérbio tachion ("bem depressa", na ARC) que H. Alford traduz muito bem por "vir até ti mais cedo (do que pareça possível)". Isto simplesmente quer dizer que, apesar das circunstâncias aparentemente desfavoráveis, o apóstolo esperava chegar em Éfeso mais cedo do que o esperado.


15. Por causa da possibilidade de demora na sua vinda, temos esta epístola tão importante ao testemunho local da igreja. O verbo "saber" (oida) indica aquilo que "está na esfera de percepção do conhecedor" (W. E. Vine) e, por isso, frequentemente sugere a revelação divina. A epístola traz à esfera de percepção do leitor assuntos relevantes à conduta exigida aos que estão associados com a igreja local. 

Timóteo, ao exercer a sua autoridade como bom ministro (diácono) de Jesus Cristo (4:6) seria responsável por trazer estes assuntos ao conhecimento dos cristãos. Com o verbo impessoal (dei) o sujeito normalmente seria o neutro. A pessoa sobre quem cai esta tarefa seria colocada no caso acusativo. 

Como, porém, não há qualquer pronome de caso acusativo, é possível inserir "você" ou "o homem".Qualquer sugestão de que a conduta de Timóteo estava em falta é totalmente sem fundamento, e seria melhor manter a expressão "como convém andar" impessoal. Note o uso do verbo dei na epístola: v. 3 ("precisar"), v. 7 ("precisar") e 5: 13 ("deve"). 

Esta tradução impessoal é apoiada pelo verbo compreensivo "comportar" (anastrepho) que, na voz média, significa conduzir-se, e não descreve ações isoladas, mas toda uma maneira de vida. Seja qual for a esfera de vida, quer homem ou mulher, presbítero ou diácono, jovem ou idoso, existe subentendida uma maneira de vida digna da associação com este testemunho. 

Podemos ver que o verbo tem este alcance em Ef. 2:3 ("nós andávamos") e 11 Cor. 1:12 ("temos vivido"); abrangendo todo um estilo de vida.O comportamento (modo de vida) deve estar em acordo com a dignidade do testemunho, que é descrito sob o termo "a casa de Deus". 

A palavra "casa" (oikos) já foi usada três vezes neste capítulo, duas vezes referindo-se ao presbítero (vs. 4 e 5), e uma ao diácono (v. 12); portanto, já está estabelecido que indica, aqui, uma família. 

Todas as referências a uma "casa", nas epístolas Pastorais, subentendem a ideia de "família" (veja 5:4; 11 Tim. 1:16; 4:19; Tito 1:11). 

Desta forma, Paulo usa a analogia da família humana para definir uma responsabilidade: da mesma forma que pertencer a uma família terrestre traz certas responsabilidades sobre o homem, assim, de maneira muito mais abrangente, pertencer à família de Deus também o traz. Uma figura diferente é usada em I Cor. 3:9: "edifício de Deus", onde a palavra é oikodome. 

Outra figura é encontrada em I Cor, 3: 16, "templo de Deus", onde a palavra é naos, um santuário.A expressão "família de Deus", em Ef. 2:19, tem em vista indivíduos, como que enfatizando o seu lugar no propósito de Deus quando ligados a Cristo. "Cristo como Filho sobre a Sua própria casa" tem em vista a Igreja da dispensação, a totalidade dos cristãos na "Igreja que é o Seu corpo" (Ef. 1:22-23). Aqui, porém, refere-se à companhia local dos santos reunidos em nome do Senhor Jesus Cristo, em obediência às Escrituras, e vista como urna.unidade de testemunho. A ausência de qualquer artigo frisa o caráter de tal agrupamento.A descrição apositiva da próxima frase dá mais dignidade ao testemunho local. Para a expressão "igreja de Deus", veja o v. 5. 

O adjetivo "vivo" mostra a atividade de um Deus que agiu desta forma na formação de um grupo como este, por meio de Seu Filho, das Escrituras, e do Espírito, em contraste aos ídolos mortos do paganismo.

Em 4: 10 e 6: 17 (A tradução da AV diz: "... no Deus vivo, ..." (N. do R.)., o mesmo adjetivo irá indicar o cuidado constante, e as provisões infalíveis, que os santos podem esperar deste que assim os chamou para o testemunho. A ausência do artigo outra vez frisa o caráter do agrupamento.A frase apositiva final aumenta ainda mais o valor do testemunho divino. Duas figuras arquitetônicas são empregadas. 

O pilar (stulos) indica a coluna que apoia o peso do prédio. Figurativamente, é usada acerca de homens em Gál. 2:9, e do vencedor em Apoc. 3: 12. 

No testemunho divino, a igreja dá testemunho de um homem ressurreto, em Quem está personificada a verdade, a ausência do artigo, outra vez, testificando do caráter de cada local.A palavra "firmeza" (hedraioma) indica um apoio, baluarte, ou arrimo. 

Esta última palavra seria a melhor alternativa, de acordo com o contexto, onde a ideia é de testemunho positivo à verdade (o pilar) e a manutenção dele (arrimo) em face da oposição. A expressão "da verdade", como em 2: 14, não deve ser limitada a um aspecto da verdade. É aquilo que, revelado em Cristo, que é a verdade (João 14:6), é mantido em testemunho a Ele. Todos os aspectos da verdade absoluta serão assim mantidos; quanto à Sua pessoa e obra (evangelicamente), quanto ao Seu propósito e testemunho neste século (eclesiasticamente) e quanto à Sua prometida volta e reino (escatologicamente).


O Cristo em Evidência no Testemunho: 

O Filho de Deus (1 Timóteo 3:16)


Temos aqui apresentado tudo o que está contido em "a verdade", da qual toda igreja local dá testemunho. Tudo isto foi personificado, historicamente, numa pessoa, e é ao testemunhar dEle como Deus que o testemunho divino atinge o seu ápice.

16. " Sem dúvida alguma" traduz o adverbio homologumenos, do verbo homologeo, confessar (homos, igual, e lego, falar), e assim indica todos falando a mesma coisa, por consentimento comum, onde nenhuma voz discordante é ouvida. Esta é a grande confissão pública da verdade em Cristo, testemunhada por cada cristão na igreja. Deve ser associada com "grande", pois todos que testemunham da verdade reconhecerão quão grande é o mistério da piedade.

A palavra "mistério" (veja v. 9) tem o seu significado neotestamentário normal,. isto é, aquilo que, anteriormente escondido, é agora revelado. Neste caso, a revelação é da piedade. 

Pode-se ver aqui qual seria a resposta cristã ao grito do culto de Éfeso, "grande é Diana dos Efésios" (Atos 19:28). O único outro mistério chamado de grande no Novo Testamento está em Ef. 5:32. 

"Piedade" (eusebia) não é um atributo de Deus, como santidade ou justiça, mas é uma atitude, para com Deus, daqueles que O conhecem e reverenciam, o qual é refletido no modo de vida deles. 

A manifestação preeminente desta atitude foi, histórica e evidentemente, em Cristo, e o que a epístola enfatiza é que este testemunho de piedade deve ser reproduzido agora, nos santos, em testemunho coletivo a Ele.

Batalhas textuais são travadas sobre a questão da próxima palavra ser "Deus" (Theos), como em algumas versões, ou "Aquele" (os), como na ARC. 

W. E. Vine afirma claramente: "Seria bom esclarecer a razão desta tradução [da ARC]. Nos manuscritos antigos, o pronome relativo 'aquele' era escrito os. Por outro lado, a palavra Theos, Deus, era frequentemente abreviada para os. 

Os mais importantes manuscritos antigos, e todas as versões anteriores ao século VII, estão claramente a favor do pronome. 

Theos facilmente seria derivado de os, e confusão entre os dois seria fácil.

"Numa passagem extensa, W. Kelly defende a tradução "Aquele", e mostra que isto não infringe, de qualquer maneira, a divindade absoluta, pois somente a divindade poderia "se manifestar em carne".

Apesar de tudo isto, a palavra Theos tem apoio textual bem forte, e era a leitura conhecida de muitos dos pais da Igreja. Significa, também, que o problema do antecedente do pronome relativo não aparece. 

Este antecedente não pode ser, gramaticalmente, "o mistério" (senão a palavra seria "que"); por isso, a maioria dos comentaristas é levada, como C. J. Ellicott, a descrevê-lo como "relacionado a um antecedente omitido, mas facilmente reconhecido, isto é, Cristo." 

Assim, é contextualmente permitido, exegeticamente correto, e textualmente aceitável, defender a tradução "Deus se manifestou em carne".

O mistério da piedade é apresentado em seis afirmações rítmicas e bem harmoniosas. O paralelismo cuidadoso das linhas, a assonância marcada das sílabas, e os seis verbos aoristos na terceira pessoa, tem levado alguns a sugerir que talvez seja a citação de um hino primitivo, ou talvez uma afirmação de fé formulada deliberadamente.

Esta sugestão é desnecessária, e rouba a afirmação do êxtase de espírito que claramente enchia o coração do apóstolo, enquanto contemplava a completa personificação da verdade na Pessoa de Cristo, em quem, historicamente, havia uma manifestação divina de propósito.

As seis afirmações foram divididas de diversas maneiras, seja em dois grupos de três, ou em três grupos de dois. 

Uma maneira simples de apresentar a harmonia entre as afirmações é apresentada no diagrama que, com estrutura cruzada dupla, relaciona três grupos de duas unidades em dois grupos desta maneira:
1. Se manifestou em carne2. Justificado em espírito

3. Visto dos anjos

4. Pregado aos gentios

5. Crido no mundo

6. Recebido acima na glória


O paralelismo contrastante (destacado abaixo) também fica claro no diagrama acima.
1. Em carne Em espírito

2. Anjos Gentios

3. No mundo Na glória.


A frase "se manifestou em carne" enfatiza a encarnação, sendo que o termo inclui tanto o Seu nascimento quanto a Sua vida na terra. A ARA (''foi manifestado") traduz o tempo aoristo, que descreve a época quando Cristo esteve na terra em humanidade. O mesmo verbo é usado, do mesmo acontecimento, em Heb. 9:26; I Ped. 1:20. 

"Em carne" (en sarki), sem o artigo, abrange o período desde a encarnação até a ascensão (Rom. 8:3), quando Ele estava visivelmente presente na terra como Homem. Nenhum mistério pode ser mais inescrutável do que a divindade encarnada."Justificado em espírito" é a expressão paralela. 

"Em carne", o julgamento dos homens colocou Cristo numa cruz, como se Ele não fosse digno de viver. Deus, porém, O declarou justo; Ele O justificou, vindicou-O em Sua ressurreição. A ressurreição é a vindicação tanto de Sua pessoa (Rom. 1:4) quanto de Sua obra (Rom. 4:23- 25). 

Isto ainda não é visto pelos homens; mas nesta esfera, ainda invisível aos homens, Ele tem sido vindicado. Deus, de fato, reverteu o julgamento da terra. Assim, à luz destas coisas, o contraste não está entre a carne e o espírito de Cristo, ou entre a ação do homem e a do Espírito Santo em ressurreição, mas entre a esfera do visível, "em carne", e a esfera do invisível, "em espírito" (veja I Ped. 3: 18 para um contraste semelhante). 

Deus coloca um Homem no trono, mas na esfera terrestre isto ainda não é visível.

"Visto dos anjos" é a primeira das duas afirmações paralelas seguintes, chamando atenção aos cidadãos das duas esferas mencionadas acima, mas em ordem contrária, baseada na estrutura cruzada.Na esfera invisível aos mortais, os anjos O tem observado, exaltado e entronizado (I Ped. 3:23). 

É certamente verdade que eles anunciaram o Seu nascimento (Luc, 1:9-14), serviram-nO em vida (Mar 1:13; Luc. 2:13; 24:23), e devem ter se horrorizado com a Sua morte, quando Ele foi sozinho para a cruz, mas este não é o ponto do contraste. 

Esta afirmação enfatiza a observação e, consequentemente, a admiração e adoração que as hostes angelicais ofereceram a Cristo, quando, na ressurreição, observaram Sua ascensão vitoriosa ao trono (I Ped. 3:2; Heb. 1:6).

"Pregado aos gentios" enfatiza que, na esfera do visível, Ele foi proclamado (o verbo é kerusso, o cognato de "pregador" em 2:7) às, ou entre as, nações (ARA; veja 2:7 para "gentios"). Não mais entre os limites da nação de Israel, mas a proclamação mundial centraliza-se numa Pessoa. 

Embaixadores deste Cristo ressurreto (2 Cor. 5:20) tem levado tal notícia a todas as nações.As afirmações finais destacam as características dominantes das duas esferas. 

Na esfera visível da humanidade, onde o Cristo entronizado ainda não é visto, a fé na sua pessoa é exercitada. 

Na esfera ainda invisível aos olhos mortais, Ele é entronizado em glória, um fato ainda a ser demonstrado universalmente (Fil. 2:9-11).

"Crido no mundo" está claramente ligado na estrutura cruzada à afirmação anterior. 

É na terra que a mensagem é pregada, e a fé exercitada (João 20:31; 11 Tess. 1:10). O que não é visto é aceito pela fé, baseado na Palavra de Deus.

"Recebido acima na glória", como Mar. 16:19; Atos 1:2, 11, 22, enfatiza as boas-vindas oferecidas Àquele que foi rejeitado na terra. Outras palavras para ascensão são "elevado" (Luc. 24:51), "subiu" (Atos 1: 10 e Ef. 4: 10). 

A expressão "na glória", no sentido técnico, vai além do ato da ascensão e exaltação, para mostrar o brilho estonteante da própria presença de Deus: ali, um Homem está entronizado.

O paralelismo antitético e a estrutura cruzada das seis afirmações declaram assim, de uma forma cronológica, o mistério da piedade revelado em Cristo, desde a encarnação até a coroação na glória.Deus e a glória são manifestos em um Homem.

Este resumo majestoso da verdade, personificada em Cristo, e que agora deve ser mantida no testemunho da igreja local, dá uma conclusão adequada à primeira parte da epístola. 

A manutenção do testemunho, evidenciado na atmosfera e na autoridade dentro da casa de Deus, tem um novo significado quando visto em contraste com o pano de fundo histórico da verdade revelada em Cristo.

Estabelece também uma base apropriada para se tratar do perigo do ataque satânico, que inicia a próxima parte da carta.


Livros deste autor são adquiridos pelas editoras:
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Por James Allen

2. A Igreja e o Judaísmo

"E [eu conheço] a blasfêmia dos que a si mesmo se declaram judeus, e não são".
Apocalipse 2:9


Aqui devemos dar atenção para o problema dos judeus. O Senhor disse que nos seus sofrimentos, a igreja tem tribulação e pobreza; com isso é fácil tratar. Mas tratar com aquilo que vem do interior não é fácil. Os judeus mencionados aqui não se referem aos judeus no mundo, mas aos judeus na igreja, assim como as pessoas que vimos antes relacionadas aos nicolaítas não se referem às pessoas do mundo, mas ao laicato na igreja. Aqui fala sobre os judeus que os perseguiram. Isso é mais doloroso entre as coisas dolorosas. Nas sete cartas há uma linha de oposição. Os nicolaítas são mencionados duas vezes: uma vez na igreja em Éfeso e outra em Pérgamo. 

Os judeus também foram mencionados duas vezes: uma vez aqui, e de novo na igreja em Filadélfia. Em Pérgamo, o ensinamento de Balaão é mencionado. Em Tiatira, Jezabel é mencionada. Todos estes constituem a linha de oposição. Você pode perguntar: qual é o significado dos judeus? A salvação não é dos judeus? 

Por que eles falam blasfêmias aqui? Por essa razão devemos saber o que é judaísmo e o que é igreja. Há muitas diferenças essenciais entre judaísmo e a igreja. Aqui quero mencionar quatro pontos para os quais devemos dar especial atenção; o templo, a lei, os sacerdotes e as promessas. 

Os judeus identificaram um templo esplêndido de pedras e de ouro, como o lugar de adoração. Como padrão de comportamento, eles tinham os Dez Mandamentos e muitos outros regulamentos. Para cuidar dos assuntos espirituais eles tinham o ofício dos sacerdotes, um grupo de pessoas especiais. E, finalmente, eles também tinham as bênçãos pelas quais podiam prosperar na terra.


Por favor, note que o judaísmo é uma religião terrena. O que eles possuem é um templo material, regulamentos de letras, sacerdotes mediadores e gozo na terra. Quando os judeus entraram na terra de Canaã, eles construíram o templo. Se sou um judeu e desejo servir a Deus, devo ir ao templo. Se sinto que pequei eu preciso oferecer um sacrifício, devo ir ao templo para oferecer o sacrifício. Se sinto que Deus me tem abençoado e quero agradecer, devo ir ao templo para agradecer. Todas às vezes devo tomar esse caminho. Posso adorar a Deus somente quando vou ao templo. Este é chamado lugar de adoração. Os judeus são adoradores, e o templo é o lugar onde eles adoram. Os adoradores e o lugar de adoração são duas coisas diferentes. Mas é assim no Novo Testamento? A característica especial da igreja é que não há lugar nem templo, pois nós, o povo, somos o templo.


Efésios 2:21-22 diz: "No qual todo edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito". 

A característica especial da igreja é que seu corpo é a habitação de Deus. Individualmente falando, cada um de nós é o templo de Deus. 

Coletivamente falando, Deus nos edifica e adequadamente nos ajunta para tornar-nos Sua habitação. Não há lugar de adoração na igreja; o lugar de adoração é o adorador. 

Carregamos nosso lugar de adoração aonde quer que vamos. Isso é fundamentalmente diferente do judaísmo. O templo no judaísmo é um templo material; o templo na igreja é um templo espiritual. 


Alguém certa vez calculou o valor total do templo judeu – é o suficiente para proporcionar a todas as pessoas da terra uma quota financeira. Mas, e quanto ao templo dos cristãos hoje? Alguns são mancos, alguns são cegos e alguns são pobres, mas este é o templo. Hoje algumas pessoas dizem: "Se você não quer ir a um templo solene e magnífico, no mínimo precisa de uma capela". Mas a igreja não tem um templo. Aonde quer que os crentes vão, para lá o templo também vai. Deus habita em homens, não em uma casa. 

Os homens pensam que, se forem adorar a Deus, eles precisam de um lugar. Alguns até chamam templo de "igreja". Isso é judaísmo, não a igreja! A palavra igreja em grego é "eklésia", que significa "os chamados para fora de". A igreja é um povo comprado com o sangue precioso – esta é a igreja. 

Hoje temos o templo no andar superior, temos o templo no pórtico de Salomão, temos o templo na porta chamada Formosa e temos templo no andar inferior. O judaísmo tem o lugar material. Então, quem são os judeus? São os que levam o lugar material para dentro das igrejas. Se os filhos de Deus desejam andar no Seu caminho, eles devem pedir a Deus que abra seus olhos, para que possam ver que a igreja é espiritual, não material. Os judeus também têm as leis, os regulamentos para seu viver diário (Deus somente usa leis para fazer os homens conhecerem os seus pecados). 

Todo aquele que for um judeu deve guardar os Dez Mandamentos. Mas o Senhor Jesus disse claramente que mesmo que você guarde os Dez Mandamentos, ainda lhe falta uma coisa (Lc 18:20-22).


O judaísmo tem um padrão de princípios para seu viver diário, o qual está escrito em tábuas de pedra e precisa ser memorizado. Mas o problema está aqui: se sou alfabetizado, entendê-lo-ei; se sou analfabeto, não o entenderei. Se tiver boa memória, consigo lembrá-lo; se não tiver boa memória, não consigo lembrá-lo. Isso é judaísmo. O padrão do viver diário do judaísmo é morto; é exterior. 

Na igreja não há lei; em vez disso, sua lei está em outro lugar. Não está escrita em tábua de pedra, mas nas tábuas do coração. A lei do Espírito da vida está dentro de mim. 

O Espírito Santo habita em mim; o Espírito Santo é a minha lei. Leia Hebreus 8 e Jeremias 31. Deus diz: "Nas suas mentes imprimirei as minhas leis, também sobre os seus corações as escreverei" (Hb 8:10). 

Hoje, certo e errado não estão em tábuas de pedra, mas no coração. Hoje nossa especial característica é que o Espírito de Deus habita em nós.


Gosto de contar uma história que expressa o sentido aqui. Em certa cidade havia certo senhor, um eletricista, que tinha pouca escolaridade. Posteriormente, ele foi salvo. Quando os dias esfriavam, ele se preparava para beber vinho conforme seu antigo costume. 

A comida estava pronta, o vinho aquecido e ele, a esposa (que conhecia algumas letras a mais do que ele), e um aprendiz estavam sentados e prontos para comer. Ele começou a dar graças; contudo, por algum tempo nenhum som saiu. Finalmente ele disse: "Agora que sou um cristão, quero saber se é certo os cristãos beberem vinho. 

É uma pena que o pregador tenha ido embora; do contrário, poderíamos, perguntar-lhe. Vamos procurar na Bíblia para ver se é certo os cristãos beberem vinho". 

Assim, os três começaram a folhear as páginas da Bíblia, mas não encontraram nada. Por fim, a esposa sugeriu que o tomassem desta vez. Mais tarde, disse ela, eles poderiam escrever uma carta ao pregador, e se ele dissesse que não é correto beber, eles parariam; se ele dissesse que é correto beber, eles continuariam. 


Então o irmão levantou-se de novo e preparou-se para dar graças. Ma novamente, por algum tempo, nenhum som saiu. Após esse incidente, o pregador encontrou-o, e a questão foi levantada. O pregador perguntou-lhe se ele afinal bebeu na ocasião, e ele replicou: "O Chefe que mora dentro de mim não me permitiu; então eu não bebi". Há um "Chefe interior" – este é um regulamento muito bom.
Se o Espírito Santo não concorda, o que quer que você diga não vale nada; se o Espírito Santo concorda, o que quer que você diga também não vale nada. A lei torna-se uma questão interior, não exterior. Há leis escritas e regulamentos no judaísmo. Hoje também há muitas normas e regulamentos escritos na "igreja", mas isto não é a igreja. 

Qualquer regulamento que é colocado exteriormente não é a igreja. Não temos leis exteriores; nosso padrão de viver diário é interior. A tribulação da igreja em Esmirna foi devido ao fato de aqueles que chamavam a si mesmo judeus estarem impondo regulamentos judaicos sobre ela. No judaísmo, os homens que adoram e o Deus que é adorado estão separados e muito distanciados um do outro. 


A distância é o judaísmo. Quando o homem vê o Deus do judaísmo, ele imediatamente morrerá. Como os do judaísmo conseguem aproximar-se de Deus? Eles dependem de um mediador, o sacerdote. Os sacerdotes os representam para ir a Deus. As pessoas são seculares; elas somente podem fazer coisas seculares e ser mundanas. Mas os sacerdotes devem ser totalmente santos e cuidar das coisas santas. A responsabilidade dos judeus é levar o boi ou a ovelha ao templo. 

Quanto a servir a Deus, esse é um assunto dos sacerdotes, não dos judeus. Mas na igreja não é assim. Na igreja, Deus não apenas quer que tragamos coisas materiais a Ele, mas também deseja que o povo venha a Ele. Hoje a classe mediadora foi abolida. Quais foram as palavras de blasfêmia faladas pelos judeus? Um grupo de pessoas na igreja em Esmirna estava dizendo: "Se aos irmãos é permitido fazer tudo, se os irmãos podem batizar as pessoas, se os irmãos podem partir o pão, não há qualquer ordem! Isto é terrível!" Eles queriam estabelecer uma classe mediadora.


O cristianismo de hoje já tem sido judaizado. O judaísmo tem os sacerdotes, enquanto o cristianismo tem os rigorosos padres, os clérigos que não são assim tão severos, e os pastores comuns no sistema pastoral. Os padres, os clérigos e os pastores cuidam de todas as coisas espirituais. Sua única expectativa quantos aos membros da igreja é o donativo. Nós, o laicato (os crentes comuns), somos seculares; podemos somente fazer coisas seculares e ser mundanos o quanto quisermos. 

Mas a igreja não tem qualquer pessoa secular (mundana)! Isso não significa que não cuidamos de coisas seculares, mas que o mundo não pode tocar-nos. 

Na igreja cada um é espiritual. Deixe-me dizer-lhe: toda vez que a igreja chega a ponto de somente poucas pessoas cuidarem das coisas espirituais, tal igreja já caiu. Todos sabemos que aos padres católicos romanos não é permitido casar; quanto mais eles diferirem em aparência dos seres humanos, mais seguras as pessoas sentir-se-ão em confiar-lhes as coisas espirituais. A igreja não é nada disso. 


A igreja exige que ofereçamos todo o nosso ser a Deus. Esta é a única maneira. Cada um deve servir o Senhor. Fazer coisas seculares é apenas tomar conta de nossas necessidades diárias. Agora prosseguiremos para o quarto ponto. 

O propósito dos judeus ao servirem a Deus é que eles pudessem colher mais trigo dos campos e que os bois e rebanho não perdessem seus filhotes, mas multiplicassem muitas vezes, exatamente como no caso de Jacó. 

Eles estão buscando a bênção neste mundo. As promessas de Deus a eles são também promessas da terra, para que entre as nações da terra eles sejam a cabeça e não a cauda. Mas a primeira promessa à igreja é que devemos tomar a cruz e seguir o Senhor. 

Algumas vezes quando prego o evangelho, as pessoas perguntam: "Haverá arroz para comer quando crermos em Jesus?" 


Eu respondo: "Quando você crê em Jesus, a tigela de arroz é quebrada". Esta é a igreja. Não é que após crer você ganhará mais em todas as coisas. Certa vez quando eu estava em um local, um pregador disse em sua mensagem: "Se você apenas crer em Jesus, embora possa não fazer fortuna, no mínimo, você conseguirá uma vida confortável". 

Quando ouvi isso, pensei:" Isto não está de acordo com a igreja. 

O que a igreja ensina não é quanto eu vou ganhar diante de Deus, mas quanto estarei disposto a perder diante de Deus". 

A igreja não acha que o sofrimento é uma coisa dolorosa; pelo contrário, é uma alegria. Hoje, estes quatro itens – o templo material, as leis exteriores, os sacerdotes mediadores e as promessas terrenas – estão na igreja.
Desejamos pregar mais as palavras de Deus. Esperamos que todos os filhos de Deus, embora todos tenham ocupações seculares, sejam homens espirituais. Aqui o Senhor fala uma palavra muito forte: "Dos que a si mesmos se declaram judeus, e não o são, sendo antes sinagogas de Satanás." 

A palavra sinagoga está especialmente relacionada ao judaísmo, assim como templo ao budismo, mosteiro ao taoismo e mesquita ao islamismo. Certo irmão disse que não deveríamos denominar nosso lugar de reunião "local de reuniões da igreja", mas de sinagoga cristã. Se fosse assim, quando um judeu passasse, ele ficaria muito confuso, porque sinagoga é um termo usado exclusivamente no judaísmo. 


Como poderíamos dizer que há algo como sinagoga cristã e não relacionar isto ao judaísmo? O Senhor disse que eles eram sinagoga de Satanás. Os judeus citados aqui pelo Senhor referem-se aos judeus na igreja, porque eles até mesmo introduziram a sinagoga. Que Deus seja misericordioso para conosco. Devemos livrar-nos completamente de todas as coisas do judaísmo.
Ao apóstolo Paulo foi confiado um mistério especial, o mistério da Igreja como corpo e como noiva de Cristo. Alguém poderia indagar: mas por que razão isto foi mantido em sigilo?

A resposta é que se tratava de algo celestial, objeto dos desígnios celestiais de Deus. As profecias do Antigo Testamento, por sua vez, tinham como finalidade manifestar os desígnios divinos com respeito a esta terra.

É importante atentarmos para esta consideração, pois indica que a Igreja está situada fora do mundo.

Ela tem outra origem, foi manifestada em outro tempo, acalenta outra esperança.

Pertence, enfim, a outra esfera.
A Igreja não é herdeira de promessas do Antigo Testamento, e não tem cumprimento de profecias do Antigo Testamento associadas a ela. 

Muito pelo contrário, tais coisas lhe são totalmente antagônicas. Israel e a Igreja são tão diferentes entre si, que nem poderiam existir um ao lado do outro. Enquanto os desígnios divinos com vistas à terra iam sendo manifestos, o mistério da Igreja permaneceu oculto. 

Quando, enfim, foi revelado o mistério da Igreja, os propósitos de Deus com relação à terra também foram suspensos e adiados.

A Igreja está associada com Cristo no céu; Israel está associado com Ele sobre a terra. A Igreja o conhece em Seus sofrimentos e perseverança; Israel o há de conhecer na Sua exaltação e poder.
A Igreja regozija-se nele como a noiva em seu noivo; Israel terá sua alegria nele como uma nação que venera o seu governante soberano.

A Igreja espera que Ele venha e a leve consigo ao céu; a esperança de Israel é que Ele estabeleça o Seu reino aqui na terra.

É nisto que se resume a parte celestial que nos toca, a nossa bendita porção, muito em contraste com o mais abençoado povo da terra. Só é uma pena que os nossos corações captem tão pouco desta maravilhosa posição celestial!


Por J. B. Baines

3. Os anjos das 7 igrejas do Apocalipse

Leitura: Apocalipse 1 - 3
A compreensão da palavra "anjo" relacionada a cada igreja tem sido um dos pontos de maior controvérsia durante anos, e uma variedade de interpretações são apresentadas. 

Alguns comentaristas insistem que a dificuldade surge porque a palavra "angellos" foi transliterada e não traduzida. Ao invés do seu significado normal, "ser espiritual", os que defendem este ponto de vista a traduzem como "mensageiro". 

Temos que reconhecer que ela é assim traduzida em Mat. 11: 10; Mar. 1:2 (ARA); Luc. 7 :24, 27 (ARA); 9:52; II Cor. 12:7; Fil. 2:25 - assim, sete vezes de um total de 186 ocorrências da palavra. 

Isto faz do anjo somente um mensageiro humano que levaria (como um carteiro) a epístola às igrejas mencionadas. 

O comentarista que apresenta os argumentos mais claros sobre este ponto de vista provavelmente é G. A. Hadiantonlou no seu livro The Postman of Patmos (O Carteiro de Patmos). 


Embora este ponto de vista é atrativamente simples, os argumentos contra ele são importantes:


A) A razão por que a palavra angellos deveria ser traduzida "mensageiro" nos três primeiros capítulos, mas "anjo" em todas as outras 67 ocorrências da palavra neste livro, nunca foi explicada de maneira satisfatória.


B) É muito difícil entender como um "mensageiro", ou até mesmo, como alguns sugerem, "secretário" ou "correspondente", poderia ser considerado responsável pelos fracassos das igrejas. O anjo é acusado pelo Senhor como se ele fosse a igreja.
Muitos comentaristas, talvez a grande maioria, fariam do anjo um símbolo "do bispo", "do pastor" ou "ministro" da igreja. 

A expressão varia de acordo com a convicção eclesiástica do comentarista, mas o anjo é visto, geralmente, como o homem responsável pela igreja. 

Os que compreendem que esta interpretação é antibíblica, além de anacrônica, diriam que o anjo simboliza "o presbítero responsável", "o elemento responsável", ou simplesmente "a liderança" da igreja. 


Estas explicações novamente são atraentes e simples, mas apresentam as seguintes dificuldades:
a) É óbvio que o anjo não faz parte da igreja, fisicamente, pois as estrelas estão na mão do Senhor e Ele está no meio dos candeeiros.


b) O anjo é mencionado e acusado corno se ele fosse a igreja. O Senhor nunca sugere que o anjo deveria agir independentemente da igreja.


d) As estrelas são símbolos; o Senhor explicou que os símbolos são anjos. Para ir além disto, seria criar um símbolo do símbolo, e acrescentar uma explicação pessoal. 

Sabemos que temos um símbolo duplo em 17:9-10, mas ali ele é explicado. 

Nenhuma explicação é dada aqui, e parece que precisaríamos ter cuidado na aceitação desta interpretação. Há sempre o perigo de usarmos a imaginação neste método de interpretação. Tal passo de interpretação simbólico duplo necessitaria uma indicação clara, que não temos neste caso. 


W. Hoste, referindo-se a esta interpretação do anjo, dá uma explicação bem clara: 

"Outros, também, talvez com mais autoridade bíblica, verem nos anjos aqueles que são capacitados para governar e edificar nas igrejas - os pastores responsáveis ao Sumo Pastor. A objeção a isto, que eu considero insuperável, é que um símbolo não pode ser interpretado por um símbolo.  Os candeeiros são simbólicos de igrejas literais, e as estrelas só podem representar seres angelicais literais".


Ver o anjo de cada igreja como um anjo literal é talvez o ponto de vista com maior apoio bíblico. Não podemos duvidar do fato de que os anjos literais têm um grande interesse na Igreja dispensacional (Ef. 3: 10) e local (I Cor. 11: 10), mas concluir que, um anjo literal está associado com cada igreja local provoca uma série de perguntas difíceis de responder. 

A ideia de um "anjo de guarda" para cada igreja local pode agradar à nossa inclinação religiosa, mas tem pouco apoio bíblico. 


Também, parece estranho que anjos, que são chamados de "santos" e "eleitos", sejam acusados de fracasso e pecado, e chamados a se arrependerem. 

Dizer que as características especiais deste livro exigem este método de apresentação parece simplesmente querer evitar a questão, e levantar perguntas difíceis sobre como um anjo e uma igreja podem se comunicar. O ponto de vista literal precisará de alguma modificação.
Aceitando o anjo literalmente, há uma maneira bíblica de entender o que o Senhor quer dizer com isso. Há uma linha de ensino nas Escrituras que mostra uma correspondência entre as coisas celestes e seu correlativo terrestre (veja Heb. 8:2, 5; 9:23-24). 

Quando é o caso de pessoas, parece que a palavra "anjo" é usada de forma representativa. É assim que o Senhor usou a palavra em Mat. 18:10, em relação àqueles que Ele chamou de "pequeninos". 

"Porque eu vos digo que os seus anjos nos céus sempre veem a face de meu Pai que está nos céus". 

Isto não deve ser mal interpretado como sendo um "anjo de guarda" - pelo contrário, a ideia é que os pequeninos são representados por anjos no Céu. 

A reação dos cristãos reunidos, que disseram: "é o seu anjo" (Atos 12: 15), quando Rode anunciou a chegada de Pedro, se encaixa nesta mesma classe - não estavam pensando em "seu fantasma", nem "seu anjo da guarda"; eles queriam dizer "seu representante". 

A palavra de conforto a Josué, o sumo sacerdote da nação de Israel restaurada da Babilônia em Zac. 3:7, é muito relevante: "e te darei lugar entre os que estão aqui". 


O interesse dos céus era tal que eles tinham seus representantes no Céu. A ideia é de representação diante de Deus.
Assim, se os candeeiros representam congregações literais e físicas, vistas contra um fundo terrestre, então as estrelas devem representar o mesmo grupo, mas na sua condição moral e espiritual contra um fundo celestial. 

A expressão que o Senhor usou para representar sua verdadeira condição é "anjo". 

Se surgir o argumento que isto parece estar repetindo o erro do símbolo duplo, podemos dizer que não é verdade; estamos simplesmente aplicando a palavra "anjo" a um de seus significados autorizados, apresentados nas Escrituras. 

O uso que o Senhor faz da palavra "anjo" focaliza, de maneira representativa, a ideia do verdadeiro "espírito" ou "essência" da igreja. No "anjo" representativo a igreja é vista contra um fundo celestial, e assim não pode haver engano - tudo é real, o verdadeiro estado da igreja está em vista. 


Por esta razão é o anjo, a igreja, vista no seu estado espiritual verdadeiro, que é aprovado, condenado, cobrado e desafiado.
Pode surgir a pergunta: por que o Senhor usa a palavra "mistério" (musterion) em relação às sete estrelas e sete candeeiros? 

A palavra precisa ter seu significado normal no NT, indicando algo que não pode ser conhecido pelo processo de dedução humana, mas é revelado por Deus, no Seu tempo. 

Portanto, o mistério deve estar na razão, ou razões, porque o Senhor escolheu estas sete igrejas para receber as mensagens. 

Em outras palavras, o Senhor está indicando que há mais envolvido aqui do que apenas sete mensagens a sete igrejas. 

Este mistério será revelado, no tempo determinado, pelo próprio Senhor.


(Extraído do Comentário RITCHIE – Apocalipse de James Allen

–> Publicado por Edições Cristãs - Todos os Direitos Reservados)

4. Quem são os Nicolaítas em Apocalipse?

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5. Dízimos - Qual o seu propósito?

A lei de Moisés apresenta o propósito divino com relação ao dízimo. O dízimo demonstrava a forma de Deus suprir as necessidades materiais dos Levitas e dos pobres em Israel. Era um programa complexo e detalhado de taxação designado a dar auxílio e apoio à classe sacerdotal, aos pobres, aos estrangeiros e as viúvas. Os levitas não tinham herança terrena; portanto, as outras tribos supriam as suas necessidades.


O estudioso, R. E. O. White, explica o propósito do dízimo da seguinte forma:"O dízimo representa uma cobrança sobre produção ou trabalho tributável para a manutenção das atividades religiosas".
Eugene Merrill, outro grande erudito, concorda com este ponto de vista ao afirmar:"O dízimo era dado aos Levitas como fonte de renda e compensação pelo seu serviço no tabernáculo".


Um estudo minucioso do dízimo revela que os israelitas davam mais do que simplesmente dez por cento da sua renda. Pelo contrário, eles davam quase que o dobro disso, ou mais. Havia três itens principais no estatuto do dízimo, e depois havia as leis adicionais.

Primeiramente, havia o dízimo levítico (Lev.27: 30-33 Núm.18: 21-24, 26-28), que separa produção, renda e animais para o sustento do sacerdócio.

Em segundo lugar, após entrar na terra prometida, um segundo dízimo de toda a produção deveria ser levado a Jerusalém, ou, se a distância fosse muito grande, a produção poderia ser vendida e o seu preço levado (Deut.12:6-7, 17-18, 14:22-27). 

Em terceiro lugar, a cada terceiro ano, chamado de "o ano do dízimo" outros dez por cento da produção deveriam ser postos de lado para os Levitas que moravam no campo, para os estrangeiros e para as viúvas (Deut.14:28-29). 

Além disto, "quando também segardes a sega da vossa terra, o canto do teu campo não segarás totalmente, nem as espigas caídas colherás da tua sega. Semelhantemente não rabiscarás a tua vinha, nem colherás os bagos caídos da tua vinha; deixá-las-ás ao pobre e ao estrangeiro" (Lev.19:9-10).

Os Israelitas também pagavam uma taxa para o templo, de uma terça parte de um ciclo "para o ministério da casa do nosso Deus; para os pães da proposição, e para a contínua oferta de manjares, e para o contínuo holocausto dos sábados e das luas novas" (Neem.10:32).

Além disto, os Judeus precisavam descansar a terra a cada sete anos, e a terra deveria ficar em repouso por um ano (Ex.23:10-11).

Também no sétimo ano era ordenado que os Israelitas perdoassem as dívidas uns dos outros (Deut.15:1-2). O total exigido para custear as estruturas religiosas e cívicas era de 25-30% da renda anual de um Israelita. Os dízimos eram os impostos da Teocracia Israelita do Velho Testamento.

Este sistema de taxas foi instituído por Deus para o sustento do governo e dos que tinham necessidades naquela sociedade Teocrática. Hoje, não existe urna sociedade Teocrática; e em seu lugar temos os governos das nações que tem suas leis de impostos para suprir as estruturas governamentais e cívicas.


O Novo Testamento e o Dízimo
O Novo Testamento fica em silêncio sobre o dízimo. A prática do dízimo não é ordenada pelo Senhor, nem por nenhum outro dos escritores do Novo Testamento. Este fato tem dado grande peso para a ideia de que o dízimo era ligado ao sistema Mosaico e era a forma de sustentar os Levitas, os pobres, e os estrangeiros.

Muitos estudiosos de renome têm, portanto, deduzido que o dízimo não é obrigação do cristão hoje.
Wick Broomail escreve:"O silêncio dos escritores do Novo Testamento, especialmente Paulo, com relação à validade do dízimo nos dias de hoje pode ser explicada somente pelo fato que a dispensação da graça não tem lugar para a lei do dízimo, da mesma forma que não tem lugar para a lei da circuncisão".
Entretanto, Deus deseja que nós ofertemos, e ofertemos graciosamente. As necessidades financeiras dos pobres, dos que servem a Cristo, e da viúva ainda deveriam ser nossa preocupação.

Generosidade deveria certamente caracterizar a igreja Neo Testamentária. O ensinador da Bíblia, G. Campbell Morgan, enquanto leva em conta a perspectiva do Novo Testamento sobre o dízimo e o desejo de Deus, sabiamente aconselha os cristãos que tem questionado o papel do dízimo.

Ele escreve:"Eu não creio pessoalmente que o dizimo seja uma incumbência nossa. Era uma provisão judaica que já passou, junto com o restante da lei. Isto não significa que devemos ser desleixados quanto ao ato de dar... por esta razão eu nunca pude dizer às pessoas que se sentem dirigidas a dar o dízimo para não fazerem isto, mas sim que elas não devem se limitar a dar somente o dízimo".


O Propósito de Dar Livremente Além do que o dízimo exigido
O Israelita piedoso dava as ofertas "voluntárias" e também "as primícias". A ênfase desta oferta não era a porcentagem, mas a atitude do ofertante e a qualidade da oferta. Estas ofertas eram principalmente para o sustento da obra de Deus e para adorar a Deus: "todo o melhor do azeite, e todo o melhor do mosto e do grão, as suas primícias que derem ao SENHOR" (Núm.18:12)
Quando era para ofertar para o tabernáculo ou para o templo, não era o dízimo, mas oferta voluntária que era o desejo do coração de Deus.

"Fala aos filhos de Israel que me tragam uma oferta alçada; de todo o homem cujo coração se mover voluntariamente, dele tomareis a minha oferta alçada" (Êxodo 25:2).
Quando o templo ia ser construído, encontramos o mesmo princípio: ofertas voluntárias vindas de corações dispostos; adoradores, era o que o Senhor desejava. 

"E o povo se alegrou do que deram voluntariamente; porque com coração perfeito, voluntariamente deram ao SENHOR. .." (I Crôn.29:9).
A oferta voluntária era diferente do dízimo em muitos aspectos: o dízimo era uma taxa exigida ao passo que a oferta voluntária era o transbordar do coração do adorador; o dízimo era para o sustento do sacerdote, dos pobres, das viúvas enquanto a oferta voluntária era para Deus e para a Sua obra; e finalmente a oferta voluntária não era restrita a porcentagens, mas era limitada somente pela capacidade do ofertante de dar.


O Plano de Deus para o Ofertar Hoje
Tem sido dito que a generosidade era a graça dos reis. Em dias passados, somente os reis podiam fazer tal coisa, mas hoje generosidade e um coração disposto a dar são o plano de Deus para o ofertar.

 Debaixo da graça, Deus não tem pedido aos cristãos que deem meramente dez por cento da sua renda. 

Se um cristão quisesse seguir o exemplo de Israel, seria exigido dele não simplesmente um décimo da sua renda, mas sim 25% da mesma. O sistema de dízimo de Israel não é o propósito de Deus para hoje, mas Deus deseja que os cristãos ofertem generosamente aos pobres, aos necessitados e à obra de Deus.
Na verdade, muitos cristãos ofertam abundantemente e sacrificialmente para a obra de Deus; em alguns casos, muito acima dos padrões do Velho Testamento.
William McDonald corretamente diz: "... 0 cristão deve dar liberalmente. O dízimo era o mínimo que um Israelita podia dar. 

Ele trazia dízimos e ofertas. Nenhum cristão deveria se contentar em dar, hoje no período da graça, o que era o mínimo exigido no período da lei".


Conclusão
Hoje os princípios do ofertar não são pesados, complexos, nem rígidos. Recursos não precisam ser solicitados, mas são voluntária e generosamente supridos pelos cristãos compromissados.
O cristão deve ofertar:
regularmente: "todo primeiro dia da semana";

individualmente: "cada um de vós";

proporcionalmente: "conforme a sua prosperidade";

generosamente: "0 que semeia em abundância em abundância também ceifará";

e por fim, alegremente: "Deus ama ao que dá com alegria".

Hoje, nossas ofertas voluntárias, vindas de corações alegres, são o plano de Deus para promover a causa de Cristo e da Sua igreja. 

Que o Espírito de Deus opere em nossos corações a fim de que possamos ofertar abundantemente para Ele.


(Traduzido por Janice Gebara. Título original: 

"The Purpose of Tithing" por David Dunlap. Permissão concedida pelo autor.)


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Um pouco mais sobre o dízimo e a oferta...


O dízimo aparece pela primeira vez na Bíblia em Gênesis 14:20, quando Abraão vinha de uma guerra travada a favor de seu sobrinho Ló, e se encontrou com Melquisedeque dando-lhe o dízimo de tudo.

A prática do dízimo, de dedicar uma décima parte, especialmente do despojo de guerra, se tornou uma prática aceita entre as nações.

O dízimo da batalha era oferecido a uma divindade através de um sacerdote desta divindade. 

Em Israel, Jeová exigia um dízimo anual da produção da terra. Uma décima parte, ano após ano, era dedicada ao sustento material e à manutenção da tribo de Levi (Núm. 18:21).

Jeová deu ao povo a abundância da terra, frutas, trigo, óleo e vinho e através do mandamento dAquele que deu a abundância, os filhos de Levi recebiam o dízimo desta produção (Neem. 10:34-39). 

Nem todos os filhos de Levi eram sacerdotes, portanto dos dízimos que pertenciam à tribo de Levi, uma décima parte pertencia aos sacerdotes.

Isto era conhecido como "o dízimo dos dízimos" (Neem. 10:38; Núm. 18:26). 

Os levitas não tinham herança pessoal, ou posse de terra e por isto eram sustentados pelos dízimos dos que tinham, para que, por sua vez, eles pudessem se dedicar ao serviço da casa de Deus. Os sacerdotes, portanto, por decreto, eram semelhantemente sustentados pelo "dízimo dos dízimos", uma décima parte de tudo o que era dado aos levitas.

Em Hebreus 7:5, o escritor está querendo mostrar que estes levitas, no sacerdócio, recebiam o dízimo de seus irmãos. Porém, era um acordo legal e ritualístico; era um mandamento. Não indicava, de forma alguma, que os sacerdotes ou os levitas em geral, eram melhores do que seus irmãos, pois eles também eram filhos de Abraão. 

Em Israel, os que pagavam o dízimo e os que recebiam o dízimo, eram filhos do mesmo pai Abraão. No caso deles, receber o dízimo não era por causa de alguma Superioridade ou qualquer outra grandeza. Era uma coisa da Lei; nada mais. Era o seu direito somente por causa do mandamento.

Mas quando passamos para a época da igreja, que nascera no dia de pentecostes em Atos 2, não vemos mais esta prática nas igrejas locais.

Em Atos 15, vemos que houve uma reunião para decidir o que da lei os crentes devia observar, e ficou decidido que: "Na verdade, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor mais encargo algum, senão estas coisas necessárias: Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da fornicação; destas coisas fareis bem se vos guardardes. Bem vos vá." (Atos 15: 28-29) 

Seria conveniente ler todo capítulo de Atos 15.

Em nenhuma parte das epístolas no Novo Testamento, e na história da igreja no livro de Atos, encontramos mandamento de pagar o dízimo. Pois, como acima já frisamos, este mandamento estava ligado com a nação de Israel que dizimavam para os levitas e sacerdotes, por ter direito a recebê-lo.

No Novo Testamento encontramos "A Coleta", que não é um mandamento, nem uma continuação do dízimo, mas uma contribuição voluntária ofertada pelo crente quando a igreja está reunida no primeiro dia da semana.

"Ora, quanto à coleta que se faz para os santos, fazei vós também o mesmo que ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana cada um de vós ponha de parte o que puder ajuntar, conforme a sua prosperidade, para que se não façam as coletas quando eu chegar." (1 Coríntios 16: 1-2)

A frase "agora, quanto a" indica que na carta enviada pela igreja em Corinto havia uma pergunta sobre a coleta (veja este preceito em 7:1; 7:25; 8:1; 12:1). 

A questão toda da coleta era de suma importância ao coração do apóstolo. Tinha por finalidade suprir a necessidade dos pobres dentre os santos em Jerusalém (Rom. 15:26). É mencionada em 2 Cor. 8 e 9, Rom. 15, e Atos 24:17.

Anteriormente, Paulo e Barnabé tinham participado na coleta para aliviar os efeitos da fome na Judeia (Atos 11:27-30). Fica claro, de Rom. 15:25-27, que Paulo considerava a coleta como a expressão da dívida espiritual que os convertidos gentios deviam à igreja em Jerusalém, e como uma manifestação tangível da unidade e solidariedade dos santos. 

A palavra "coleta", que se encontra nos vs. 1 e 2, é a palavra grega" logia" (veja a nota abaixo para ver outras palavras usadas, em outros lugares, para descrever a oferta). 

Embora não temos nenhuma informação quanto às instruções dadas às igrejas da Galácia, deduzimos que receberam as mesmas instruções que foram dadas, aqui, aos coríntios. Paulo coloca diante dos coríntios o exemplo das igrejas da Galácia e, em II Cor. 8:1-4, o exemplo dos macedônios; em II Cor. 9:2, ele coloca diante das igrejas da Macedônia o exemplo dos coríntios; e em Rom. 15, ele coloca diante dos romanos o exemplo das igrejas da Macedônia e Corinto. 

Paulo está fazendo tudo ao seu alcance para estimular interesse nas necessidades e sofrimentos dos santos em Jerusalém. 

A doação de seus bens expressaria, de uma maneira muito prática, a verdade de um só Corpo, cada membro cuidando dos outros.

A referência ao "primeiro dia da semana" (todo domingo) salienta o significado que este dia tinha para a igreja primitiva (veja também Atos 20:7; Apoc. 1:10), e está em contraste com o sábado, que nunca é assim chamado. Está obviamente ligado com a ressurreição do Senhor Jesus, como também com o dia de Pentecostes.

"Cada um de vós" indica que ele esperava que cada crente, qualquer que fosse as suas circunstâncias, faria uma contribuição.

"Ponha de parte" é entendido, por alguns, como significando colocar alguma coisa à parte em casa ("ponha de parte, em casa", ARA), enquanto outros julgam que a menção do primeiro dia da semana indica que era levado à igreja e guardado pelos tesoureiros.

Nenhum princípio está em risco, embora colocar à parte, em casa, evitaria qualquer tentação a mau uso. 

"O que puder ajuntar, conforme a sua prosperidade", faz com que a oferta seja de acordo com a prosperidade. Um crente piedoso atribuiria toda a sua prosperidade à bondade de Deus. Esta contribuição sistemática faria com que a igreja não estaria despreparada para enfrentar um apelo de ajuda quando o apóstolo chegasse; o necessário estaria prontamente disponível para ajudar suprir a necessidade. 

É muito interessante que Paulo não impõe o princípio do dízimo para suprir a necessidade desta situação. Enquanto a cobrança do dízimo foi praticada no VT, as únicas referências, nos Evangelhos, além da confissão do fariseu em Lucas 18:12, estão em Mat. 23:23 e Lucas 11:42, onde o Senhor pronunciou um ai aos fariseus. 

Nas epístolas, não há nenhuma menção do dízimo, mas contribuíam "conforme a sua prosperidade", ou "segundo propôs no seu coração" (11 Cor. 9:7). 

O fato de que se espera que demos proporcionalmente à nossa renda, deve exercitar profundamente a nossa consciência. 

É dito com frequência que se uma décima parte (o significado da palavra "dízimo") era exigido debaixo da Lei, então o efeito da graça deve exceder esta exigência. Deste versículo devemos compreender que nossa contribuição deve ser:

  • a) regular no primeiro dia da semana;
  • b) individual cada um de vós;
  • c) sistemática ponha de parte;
  • d) proporcional.. conforme a sua prosperidade.


Uma verdadeira apreciação da graça de Deus, e da morte de Cristo por nós, influenciaria profundamente o valor da nossa contribuição.

Seria difícil gastar mais em férias, em roupas, ou em passatempos, do que se dá a Deus. Um senso da responsabilidade de mordomo também nos faria perceber que não é uma questão de dar do nosso dinheiro a Deus, mas sim, de guardar o dinheiro dEle para nós mesmos.

Esta palavra, "Coleta" (logia), é apenas uma de muitas palavras usadas para descrever a dádiva a ser enviada a Jerusalém. Foi uma coleta extra, adicional e voluntária.

"Dádiva" (charis, v. 3) é uma dádiva dada gratuitamente, um ato gracioso de benevolência. Expressa a alegria e o prazer de dar.

"Comunicação" (koinonia, II Cor. 8:4, também traduzida "dons" em II Cor. 9: 13 e "coleta" em Rom. 15:26). Esta palavra mostra a comunhão que a dádiva expressa, e assim significa compartilhar e repartir ativamente com os outros.

"Serviço" (diakonia, II Cor. 8:4; traduzido "administração" em 9: 1, 12, 13) destaca a ideia de uma forma de serviço prático que o cristão pode expressar. Sugere que os nossos recursos e meios podem alcançar lugares que nós não podemos alcançar.

"Abundância" (hadrotes, II Cor. 8:20) ocorre uma só vez. Destaca a liberalidade e generosidade da dádiva dos santos.

"Bênção" (eulogia, II Cor. 9:5), traduzido "dádiva" na ARA, é literalmente "bênção" como na ARC. Os santos em Corinto tinham sido abençoados por Deus, e, portanto, agora procurariam abençoar os outros em Seu nome, tal "bênção" evidenciando-se no seu dar.


"Ministração" (leitourgia, II Cor. 9: 12; Fil. 2: 17, traduzida "serviço") enfatiza a ideia de serviço sagrado ou sacerdotal. A dádiva era a expressão de tal serviço, prestado por um grande número de crentes para suprir as necessidades dos outros. É verdade que a palavra transmite a ideia de serviço público, porém seu uso em Fil. 2, e a associação do verbo cognato em Rom. 15:27, lhe daria um caráter sagrado.

"Esmolas" (eleemosune, Atos 24: 17) significa que a dádiva expressava a "misericórdia" daqueles que haviam contribuído. Eles mesmos, havendo recebido misericórdia da parte de Deus, ficaram contentes em poder expressar misericórdia desta maneira aos seus irmãos.

"Ofertas" (prosphora, Atos 24:17) é usada do sacrifício de Cristo em Ef. 5:2, e dos próprios crentes em Rom. 15:16. O que foi uma dádiva aos homens, foi em primeiro lugar uma oferta a Deus. Assim, paulo enfatiza o seu caráter elevado.

6. Eleição - Presciência - Predestinação


Eleição é um assunto profundo a respeito do qual muitas palavras já foram escritas e muitas batalhas travadas. O homem encontra grandes dificuldades quando procura encaixar o eterno no tempo, e explicar a mente divina em termos do seu próprio vocabulário. O

 fato de Deus ser soberano é fundamental à fé. O fato que Deus, na Sua soberania, deu ao homem uma vontade que ele pode exercer livremente é fundamental à nossa natureza.Deus nunca Se opõe à Sua própria vontade, nem viola a natureza que Ele próprio planejou. 

Ele não vai obrigar uma pessoa a entrar no céu contra a sua vontade, nem condenar ao inferno aqueles que não têm possibilidade de serem salvos. Tentar reconciliar a soberania de Deus e o livre arbítrio do homem, ou tentar explicar em termos humanos como eles se relacionam, é fútil, e toda a tentativa de resolver o aparente paradoxo fracassará. 

Clique Aqui Para Assistir Vídeo Sobre o Assunto.


Contudo: "Qualquer dificuldade em reconciliar a eleição de Deus com o livre arbítrio do homem está na mente do homem e não na mente de Deus. A Bíblia ensina ambas estas doutrinas, e nós devemos crer em ambas. A verdade se encontra em ambos os extremos - não no meio" (W. MacDonald).

Cristo é o eleito de Deus como o Servo de Jeová (Is. 42: I). Ele foi escolhido para cumprir uma missão e realizar um propósito. 


Na encarnação, Ele tomou "a forma de servo" (Fil. 2:7), para que pudesse cumprir a vontade do Pai aqui na terra. "Ele não Se disfarçou de servo, mas tomou a forma (morphe), isto é, a 'natureza e essência' de servo" (Gifford). 

Ele foi escolhido "para cumprir os propósitos de propiciação" (W. E. Vine).Nesta grande eleição houve também uma nação escolhida em amor (Deut. 7:7), para ser a "propriedade peculiar" do Senhor (Êx. 19:5). 

Ela deveria cumprir uma missão e realizar um propósito, pois os oráculos de Deus lhe foram confiados (Rom. 3:2), e era através dela que Cristo viria (Rom. 9:5). Dentro e fora desta nação havia indivíduos escolhidos para ministérios e trabalhos especiais, tais como Moisés (Sal. 106:3), Aarão (Sal. 105:26), Davi (I Crôn. 28:4), Ciro (Is. 45:1) e outros.


Também nesta grande eleição "em Cristo" há um grupo de pessoas chamada para fora, a ekklesia, a Igreja ou Assembleia, escolhida em Cristo "antes da fundação do mundo", escolhida por amor, individualmente amada, para estar "diante dEle", e ministrar ao Senhor para o Seu prazer (Ef. 1:4; Êx. 28). 

"Ele terá santos na Sua presença da maneira que somente Deus pode. Ele nunca terá o que não é digno do Seu amor e presença" (W. Kelly). 

Portanto, são escolhidos para serem santos, irrepreensíveis e agradáveis a Ele, feitos finalmente conformes à imagem do Seu Filho (Rom. 8:29).Sua grande eleição não é por causa de mérito humano. 

"A misericórdia do próprio Deus, espontânea, imerecida, compassiva, O moveu. Deus é Seu próprio motivo. Seu amor não é atraído pelas nossas boas qualidades, mas jorra, como um poço artesiano, das profundezas de Sua natureza" (A. Maclaren). Torna-se real e conhecida, por experiência, através do ministério santificador do Espírito Santo que visa a submissão do indivíduo e a aplicação do "sangue de Jesus Cristo".
A fé dos demônios é ineficaz, não é viva. Eles "também ... Creem, e estremecem" (Tiago 2: 19). 

Creem na identidade de Cristo, na Sua humanidade, na Sua divindade, na Sua soberania e autoridade, mas não haverá nenhum demônio no céu (Mar. 1:24). O filho de Deus crê "para a salvação da alma" (Heb. 10:39, VB). Qual é a diferença, então, entre a fé daquele que crê em Cristo e a fé destas criaturas infernais? O que falta na fé dos demônios é a obediência. O seu pecado é rebeldia.


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Doutrina da Eleição Colocada Fora do seu Lugar


"Não reduza os limites da propriedade do teu próximo, que os antigos estabeleceram"

(Deuteronômio 19:14).


"Remova os obstáculos do caminho do meu povo"

(Isaías 57:14).


Que ternos cuidados e que benigna consideração exalam destas passagens! Os limites antigos não deviam ser movidos de seu lugar, mas os obstáculos devem ser removidos. A herança do povo de Deus deve permanecer inteiramente inalterada, enquanto os contratempos devem ser diligentemente removidos de seu caminho. 

A porção que Deus tinha dado a cada um deve ser apreciada, enquanto, ao mesmo tempo, a maneira pela qual cada um foi chamado para andar, deve ser mantida livre de todas as ocasiões de tropeço.No entanto, acreditamos que, a julgar pelas comunicações recentes, somos chamados a prestar atenção ao espírito desses preceitos antigos. 

Alguns dos nossos leitores têm escrito para nós dizendo-nos as suas dúvidas e medos, suas dificuldades e perigos, seus conflitos e exercícios espirituais, e queremos ser instrumentos nas mãos de Deus para ajudá-los a determinar os limites que Ele, pelo Espírito Santo tem definido, e remover os obstáculos que o inimigo tem colocado em seu caminho.
Podemos ver claramente como o inimigo tem usado tropeço, como a doutrina da eleição fora do seu lugar. 

A doutrina da eleição, em seu devido lugar, em vez de ser uma pedra de tropeço no caminho das almas ansiosas para examinar mais a verdade, se verá que é bem mais um limite estabelecido pelos antigos, até mesmo pelos apóstolos inspirados do nosso Senhor Jesus Cristo, na herança do Israel espiritual de Deus.

Mas todos nós sabemos que uma verdade que está fora do seu lugar, é mais perigoso do que um erro positivo. Se um homem se levanta e declara abertamente que a doutrina da eleição é falsa, sem dúvida rejeitaríamos suas palavras, mas talvez não estejamos bem preparados para lidar com aquele que, embora admitindo que a doutrina da eleição é verdadeiro e importante, a coloca fora do seu lugar divinamente designado. E este último, é precisamente o que acontece muitas vezes, causando danos à verdade de Deus e lançando um manto de trevas sobre as almas dos homens.


Qual é, então, o verdadeiro lugar da doutrina da eleição?
Seu verdadeiro lugar, seu lugar divinamente estabelecido é este: essa doutrina está dirigida apenas para aqueles que já estão dentro da casa, para a confirmação dos verdadeiros crentes. 

Em vez disso, o inimigo coloca fora da casa, para tropeço das almas ansiosas por descobrir a verdade.

Preste atenção às seguintes palavras de uma alma profundamente exercitada:"Se eu soubesse que eu sou um dos eleitos, seria completamente feliz, porque então eu poderia aplicar com confiança os benefícios da morte de Cristo para mim".

Certamente, esta seria a linguagem de muitos se fossem deixados apenas para saciar seus próprios sentimentos. Estão usando mal a doutrina da eleição, que é abençoadamente verdadeira doutrina em si mesma – um "limite" muito valioso -, mas o inimigo tem convertido em uma "pedra de tropeço".

Para aquele que tem o desejo de conhecer a verdade, ele deve ter em conta, que deve aplicar a si mesmo os benefícios da morte de Cristo apenas como um pecador perdido, e não como "um dos eleitos."

A visão correta de salvação que alcançamos pela morte redentora de Cristo, não é a eleição, mas a consciência da nossa ruína. Esta é a graça inefável, pois eu sei que sou um pecador perdido; mas eu não sei se sou um dos eleitos, até que tenha recebido a Cristo, através do testemunho e ensinamento do Espírito, as boas novas de salvação pelo sangue do Cordeiro.Para mim se pregar a salvação, uma salvação tão livre como os raios do sol, tão cheio como o mar e tão permanentes como o trono do eterno Deus, não como um dos eleitos, mas como a um pecador, completamente perdido, culpado e em ruínas, e quando recebo esta salvação, há uma prova conclusiva da minha eleição.


"Porque conhecemos, irmãos amados de Deus, a vossa eleição; porque o nosso evangelho não chegou até vós somente em palavras, mas também em poder, no Espírito Santo e em plena convicção" (1. Tessalonicenses 1:4-5). 

A eleição não é o que me leva a aceitar a salvação, mas a recepção da salvação constitui a prova da minha eleição. 

Pois, como sabe um pecador que é um dos eleitos? P

ara quem ele deve perguntar? 

Se não for uma questão de fé, então deve ser uma questão de revelação divina. Mas onde está revelado? 

Onde está escrito que o conhecimento da eleição é um pré-requisito indispensável para a aceitação da salvação? 

Em nenhum lugar da Palavra de Deus. Minha única base para a salvação é o fato de que eu sou um pobre pecador culpado, que merece o inferno. Se eu esperar por algum outro título, só vou-me ver removendo um valioso "limite" do seu próprio lugar, e colocando um obstáculo no meu caminho. Quão tolo é fazer isso!


Mas na realidade é mais do que tolo, é uma oposição positiva a Palavra de Deus, não só para as citações no início deste artigo, mas contra o espírito e o ensino de toda a Escritura. Ouça a comissão que o Salvador ressuscitado deu primeiramente: "E ele disse: Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura" (Marcos 16:15). 

Existe talvez uma dica nestas palavras, algum ponto sobre o qual basear uma pergunta sobre a eleição? 

Por acaso tem alguém que prega este glorioso evangelho, que possa ser chamado para resolver uma questão preliminar sobre a eleição? Certamente que não.

"Todos" e "toda criatura" são expressões que resolvem todas as dificuldades, e a salvação tornar-se tão livre como o ar, e tão amplo como a família humana. 

Não é dito: "Vá a uma parte específica do mundo, e pregai o evangelho a um número de pessoas." Não, isto não estaria em harmonia com a graça que deve ser proclamada ao mundo na sua totalidade. 

Quando veio a lei, ela se dirigiu a um certo número de pessoas, dentro de um determinado setor, mas quando o Evangelho devia ser proclamado, o seu poderoso alcance devia ser "Todo o mundo" e seu objeto "Toda a criatura".

Mais uma vez, ouvimos que o Espírito Santo através do apóstolo Paulo diz: "Esta é uma palavra fiel e digna de toda aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal" (1 Timóteo 1:15). 

Existe algum espaço aqui que permitir levantar um ponto da eleição para que alguém seja salvo? Em absoluto. Se Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, e se eu sou um pecador, então eu tenho o direito de aplicar a minha própria alma os benefícios do precioso sacrifício de Cristo. 

Para que eu seja excluído desta salvação, eu deveria ser mais do que um pecador. Se em alguma parte das Escrituras declarasse que Cristo Jesus veio salvar somente os eleitos, então é claro que de uma forma ou de outra, eu deveria demonstrar-me a mim mesmo que eu pertenço a esse número, antes que eu possa tornar meus, os benefícios da morte de Cristo. Mas, graças a Deus, não há nada disto, absolutamente nada parecido em todo o plano do Evangelho.
"O Filho do Homem veio buscar e salvar o que estava perdido" (Lucas 19:10). E não é o que justamente, o que eu sou? Certamente que sim. 

Bem, não é do ponto de vista de um perdido que eu considero a morte de Cristo? Sem dúvida que sim. Eu não posso, por acaso, contemplar este precioso a partir daí, e adotar a linguagem da fé, e dizer, "que me amou e se entregou por mim" (Gálatas 2:20)? Sim, um amor sem reservas, absolutamente incondicional, assim como se eu fosse o único pecador na terra.

Nada pode ser de maior alívio e conforto para o espírito de quem busca ansiosamente descobrir a verdade, em reparar que a maneira em que lhe é oferecida a salvação, é como ele está, e sobre o mesmo fundamento em que se encontra. 

Não há nenhum tropeço por todo o caminho para a gloriosa herança dos santos, herança estabelecida por limites que nem os homens, nem demônios podem jamais remover.O Deus de toda graça deixou nada por fazer, nada por dizer, ele podia dar descanso completo, segurança perfeita e completa satisfação para a alma. 

Ele mostrou a condição e caráter daqueles por quem Cristo morreu, em termos que não deixam espaço para dúvida ou objeção. 

Preste atenção a estas palavras ardentes: "Porque Cristo, quando éramos ainda sem força, no devido tempo, Cristo morreu pelos ímpios." 

"Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco, em que, quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós". 

"Porque sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho "(Romanos 5:6, 8, 10).

O que poderia ser mais clara ou mais explícita do que essas passagens? 

Se faz uso de algum termo que pode levantar algumas dúvidas no coração de um pecador quanto a seu direito completo de apreciar os benefícios da morte de Cristo para si? Não! Sou um "ímpio"? Por ímpios Cristo morreu. Sou um "pecador"? 

Para os tais Deus recomenda seu amor. Eu sou "inimigo"? 

Para eles, Deus reconcilia pela morte de seu Filho.Tudo é tão claro como um raio de sol, e é, portanto, inteiramente removido o tropeço teológica causado por colocar fora do seu lugar a doutrina da eleição.Eu obtenho os benefícios da morte de Cristo como um pecador. Como alguém que está totalmente perdido obtenho uma salvação gratuita e permanente. Tudo que necessito para aplicar a mim o valor do sangue do Senhor Jesus Cristo, é reconhecer-me como um pecador perdido. 

Não me ajudaria, no mínimo, neste caso, o fato de me dizerem que sou um dos eleitos, visto que Deus não se dirigiu a mim neste caráter pelo Evangelho, mas sim de um modo totalmente diferente, ou seja, como um pecador perdido.
Mas então, alguém pode perguntar: "Você vai deixar de lado a doutrina da eleição?" 

Deus me livre! Nós apenas queremos vê-la em seu devido lugar. 

Vemos isso como um limite, e não como um tropeço. 

Acreditamos que o evangelista não deve se ocupar na pregação com a eleição. Paulo nunca pregou a eleição. Ele ensinou a eleição, mas pregou a Cristo. Isso faz toda a diferença. Acreditamos que ninguém que se ache de alguma maneira impedido pela doutrina da eleição, colocada fora do se lugar, possa ser um verdadeiro evangelista.

Temos notado que se tem causado sérios danos a duas classes de pessoas por causa da pregação da eleição, em vez de Cristo:

a) aos pecadores negligentes, se tem tornado ainda mais negligentes,

b) enquanto as almas ansiosas pela verdade, se tornam mais ansiosos ainda.


Estes resultados são tristes, de fato, e deveria ser suficiente para despertar sérios pensamentos nas mentes daqueles que querem ser pregadores exitosos desta livre e plena salvação que brilha sobre o evangelho de Cristo, e que deixa todos os que ouvem sem a menor desculpa. 

A ocupação principal do evangelista em sua pregação, é apresentar o amor perfeito de Deus, a eficácia do sangue de Cristo e do registro fiel, inspirado e deixada pelo Espírito Santo. Sua mente deve estar totalmente livre de todos os constrangimentos, e o evangelho que ele prega, tão claro como o horizonte sem nuvens. 

Deve pregar uma salvação presente, livre para todos, e firme como os pilares que sustentam o trono de Deus. O Evangelho mostra o coração de Deus aberto, o que encontra expressão na morte de seu Filho, como está escrito pelo Espírito Santo.Se fosse tratado com mais atenção a este fato, teriam maior poder para responder a tais acusações feita pelos descuidados, e para acalmar as ansiedades profundas de almas exercitadas e carregadas.A primeira razão não teriam o direito de oposição, o último, não há razão para temer.Quando as pessoas rejeitam o Evangelho alegando os decretos eternos de Deus, rejeitam o que está revelado apoiando-se no que está oculto. 

O que eles podem saber sobre os eternos decretos de Deus? Simplesmente nada. Como pode então o que é secreto ser alegado como razão, para rejeitar o que é revelado? Por que rejeitar o que pode ser conhecido, com base no que não pode? É óbvio que os homens não fazem assim nos casos, quando querem crer num assunto. Dizemos simplesmente que alguém queira crer em algo, e não o veremos ansioso por achar motivo de objeção. Mas infelizmente os homens não querem crer em Deus. 

Eles rejeitam o seu testemunho precioso, que é tão claro como o sol do meio-dia, e colocam como uma desculpa, os decretos divinos que estão envoltos em trevas impenetráveis. Quanta loucura, cegueira e culpabilidade!
E enquanto às almas ansiosas que são atormentados com perguntas sobre a eleição, anelamos mostrar que não está de acordo com a mente de Deus que essas dificuldades surjam. Deus se dirige a elas exatamente no estado em que Ele os vê e em que elas podem ver-se a si mesma. Ele se dirige a elas como pecadores, e precisamente isto é o que são. A partir do momento em que um pecador toma seu lugar como tal, não há nada para ele, além da salvação. Isso é muito simples para uma alma simples. Levantar questões sobre a eleição, é apenas pura descrença. É rejeitar o que está revelado baseando-se no que está oculto. É rejeitar o que eu posso saber baseando-me no que eu não posso.Deus revelou-se através de Jesus Cristo, para que o conheçamos e confiamos nEle. Além disso, Ele fez provisão completa por meio da expiação da cruz para todas as nossas necessidades e culpas. 

Assim, em vez de chocar-me com a pergunta: "Será que vou ser um dos eleitos?" Eu tenho o privilégio abençoado de descanso no amor perfeito de Deus, na plena suficiência de Cristo, e nas fiéis palavras em que o Espírito Santo nos deixou na Bíblia Sagrada.Devemos terminar este artigo, embora existam outros obstáculos que anelamos que sejam removidos do caminho dos filhos de Deus, assim como muitos limites e fronteiras que são, infelizmente, perdidos de vista.

Por C. H. Mackintosh



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Eleição e Responsabilidade - Como conciliar os dois?


Como conciliar a eleição e a responsabilidade do homem? 

Alguém disse que sobre o lado externo da porta para o céu, todos podiam ler estas palavras: "Todos estão convidados para entrar aqui." E sobre o lado interior, o qual não se podia ver, a não ser que tenha entrado pela porta por meio da fé, estava escrito: "Todos aqueles que entraram aqui, haviam sido eleitos". Quanto ao conhecimento que Deus nos dá a este respeito, encontramos em (2° Pedro 1: 10)

"Portanto, irmãos, procurai fazer cada vez mais firme a vossa vocação e eleição; porque, fazendo isto, nunca jamais tropeçareis." a consolidação de nossa escolha, não no coração de Deus, mas no nosso, e nos demais. Esta consolidação se produz por uma marcha fiel. A marcha dos tessalonicenses mostrava para o apóstolo a eleição deles; e os frutos da vida divina neles eram o que provava que pertenciam a Cristo.

"Sabendo, amados irmãos, que a vossa eleição é de Deus; porque o nosso evangelho não foi a vós somente em palavras, mas também em poder, e no Espírito Santo, e em muita certeza, como bem sabeis quais fomos entre vós, por amor de vós. E vós fostes feitos nossos imitadores e do Senhor, recebendo a palavra em muita tribulação, com gozo do Espírito Santo, de maneira que fostes exemplo para todos os fiéis na Macedônia e Acaia." (1 Tessalonicenses 1: 4-7)


Por H. Rossier

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Efésios 1.3-8

"como me foi este mistério manifestado pela revelação como acima, em pouco, vos escrevi,4 pelo que, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo,5 o qual, noutros séculos, não foi manifestado aos filhos dos homens, como, agora, tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas,6 a saber, que os gentios são coerdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho;7 do qual fui feito ministro, pelo dom da graça de Deus, que me foi dado segundo a operação do seu poder.8 A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta graça de anunciar entre os gentios, por meio do evangelho, as riquezas incompreensíveis de Cristo." 

3. Este versículo está repleto da ideia de bênção, Os santos bendizem a Deus por tê-los abençoado com todas as bênçãos espirituais. Quando bendizemos a Deus, não Lhe acrescentamos nada, simplesmente rendemos-Lhe Seu devido louvor. Quando, porém, Deus nos abençoa, Ele acrescenta-nos tudo que vale a pena ter, "todas as bênçãos espirituais". 

Aquele que abençoa é o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, e as bênçãos são todas de natureza espiritual, e se encontram nos lugares celestiais em Cristo, Aquele que abençoa é um que nem os patriarcas, nem a nação de Israel, conheciam como tal - Ele é o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, ressurrecto dentre os mortos (João 20:17); as bênçãos são coerentes com isto estão em Cristo, agora à destra de Deus, não assentado no trono de Davi, e são, portanto, celestiais e não terrestres, espirituais e não temporais. Nenhuma bênção terrestre ou temporal poderá ser maior do que estas. 

Leia "com todas as bênçãos espirituais"(en pase eulogiay, e entenda que a totalidade de bênçãos espirituais é o dom de Deus para cada um dos Seus santos. 

Deus não distribui Suas bênçãos por etapas; não há primeira, segunda e terceira bênçãos; todas elas já nos pertencem. Contudo, o desfrutar delas é outra questão.


4. Agora Paulo fala mais sobre essas bênçãos espirituais, referindo-se, especialmente, Àquele que as dá. No v. 4, o Deus soberano faz uma escolha em Cristo antes da fundação do mundo; no v. 5, o Pai de nosso Senhor Jesus, segundo o beneplácito da Sua vontade, predestina para a adoção de filhos, Vemos Deus operando para Sua própria glória, e para a satisfação eterna de Seu próprio coração. 

No v. 4, Ele quer um povo diante (katenopion) dEle em amor; no v. 5, Ele quer um povo para (eis) Si, como filhos, Eleição, conforme o v, 4 ensina, relaciona-se com um Deus soberano, refere-se ao passado, e diz respeito a pessoas; predestinação, porém, conforme o v, 5 ensina, tem a ver com o beneplácito do Pai, refere-se ao futuro, e diz respeito a uma posição designada para pessoas (veja também Rom, 8:29). 

No caso de Israel houve também eleição e adoção de filhos, mas com esta diferença: a sua eleição foi como nação, eram uma raça eleita; sua adoção também foi como nação: "Israel é Meu filho" (Êx, 4:22). 

A eleição desta era presente é individual, como também o é a adoção de filhos, A Bíblia ensina sobre a eleição de anjos, de Israel, e da Igreja e, embora haja muito nesta verdade que não podemos compreender, nós a aceitamos com humildade e adoração. Para entendê-Ia plenamente, seria necessário saber tanto quanto Deus sabe. É a orgulhosa mente humana que rejeita aquilo que não pode compreender.

Paulo mostra a esfera, o tempo, e o propósito da escolha de Deus. A esfera foi "em Cristo": a escolha do indivíduo foi em Cristo, e não em qualquer coisa no próprio indivíduo, O tempo foi "antes da fundação do mundo" (veja também João 17:24; I Ped. 1:20): isto é, antes da criação do mundo, antes que o tempo começasse, antes que o homem existisse, e antes da entrada do pecado. 

O propósito foi "que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dEle em já tornou-se essencialmente verdadeiro dos santos de Deus. O que a Igreja há de ser naquele grande dia, quando Cristo a apresentar a Si mesmo (5:27), assim é cada filho de Deus agora, essencialmente, e assim será eternamente, perante a face de Deus. Embora muitos julgam que a expressão "em amor" introduz o assunto da predestinação no v. 5 (veja, por exemplo, a pontuação dos vs. 4 e 5 na ARA; N. do R.) o pensamento parece ser, todavia, que o propósito de Deus é ter perante Si um povo, não somente conforme a Sua santidade, "santos e irrepreensíveis", mas também um povo que se alegra no Seu amor.


5. Predestinação significa simplesmente "designar de antemão" (veja também Atos 4:28; Rom. 8:29,30; I Cor. 2:7). 

A palavra ocorre duas vezes neste capítulo (nos vs. 5 e 11), e a ligação, além de ser importante, é preciosa: no v. 5 é predestinação para adoção de filhos, mas no v. II é predestinação para uma herança. "Filhos de adoção" é uma só palavra no texto grego (huiothesia), e ocorre em Rom. 8:15, 23; 9:4; Gál. 4:5; e Ef. 1:5. 

É composta de duas palavras, e quer dizer, literalmente, "colocação de filhos" ou "posição de filho". 

Já recebemos esta adoção (Gál. 4:5); e já temos o Espírito de adoção (Rom. 8: 15); mas na sua plenitude, adoção de filhos também indica conformidade física com o Filho de Deus, e isto nós aguardamos (Rom. 8:23), e para isto fomos predestinados (Ef. 1 :5; veja também Rom. 8:29). O Pai terá para Si muitos filhos trazendo a imagem de Seu próprio Filho, e está realizando isto por meio de Jesus Cristo (veja também Gál. 4:4, 5). 

Desse modo, o Pai manifesta o beneplácito de Sua própria vontade. Deus queria ter prazer nos homens (Luc. 2:14), mas nunca o encontrou, a não ser no Seu próprio Filho (Mal. 3: 17; 17:5; Mar. I: 11; Luc. 3:22); alcançá-lo-á também em nós, pois nos predestinou para sermos semelhantes ao Seu próprio Filho.


6. "Agradáveis a Si no Amado" resume o ensino dos vs. 4 e 5. 

Traduzir charitoo como "agradáveis" é insuficiente; esta palavra ocorre outra vez somente em Luc. 1:28, onde é traduzida "muito favorecida" (ARA). Usando esta palavra, Paulo refere-se à plenitude do favor que Deus nos concedeu, quando nos elegeu e nos predestinou. Sendo abençoados em Cristo (v. 3), e eleitos nEle (v. 4), agora, diz o apóstolo, somos "muito favorecidos no Amado". 

Essa plenitude de favor divino nos pertence nAquele que é o Amado de Seu Pai. Foi-nos concedido, não somente favor divino no Amado, mas isto é uma expressão da glória da graça de Deus, e há de ser o motivo de louvor a Deus, tanto agora como para todo o sempre.


7. Nos vs. 7-12 Paulo escreve sobre a obra de Cristo em relação ao passado e ao futuro. 

Observe a repetição de "em quem" nos vs. 7 e 11; 

"Em quem temos a redenção pelo Seu sangue, a remissão das ofensas" (v. 7); 

"Em quem também fomos feitos herança" (v. 11). 

Na sua defesa perante Agripa, em Atos 26: 18, Paulo outra vez associa a remissão com uma herança. A vontade de Deus a nosso respeito jamais poderia ser realizada sem a obra de Cristo; nunca poderíamos ser tão favorecidos por Deus, sem que a nossa necessidade, devido ao pecado, fosse resolvida. 

Agora Paulo dá-nos a entender que, conforme as mesmas riquezas da Sua graça, pelas quais, Deus perdoou os nossos pecados. Ele também nos recebe e nos revela os segredos de Seu coração. 

Os nossos pecados, ou transgressões (paraptoma), necessitam de perdão divino, ou remissão (aphesis), e isto já temos como possessão nEle (no Amado), e pelo Seu sangue.
Tudo isso é segundo as riquezas da graça de Deus. Deus veio ao encontro de nossas necessidades, não segundo a medida da nossa necessidade, e sim, segundo as riquezas da Sua graça. 

No v. 6, Paulo faz menção da glória da graça de Deus, e no v. 7 das riquezas da Sua graça. A glória da Sua graça é graça coerente com a Sua glória; as riquezas da Sua graça é uma graça que supre abundantemente a nossa necessidade.


8. "Que Ele fez abundar para conosco" indica que há algo nas riquezas da Sua graça que vai além do mero suprimento de nossa necessidade como pecadores. 

Nestas mesmas riquezas da Sua graça, por meio das quais, Deus perdoou as nossas transgressões. 

Ele também fez abundar o Seu favor para conosco em toda a sabedoria e prudência. Sabedoria ou esclarecimento (sophia), e prudência ou inteligência (phronesis), não se referem à maneira como Deus fez abundar a Sua graça, mas antes, referem-se àquilo que Ele nos outorgou, capacitando-nos a conhecer aquilo que está além da compreensão natural - a inteligência para conhecer, e toda a sabedoria para admirar.

Por A. Leckie 


1 Pedro 1.1-2

"Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos estrangeiros dispersos no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia,2 eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do sangue de Jesus Cristo: graça e paz vos sejam multiplicadas."

 
1b. Três das províncias mencionadas por Pedro foram representadas no dia de Pentecostes (Atos 2:9), bem como "judeus ... de todas as nações" (Atos 2:5). 

Sem dúvida o Evangelho foi levado às suas localidades por estes novos convertidos. Paulo também tinha trabalhado em algumas partes da Ásia e da Galácia, de sorte que "todos os que habitavam na Ásia ouviram a palavra do Senhor Jesus, assim judeus como gregos" (Atos 16:6; 19: 10, 26).As cinco localidades mencionadas eram províncias do império romano, situadas na Ásia Menor, no que agora se chama Turquia.
Ponto e Bitínia ocupavam a região norte, formando o litoral sul do Mar Negro. A Galácia ficava no centro, com a província da Ásia ao oeste e Capadócia ao leste. A ordem dos nomes não é alfabética, mas poderia sugerir o trajeto de uma suposta viagem, começando em algum lugar no Ponto, no litoral do Mar Negro, indo ao sudeste, atravessando uma parte do norte da Galácia, entrando na Capadócia, e então voltando pelo centro da Galácia, diretamente ao oeste da Ásia e virando para o norte para Bitínia e o litoral.
Pedro chama seus leitores de "estrangeiros". 

A palavra foi escolhida com cuidado para descrever um povo que não somente estava longe da sua terra natal, mas como se diz, eram "estranhos numa terra estranha". 

É a palavra parepidemos, que significa "residente temporário que não pertence à região". Estavam "junto" deles, mas não eram "de entre" eles. 

Em outras palavras, eram "forasteiros", distantes do lar, mas caminhando para o lar, um povo peregrino.Podemos perceber, em todos os escritos de Pedro, a grande influência das palavras do Senhor Jesus. 

Ao escrever esta palavra ele bem poderia estar-se lembrando da oração do Senhor, em João 17: " ... o mundo os odiou, porque não são do mundo, assim como Eu do mundo não sou. Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal" (João 17:14b-15).

Estas pessoas não eram somente peregrinos, mas estavam "dispersos". Novamente, uma palavra específica (diaspora) é usada para descrevê-los. 

Normalmente traduzida "a dispersão", esta palavra tornou-se sinônima dos judeus distantes da sua terra natal, a Palestina (João 7:35; Atos 8:1, 4).

Contudo, o uso do nome Pedro indica outros leitores, além de cristãos judeus. 

Isso parece ser apoiado pelas suas referências aos leitores, por exemplo, como aqueles cujo passado é descrito como "vossa ignorância" (I: 14). 

Naquele tempo "não éreis povo" (2: 10) mas seguiam práticas pagãs das quais foram libertos (4:3,4). Por meio da sua conversão eles se tornaram filhos de Abraão (Gál. 3:7).A palavra diaspora, porém, é muito mais esclarecedora. É derivada do verbo speiro, "semear como semente". 

Temos aqui, novamente, ecos das palavras do Mestre ouvidas por Pedro: "O que semeia a boa semente, é o Filho do homem; o campo é o mundo; e a boa semente são os filhos do reino" (Mat. 13:37,38).
Alguns, por causa da perseguição e opressão, e outros por causa das circunstâncias, foram "dispersas"; mas por traz da mão humana de repressão estava outra mão, a do soberano Senhor da seara.
Como Pedro dirá mais adiante nesta epístola (3:22), todos os poderes estão sujeitos a Ele (3:22).
Que consolo e incentivo isso é para santos sofredores de todas as eras. As consequências desta palavra atingem o próprio trono e propósito de Deus. 

O Seu povo não é disperso pelos ventos do destino, nem pela mão do inimigo, nem pelas mudanças das circunstâncias. Eles não são o resultado de alguma coincidência química nem de algum acidente genético. Não são os peões da providência. 

O que são, onde estão e quando estão, tudo é pela vontade e propósito do seu soberano Senhor (veja também Is. 43: 1-7).


2a. Assim como a soberania de Deus é vista nas circunstâncias do Seu POVO, assim também o é na sua salvação. Eles não eram somente peregrinos, espalhados como sementes semeadas na esperança de uma colheita gloriosa, mas eram também peregrinos "eleitos", selecionados por causa de um propósito glorioso.
"Eleitos" quer dizer selecionados, escolhidos. Através dos séculos muitas coisas, algumas proveitosas, outras não, foram apresentadas sobre a doutrina de eleição.
"Pedro, como os outros escritores do NT, não entra em tais discussões. Se, vivendo na certeza absoluta de uma fé recém adquirida, os cristãos primitivos não encontravam dificuldades intelectuais, ou se o Espírito que habitava neles os levou a sentir que tais questionamentos eram insolúveis, não sabemos; mas é instrutivo observar que as Escrituras não as mencionam" (R. Lumby).


Aqui, em um só versículo, estão apresentadas as atividades das Pessoas divinas no plano da redenção: a determinação soberana do Pai, o ministério santificador do Espírito, e a provisão e aplicação do sangue do Filho, Jesus Cristo.
Eleição é "segundo a presciência de Deus". 

A palavra "presciência" (prognosis), em sua forma substantiva, ocorre duas vezes no NT, e é usada somente' por Pedro (v. 2; Atos 2:23). 

Não sabemos tudo que esta presciência abrange, mas é muito mais do que um mero saber de antemão, no sentido de ter conhecimento antecipado de acontecimentos futuros. Na forma verbal, ela aparece em Rom. 8:29: " ... os que dantes conheceu ... " Embora Deus conhece todos os homens. 

Ele não conhece a todos com respeito ao Seu propósito em eleição. No juízo, o Senhor Jesus dirá aos falsos professos: "Nunca vos conheci" (Mat. 7:23). Quanto à Sua onisciência: "a todos conhecia" (João 2:24). 

Quanto à eleição divina, Ele disse: "Eu bem sei os que tenho escolhido" (João 13: 18).


Paulo escreveu aos coríntios: "se alguém ama a Deus, esse é conhecido dEle" (I Cor. 8:3). A presciência de Deus, portanto, parece incluir uma escolha em amor. Qualquer receio que os leitores desta epístola pudessem ter sobre sua eleição seria tranquilizada pela certeza de que foi segundo a presciência de Deus Pai. 

"A escolha e o conhecimento não eram a vontade arbitrária de um soberano inconstante, como são os soberanos da terra, mas de um Pai, cujas misericórdias são sobre todas as Suas obras " (E. H. Plumptre).

A fonte daquela grande eleição estava no coração de Deus Pai. A operação dela vem pelo ministério santificador do Espírito Santo: "em santificação do Espírito". 

"O Espírito Santo é o Agente em santificação ... é um ato divino ... " (C. F. Hogg e W. E. Vine). 

O substantivo usado aqui, hagiasmos, refere-se ao ato de santificar, não ao seu aperfeiçoamento num caráter santo; isto seria expresso pela palavra hagiosune. 

"O caráter santo ... não é vicário, isto é, não pode ser transferido ou imputado, é uma possessão individual, acumulada, pouco a pouco, como resultado da obediência à palavra de Deus, e de seguir o exemplo de Cristo ... no poder do Espírito Santo" (Expository Dictionary of NT Words, W. E. Vine - Dicionário Expositivo de Palavras do NT, pág. 317). 

Hagiasmos é "a soma e medida, como efeito, como um todo, de modo característico, não hagiosune, a qualidade ... " (JND, I Cor. 1:30, nota de rodapé). 

Esta é a obra inicial do Espírito Santo que resulta na formação progressiva do caráter santo no cristão, durante toda a sua vida, e o aperfeiçoamento disto na presença do Senhor.
Esta santificação é "para [tendo em vista] a obediência", não como resultado da obediência. Não é um galardão, mas sim a obra da graça sobre o indivíduo. 

Tem que haver a obediência da fé. "A doutrina da eleição nunca teve por intenção anular a responsabilidade do homem sobre o estado da sua própria alma. A Bíblia toda se dirige aos homens como tendo livre arbítrio, como sendo responsáveis diante de Deus ... " (J. C. Ryle).

O Evangelho sempre chama o pecador à obediência voluntária. Isso sugere que há uma alternativa. O Evangelho é apresentado e há os que creem e os que não crerem (João 3:36). Há os que "obedeceram de coração" (Rom. 6: 17) e os que "não obedeceram ao evangelho" (11 Tess. 1:8). 

Há aspectos da vontade divina que podem ser resistidos. Exemplos disso foram deixados para nosso aviso.
Na Sua própria pátria, o Senhor Jesus "não podia fazer ali obras maravilhosas ..." (Mar. 6:5). 

Esta limitação não foi por causa da Sua própria Pessoa ou poder, mas sim, por causa do princípio da fé: Ele "estava admirado da incredulidade deles" (v. 6). 

Ele chorou sobre a cidade, dizendo: "quantas vezes quis Eu ajuntar os teus filhos ... e não quisestes". 

A perda não foi por causa da Sua vontade, mas por causa da vontade deles. Esta obediência não é o mero consentimento a um credo ou sistema de doutrina, mas "para a obediência ... de Jesus Cristo".
Primeiro, obediência ao Evangelho, resultando numa vida de obediência. Assim como foi a obediência de Cristo à vontade do Pai, assim será também o caráter e atitude dos eleitos (Fil. 2:5-8). Aos eleitos, santificados para obediência, se aplica todo o valor e virtude do "sangue de Jesus Cristo". 

Isto não é o derramamento do sangue, mas a aspersão dele. 

O sangue precisava ser derramado antes de poder ser aspergido, mas poderia ser derramado e a sua eficácia nunca ser aplicada ao indivíduo. 

O derramamento do sangue é a entrega da vida como sacrifício pelo pecado. É a provisão feita. 

A aspersão do sangue é a aplicação do valor e da eficácia do sacrifício. Esta é a comunicação do poder.
No VT, a aspersão era vista em relação ao seu poder para proteger os primogênitos no Egito, seu poder para purificar os sacerdotes para o serviço, seu poder para preparar o caminho de entrada ao lugar santíssimo, e seu poder para purificar o leproso de sua imundícia cerimonial. 

Porém, parece que aqui se refere a Êxodo 24, quando Moisés tomou o sangue do sacrifício, e aspergiu a metade dele sobre o altar e em seguida leu o livro da aliança na presença do povo que respondeu, prometendo obedecer. 

Moisés então tomou a outra metade do sangue e aspergiu o povo, dizendo: "Eis aqui o sangue da aliança ... ". Aquele sangue ligou o povo ao altar dos frequentes e repetidos sacrifícios. Prendeu-os à palavra da sua própria frágil promessa. Sua aplicação era limitada à nação.


Quão gloriosamente diferente era a porção dos cristãos a quem Pedro estava escrevendo. Esta aspersão de sangue associa os cristãos do NT com uma obra consumada, um sacrifício que nunca precisará ser repetido (Heb. 10: 11,12). 

Liga o cristão à infalível promessa de Deus (Heb. 6: 17-18). A sua eficácia é ilimitada em favor de "quem quiser", quer seja judeu, quer seja gentio.

Que ânimo e incentivo estas palavras trariam e que esperança inspirariam a um grupo de peregrinos dispersos, que possuíam muito pouco, ou talvez nada, neste mundo, não tinham pousada certa e viviam sob a constante ameaça de perseguição ou até mesmo de morte. 

Como o seu Senhor, eles foram rejeitados pelos homens, mas, oh pensamento bendito! foram escolhidos por Deus Pai, escolhidos para uma herança eterna, para estar na presença de Deus, mais privilegiados do que os anjos, para servi-Ia como filhos adoradores no Seu santuário celeste. Rejeitados e excluídos da comunidade dos homens, foram separados pelo Espírito Santo para aquela obediência semelhante à obediência de Cristo para com Seu Pai. 

Eles eram homens desprezados, censurados enquanto andavam entre o povo, mas invisível aos olhos dos homens, eles tinham sido aspergidos com o sangue precioso de Cristo, sinal de um sacrifício mais nobre do que qualquer um que em qualquer tempo manchou os altares de Israel ou os pedestais pagãos romanos.


Por J. B. Nicholson

7. A Variedade dos Dons Espirituais - (1 Coríntios 12:1-31)



"Acerca dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes. Vós bem sabeis que éreis gentios, levados aos ídolos mudos, conforme éreis guiados. Portanto, vos quero fazer compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é anátema, e ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo. 

Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo.

E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo.E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.

Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil.Porque a um pelo Espírito é dada a palavra da sabedoria; e a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra da ciência; 

E a outro, pelo mesmo Espírito, a fé; e a outro, pelo mesmo Espírito, os dons de curar; E a outro a operação de maravilhas; e a outro a profecia; e a outro o dom de discernir os espíritos; e a outro a variedade de línguas; e a outro a interpretação das línguas. 

Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer."

(1 Coríntios 12:1-11)


Esta longa seção (12:1-14:40) é composta de seis divisões. A primeira divisão (vs. 1-11) pode ser subdividida da seguinte maneira:


a) O Senhorio de Cristo vs. 1-3;

b) A Atividade da Divindade vs. 4-6;

c) Os Dons do Espírito vs. 7-11.


Devemos notar que, no capítulo 12, os próprios dons são apresentados; no capítulo 13, aquilo que é necessário para que os dons operem em harmonia, isto é, o amor; no capítulo 14, vemos os dons em operação. É importante explicar que, enquanto o Espírito é mencionado nove vezes no capítulo 12, Ele não é mencionado nenhuma vez no capítulo 14. No capítulo 12, Ele é visto como sendo a fonte, o poder e administrador dos dons, enquanto que no capítulo 14 a pessoa que recebe o dom é inteiramente responsável pelo seu uso.

1. Este versículo mostra como os coríntios precisavam de esclarecimento; v. 2 salienta que, nos dias antes da sua conversão, eles estavam em servidão; o v. 3 indica que a verdadeira confissão do Senhorio de Cristo somente pode ser feito sob o controle do Espírito Santo. "Acerca dos" faz-nos lembrar do uso anterior destas palavras, em 7:1 e 8:1; veja a Introdução sob o cabeçalho A Ocasião e o Propósito em Escrever. A palavra "dons" não consta no texto original. A maioria dos tradutores insere a palavra "dons" porque o adjetivo "espirituais" (pneumatikos) está no plural, e porque o assunto dos dons começa no V. 4. R. Young traduz:"coisas espirituais"; J. N. Darby: "manifestações espirituais"; talvez "realidades espirituais" seria mais apropriado nesta passagem.

2. Paulo lembra-lhes da sua origem, a fim de enfatizar a liberdade que agora gozavam em Cristo, e a riqueza da generosidade de Deus, demonstrada na variedade dos dons que possuíam. Antigamente eram idólatras, enganados, cativos, fracos, desamparados e escravizados.Não havia nenhuma liberdade de escolha; estavam oprimidos, dominados por um poder maligno. Este poder não é identificado, mas evidentemente Paulo está pensando nas atividades malignas dos demônios, capacitados e controlados por Satanás. Esta é a resposta à objeção dos ímpios que dizem que o cristianismo é restritivo, e que não querem perder sua liberdade, tornando-se cristãos. O contrário é a verdade. Não são livres, mas sim, cativos e enganados; veja Tito 3:3. "ídolos mudos" dá ênfase a sua incapacidade de falar, sua falta de comunicação; eles são mudos. Veja o Salmo 115:4-8, especialmente o v. 5. Não podem comunicar palavras de consolo e perdão, e são um contraste nítido com o Deus vivo e verdadeiro, que se deleita em falar, e com o Espírito Santo que energiza os dons que comunicam a verdade. Paulo passa a contrastar a nova esfera que agora ocupam, onde Deus, Cristo e o Espírito Santo dominam.


3. Paulo está, claramente, dando-lhes um critério pelo qual poderiam reconhecer a voz do Espírito de Deus. Os recém-convertidos não teriam experiência alguma de tais comunicações, e a lastimável condição espiritual da maioria dos outros os tornariam insensíveis à Sua orientação. Porém, o contraste é impressionante: "Jesus é anátema"; "Jesus é o Senhor". É claro e explícito que o Espírito Santo, falando através dos homens, dará glória a Cristo, e reconhecerá a Sua supremacia como Senhor. O Espírito sempre há de exaltá-Lo. É possível que estes fossem dois lemas, um usado pelos inimigos de Cristo, e o outro pelos Seus seguidores. É difícil aceitar que qualquer verdadeiro cristão diria: "Jesus é anátema". Pode ser que, numa reunião da igreja, um judeu se tivesse levantado e exclamado: "Jesus é anátema", e um cristão piedoso respondido: "Jesus é o Senhor". Mais tarde, em dias de perseguição, os inimigos do Evangelho tentariam obrigar os cristãos a renunciar a sua fé, dizendo:"César é senhor", e o teste supremo para determinar se uma pessoa era cristã ou não, seria ver se ele pudesse ser forçado a dizer: "Jesus é anátema". O que se enfatiza aqui é que somente o Espírito de Deus pode capacitar uma pessoa a descobrir e exclamar, em verdade: "Jesus é o Senhor". Nós pertencemos à esfera onde a igreja reunida reconhece o Senhorio Soberano de Jesus, como proclamado e interpretado pelo Espírito Santo.


4-6. Agora chegamos à atividade da Divindade, o controle soberano das Pessoas divinas em relação a toda a esfera de serviço. Sua unidade de propósito é enfatizada. Três palavras são usadas para indicar os dons, considerando-os de diferentes pontos de vista: dons, ministérios e operações.Os dons são dons da graça, dados aqui pelo Espírito de Deus.São evidências da graça de Deus, e da soberania do Espírito Santo, e fornecem a capacidade necessária para servir a Deus, abençoar o Seu povo, e não causar divisões entre eles.Os ministérios indicam diferentes formas de serviço, todos efetuados e regulados pela direção do Senhorio de Cristo, e todos exercitados para o benefício dos outros.As operações são poderes ou energias fornecidos, tendo em vista a-realização da obra. Deus é quem dá todo o poder e torna tudo eficaz.A revelação destas coisas deve manter-nos humildes, reconhecendo que tudo é de Deus, e que somos privilegiados ao sermos os objetos desta atividade divina. A manifestação de tais dons numa igreja local deve fazer-nos reconhecer a graça da Divindade, ao manifestar a Sua presença entre nós. Observe a referência a cada Pessoa da Trindade nestes versículos: "o Espírito é o mesmo"; "o mesmo Senhor" e "o mesmo Deus". Sem considerar a natureza passageira dos dons dados como sinal (este assunto será abordado depois), a operação destas Pessoas divinas ainda continua no exercício dos dons, na igreja local.


7. Este versículo inicia o parágrafo (vs. 7-11) que trata de alguns dos dons do Espírito. Há mais duas passagens principais que tratam dos dons espirituais: Rom. 12 e Ef. 4. Em Rom.12, Deus é quem os dá (v. 3); Em Ef. 4 o Senhor ressurrecto "deu dons aos homens" (v. 8); aqui é o Espírito Santo quem os dá. Nove dons são mencionados aqui, entre os quais os dons milagrosos e de sinal são muito destacados. Em Rom. 12:6-8, somente sete dons são mencionados, e somente inclui um dos nove mencionados aqui. A lista em Ef. 4: 11 é ainda mais curta; cinco (alguns julgam que há apenas quatro) são especificados, apenas um dos quais se encontra também em nosso parágrafo ("profetas" é paralelo com "profecia" do V. 10, aqui).As diferenças são muito importantes, como veremos mais tarde ao tratarmos dos dons dados como sinal. Devemos observar que enquanto antes, nos vs. 4-6, Paulo usou plurais ao falar de dons ("dons ... ministérios ... operações"), neste versículo ele usa o singular: "manifestação". Ele desenvolve a ideia através dos plurais, e então concentra tudo num singular. Não são apenas alguns que recebem os dons, mas eles são distribuídos a cada um, e deste modo o Espírito se manifesta a Si mesmo para benefício de todos. O benefício será visto no desenvolvimento do caráter espiritual nos santos; há de aumentar-lhes o conhecimento e utilidade; trará à luz a capacidade de liderança (que não é produzida por frequentar seminários ou colégios) ao estarem sob a influência do ensino da Palavra, sendo sensíveis a ela; e promoverá o amor e unidade na igreja local.


8-10. Antes de definir os nove dons, vamos notar que a palavra "outros" (heteros), entre o segundo e terceiro dons e entre o sétimo e oitavo, quer dizer "de espécie diferente". Isto divide os dons em três grupos. Vamos agora apresentá-los quanto ao seu significado, tendo em mente o seu caráter sobrenatural, e a grande probabilidade de que estivessem operando nos tempos primitivos da igreja a fim de manifestar o poder de Deus na nova ordem que fora estabelecida. O novo começo trouxe à luz novas manifestações do poder de Deus. Nenhum destes dons opera no dia de hoje.
A Palavra da Sabedoria, a Palavra da Ciência: É correto estes dois dons estarem juntos, pois operaram somente naquele tempo.Convém reconhecer que naqueles tempos estas igrejas não tinham o NT, para onde pudessem recorrer para receber orientação. Deus providenciou estes dons a fim de suprir a necessidade desta situação."Palavra" aqui significa "expressão"; eram dons que envolviam comunicação. Em qualquer situação, onde surgisse a necessidade de se ter uma percepção profunda, para resolver um problema, um irmão se levantaria para fazer conhecida a mente de Deus, que lhe fora revelada. "Ciência" não se refere ao conhecimento adquirido através de estudo, mas sim ao que foi divinamente revelado para suprir a necessidade do momento. Um exemplo disso se vê no conhecimento concedido a Pedro em Atos 5:3-4. Hoje em dia a Palavra de Deus é o suficiente.
Fé: É claro que este dom não é aquilo que chamamos de fé salvadora, nem a fé e confiança que exercemos diariamente. Aqui, está intimamente associada com curas e milagres, e o contexto mostra que esta fé era divinamente dada, e era necessária para que o dom milagroso operasse. Pondere atentamente Mateus 17: 14-21 e 21: 17-22. Em cada um destes acontecimentos, o Senhor repreende os discípulos por causa de sua falta de fé. Este dom de fé pode transportar montes. Observe a ligação entre Mateus 17:20; 21 :21 e I Cor. 13:2.Este dom forneceu a fé especial que era necessária para o exercício dos dons de curas e da operação de maravilhas, para que homens pudessem realizar aquilo que era humanamente impossível.
Dons de curar: A palavra (no grego) está no plural: "curas".Os Evangelhos estão repletos de exemplos disto, como também o livro de Atos. Observe atentamente a expressão: "dons de curas"; ambas as palavras estão no plural. Isto indica que cada caso de cura manifestava uma operação distinta do dom. Este dom não está operando hoje em sua plenitude, variedade e perfeição, como nos dias do Senhor e dos apóstolos e outros, mencionados aqui. Com a passagem do tempo, tornou-se claro que o dom estava diminuindo. O espinho na carne de Paulo, o problema de estômago de Timóteo, a enfermidade de Trófimo, e a doença de Epafrodito, não foram tratados imediatamente com poder apostólico. Em Tiago 5: 13 etc., nenhum apóstolo, ou outro irmão com o dom de curar, deveria ser chamado, porque o caso envolvia uma questão de pecado; era para chamar os anciãos, os quais, coletivamente, não tinham recebido este dom. Convém dizer que cremos que Deus pode curar hoje, e que Ele tem feito isto; a questão é que isso não é o normal, e Deus não prometeu que seria. Estes poderes estavam operando plenamente a fim de demonstrar que a nova obra era de Deus.
Operação de Maravilhas: observe os plurais outra vez: "operações de milagres" (ARA). Estão em contraste com as curas que Paulo acabou de mencionar. São demonstradas no ministério do Senhor: transformando água em vinho (João 2); alimentando os cinco mil (João 6); acalmando a tempestade (Marcos 4). Nos Atos, há também tais operações: a ressurreição de Dorcas (cap. 9); a cegueira de Elimas (cap. 13), um milagre judicial; a ressurreição de Eutico (cap. 20). Atos 19:11 nos diz que Paulo fazia maravilhas extraordinárias, inclusive expulsar espíritos malignos.
Profecia: Este dom estava em segundo lugar de importância, depois do dom do apóstolo (veja o v. 28), e ambos eram de caráter fundamental. O profeta falava por revelação direta de Deus, seja em doutrina fundamental, ou seja em suprir a necessidade duma situação específica, dando, em ministério, a mente de Deus para aquele tempo presente. Não existem profetas hoje, neste sentido. O ensinador, em contraste, ministra das Escrituras, já completas. Qualquer grupo que diz ter profetas hoje, indica que Deus ainda está revelando-Se, e nega que a Bíblia seja a revelação completa de Deus. 2 Ped. 2: 1 indica que os profetas foram substituídos pelos ensinadores.
Discernimento dos Espíritos: Isto se refere ao dom de discernir se a mensagem era do Espírito Santo, ou se era de um espírito maligno, apresentada de tal maneira a parecer vir de Deus. Uma ilustração disto se encontra em Atos 16:16-18, onde a mensagem pronunciada pela jovem parecia genuína, mas Paulo discerniu que ela estava endemoninhada. Paulo, no v. 3 deste capítulo, e João, em I João 4:2-3, dão testes para descobrir a origem de qualquer ensino.Porém, parece que este dom era dado para discernir o espírito atrás da mensagem quando, aparentemente, parecia ser genuíno, como em Atos 16.
Línguas: Cremos que estas eram línguas naturais. Há muita polêmica sobre a questão de serem somente palavras extáticas, ou se Atos se refere a línguas naturais e I Coríntios se refere a palavras extáticas, ou se em todas as ocasiões, trata-se de línguas naturais.Nós defendemos esta última opinião. O Senhor prometeu, em Marcos 16: 17, que o dom de línguas seria um dos sinais: "Falarão novas línguas" - não novas em relação a tempo, mas novas para quem falasse. Como foi a promessa, assim foi o cumprimento: a promessa falou de línguas dos homens, o cumprimento foi línguas dos homens também, tanto nos Atos, nas três ocasiões mencionadas (capítulos 2, 10 e 19), como também em I Coríntios, nos três capítulos que as mencionam (capítulos 12, 13, 14). É essencial que nosso entendimento da natureza do dom de línguas provenha das Escrituras, e não do culto yagão, nem das chamadas manifestações do dom, no dia de hoje. E claro que algum tipo de linguagem incompreensível não seria sinal algum. O irmão que exercia este dom falava numa língua diferente da sua língua materna, ou da que houvesse aprendido depois. Ele não era linguista. "Variedade de línguas", indica que o mesmo irmão poderia falar em mais de uma língua. Depois, vamos observar a probabilidade clara de que junto com o dom de línguas era dada a capacidade para compreender aquilo que era falado.
Interpretação de Línguas: Este também era um dom, e sendo assim não pode referir-se à capacidade linguística de algum irmão presente na reunião que o capacitaria a traduzir; isto seria um dom natural, e não espiritual. Depois de um irmão falar numa língua estrangeira, um outro irmão, com este dom, se levantaria e interpretaria a mensagem. De acordo com 14: 5, 13, o mesmo irmão que fala em línguas deve orar pelo dom de interpretar, assim, ambos os dons poderiam ser exercidos pela mesma pessoa. Se não houvesse alguém presente que tivesse o dom de interpretar, o dom de línguas não deveria funcionar (14:28). Alguns podem pensar que se tivesse alguém presente que falava em outra língua e a entendesse, poderia interpretá-la. Não é verdade. Vamos citar J.Heading: "Interpretação é uma capacidade além da capacidade de falar". Sua observação apropriada sobre este assunto é muito instrutiva; veja as págs. 201-202 de First Epistle to the Corinthians 11. Este versículo salienta que todos estes dons não somente tem a sua origem no Espírito de Deus, mas que também operam pelo Seu poder. A "operação" (energeo), atribuída aqui ao Espírito Santo, vem da mesma raiz da palavra "operações" no v. 6. Aquilo que se atribui a uma Pessoa da Trindade é frequentemente atribuído também a uma outra Pessoa. Três coisas são observadas, aqui, com respeito ao Espírito Santo: Sua vontade, Sua distribuição, e Seu poder.Observe que Sua vontade controla a Sua distribuição. Ele é quem escolhe o dom que há de dar a cada pessoa, segundo o conhecimento que Ele tem dos poderes e capacidades dela. Então Ele ativa, no Seu infinito poder, todos estes dons em suas variedades e formas.Cada um deve sua origem e função e utilidade a um só e ao mesmo Espírito. Isto deve convencer a todos nós que não há lugar para reclamações, nem jactância, nem inveja, nem rivalidade. Tudo é segundo a Sua vontade, e não segundo os nossos desejos. Cada dom é, igualmente, uma manifestação do Espírito.


NOTAS ADICIONAIS
1 "Não quero ... que sejais ignorantes" é uma frase que Paulo usa quando quer frisar certos assuntos aos seus leitores. Veja 10:1; 12:1; Rom. 1:13; 11:25; II Cor. 1:8; I Tess. 4:13.

5 "Jesus é Senhor". Nenhum dos discípulos jamais chamou o Senhor pelo nome Jesus. Numa passagem impressionante, João 13:25 - 14:22, cinco de Seus discípulos, João, Pedro, Tomé, Filipe e Judas, não o Iscariote, todos dirigem-se a Ele como Senhor.4·

6 Observe a palavra "diversidade" (diairesis) nos vs. 4, 5 e 6. Esta palavra destaca não somente a variedade, como também a distinção de cada dom .

7-11 Observe como a unidade do Espírito é enfatizada. A expressão "o mesmo Espírito" ocorre quatro vezes (vs. 8, 9, 11), e "um só Espírito" uma vez (v. 11).

8-9 Devemos notar que a preposição "pelo", usada nestes versículos, é a tradução de três preposições diferentes no grego. No V. 8a, "pelo" é dia; V. 8b, "pelo" é kata; V. 9, "pelo" é en. A primeira preposição, dia, destaca a agência ou mediação do Espírito; a segunda, kata, Sua determinação ou vontade; a terceira, en, Seu poder.


O Corpo e Seus Membros (vs.12-27)


"Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também.Pois todos nós fomos batizados em um Espírito formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres, e todos temos bebido de um Espírito.Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos.Se o pé disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; não será por isso do corpo?

E se a orelha disser: Porque não sou olho não sou do corpo; não será por isso do corpo?

Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde estaria o olfato?

Mas agora Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis.E, se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo?

Agora pois há muitos membros, mas um corpo.E o olho não pode dizer à mão: Não tenho necessidade de ti; nem ainda a cabeça aos pés: Não tenho necessidade de vós.

Antes, os membros do corpo que parecem ser os mais fracos são necessários.E os que reputamos serem menos honrosos no corpo, a esses honramos muito mais; e aos que em nós são menos decorosos damos muito mais honra.

Porque os que em nós são mais honestos, não têm necessidade disso, mas Deus assim formou o corpo, dando muito mais honra ao que tinha falta dela; Para que não haja divisão no corpo, mas antes tenham os membros igual cuidado uns dos outros.

De maneira que, se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele.Ora vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular."


Esta seção pode ser dividida em dois parágrafos: o primeiro trata do Batismo no Espírito (vs. 12-13); o segundo do Funcionamento dos Membros (vs. 14-27). O conteúdo do primeiro é doutrinário, a aplicação do segundo é prática. Vamos considerar agora o primeiro.


12. É claro que o corpo mencionado é o corpo humano, e que a ênfase da ilustração é unidade ("um") e diversidade ("muitos", "todos"). "Assim é o Cristo também" indica que é uma comparação com o Corpo de Cristo. Aqui, Ele dá o Seu nome ao Corpo, declarando assim a união vital entre Cristo e o Seu povo. É a Igreja inteira que está em vista, a Igreja dispensacional. Como ela veio a existir se explica no V. 13.


13. Por Cristo "todos nós fomos batizados em (no poder de) um Espírito formando um corpo". "Batizados" está no tempo aoristo (no grego), que não somente relembra um ato, mas considera o ato como completo, já realizado. Este verbo "batizado" se refere, portanto, ao dia de Pentecostes, e dá-nos a explicação doutrinária daquele acontecimento. Todas as referências a este batismo tinham em vista o dia de Pentecostes, no futuro (Mat. 3: 11; Marcos 1:8; Lucas 3:16; João 1:33; Atos 1:5), ou no passado (Atos 11:15; I Cor. 12: 13). Além disso, "batizados" liga-se com o que aconteceu em Atos 2, onde lemos que o Espírito encheu a casa (v. 2). Foi literalmente um batismo. O Espírito Santo tinha vindo em cumprimento à promessa do Senhor nos Evangelhos (João 14:26; 15:26; 16:7), para formar o corpo de Cristo. Aqueles que estavam presentes foram realmente batizados no elemento, o Espírito. Pela descida do Espírito Santo todos foram batizados em um corpo. Quando Paulo diz "nós", ele está pensando na Igreja inteira, em contraste com "vós" no V. 27, que se refere à igreja local. Não é verdade que as palavras de João Batista, nos Evangelhos, indicam que todos os que ele batizou em água seriam batizados também no Espírito (Marcos 1 :8)? Na mente de Deus, todos os cristãos foram vistos como batizados. É essencial ver que o Espírito Santo desceu uma s6 vez. Sua vinda foi única e final. Foi única, porque nunca acontecera antes; foi final, porque nunca acontecerá outra vez, desta maneira. Houve somente um batismo desse tipo. Este foi o dia do nascimento da Igreja. Nós falamos dos nossos aniversários, mas de fato temos um só dia de nascimento, o resto são apenas aniversários. Os cristãos não são batizados desta maneira na conversão; mas entram no benefício daquilo que aconteceu em Pentecostes. Não existe nenhuma Escritura que diz que o cristão é batizado no Espírito na conversão.As palavras que se usam com respeito àquilo que o Espírito Santo faz na conversão são "habitar", "ungir", "selar", "penhor", mas não batismo. No término de Atos 2, três mil almas foram salvas e receberam o Espírito Santo sem qualquer evidência externa. Não houve nenhum fenômeno. O Espírito veio habitar neles, como Ele habita em nós, pois agora nenhum cristão tem a experiência dos primeiros versículos de Atos 2. Isto demonstra que a experiência dos três mil no término do capítulo é o normal, e destaca a singularidade e finalidade dos primeiros versículos. Os três mil, porém, foram associados com a companhia original batizada no Corpo de Cristo. Foi assim conosco, quando nos convertemos. Entramos nos benefícios do derramamento do Espírito Santo feito uma vez por todas. Esta associação com a experiência de uma companhia original é bíblica. Na história de Israel, citada no capítulo 10, observamos que "todos foram batizados em Moisés ... e todos ... beberam duma mesma bebida espiritual". Este batismo foi coletivo e nacional e nunca foi repetido; também foi posicional e algo realizado por Deus, do qual não estavam cônscios. Em contraste com isto, o beber foi individual; foi algo que fizeram por si mesmos. Qualquer pessoa que nasceu mais tarde não teve a experiência inicial do batismo, mas bebeu da água. Assim foram associados com a experiência dos primeiros.Portanto o batismo na nuvem é uma ilustração do batismo no Espírito, enquanto o beber da bebida espiritual corresponde ao beber de um Espírito. Em Amós 2:10, Deus falou à geração de que Amós fazia parte: "Também vos fiz subir da terra do Egito, e quarenta anos vos guiei no deserto, para que possuísseis a terra do amorreu". Porém, esta geração nunca tinha estado no Egito, nem no deserto, nem fora conduzida na terra. É verdade, mas estavam associados com os que tinham passado por tudo isso, os primeiros. O que foi verdade com respeito a eles, foi verdadeiro com respeito à geração de Amós também. Assim nós temos entrado na realidade daquilo que aconteceu em Pentecostes. Lemos em João 1:29 acerca do "Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo". Isto antecipou o Calvário. Em João 1:33 diz-se a respeito de Cristo: "esse é O que batiza no Espírito Santo". Isto antecipou o dia de Pentecostes. Assim como nós entramos no benefício do Calvário na ocasião da nossa conversão, assim também entramos no benefício de Pentecostes. Se não há nenhum problema com respeito ao primeiro, onde está a dificuldade quanto ao segundo? Além disso, quando Adão caiu, a raça inteira caiu com ele; quando nós nascemos, entramos nos efeitos da Queda. Assim Cristo batizou a Igreja inteira em um Corpo; quando nós nascemos de novo, entramos em todos os benefícios deste ato. A Igreja inteira estava lá em prospecto, vista como um só Corpo, e habitada pelo Espírito Santo.O ensino dos pentecostais sustenta que o Batizador, aqui, seria o Espírito Santo, pois consideram este versículo diferente das outras seis referências citadas anteriormente, onde se afirma que Cristo é o Batizador. Ensinam que, neste versículo, todos são batizados pelo Espírito em um corpo, mas nem todos têm sido batizados com o Espírito Santo. Se as outras seis referências indicam claramente que Cristo é o Batizador, normalmente se entenderia que na sétima, seria Q mesmo. Cabe aos que pensam de outra maneira mostrar as provas.Mas, pensando nisso com atenção, eles verão que o Espírito não pode ser o Batizador. Em qualquer batismo quatro coisas são necessárias.Tem que haver um batizador, a pessoa sendo batizada, o elemento em que o batismo se realiza, e a razão pelo batismo. Ora, neste versículo (v. 13) o Batizador é Cristo, os batizados são todos os cristãos, o elemento é o Espírito Santo, e a razão se resume na expressão "formando um Corpo". Se afirmarem que o Espírito, e não Cristo, é o Batizador, então o elemento é removido. Mas não é possível realizar um batismo sem um elemento. Portanto, essa teoria tem que ser rejeitada.Este versículo afirma também que todos os cristãos têm sido batizados no Espírito, o que contradiz o ensino deles, que diz que apenas alguns cristãos têm-no recebido. Além disso, todos são unidos por este batismo em um corpo, enquanto que o ensino deles divide os cristãos em dois grupos, os que têm experimentado o batismo e os que não o têm. Finalmente, "e todos temos bebido de um Espírito" se refere à recepção do Espírito, na conversão.Gramaticamente, a presença de dois verbos aoristos no mesmo versículo não exige, necessariamente, que se refiram ao mesmo acontecimento."E" introduz uma nova declaração, que ajuda-nos a entender como entramos nos benefícios das declarações anteriores. F. L. Godet comenta isto na sua exposição: "Kai, 'e', indica um fato novo. Se a segunda proposição somente servisse para reafirmar, de outra forma, a idéia da primeira, haveria um assíndeto". Paulo está olhando para traz, como nós também devemos fazer; e é por esta razão que ambos os verbos, "fomos batizados" e "temos bebido", são aoristos (no grego). Referem-se à mesma verdade, mas em tempos diferentes. Em primeiro lugar, "fomos batizados" destaca o que aconteceu no dia de Pentecostes; em segundo lugar, "temos bebido" destaca o que aconteceu na ocasião de nossa conversão, quando entramos na realidade disto. O versículo inteiro ensina que o que aconteceu em Pentecostes foi realizado na nossa conversão, e foi a experiência dos três mil, como temos observado. Esta também foi a experiência de Comélio e sua família. Ao falar disto, em Atos 11:15-16, Pedro se refere a este aspecto da recepção do Espírito.


14-16. Agora chegamos à parte muito prática onde, pela ilustração do corpo humano, ele mostra o absurdo de divisão entre os cristãos numa igreja local (v. 27), pois estar em conflito uns com os outros destrói aquela unidade que é tão necessária para se manter o testemunho.


Vamos observar:

a) O Perigo de Inveja vs. 14-16

b) O Perigo de Monopólio vs. 17-20

c) O Perigo de Interdependência vs. 21-22

d) A Necessidade de Consideração Compassiva vs. 23-26

e) A aplicação e o Desafio v. 27


O V. 14 destaca a multiplicidade dos membros, e a necessidade de todos funcionarem. A variedade dos órgãos e a singularidade de função são a essência da vida. No v. 15, ouvimos o pé reclamando, ao considerar a mão, com inveja. Ocupando um lugar mais baixo do que qualquer outro membro, suportando o peso de todos os demais, e cônscio das condições desagradáveis ao seu redor enquanto trabalha despercebido, a maior parte do tempo, ele está cônscio da destreza da mão com seus movimentos hábeis, e sua capacidade de realizar tantas tarefas com habilidade. Estes pensamentos sobre sua sorte tão infeliz logo produzem insatisfação, e então o pé expressa sua inveja e descontentamento, por declarar que não é mais membro do corpo, e assim recusa trabalhar. No V. 16, o ouvido reclama; de formato feio, escondido no lado do rosto, também quase despercebido enquanto desempenha sua tarefa tão importante, ele observa o olho, colocado em lugar de destaque à frente; nota a versatilidade de suas funções, nota como transmite constantemente ao cérebro tudo que observa, notando sua alegria por ser a parte mais inteligente do rosto. O ouvido acha que sua função não é nada em comparação com a do olho, e assim resolve que ele também deixará de trabalhar. O ensino é claro. Os membros são variados, mas todos são necessários. A repetida pergunta dá ênfase à lição: "Não será por isso do corpo?" Mesmo se recusar trabalhar, ainda será uma parte do corpo. Algumas vezes, na vida de uma igreja local, somente percebemos a presença de inveja e descontentamento quando algum irmão deixa de participar na obra e adoração do Senhor. Quão petulantes e invejosos nos tomamos! Também, pode ser que um irmão fica consciente de que o seu dom não é tão óbvio, ou público, como o do outro, e assim ele começa a sentir que tem tão pouca importância que ninguém sentirá a sua falta. Eu tenho tão pouco a oferecer, por que me esforçar para participar? Vamos aprender esta importantíssima lição: recusar trabalhar não nos absolve da responsabilidade.Temos que contribuir com a nossa cota, e funcionar segundo a intenção divina.


17-20. Observamos, no V. 17, que se os membros adotarem esta atitude, seria como se fossem eliminados do corpo. Visto que nenhum membro tem o monopólio de função, nem pode adquirir as funções do outro, o corpo deixaria de ser um organismo complexo com uma variedade de funções, e se tomaria um corpo de um órgão só, que não poderia mais funcionar, segundo o plano. O v. 18 nos leva, em pensamento, dos membros para o Criador do corpo; a colocação dos membros foi conforme a sabedoria de Deus; cada um sendo perfeitamente adaptado e apropriadamente colocado para a sua distinta e única função. Portanto, se algum membro está insatisfeito com o seu dom, sua contenda não é com os outros membros mais dotados do que ele, mas com Deus que tem ordenado tudo segundo o Seu prazer. Se todos fossem um só membro, então não seria mais corpo, mas sim, uma monstruosidade. Isto certamente condenou as divisões em Corinto; eram contrárias à verdade do corpo.Também condena o princípio de clericalismo; isto é, um homem tomando para si uma variedade de funções. Expõe igualmente a loucura de um irmão apropriar para si as mais destacadas responsabilidades.Se o V. 14 salienta a multiplicidade e diversidade dos membros, então o v. 20 indica a diversidade em unidade. Variedade é essencial para a unidade.


21-22. Devemos observar que a analogia do corpo físico é usada nesta passagem toda, e as lições são baseadas na aplicação do V. 27. Antes de considerarmos o ensino, observamos que a "cabeça", aqui, é um membro comum do corpo; não representa o Senhor. O corpo, aqui, é apresentado de um ponto de vista diferente daquele que se apresenta em Efésios ou Colossenses; lá Cristo é contemplado como a Cabeça do Corpo; aqui, Cristo difunde a Sua vida pelo corpo. Como temos observado, o corpo, aqui, é um organismo, e não uma organização. Uma organização requer somente regras e regulamentos para operar, mas um organismo requer vida, que é a vida de Cristo.O perigo que estes versículos mostram é o desenvolvimento de uma atitude de superioridade e independência. Existe a tendência entre os que são mais dotados, de pensar que podem dispensar com os menos dotados. Isto é uma falácia, pois se o olho vê um objeto e deseja obtê-la, ele não pode fazê-la sozinho, mas depende da mão para ajudá-la. Também, se a cabeça deseja ir para outro lugar, depende inteiramente dos pés para realizar esta operação. Portanto, todo membro é necessário, e devemos aprender a apreciar os outros, especialmente aqueles que são muito menos importantes aos nosso olhos. Isto leva Paulo a referir-se aos órgãos que parecem ser mais fracos (v. 22). Agora ele está tratando da necessidade relativa dos vários membros, para a vida do corpo. O corpo poderia existir sem os membros maiores, como braços e pernas, mas não poderia existir sem os membros menores, intestinos ou glândulas. Uma igreja local continua a funcionar quando irmãos estão ausentes, exercendo seus dons (pregando, por exemplo) em outro lugar. Aqueles que frequentemente são considerados de somenos importância estão mantendo o testemunho da igreja local em andamento, demonstrando que são necessários, e mostrando quão valiosa é a sua contribuição.No seu próprio lugar são essenciais.


23-24a. Estes versículos tratam do revestimento do corpo. Aqueles membros do corpo que não devem ser vistos não são expostos à vergonha e ridículo, mas são vestidos com cuidado. "A esses honramos muito mais", quer dizer revestir de modo adequado. Nossos membros "menos honrosos" são os que nunca devem ser vistos em público. Estes nós vestimos com muito cuidado. Por outro lado, nossos membros "mais honestos" (ou "nobres" ARA), aquelas partes do corpo, como mãos e rosto, que podem ser vistos publicamente, não têm necessidade de roupa. Assim, adequadamente vestidos, aparecemos apresentáveis e atraentes. Vamos aplicar isto agora à igreja local. Quando os membros que podem ser vistos, publicamente, estiverem funcionando, desempenhando as responsabilidades de pregação, etc., e os membros que não são capacitados desta maneira estiverem realizando a sua obra, discretamente e fora da atenção do público, então a aparência inteira da igreja local será de ordem piedosa e beleza espiritual.


24b. Foi a sabedoria e habilidade criativa de Deus que planejou o corpo com seu equilíbrio delicado; aquele instinto (v. 23), que dá mais honra aos membros que em si não são atraentes, provém de Deus.


25-26. A maneira pela qual Deus planejou o corpo foi calculada a fim de produzir harmonia e não divisão, cuidado e não indiferença."Igual cuidado" indica que não há nenhuma parcialidade entre os membros; cada um tem a mesma preocupação, a mesma profundidade de cuidado, com o bem-estar de todos. Semelhantemente, não devemos ter predisposição em favor de alguns amigos especiais e somente mostrar este cuidado para com eles. Este cuidado se manifestará em nossa atitude perante os sofrimentos e honras de todos os membros. Todos nós temos experimentado, em nossos próprios corpos, o que significa quando todos os membros sofrem juntos com um membro ferido. Também, quando a mão executa uma obra de arte, a pessoa é quem recebe o louvor, tanto quanto a mão. É assim que deve acontecer conosco. Deve haver um forte sentimento de simpatia uns para com os outros, quando um ou outro dos membros está passando por tempos de dificuldade. A nossa comunhão deve ser caracterizada por carinho e por compartilhar. Do mesmo modo, quando um membro é honrado, e seu dom está se tomando mais aparente e útil, não sejamos invejosos, especialmente se ele é mais novo, mas vamos alegrar-nos por Deus ter assim honrado a ele e à congregação.


27. Agora chagamos à aplicação e desafio da passagem. Observe a ausência do artigo; deve ser traduzido: "vós sais corpo de Cristo" (VR), e não "o corpo"; mas também não é "um corpo", pois Cristo não tem uma multiplicidade de corpos. A ideia principal com respeito ao corpo é a de manifestação; veja I Tim. 3: 16. A ideia secundária na figura, para completá-la, é de unidade em diversidade.O termo "corpo de Cristo" quer dizer que a igreja local é a manifestação de Cristo para a comunidade. Esta é a sua responsabilidade principal. Isto quer dizer que cada membro deve estar vivendo Cristo na sua vida. A igreja local não tem a responsabilidade de representar qualquer denominação, mas sim, representar a Cristo. Ela é qualitativa e caracteristicamente o corpo de Cristo. É Cristo vivendo através do Seu povo, numa determinada localidade. Isto se expressa quando os diversos membros cooperam juntamente em unidade - sem nenhuma divisão, todos dedicados aos interesses do Senhor, e aos interesses uns dos outros. Como tudo isso deve ter tocado as consciências dos coríntios. Em última análise, todos nós somos responsáveis pelo tipo de igreja que mantemos.


A Colocação dos Dons (vs.28-31)


"E a uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas.Porventura são todos apóstolos? são todos profetas? são todos doutores? são todos operadores de milagres? Têm todos o dom de curar? falam todos diversas línguas? interpretam todos?Portanto, procurai com zelo os melhores dons; e eu vos mostrarei um caminho ainda mais excelente."
Devemos reconhecer a soberania de Deus na expressão "pôs Deus", que também foi usada no v. 18. Nos vs. 29-30, Sua sabedoria em selecionar cada dom é enfatizada e confirmada, através de uma série de perguntas, das quais cada uma exige a resposta óbvia: "Não". Há três listas neste capítulo: a primeira nos vs. 8-10; a segunda no v. 28; e a terceira nos vs. 29-30. A segunda lista repete somente quatro dos nove dons da primeira lista, omitindo cinco e acrescentando quatro. A terceira lista não acrescenta nenhum outro dom, omitindo quatro da primeira lista, e dois da segunda. Podemos apresentar isto da seguinte maneira:

  1. Lista 1 - Profecia, Milagres, Dons de Cura, Línguas, Interpretação de Linguas, Palavra de Sabedoria, Palavra de Ciência, Fé, Discernimento dos espíritos.
  2. Lista 2 - Apóstolos, Profetas, Doutores, Milagres, Dons de Curar, Socorro, Governo, Línguas.
  3. Lista 3 - Apóstolos, Profetas, Doutores, Milagres, Dons de Curar, Línguas, Interpretação de Línguas.


Ao todo, treze dons são mencionados. Levando em consideração Rom. 12 e Ef. 4, há um total de, aproximadamente, vinte dons.


28. Paulo começa citando os dons segundo a sua ordem e valor, mencionando as pessoas nos primeiros três, e depois mencionando somente os dons. Devemos notar como o dom de línguas está em último lugar na Lista 2, e no final das Listas 1 e 3, junto com a interpretação de línguas. O fato de ser o menor e último é surpreendente, quando vemos a inundação de literatura sobre este dom, e a importância que ele tem em certos grupos. Agora vamos examinar a lista.Apóstolos: sem dúvida isto se refere aos Doze (com Matias tomando o lugar de Judas) e Paulo. Estes estavam em primeiro lugar com respeito a tempo, sua distinção sendo baseada no chamamento divino (veja 1:1), suplementado, no caso de Paulo, pelo fato dele ter visto o Senhor ressurrecto (9: 1; 15:8), e no caso dos Doze, pelo fato de terem acompanhado o Senhor, e sido testemunhas da Sua ressurreição (Atos 1:21-22). Não existem apóstolos hoje, pois não existe ninguém que pode cumprir estas condições. Convém enfatizar que o dom de apóstolo foi fundamental e incluiu a comunicação da revelação recebida de Deus. Neste ensino exerceram autoridade divina.Profetas: estes falavam por revelação direta, recebida de Deus no poder do Espírito de Deus, o qual era um dom essencial antes que o cânon das Escrituras fosse completo. Quanto à prioridade e distinção, estão ligados com os apóstolos. Outra vez, convém enfatizar que este dom não pode existir hoje.Doutores: estes homens foram especialmente dotados para expor, aos novos convertidos, os fundamentos doutrinários da nova fé, juntamente com suas consequências práticas.Milagres, Dons de Curar: veja e explanação destes dons no comentário sobre os vs. 8-10.Socorros: este dom parece abranger toda a ajuda liberal e prática que pode ser prestada quando uma necessidade for percebida.Paulo falou da necessidade de "auxiliar os enfermos" (Atos 20:35), e instruiu os cristãos: "que ... consoleis os de pouco ânimo, sustenteis os fracos" (I Tess. 5:14). Inclui ajudar os pobres e necessitados, à medida do possível, talvez providenciando concertos e a pintura de suas casas, bem como ajuda financeira e provisão de coisas materiais. Este dom abrange muitas coisas. Alguns ligam-no com o serviço geral dos diáconos. Este poderia ser chamado, corretamente, de o mais numeroso dos dons.Governos: a palavra parece se referir ao trabalho de um piloto ou timoneiro. O dom trata daqueles que têm a capacidade, dada por Deus, de guiar a igreja local através de tempos difíceis e situações cheias de perigo. Enquanto presbíteros não sejam mencionados nesta epístola, a palavra parece incluir os requerimentos administrativos deste grupo - homens dedicados para trabalhar em favor da unidade, saúde, prosperidade espiritual e bem-estar da igreja local.Diversidades de Línguas: temos falado sobre este dom no comentário sobre os vs. 8-10. Observe como "apóstolos" tem o primeiro lugar na lista, e "línguas" o último. Parece que a ordem dos dons havia sido invertida pelos coríntios.


29-30. Todas as sete perguntas exigem uma resposta negativa.Alguns sustentam que a evidência de ter sido batizado pelo Espírito é a capacidade de falar em línguas. Observe que o V. 13 afirma que todos foram batizados no Espírito, mas o V. 30 indica que nem todos falavam em línguas.


31. Por causa da ênfase dada à soberania de Deus na distribuição dos dons, e o fato deles serem ligados à atividade coletiva da igreja local, é possível que "procurai com zelo" seja um apelo a todos para desejarem intensamente que Deus levante homens que possuam os melhores, maiores, e mais úteis dons para a edificação da igreja. Porém, entender esta exortação como "procurai com zelo para vós mesmos" levaria a um resultado semelhante. Se todos desejarem (no sentido espiritual) um dom maior, como, por exemplo, o de profecia (14: 1), para o bem de todos, estarão livres da tendência de enaltecer os dons menores, mas mais espetaculares, como, por exemplo, o dom de línguas. Paulo então lhes apresenta o caminho sobremodo excelente. Não é que o amor seja mais excelente do que os dons, nem preferível aos dons, mas sim, que a motivação suprema para procurar e usar tais dons é o amor. Isto conduz à manifestação do Espírito, antecipada no v. 7.


Agora vamos apresentar as principais lições deste importantíssimo capítulo:
a) Observe a ênfase ao Senhorio de Cristo, no início deste capítulo.Sua autoridade como Senhor é suprema e reconhecida pelos cristãos, individualmente e na igreja local. É somente o poder do Espírito de Deus que pode nos capacitar a reconhecer e confessá-la.
b) Ao considerarmos as três listas de dons, vamos notar a riqueza do Doador, a plena provisão dos dons, e a responsabilidade daqueles que são dotados a exercer os mesmos, para o bem de todos.
c) Vamos ponderar profundamente na singular verdade do Corpo como revelada no NT, e na maravilha da graça que nos colocou nele.
d) Devemos compreender o princípio que forma a base da verdade do Corpo para ser praticado na igreja local, a saber, o de unidade em diversidade. Os membros são tão diversificados, mas demonstram tanta unidade orgânica.
e) Devemos reconhecer que cada membro da igreja local possui um dom, o qual deve ser usado para o bem de todos; não se pode retirar, nem dispensar de nenhum, como se não tivesse importância ou valor.
f) Vamos entender claramente que cada igreja local existe com a finalidade de testemunhar de Cristo à comunidade, e manifestar a Sua vida.
g) O reconhecimento da soberania divina e da sabedoria e riqueza do Doador divino deve humilhar-nos profundamente; se somos possuidores de, pelo menos, um destes dons, já nos tomamos objetos da escolha divina para abençoar os outros.


Jack Hunter

Extraído do Comentário Ritchie

Editora Edições Cristãs

8. A Supremacia do Amor - (1 Coríntios 13:1-13)


"Ainda que eu falasse as Línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse caridade, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse caridade, mada seria.

E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse caridade, nada disso me aproveitaria.

A caridade é sofredora, é benigna; a caridade não é invejosa; a caridade não trata com leviandade, não se ensoberbece, Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.

A caridade nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos; Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.

Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face: agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três, mas a maior destas é a caridade."



No capítulo 12 temos a doação dos dons, e sua relação uns aos outros. No capítulo 14 temos os dons em operação, mas aqui no capítulo 13 temos o ambiente em que eles devem operar. Em Corinto, parece que o amor estava tristemente em falta. Nenhum dom lhes faltava, mas faltava o elemento vital que é tão essencial ao funcionamento de tais dons. Como é agradável chegar a um capítulo como este depois de todas as carnalidades que temos considerado; é como um oásis no deserto. 


Considera-lo-emos da seguinte forma:
a) A Necessidade do Amor vs. 1-3;

b) As Qualidades do Amor vs. 4-7;

c) A Permanência do Amor vs. 8-13.


1. Ao apresentar a necessidade do amor no seu valor supremo, a ausência do qual somente produz um resultado negativo, Paulo se refere à esfera da Fala (v. 1), à esfera do Intelecto (v. 2), e à esfera de Devoção (v. 3). Neste versículo, ele imagina uma pessoa com a capacidade de falar línguas terrestres e celestes, "as línguas dos homens"sendo o comum, e "as línguas dos anjos" o extraordinário; porém, se exercitadas sem amor, tudo que se produz será somente barulho e um som vazio. Pouco, ou nada, sabemos a respeito da linguagem usada entre os anjos; somente sabemos que quando se comunicavam com os homens, usavam a língua que o ouvinte conhecia.Em Atos 26: 14, o Senhor ressurrecto falou ao apóstolo em Hebraico. A impressão geral aqui é de alguém falando muitas línguas com fluência e poder, e até atingindo uma eloquência sobrenatural; contudo, se o amor estiver ausente, não há nada de substância nem de valor duradouro. Que aqueles entre nós que passam muito do seu tempo pregando, possam aprender esta lição salutar: o amor pode proteger o uso do dom, e fazer com que ele seja um meio de bênção aos outros.


2. A pessoa vista aqui seria muito superior aos seus contemporâneos; seria considerada pelos outros como um gigante. 


Vamos notar as coisas mencionadas:
a) Profecia: Este dom foi notado em 12: 10, 28. A profecia vinha através de alguém que recebera uma mensagem de Deus, por revelação direta.
b) Mistérios: Alguns destes já foram mencionados na exposição de 4: 1. São segredos divinos que não foram revelados anteriormente, e que não podiam ser compreendidos, se Deus não os tivesse revelado.
c) Ciência: Este é o conhecimento, divinamente dado, para suprir a necessidade do momento. Veja 12:8.
d) Fé: Veja 12:9. Como já foi observado, esta não é a fé exercitada na conversão, nem na vida cotidiana. Refere-se à fé necessária para realizar milagres, até para transportar os montes.

Observe agora a repetição da expressão "e não tivesse amor".Sem esta qualidade a pessoa não é nada - é sem importância. Isto deve ter sido um tanto surpreendente aos coríntios, que davam muito importância à possessão de dons, mas que tinham muita falta do essencial. É muito difícil aprender esta lição. É tão difícil compreender como alguém tão dotado pode carecer de amor. Mas devemos aceitar este ensino com todo o seu peso e aplicação; é possível ser tão dotado, tão conhecedor, tão apreciado, tão aplaudido, mas ainda exercer esses dons sem amor; a pessoa que faz isto não é nada, e o ministério assim realizado é sem valor.


3. Agora chegamos aos atos que pensaríamos ser impossíveis de realizar sem amor. Temos dois atos de doação sacrificial. Que mais poderia alguém dar do que seus bens e a si próprio? Observe:"todos os meus bens" (ARA); isto abrange tudo, mas ainda falta o amor. Parece que, até certo ponto, Ananias e Safira foram culpados deste pecado.Em seguida, temos o sacrifício supremo, a entrega da vida em martírio. Passo a passo, Paulo nós leva a ver o lugar supremo que o amor deve ter em tudo que for feito em nome de Cristo. Nem mesmo o sacrifício da própria vida poderá ter proveito, ou reconhecimento, se for realizado sem amor. Sem dúvida, Paulo sentiu tudo isso ao escrever tais palavras, mas em Atos 21: 13 ele se declara "pronto ... ainda a morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus". Estêvão e Tiago são exemplos daqueles que voluntariamente pagaram o preço de devoção e lealdade ao Senhor, seu sacrifício sendo caracterizado pelo amor.


4. Nos vs, 4-7, as qualidades do amor são apresentadas em toda a sua beleza, perfeição, poder e valor inestimável. Podemos ver descrito, aqui, o caráter de Deus e a vida de Cristo. O Cristianismo abre para nós um mundo inteiramente novo de experiência, uma oportunidade singular para demonstrar, em nossas vidas, o caminho mais excelente. Outros têm analisado esta passagem de várias maneiras, que nos ajudam muito, considerando-a de diversos pontos de vista, mas nós vamos simplesmente tomar cada qualidade e apresentar o seu ensino. O amor pode ser muito positivo em ação, mas passivo em reação. Que o Senhor nos ensine muitas lições. 


Observe que o amor é personificado e tem em vista a maneira como o cristão deve viver.
a) Sofredor: O amor manifesta auto-domínio diante de provocação, demora a ofender-se e não deseja retaliar; recusa tomar vingança e não perde a calma apesar da conduta dos outros.Está pronto a deixar que o outro aproveite dele. Sendo tardio em irar-se e em mostrar ressentimento, o amor, quando injuriado, não injuria (I Ped. 2:23).
b) Benigno: Se sofredor é passivo, benigno é ativo. Disposto a fazer o bem, mesmo àqueles que se opõe ou nos causam dano; é sempre ajudador, amigável, compassivo.
c) Não é invejoso: Esta qualidade evita o desejo de ter aquilo que pertence ao outro. Não inveja o sucesso dos outros. A alma que ama está contente com o que tem, e se alegra com a prosperidade do outro. Sempre dá honra ao outro, e nunca diminuiria o louvor que lhe é devido. Inveja é mencionada em 3:3 como evidência de carnal idade, e é ilustrada em 12: 15-16.
d) Não trata com leviandade: Ou, "não se vangloria" (Versão Revisada). Não deseja ganhar popularidade com os outros, nem parecer superior. O amor não se gaba, nem é jactancioso, nem ostensivo, nem convencido. O amor não coloca-se a si mesmo em primeiro lugar, nem superestima o seu próprio dom ou sucesso.É caracterizado por abnegação. Os coríntios cometeram o erro de exultar e gloriar-se nos seus próprios dons, havendo perdido de vista o fato de serem apenas receptores.
e) Não se ensoberbece: O amor não se caracteriza por orgulho, arrogância nem amor-próprio, nem fica inchado com sua própria importância. Paulo se refere constantemente ao fato dos coríntios estarem inchados (4:6, 18, 19; 5:2; 8:1) e, no caso deles, isto se manifestou quando se gloriavam contra Paulo, e mostravam indiferença ao mal.
f) Não se porta com indecência: Esta frase anula toda a conduta mal-educada, rude, ou insultante. O amor nunca tem motivo de sentir vergonha por causa de sua conduta. É caracterizado por cortesia, tato, e consideração dos outros. Graça e simpatia são suas qualidades distintas. Não convém que um cristão seja grosseiro e bruto.
g) Não busca os seus interesses: O amor não se preocupa em promover seus próprios interesses ou estabelecer seus próprios direitos; não atenta para o que é propriamente seu, mas também para o que é dos outros (Fil, 2:4). Abnegação, o sacrifício de si mesmo em buscar os interesses dos outros, é a ocupação do amor. Isto teria impedido que os coríntios processassem uns aos outros. Egoísmo é a raiz dos males da sociedade, como também de muitos dos problemas que surgem na vida da igreja local.
h) Não se irrita: Isto é o contrário de ser melindroso, pois o amor não se ofende facilmente. Suporta menosprezo e insultos, e não se entrega à ira que produz amargura, nem fica amargurado por linguagem ofensiva, injúrias, ou prejuízo. Nunca fica exasperado, preferindo antes abençoar aqueles que se opõe (Rom. 12: 14).
i) Não suspeita mal: pode ser traduzido: "não toma nota do mal". O amor não faz "contabilidade" dos erros dos outros para depois cobrá-los. Não dá lugar para ressentimento ou rancor, nem tempo para represálias "com juros". Não registra o mal, nem procura vingança. Estando inteiramente livre de malícia, o amor está sempre pronto a perdoar e esquecer-se de qualquer ofensa contra si mesmo. Devemos estar prontos para esquecer; sem isto não há perdão sincero.
j) Não folga com a injustiça: O amor não tem prazer nos erros dos outros; não se deleita com a queda do outro, nem tem prazer malicioso em ouvir aquilo que é pejorativo. Rodeado por um mundo de injustiça, nós, que temos amor, somos um povo que defende o que é justo. Pertencemos à comunhão dos puros.
k) Folga com a verdade: É claro que "verdade" aqui está em contraste com injustiça. O amor não somente regozija-se com a verdade do Evangelho, como também com aquilo que é verdadeiro e justo em contraste com injustiça. Num mundo falso e perverso, aqueles que são caracterizados pelo amor sempre defendem e representam aquilo que é reto, justo, e honesto.Somos contra toda espécie de corrupção em toda camada da sociedade.
l) Tudo sofre: "Sofre" tem o sentido de suportar o vitupério associado com a defesa da verdade. O amor está sempre pronto a sofrer por causa da justiça, suportando insultos, ou, se necessário, prejuízo. Nunca reclama por causa dos muitos sofrimentos, mas aguenta as aflições, varonilmente e sem reclamar.
m) Tudo crê: Isto não quer dizer que o amor seja ingênuo, ou aceita como verdade tudo que se fala, mas sim, que está sempre pronto a imputar os melhores motivos, e crer o melhor acerca dos outros; está sempre pronto a interpretar da melhor forma, e atribuir os melhores motivos. Isto está em grande contraste com um mundo que sempre está pronto a acreditar o pior.
n) Tudo espera: A esperança é um dos elementos básicos de nossa fé, e deve banir o pessimismo. A esperança nunca aceita uma falha como final. O amor continua esperando, sem se importar com o tamanho do desapontamento. Esta atitude é inspirada no Deus da esperança (Rom. 15:13).
o) Tudo suporta: O amor é caracterizado por firmeza, apesar das circunstâncias. É o espírito que persevera e conquista e triunfa.É a perseverança, não de uma resignação passiva, mas de um glorioso triunfo e coragem.


Devemos notar os negativos, nos vs. 4-6: o que o amor não é, e no V. 7, o que o amor é. Observe também que Paulo vê todas estas qualidades existindo, não num mundo ideal ou numa igreja perfeita, mas em meio de pressão, oposição, angústia e desapontamento. O amor sempre triunfa, e suas qualidades resplandecem em graças radiantes, comprovando sua superioridade a tudo ao seu redor.


Os últimos versículos (vs. 8-13) tratam da permanência do amor; vamos dividi-los em três partes:
a) Em Parte e Perfeito vs. 8-10

b) Ilustrações da Revelação Progressiva vs. 10-12

c) A Preeminência do Amor V. 13

É importante observar que o V. 8 menciona apenas três dons, o V. 9 apenas dois, e que no V. 10, "o que é perfeito" está em contraste com os dois dons do V. 9. 

Devemos observar também que no V. 8 a ARC traduz a mesma palavra grega (katargeo) por duas palavras diferentes "serão aniquiladas" e "desaparecerá". Convém dizer também que nossa exposição destes versículos será diferente da interpretação de muitos eruditos e ensinadores cuja ajuda tem sido valiosa enquanto temos procurado expor esta epístola. Não devemos deixar esta diferença de opinião sobre a interpretação de "o que é perfeito" causar divisão. De acordo com o ensino dos versículos anteriores, amor e cortesia devem caracterizar nossa atitude para com aqueles que têm genuínas dificuldades em aceitar aquilo que será apresentado aqui. Convém dizer que a prova da cessação dos dons de sinal não depende da interpretação de I Coríntios 13, como Ef. 2:20 e Heb. 2:3-4 demonstram.


8. Este versículo diz que o amor nunca há de falhar, nunca deixará de ser ativo ou manifesto. Isto está em contraste com os três dons mencionados: profecias, línguas, e ciência. Vamos diferenciá-los novamente:
Profecias: proclamando a mensagem de Deus, recebida por revelação direta.
Línguas: o dom de falar um idioma que não é a língua materna daquele que fala.
Ciência: conhecimento dado diretamente por Deus para suprir uma determinada necessidade naquele tempo, até que as Escrituras fossem completas. É conhecimento recebido por revelação, e não conhecimento adquirido por estudo.
Ao comentarmos 12:8-10 acima, foi observado que a palavra heteros, que quer dizer "outro de espécie diferente", ocorre entre o segundo e terceiro dom, e entre o sétimo e oitavo, dividindo assim a lista em três grupos. Observe que aqui um dom é tomado de cada grupo para dar-nos os três dons mencionados acima: "profecias" do segundo grupo, "língua" do terceiro grupo, e "ciência" do primeiro grupo. O fato destes três não terem, como veremos, o propósito de ser permanentes, indica que os outros dons, nos três grupos, também cessariam.Agora precisamos notar como profecias e ciência "desaparecerão" (VB). Este verbo "desaparecer" é katargeo, e quer dizer tirar de serviço, tomar inativo, reduzir à inatividade, tornar sem efeito, abolir, anular. É uma palavra com um significado muito forte, e indica uma cessação completa, sem a possibilidade de revocação. A voz é passiva, indicando que foram abolidos por um poder fora de si mesmos; isto é, logicamente, pela mesma autoridade que os deu, a saber, o Espírito Santo (veja o capítulo 12). A cessação não foi temporária, mas sim permanente. Em contraste com estes, porém, vemos que línguas "cessarão". "Cessarão" (pausontai) está na voz média, indicando que cessariam espontaneamente, "ficarão quietas". Devemos notar esta declaração geral, pois não se repete. É declarada claramente, e deixada assim.Novamente, vemos que estes dons não eram permanentes, de sorte que tanto a profecia, que era para os cristãos, como as línguas, que eram para os descrentes (veja 14:22), e a ciência, que era comunicada a certas pessoas escolhidas, todos acabariam.


9. Como já foi dito anteriormente, os dons agora são apenas dois. A profecia, que compreende a recepção e proclamação da verdade revelada, e a ciência, que compreende a revelação da mente de Deus, são parciais, em contraste com aquilo que é completo. O versículo seguinte repete o que foi dito no v. 8, que estes dons "desaparecerão", e diz-nos quando isto aconteceria. Deve ter ficado claro que o assunto é revelação divina, e se relaciona com a terra e não com o céu.


10. "O que é perfeito" se refere à conclusão daquilo que mais tarde ficou reconhecido como o cânon das Escrituras. Quando o último livro do NT foi escrito, a revelação ficou completa. Não há necessidade de introduzir a idéia do céu. Afinal, não é necessário informar-nos que os dons cessarão ao chegarmos lá. Isto é óbvio demais. W. Hoste, em Bible Problems and Answers, pág. 332, comenta:"Não é necessário provar que estes dons serão supérfluos lá no céu. Se você encontrasse um amigo carregando uma lamparina através de uma rua suburbana escura, e lhe dissesse solenemente que, quando o sol nascesse, ele não precisaria mais da sua lamparina, ele pensaria que você só falava banalidades; mas se você lhe dissesse: 'Você não vai precisar mais desta lamparina quando a companhia elétrica terminar o seu projeto na localidade', isto seria compreensível e digno de atenção". Assim também, por que mencionar estes dois dons separadamente de todos os outros dons que , hão de cessar quando chegarmos ao céu? Estes dons são mencionados porque eram dons de revelação, através dos quais Deus revelou a Sua mente até que as Escrituras fossem completas. Escrevendo sobre as duas expressões, ek merous ("em parte") e teleion ("perfeito"), G. B. Weaver salienta o seguinte: "Logicamente to teleion tem que referir-se a algo completo ou perfeito na mesma esfera daquela a que se refere a expressão ek merous. Já que to ek merous se refere à transmissão da verdade divina através de revelação, o outro termo, teleion, deve se referir à revelação completa da verdade de Deus, o Novo Testamento inteiro (juntamente, é claro, com o livro que forma o seu fundamento, o Velho Testamento)".Mais uma coisa: se profecia e ciência continuam até a vinda do Senhor, então a Bíblia ainda está sendo escrita. Esta é a posição do movimento carismático. Os reformadores salvaram o cristianismo de erros extra-bíblicos com o clamor: "Sola Scriptura", que quer dizer:"Somente as Escrituras". Agora destes, e de outros, vem o clamor: "As Escrituras mais a nova revelação de Deus". Que Deus nos preserve.É importante notar que, se os dons mencionados como "em parte" continuam, então há uma contínua revelação divina. De fato, os carismáticos insistem numa contínua revelação contemporânea. J. Rodman Williams, no seu livro The Era of the Spirit, diz: "A Bíblia realmente tomou-se co-testemunha da presente atividade de Deus ...Hoje, se alguém tem talvez uma visão de Deus e de Cristo, é bom saber que isso já aconteceu antes ... Se alguém disser: 'Assim diz o Senhor', e se atreve a dirigir-se à congregação usando a primeira pessoa - indo até além das palavras das Escrituras - é isso que aconteceu na antigüidade ... O Espírito, como o Deus vivo, move através e além dos registros do testemunho passado, por mais valiosos que sejam tais registros, como um modelo para o que acontece hoje ... Na profecia Deus fala ... De fato a fala pode ser até rude e gramaticamente incorreta; pode ser uma mistura de linguagem antiga e moderna: pode gaguejar ou fluir - realmente isto não tem importância ... A maioria de nós, é claro, estamos familiarizados com discursos proféticos como os que são registrados na Bíblia, e prontos para aceitá-los como a palavra de Deus. Estávamos acostumados com o 'assim diz o Senhor' de Isaías ou Jeremias, mas ouvir um João ou uma Maria hoje, no século vinte, falar do mesmo jeito ... ! Muitos de nós havíamos convencido a nós mesmos que profecias tinham terminado com a chegada do Novo Testamento (apesar de toda a evidência neo-testamentária que diz o contrário), até que, de repente, através do impulso dinâmico do Espírito Santo, a profecia reviveu. Agora gostaríamos de saber como pudemos ter interpretado maio Novo Testamento durante tanto tempo!" Esta citação, enquanto surpreendente, apresenta plenamente o ponto de vista do movimento carismático.


Observe certas coisas nessa declaração:
a) A afirmação de que a Bíblia é co-testemunha com a presente revelação em profecia.
b) Diz-se que é possível alguém apresentar o que tem a dizer, hoje, como sendo uma revelação nova, usando a expressão: "Assim diz o Senhor".
c) O autor insiste que é permissível usar a primeira pessoa. Isto significa que se pode dizer: "Eu, porém, vos digo", e ir além das Escrituras, acrescentando alguma coisa à revelação já existente.
d) Ele diz que o Espírito vai além dos registros de testemunhas passadas, isto é, além dos testemunhos do VT e do NT.
e) Ele considera que qualquer João ou Maria, hoje, podem profetizar com autoridade igual à de Isaías, Jeremias, Pedro e Paulo.


Fica perfeitamente claro que, uma vez que aceitamos a ideia de que o que é "em parte" ainda continua, a evidência da autoridade final das Escrituras fica enfraquecida, e qualquer João ou Maria pode dizer ter revelação divina com autoridade igual à do VT e NT.Que sejamos avisados, e que falemos, constantemente, do perigo de tal ensino; todas as suas implicações são realmente assustadoras.


11. Aqui e no V. 12 temos duas ilustrações. A primeira trata do crescimento da infância à maturidade, do parcial ao completo, não do imperfeito ao perfeito. Levou tempo, e foi progressivo, à medida que as Escrituras chegavam à conclusão. Maturidade é o fim do processo natural; aqui, o resultado é a Escritura completa. 

Outras Escrituras confirmam o uso da palavra "menino" como referindo-se a um estado imaturo. Heb. 5: 11-14, fala de cristãos hebreus que haviam deixado de progredir e estavam inclinados a apegar-se à Lei. O escritor repreende-os e deseja que sejam homens maduros.Em vez de serem negligentes para ouvir (v. 11), na fase de alunos (v. 12), alimentados com mamadeira (v. 13), deveriam progredir para se tomarem mestres, alimentando-se de alimento sólido, e sendo caracterizados por percepção espiritual e discernimento. 

Em I Cor. 3: 1-3 ele expõe aos coríntios a sua condição pouco desenvolvida.

Ainda eram meninos, com o crescimento interrompido, atrasados quanto ao desenvolvimento, não espirituais. Em Ef. 4: 13-15, o apóstolo almeja ver os santos em Éfeso deixarem de ser meninos (para que não sejam expostos à exploração dos falsos mestres) e chegarem à maturidade. Assim também, aqui, o desenvolvimento de "menino" para "homem" se apresenta para demonstrar a revelação de Deus avançando até a conclusão.


12. Temos agora a segunda ilustração da mesma verdade do V. 11.Não tem nada a ver com o céu, embora possamos aplicá-Ia desta maneira. O espelho é aquela parte da palavra de Deus que tinha sido revelada até o tempo quando o apóstolo escreveu. O único outro uso da palavra é em Tiago 1:23, onde também significa a palavra de Deus. "Em enigma" significa uma coisa complicada, que precisa de mais esclarecimento; algo precisa ser acrescentado para explicar o seu significado. Corresponde, perfeitamente, com a ideia do estado parcial da revelação no tempo quando estes dons estavam operando, esperando a revelação plena da Bíblia completa. "Face a face" é a plena e clara revelação das Escrituras. Vamos deixar a palavra de Deus confirmar esta interpretação. Em Núm. 12, Deus defende Moisés dizendo que com os outros a revelação foi através de uma visão ou sonho (correspondendo ao parcial), mas que com Moisés foi "boca a boca" (correspondendo a "face a face"). É muito interessante observar a semelhança entre as expressões em Núm. 12 e nesta passagem.Muitos se opõe a esta interpretação, dizendo que estamos afirmando ter um conhecimento maior do que o conhecimento de Paulo. Mas não é assim. Os apóstolos tinham todo o conhecimento que era necessário para aquele tempo. "Conheço em parte" volta aos vs. 9-10. Paulo estava cônscio da revelação parcial, e estava profundamente cônscio que Deus estava constantemente revelando verdades novas. Conhecimento mais completo é a revelação progressiva das Escrituras. Não há nenhuma questão do conhecimento dele, ou nosso, chegar a ser igual ao conhecimento de Deus. "Então conhecerei" significa chegar à revelação final de Deus, como revelado nas Escrituras, cônscio de que Deus sempre nos conheceu perfeitamente.


13. "Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor", quando todos os dons tiverem desaparecido. A expressão "Agora, pois" (nunide), é temporal e lógica. Paulo está contrastando a natureza temporária dos dons mencionados no v. 9 com a permanência da fé, esperança e amor. Estes são três dos elementos essenciais do cristianismo.Então, ele afirma que o maior destes é o amor. A fé permanece na excelência de sua função, e a esperança na clareza de sua visão, mas o amor excede a todos, no seu valor superlativo. Não é que o amor excede à fé e à esperança em duração, mas sim, que as excede em importância, agora, como a verdadeira essência do cristianismo, pois "o amor é de Deus" (I João 4:7) e "Deus é amor" (I João 4:8). A questão de alguma ou todas estas graças continuarem na eternidade não aparece neste versículo.


Vamos agora ajuntar algumas das lições apresentadas neste capítulo:
a) A excelência do amor em todo o seu inestimável valor e necessidade, e a terrível perspectiva da sua ausência.
b) A futilidade de oratória (v. 1), de amplo conhecimento (v. 2), e de ofertas sacrificiais (v. 3), se não houver amor.
c) A riqueza das variadas excelências do amor, cuja presença tanto enriquecerá as nossas vidas.
d) As excelentes qualidades do amor nos seus valores positivos e negativos.
e) As afirmações positivas acerca do amor excluem as funções negativas, e as afirmações negativas garantem a presença das funções positivas.
f) Observe que, em contraste com a permanência do amor (v. 8), certos dons cessarão, serão retirados, tendo realizado aquilo para o que existiram.
g) Note a importância do tempo na revelação progressiva de Deus, quando as Escrituras foram completadas. Este foi um marco importante (Quando os dons de sinal cessaram. N do R).


Jack Hunter

Extraído do Comentário Ritchie

Editora Edições Cristãs

9. A Superioridade da Profecia - (Coríntios 14:1-25)


"Segui a amor, e procurai com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de profetizar. Porque o que fala língua estranha não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende, e em espírito fala de mistérios. Mas o que profetiza fala aos homens para edificação, exortação e consolação.

O que fala língua estranha edifica-se a si mesmo, mas o que profetiza edifica a igreja.E eu quero que todos vós faleis línguas estranhas, mas muito mais que profetizeis, porque o que profetiza é maior do que o que fala línguas estranhas, a não ser que também interprete para que a igreja receba edificação.

E agora, irmãos, se eu for ter convosco falando línguas estranhas, que vos aproveitaria, se vos não falasse ou por meio da revelação, ou da ciência, ou da profecia, ou da doutrina? Da mesma sorte, se as coisas inanimadas, que fazem som, seja flauta, seja cítara, não formarem sons distintos, como se conhecerá o que se toca com a flauta ou com a cítara? Porque, se a trombeta der sonido incerto, quem se preparará para a batalha? Assim também vós, se com a língua não pronunciardes palavras bem inteligíveis, como se entenderá o que se diz? porque estareis como que falando ao ar.

Há, por exemplo, tanta espécie de vozes no mundo, e nenhuma delas é sem significação.

Mas, se eu ignorar o sentido da voz, serei bárbaro para aquele a quem falo, e o que fala será bárbaro para mim.Assim também vós, como desejais dons espirituais, procurai abundar neles, para edificação da igreja. Pelo que, o que fala língua estranha, ore para que a possa interpretar.

Porque, se eu orar em língua estranha, o meu espírito ora bem, mas o meu entendimento fica sem fruto. Que farei pois? 

Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento.Doutra maneira, se tu bendisseres com o espírito, como dirá o que ocupa o lugar de indouto, o Amém, sobre atua ação de graças, visto que não sabe o que dizes?Porque realmente tu dás bem as graças, mas o outro não é edificado.Dou graças ao meu Deus, porque falo mais línguas do que vós todos.

Todavia, eu antes quero falar na igreja cinco palavras na minha própria inteligência, para que possa também instruir os outros, do que dez mil palavras em língua desconhecida.Irmãos, não sejais meninos no entendimento, mas sede meninos na malícia, e, adultos no entendimento.

Está escrito na lei: Por gente doutras línguas, e por outros lábios, falarei a este povo; e ainda assim me não ouvirão, diz o Senhor.De sorte que as línguas são um sinal, não para os fiéis, mas para os infiéis; e a profecia não é sinal para os infiéis, mas para os fiéis.

Se, pois toda a igreja se congregar num lugar, e todos falarem línguas estranhas, e entrarem indoutos ou infiéis, não dirão porventura que estais loucos?Mas, se todos profetizarem, e algum indouto ou infiel entrar, de todos é convencido, de todos é julgado.Os segredos do seu coração ficarão manifestos, e assim, lançando-se sobre o seu rosto, adorará a Deus, publicando que Deus está verdadeiramente entre vós."


Nesta seção (vs, 1-25), Paulo está mostrando o contraste entre línguas e profecia, e estabelece claramente que o dom de profecia deve ser preferido e procurado, pois é mais produtivo. Havendo colocado o dom de línguas em último lugar nas listas dos dons (12:28-30), e mostrado o prejuízo que pode causar se não for interpretado, agora, nas palavras de H. Chadwick, ele "vai dar uma ducha de água gelada sobre toda esta prática". 

É extremamente estranho que os pentecostais e carismáticos não têm percebido isto, e ainda elevam este dom a um lugar de supremacia nos seus pensamentos e conduta. (Fica claro que o que dizem ser o dom, isto é, falar em êxtase, fazendo sons que mais parecem o barulho dos animais de uma fazenda (como J. M. Davies o descreve), sem qualquer vocabulário distinto, sem características gramaticais, e com poucos sons vocálicos, não tem nada a ver com o dom dos dias primitivos.)

Também convém afirmar que o dom de profecia era um dom fundamental (Ef. 2:20); um irmão falava por revelação direta, o que não acontece hoje. Alguns tentam ensinar-nos que este dom é permanente, e o comparam com a pregação, ensino expositivo, ou com uma palavra do Senhor, inspirada pelo Seu Espírito. Isto não pode ser sustentado pelas Escrituras. Hoje, falamos através das Escrituras já completas; não existe revelação direta. 


Vamos dividir esta seção em três partes:
a) O Teste quanto a Edificação vs. 1-5

b) O Teste quanto a Inteligibilidade vs. 6-12

c) O Teste quanto ao Proveito vs. 13-25


1-2. Nestes versículos, o apóstolo os exorta a procurar, ardentemente, o amor com todas as suas excelentes virtudes, e juntamente com isto desejar dons espirituais, mas especialmente o de profetizar.Em seguida, ele começa a contrastar línguas e profecia, e apresenta as suas razões pela escolha de profecia como o dom superior. O dom de línguas era somente para com Deus (quando não houvesse interpretação), mas o dom de profecia era para a edificação da igreja, era dirigida ao homem. 

No V. 2, ele destaca que alguém falando em língua estrangeira não é entendido pelos ouvintes, somente Deus o entende. A razão por não ser entendido não se encontra no conteúdo da mensagem, mas no meio de comunicação da mensagem; ele usava uma língua que ninguém entendia, pois não há nenhuma menção de um intérprete. Ele poderia estar expressando mistérios, isto é, verdades que antes não foram reveladas, e que agora estavam sendo reveladas por Deus, mas ninguém o entenderia. 

Observe que esta pessoa falava com Deus, sugerindo uma fala coerente e não sons ininteligíveis. Ele entendia o que estava falando. Isto é muito importante, e dá apoio àquilo que vamos falar mais tarde sobre inteligibilidade. Os carismáticos, e outros, geralmente supõem que aquele que falava não entendia oque dizia.


3-4. Em contraste com o que dissemos acima, Paulo mostra, agora, que o profeta fala "aos homens" (compare com "a Deus", no v. 2) para edificação, exortação e consolação. Edificar significa informar a mente e fortalecer a alma; tanto ilumina quanto capacita.Exortar quer dizer encorajar, animar, estimular, incentivar para mais esforço e devoção. Consolar quer dizer ajudar, socorrer, apoiar em meio às tempestades da vida, chegar ao lado e falar palavras de conforto e ternura, trazer uma palavra para elevar o espírito e encorajar a alma. Este deve ser o resultado de todo o ministério público. Paulo indica, no v. 4, que aquele que falava em línguas edificava-se a si mesmo. 

Isto quer dizer que ele entendia o que falava.Aquilo que não pode ser entendido não pode edificar.

Observe que o profeta edificava a igreja. O grau de edificação resultante do uso de cada dom está no fato de que aquele que falava em línguas edificava uma só pessoa, a si mesmo, enquanto que o profeta edificava a muitos, a igreja inteira. Permita-me salientar, mais uma vez, que aquele que falava em línguas tinha que entender o que falava para ser edificado. Se pudesse ser edificado sem entender, a igreja toda poderia ser edificada do mesmo modo. Havia um certo egoísmo no exercício de um dom que somente edificava aquele que falava, e o amor "não busca os seus interesses" (13:5). 

Neste uso egoísta dos dons é que estava o abuso. Não tendo ninguém que entendesse a sua língua, ele poderia ter edificado a todos usando a sua língua materna.

5. Paulo se apressa a lhes assegurar que ele não queria que deixassem de usar o dom de línguas. Ficaria feliz se todos possuíssem este dom, mas preferiria que profetizassem. A profecia era superior, porque o proveito da igreja era maior. Uma maneira de compensar a limitação das línguas era para aqueles que falavam línguas ter a capacidade de interpretá-las. Isto indica que uma só pessoa poderia possuir ambos os dons. 

O v. 13 supõe a mesma situação, enquanto que o v. 28 mostra a possibilidade daquele que falava em línguas não possuir o dom de interpretação. Se a mensagem fosse interpretada, ela então assumiria o caráter de profecia, e a igreja era edificada.O fato da interpretação edificar a igreja indica que a mensagem era importante e proveitosa, e não meramente um amontoado de sons.

Os vs. 6-12 salientam a importância de comunicação inteligente e distinta para garantir a compreensão. 

Isto se vê ao notarmos certas expressões usadas nesta passagem: 

"que vos aproveitaria?" (v. 6); 

"como se conhecerá?" (v. 7); 

"quem se preparará?" (v. 8); 

"como se entenderá?" (v. 9); 

"nenhuma delas é sem significação" (v. 10); 

"se eu ignorar o sentido" (v. 11). 

Inteligibilidade é o que se espera daquele que fala (v. 6); 

de instrumentos musicais (vs. 7-9); 

de línguas (vs. 10-11); 

depois, segue-se a exortação (v. 12).

6. Aqui, o apóstolo contrasta a inutilidade do dom de línguas com o grande proveito de revelação, conhecimento, profecia, ou doutrina.Novamente, o contraste está entre falar em outras línguas e falar na sua própria língua. 

De acordo com o v. 30, revelação e profecia estão ligadas; a primeira é interior e a segunda é a expressão externa.O profeta tem que ter uma revelação. Da mesma forma, conhecimento e ensino (doutrina) estão ligados, pois o primeiro é necessário para o segundo. Mas a questão de suma importância é: "que vos aproveitaria?" Este é o alvo de todo o falar.

7-9. Três instrumentos são mencionados para esclarecer a necessidade de distinção nos sons: a flauta, a cítara, e a trombeta. 

O v. 7 indica que estes dois instrumentos (flauta e cítara) eram bem-conhecidos; a flauta representa os instrumentos de sopro, e a cítara instrumentos de corda. Mas estes, a fim de apresentarem um som distinto, estavam sujeitos às leis de som, ritmo e tom, para poderem produzir um som claro, ou uma melodia, que todos pudessem apreciar. Paulo está enfatizando que sem interpretação, as línguas são sons ininteligíveis, sem proveito aos ouvintes. No caso da trombeta, a clareza do som era vital, no exército; se não fosse, tudo seria confuso (veja Núm. 10:1-10). 

Agora, o V. 9 aplica estes princípios ao ato de falar na igreja local. A "língua", aqui, é a língua humana.Sua ligação com inteligibilidade é clara. Um discurso deve ser caracterizado por simplicidade, clareza, e linguagem que pode ser entendida.Se as palavras que se falam não são inteligíveis, seria o mesmo que falar "ao ar"; seriam palavras que nunca alcançariam as mentes e corações dos ouvintes; seria como se não houvesse ouvintes.Que todos os irmãos que falam em público possam aprender esta importante lição.


10-11. A terceira ilustração é a existência de muitas línguas no mundo; cada uma tem suas próprias qualidades. Não existe língua sem palavras distintas. No v. 11, Paulo imagina alguém falando numa língua estrangeira - para ele é só uma voz. 

Tudo é incompreensível à sua mente. O "bárbaro" seria um estrangeiro que não falava grego. É claro que, para o bárbaro, a língua grega era igualmente ininteligível. Qualquer um que viaja ao exterior já teve esta experiência. 

Quando alguém falava em línguas, levantava uma barreira, impossibilitando a comunhão. "Sentido", aqui, é literalmente "poder". O poder da fala se encontra na sua inteligibilidade.


12. Paulo agora os exorta, lembrando-lhes do seu zelo em procurar dons espirituais. A palavra "espiritual", aqui, é diferente daquela em 12:1 e 14:1. J. N. Darby a traduz "espírito"; mas o sentido parece ser dons ou manifestações espirituais. 

Ele exorta-os a direcionar o seu zelo na edificação da igreja. Edificar os outros era a coisa mais importante. Paulo volta constantemente a este tema supremo pois, em comparação, tudo toma um lugar secundário.
Os próximos treze versículos (vs. 13-25) destacam o que é proveitoso.É extremamente importante observar que nesta passagem o apóstolo está tratando do dom de línguas em operação, mas sem interpretação.Nenhuma interpretação foi necessária em Atos 2, porque os ouvintes podiam entender as línguas. A utilidade do dom dependia, inteiramente, da sua interpretação, quer seja por aquele que falava, quer seja por outro. 


Vamos considerar estes versículos sob três aspectos:
a) Do ponto de vista daquele que fala vs. 13-15;

b) Do ponto de vista da igreja vs. 16-19;

c) Do ponto de vista do visitante vs. 20-25.


13. Paulo encoraja o irmão que tem o dom de línguas a orar pelo dom de interpretação. O exercício do dom sozinho era muito limitado quanto ao seu valor, e de nenhum proveito aos ouvintes.Exercer o dom de línguas era falar uma língua estrangeira, mas interpretar era traduzir a mensagem com explanação no vernáculo, na língua que todos entendiam. Esta é a premissa básica sobre a qual ele vai construir o seu argumento.


14. Agora ele exemplifica o que vai acontecer quando não há intérprete."Porque" estabelece a ligação; esta é a razão pela qual ele deve orar pela capacidade de interpretar. Se não há interpretação, o espírito ora, mas o entendimento fica infrutífero, significando que não há nenhum proveito para o ouvinte. "Se eu orar em língua estranha" é o exercício do dom; "o meu espírito ora", se refere ao seu próprio espírito sob a influência do Espírito de Deus. "Meu entendimento fica sem fruto" não significa que a sua mente não está envolvida, ou que fica de lado. Tal conclusão incrível é impossível, especialmente depois de toda a ênfase que se deu no versículo anterior à inteligibilidade. 

Paulo não diz que a mente não está envolvida; o que ele realmente diz é que o entendimento fica infrutífero - infrutífero, embora envolvido. Nenhum fruto se produz no ouvinte. 

O contexto dá apoio a esta interpretação: 

"procurai abundar neles, para edificação da igreja" (v. 12); 

"não sabe o que dizes" (v. 16); 

"o outro não é edificado" (v. 17). 

O propósito total do dom é alcançado quando o ouvinte ouve, e tira proveito, da interpretação.


15-16. Estes versículos consideram o dom de línguas usado em orar, cantar, e abençoar. (Observe que "bendisseres com o espírito" equivale a "ação de graças" no V. 16.) O V. 15 enfatiza que isso deve ser feito com o entendimento. Isso indica, claramente, que deve ser feito de tal maneira que outros possam tirar proveito, como demonstrado nos vs. 14, 16. Portanto, interpretação era necessário, senão o exercício do dom seria puramente egoísta; somente aquele que falava teria proveito. 

O V. 16 deixa isto claro. Algum irmão estaria dando graças numa língua estranha; haveria na congregação uma pessoa interessada, que não poderia acompanhar, nem expressar comunhão com a ação de graças (dizendo "Amem"), pois nada entenderia. Esta pessoa é chamada de "indouto" e, comparando o V. 16 com os vs, 23-24, indica claramente que seria um crente que ainda não estava na comunhão da igreja local. 

Parece ser uma pessoa interessada (veja nota abaixo). E possível que, havendo chegado à reunião e havendo ouvido o dom de línguas em operação, ficasse confuso e perturbado pelo fato de não poder acompanhar inteligentemente o irmão na sua ação de graças. É evidente que o uso de "Amem" nas reuniões era uma ocorrência comum. Seu uso em Neemias 8:6, indica que era também comum entre os filhos de Israel. 

Mesmo hoje em dia o seu uso significa que o crente concorda, e expressa a sua aprovação, como se fosse a sua própria oração.Observe o profundo interesse que o apóstolo manifesta no bem-estar espiritual do visitante. Embora ele, evidentemente, não estava em comunhão, não deveria ser ignorado, mesmo que, provavelmente, ocupasse esse lugar por causa da sua imaturidade. 

No V. 23, a mesma expressão "indouto" é usada, mas parece que se refere a um descrente, porque diz que o resultado de ouvir os profetas apreensível à sua mente. O "bárbaro" seria um estrangeiro que não falava grego. É claro que, para o bárbaro, a língua grega era igualmente ininteligível. 

Qualquer um que viaja ao exterior já teve esta experiência. Quando alguém falava em línguas, levantava uma barreira, impossibilitando a comunhão. "Sentido", aqui, é literalmente "poder". O poder da fala se encontra na sua inteligibilidade.


17. Mostrando o efeito do uso do dom de línguas sobre esta pessoa, Paulo manifesta a sua preocupação com a reação de um cristão "indouto" com o que acontece na igreja local. O ideal seria que esta pessoa ficasse profundamente impressionada com o que viu e ouviu. 

Mas a língua não interpretada seria uma barreira para ela, e ela não seria ajudada, de forma alguma. Não importa quão inteligente fosse a adoração, não teria valor algum se as pessoas não entendessem.Não haveria edificação para os outros. Isto indica que o crente pode ser edificado através de outras coisas, e não somente por ministério.


18-19. Parece que Paulo excedia a todos no exercício do dom de línguas (em particular, aparentemente). Tornando isto conhecido, ele mostra que não estava menosprezando o dom, nem tinha inveja deles, de modo algum. É realmente um toque magistral, e fortalece a sua posição para falar da óbvia exibição deste dom por eles.

Observe a expressão "em igreja" sem o artigo, no original; refere-se à igreja local reunida (veja 11:18 para uma expressão semelhante).Sempre pertencemos à igreja local, mas somente estamos "em assembleia" quando nos reunimos. 

Em seguida, ele afirma que preferiria falar cinco palavras e ser entendido, do que falar dez mil palavras numa língua estrangeira. Seria difícil imaginar um contraste mais forte, ou mais claro. Cinco palavras seria uma declaração curta e objetiva, na língua que todos conheciam. 

Assim, Paulo demonstra a superioridade de profecia sobre o dom de línguas.Parece que ele não usava o seu dom de línguas nas reuniões públicas.A sua finalidade em falar nas reuniões era para instruir os outros, ensiná-los, e edificá-los. Assim ele enfatiza a necessidade de inteligibilidade, clareza e proveito.

Nos VS. 20-25 há uma mudança no alvo do ministério. Até este ponto, Paulo estava demonstrando o prejuízo que poderia ser causado pelo uso do dom de línguas sem interpretação. 

Agora ele vai mostrar a falsidade do valor que os coríntios davam ao dom. Em vez de ser um sinal de bênção, era de fato sinal de juízo; em vez de ser para crentes, era primariamente para descrentes. 


Observe o que se destaca em cada versículo:
V. 20 A Imaturidade e a Maturidade;

V. 21 A Instrução das Escrituras;

V. 22 A Conclusão das Escrituras;

V. 23 0 Resultado de Falar em Línguas;

V. 24,25 0 Resultado de Profecia.


20. Aqui o apóstolo faz um apelo muito forte. Ele deseja que eles cresçam, deixem de ser crianças (paidion) nas suas mentes, e prossigam à maturidade. Em toda esta questão estavam se comportando como meninos. 

Estavam se alegrando, de uma maneira infantil, no dom espetacular de línguas, e usando-o para exibirem-se a si mesmos.Ele reconhece que devem ser bebês (nepiazo), não meninos, na malícia, mas devem ser maduros na mente, evidenciando assim inteligência no uso do dom. Malícia, como usada aqui, indica a atitude que haviam adotado e as más relações que resultavam disto; um crescimento para entendimento corrigiria esta situação. Este versículo estabelece o lugar vital que a mente ocupa na experiência cristã, em contraste com a ênfase unilateral aos dons espetaculares.Alguns pensam que era malicioso usar o dom para exibição vaidosa de si mesmos, em vez de para edificação.


21. Agora Paulo cita a lei. Este termo geralmente se refere ao Pentateuco, embora em João 10:34 se refira aos Salmos (Sal. 82:6); aqui, inclui os profetas, especificamente Is. 28: 11-12 (veja também Deut. 28:49; Jer. 5:15). 

Ele queria ensinar-lhes uma lição através do acontecimento mencionado na passagem. Refere-se a um tempo na história de Israel quando haviam virado as costas a Deus, deixando de ouvir os Seus profetas, e se caracterizavam por pecado e desobediência.Deus então informou-lhes do Seu juízo, através da invasão dos assírios. Por toda a parte ouviriam uma língua que não entenderiam.

Foi um sinal de juízo; mesmo assim continuariam no seu pecado e recusariam escutar. Observe, atentamente, o uso da palavra "línguas". Refere-se, sem dúvida, à língua dos assírios. 

No v. 22, "de sorte que" indica que Paulo tira a sua conclusão deste acontecimento do VT. Ele se refere ao dom de línguas pela mesma palavra "línguas" que se usa neste versículo, estabelecendo assim que era uma língua conhecida.


22. Paulo tira a conclusão de que as línguas eram sinal para os incrédulos, e não traziam nenhuma bênção, nem para Israel, nem em Corinto (v. 23). 

Por outro lado, profecia era um sinal para os crentes e tinha por finalidade abençoá-los, e também poderia ser uma bênção para os descrentes (vs. 24-25). 

É bem provável que qualquer judeu que conhecia Isaías 28 reconheceria que o falar em línguas era um juízo sobre a nação. (É claro também que, se o dom de línguas fosse um sinal para os descrentes, isto descarta, completamente, a ideia de que era a evidência de que uma pessoa tinha sido batizada com o Espírito Santo, como os carismáticos dizem.)


23. Paulo agora descreve uma reunião da igreja local. O ajuntamento de toda a igreja indica que naqueles dias primitivos era o costume de todos assistirem a todas as reuniões. Devemos incentivar um mesmo senso de responsabilidade em cada cristão, nos dias de hoje. Se em tal ocasião todos falassem em línguas (sem dúvida os coríntios teriam achado isto maravilhoso), qual seria o efeito nos visitantes? 

Uma torrente de sons ininteligíveis, numa língua estranha, lhes faria pensar que todos tivessem enlouquecido. Não associariam esta confusão com a presença de Deus. Em vez de serem abençoados, eles se afastariam, tendo certeza de que ali não havia nada.Observe como o indouto, neste versículo, é um descrente, enquanto que no V. 16, como foi notado, é um cristão.


24-25. Por outro lado, se os profetas estivessem exercendo o seu ministério na língua da região, então todos entenderiam, inclusive os visitantes, e resultados seriam vistos. Estar cônscio da presença de Deus pode ser uma grande bênção, tanto para santos como para pecadores.

O fato da profecia não ser primariamente para os pecadores não quer dizer que não poderiam receber uma bênção, sob a direção do Espírito Santo. Muitas pessoas têm sido convertidas durante a Ceia do Senhor, ou até numa reunião de ministério. O poder da presença de Deus, e da palavra de Deus, é uma realidade. 


Vamos notar seis coisas que se afirmam destas pessoas:
a) Convencido:
isto se refere à convicção do pecado. Sua consciência começa a operar. Ficando cada vez mais cônscio da presença de Deus, do Seu poder penetrante (veja Heb. 4: 12), e da operação do Espírito Santo (João 16:8), ele fica convencido da sua culpa e contaminação.
b) Julgado: a palavra profética penetra no seu íntimo. Ele sente que está sendo examinado, que todo o seu ser está sendo investigado.A mulher samaritana teve uma experiência deste tipo (João 4). "De todos" qualifica tanto "convencido" como "julgado", indicando que cada um que fala está intensificando a obra no íntimo desta pessoa. Desperta-se nele o reconhecimento de que terá que prestar contas a Deus pela sua maneira de viver.
c) Os segredos do seu coração ficarão manifestos: ele se sente virado do avesso. Está começando a se ver como Deus o vê. Seus pensamentos, desejos, motivos, o seu homem interior, lhe estão sendo revelados. Humilhado e examinado, ele se sente condenado por si mesmo. Tudo isto está produzindo arrependimento e voltando-o a Deus.
d) Lançando-se sobre o seu rosto: isto manifesta uma atitude da mais profunda humildade. A luz que penetrou e iluminou a sua mente e o seu coração, leva-o a prostrar-se perante Deus.Ele se volta para Deus. Quase que podemos ouvi-lo dizer: "Deus, tem misericórdia de mim, pecador".
e) Adorará a Deus: ao revelar ao homem a sua própria natureza, Deus, ao mesmo tempo, Se revelou ao homem. Ele reconhece, como nunca reconheceu antes, a presença de Deus, e com a maravilha de tudo isso enchendo a sua alma, ele se prostra em humilde adoração, dando-Lhe homenagem. Tudo agora lhe é tão real.
f) Publicando que Deus está verdadeiramente entre vós: agora ele se toma uma testemunha; a pessoa creu com o seu coração, e com a sua boca fará confissão (Rom. 10:10). Sem dúvida, o seu testemunho quanto à presença de Deus entre eles foi confessado imediatamente: "Deus está, verdadeiramente, entre vós". 

Depois de deixá-los, certamente ele teria feito a mesma declaração a todos com quem se encontrasse: "podem dizer o que quiserem acerca deles, mas eu digo que Deus está ali". 

Eu entendo tudo isto como significando a verdadeira conversão do descrente. Este resultado e testemunho é o contrário de "estais loucos", no v. 23.


Temos observado o efeito nos ouvintes ao ouvirem o ministério dos profetas. Eles descobrem como a percepção da presença de Deus e a mensagem de Deus penetram na sua alma, revelando a vida toda de cada pessoa. 

Cada um está aprendendo algo da santidade de Deus, e também das suas próprias tendências pecaminosas. Cada um se prostrará, na mais profunda adoração, e dará testemunho ao fato de Deus estar no ajuntamento, dizendo: "Este é o lugar onde o Deus verdadeiro habita".


NOTAS ADICIONAIS:

2. A palavra "estranha" não consta nos manuscritos, e deve ser omitida deste versículo. Veja os vs. 2, 4, 14, 19, 27.16 "Indouto" é a tradução da palavra idiotes, e normalmente indica uma pessoa física em contraste com um oficial do estado, ou uma pessoa sem qualificações em contraste com uma pessoa qualificada. 

Ocorre somente mais duas vezes: em Atos 4: 13, onde é traduzida "indoutos", talvez se referindo à falta de treinamento profissional; e em 11Cor. 11:6, onde é traduzida "rude", provavelmente inábil na oratória; na opinião deles, simples no seu modo de falar. A tradução de J. N. Darby é muito apropriada: "um (cristão) simples", no V. 16; "(pessoas) simples", no V. 23.


Jack Hunter

Extraído do Comentário Ritchie

Editora Edições Cristãs

10. A Regulamentação dos Dons - (1 Coríntios 14:26-40)


"Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação. E se alguém falar língua estranha, faça-se isso por dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete. Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus. E falem dois ou três profetas, e os outros julguem. Mas se a outro, que estiver assentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro.

Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros; para que todos aprendam, e todos sejam consolados. E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas. Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos. As mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. 

E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é indecente que as mulheres falem na igreja. Porventura saiu dentre vós a palavra de Deus? Ou veio ela somente para vós? Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor.

Mas, se alguém ignora isto, que ignore. Portanto, irmãos, procurai, com zelo, profetizar, e não proibais falar línguas. Mas faça-se tudo decentemente e com ordem."



Nos vs. 1-12, o apóstolo lhes apresentou os princípios de edificação e inteligibilidade; nos vs. 13-25, ele descreveu os dons em operação, sendo que a finalidade prática em vista é a sua utilidade.

Agora, nesta seção, ele vai indicar a necessidade de regulamentar os dons, porque até dons de Deus precisam ser controlados. No início e no final desta seção, ele apresenta dois princípios que servem para governar o controle dos dons nas reuniões públicas. 

(Vemos que são reuniões públicas que estão sendo consideradas pelas palavras do V. 26: "quando vos ajuntais"; veja 11: 18.) 

Em primeiro lugar, ele afirma no V. 26: "Faça-se tudo para edificação"; e, em segundo lugar, no V. 40: "Faça-se tudo decentemente e com ordem". 

Observe em cada versículo a expressão "tudo"; todo aspecto de adoração deve promover a edificação de todos os que estejam reunidos; e deve ser feito decentemente, e de maneira digna, caracterizado por ordem divina. 

Semelhantemente, o V. 33 diz: "Deus não é Deus de confusão, senão de paz". Qualquer coisa que causa desordem e confusão, e não harmonia e paz, não provém de Deus. 

Observe também que 16: 14 diz: "Todas as vossas coisas sejam feitas com amor". 


Vamos considerar esta seção da seguinte maneira:
a) O Controle dos Dons vs. 26-33;

b) O Silêncio das Mulheres vs. 34-35;

c) A Autoridade do Apóstolo vs. 36-40.


26.
Agora podemos considerar as atividades da igreja local. Paulo apresenta certas atividades para depois, nos vs. 27-28, dar instruções para aqueles que falam em línguas e, nos vs. 29-33, para as atividades dos profetas. 

Ele menciona, aqui, cinco formas diferentes de atividade, que formam um contraste estranho com o ministério "programado" que existe em tantos lugares. 

Claramente, como foi notado no capítulo 11, não há indicação nenhuma do ministério de um só homem, mas a reunião estaria aberta para diversos irmãos participarem de várias maneiras. 

Pode ser que as palavras: "Faça-se tudo para edificação", indiquem um desejo imoderado de participar e fazer ouvir a sua voz. Todos poderiam estar envolvidos, mas deveriam considerar uns aos outros. Estes princípios ainda devem ser aplicados nas reuniões da igreja local, apesar da cessação dos dons de sinal.

Vamos notar, brevemente, as atividades:
a) Salmo:
normalmente pensamos num Salmo de Davi, mas em outro lugar a palavra é traduzida "cantar" (no V. 15, por exemplo), ou "salmodiando" (Ef. 5: 19); portanto, poderia se referir a um cântico de louvor.
b) Doutrina: isto se refere ao ensino das Escrituras, à exposição de uma passagem, e à apresentação do seu conteúdo principal e sua aplicação.
c) Língua: temos aqui um irmão falando numa língua estrangeira, quer seja em oração ou em ministério.
d) Revelação: provavelmente se refere à contribuição do profeta, tornando conhecido aquilo que lhe foi revelado diretamente por Deus.
e) Interpretação: o exercício do dom de interpretação é a tradução da substância daquilo que foi dito por aquele que falou em línguas.
Temos a impressão que a maioria desejava participar; em si isto é louvável, contanto que não haja manifestação do ego. 

Nunca devemos perder de vista o princípio governante, que toda a atividade deve ser para a edificação de todos, e assim para a glória de Deus. Todas às vezes que um irmão participa somente para mostrar-se, ou destacar o seu dom, não haverá glória a Deus nem bênção aos outros.


27-28. Ao tratar daqueles que falavam línguas, ele estabelece certas regras para a orientação de todos e para garantir ordem e edificação. Em primeiro lugar, ele indica um limite no número dos que participam: dois, ou quando muito três. Eles não devem dominar a reunião, mas deixar lugar para os profetas. 

Em segundo lugar, devem seguir-se uns aos outros, participando um por vez. Talvez isso pareça estranho a nós, mas mostra, claramente, a natureza da confusão e desordem contra as quais Paulo adverte nesta passagem. Em terceiro lugar, ele indica que tem que haver interpretação; ele tem insistido nisto no capítulo todo. Alguns acham que isso quer dizer um só interprete para os três que falariam em línguas. 

Se assim fosse, isso garantiria que um só participaria de cada vez, pois o próximo participante teria que esperar até que a interpretação do primeiro terminasse. 

O V. 28 estabelece, com bastante clareza, o seguinte princípio: se não houver intérprete, aquele que fala línguas deve permanecer em silêncio. 

Segundo 12: 10, o dom de interpretação era dado a vários santos, portanto todos saberiam se algum deles estivesse presente.


29. Ao tratar dos profetas, a primeira condição é semelhante àquela estabelecida para o dom de línguas, isto é, que os que falam sejam limitados a dois ou três. E claro que os que participavam desta maneira eram reconhecidos como possuidores deste dom, e este é um princípio importante. 

Embora não temos profetas, hoje em dia, mas sim ensinadores, somente os que possuem este dom são reconhecidos.

O uso do plural não permite o ministério por um só homem, mas o uso da palavra "profetas" limita a função, e indica que ministério por qualquer um, não deve ser permitido. 

Vemos que os "outros" devem julgar. Várias opiniões existem quanto a identidade destes "outros". 

A própria palavra allos indica "outros do mesmo tipo", isto é, profetas. Sem dúvida, irmãos acostumados a exercer este dom teriam a sensibilidade espiritual necessária para testar a validade da mensagem, como em I João 4: 1, enquanto que, em I Tess. 5: 19-21, é a igreja local que prova o valor do ministério, pois aquilo que é ministrado no poder do Espírito Santo acha uma resposta nos corações dos cristãos, que discernem a voz de Deus, e fazem todo o esforço para pôr em prática as suas exigências.


30. Enquanto um falava, outro poderia receber uma mensagem; sendo assim, o primeiro deveria sentar-se. Não sabemos como se comunicavam. Poderia ser que o primeiro irmão sentia ter cessado a iluminação, a energia e impulso do Espírito, e então ficaria sabendo que o Espírito estava para usar outro profeta. 

Também poderia ser que o segundo irmão indicasse de alguma maneira, por exemplo, ficando em pé, ou levantando a mão, que tinha recebido uma revelação. Assim a soberania do Espírito era indicada, garantindo proveito a todos.


31. Agindo assim, eles garantiam a ordem, e cada profeta podia entregar a sua mensagem, e o grupo todo recebia ajuda. Todos poderiam aprender mediante a instrução, e poderiam ser consolados e encorajados. Desta maneira a igreja local, com toda a sua variedade de necessidades, recebia luz e poder e consolação e refrigério.


32-33. É instrutivo observar que os profetas estavam totalmente em controle de si mesmos. Isto está em contraste com 12:2, onde se afirma que antigamente eram levados, escravizados, pelo espírito maligno. Aqui, embora estivessem sob as influências sobrenaturais do Espírito Santo, o profeta estava em controle total, sujeito à Sua orientação, assim podendo participar inteligentemente, ou dar lugar a outro, se fosse necessário. 

A observância deste procedimento, na igreja de Deus, manifesta como Deus é o Controlador supremo, e mostra que Ele é um Deus que odeia desordem e confusão, e se deleita com paz e harmonia. Portanto, se tudo é feito de maneira ordeira e com paz, Deus é honrado, e Seu caráter verdadeiramente refletido; se confusão e desordem dominam, então Deus é desonrado e dá-se uma impressão falsa do Seu caráter. 

Como é essencial que esta ordem, paz e harmonia prevaleçam quando os cristãos se ocupam em santas atividades no sagrado serviço de Deus! Paulo diz, em concluir, que isso deve caracterizar todas as assembleias dos santos.Vamos tomar cuidado para que não percamos de vista a santa dignidade que deve caracterizar as reuniões.


34-35. Algumas traduções ligam o final do V. 33 com o V. 34. Como não há pontuação no texto original inspirado, é deixado ao critério do tradutor ou tradutores; portanto, pode ser traduzido:"Como em todas as igrejas dos santos, conservem-se as mulheres caladas nas igrejas" (ARA). I
sto indicaria qual era a prática normal nas outras igrejas, e que Corinto estava sozinha ao permitir que mulheres falassem nas reuniões. 

Olhando para 11: 16, vemos que Corinto estava sozinha ao permitir que as mulheres tivessem as cabeças descobertas. Ao destacar a prática observada nas outras igrejas, Paulo questiona o direito dos coríntios de se colocarem acima das regras observadas por estas igrejas. Isto é muito atual, pois há muitos lugares onde se diz que cada igreja local está sozinha, responsável somente ao Senhor; isto é realmente verdade, porém eles estão usando esta verdade para fazer o que bem-querem, e introduzir costumes que são contrários à palavra de Deus e à prática comum.

Esta atitude é alheia ao ensino de Paulo. Ela viola o espírito de comunhão estabelecida entre as igrejas. A prática de uma só igreja não estabelece a norma para as outras. A verdade é que os costumes desta única igreja em Corinto são totalmente condenados, pois é claro que, se todas as outras igrejas estivessem praticando a mesma coisa, então estes costumes teriam sido aprovados pelos apóstolos que haviam estabelecido estas igrejas. 

Uma igreja não deve comprometer a comunhão com outras igrejas por introduzir práticas que são contrárias à palavra de Deus. Convém destacar esta declaração geral: "As mulheres estejam caladas nas igrejas". É absoluta. Não há como escapar. É simples, clara, objetiva e autoritária.

É um tanto patético ver até onde alguns comentaristas irão para tentar escapar da força desta declaração. Alguns colocam os dois versículos (os vs. 34-35) depois do V. 40. 

Outros sugerem que Paulo não escreveu estas palavras, mas que alguém acrescentou-as mais tarde. Outros também dizem que o "falar" aqui se refere a tagarelar, ou à mulher interrompendo para fazer perguntas, ou que estes versículos se referem às reuniões que não são reuniões da igreja local, embora não existe nada no contexto que indique tal distinção. Alguns sugerem que é só ensinar que se exclui, porém, o v. 35 exclui toda a participação pública, até mesmo fazer perguntas. 


Que o leitor observe, com atenção, a variedade de traduções, todas declarando, com clareza, esta posição:
ARC: "As mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas estejam sujeitas".
ARA: "Conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas".
VR: "As mulheres estejam caladas nas igrejas; porque lhes não é permitido falar; mas estejam submissas".
MS: " As mulheres estejam caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar, mas devem estar sujeitas."
AVT: "As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas".
NVI: "Permaneçam as mulheres em silêncio nas igrejas, pois não lhes é permitido falar; antes permaneçam em submissão".


Não seria mais sábio aceitar esta clara declaração e interpretar todas as outras à luz dela? Observe que a palavra "estejam caladas" (sigao), no V. 34, é a mesma que se encontra no V. 28: "esteja calado", o no v. 30: "cale-se". 

Nestes dois últimos versículos é claro que quer dizer "parar de falar publicamente". 

Agora vamos considerar a palavra "falar" (laleo). Dizem que a palavra quer dizer tagarelar, mas a etimologia de uma palavra usada no NT não é sua interpretação final, mas sim, a maneira como ela é usada no NT, e especialmente, como é usada no contexto. Em mais que 300 ocorrências, no NT , ela não tem esse significado. 

É usada de Deus falando(João 9:29); de Cristo falando (João 17:1); do Espírito Santo falando (Atos 28:25). E usada aproximadamente vinte e quatro vezes neste capítulo, sempre referindo-se a falar e não a tagarelar. 

Isto é conclusivo quanto ao seu uso e significado. A regra do V. 24 é positiva, explícita, e universal. Refere-se a todo ato de falar e fazer perguntas na reunião. O significado não pode ser confundido. Não há nenhuma outra regra mais positiva do que esta no NT. 

Não importa quão plausíveis sejam as razões dadas para desconsiderá-la, e permitir que as mulheres participem, a linguagem do apóstolo é clara e positiva, e não pode ser rejeitada sem incorrer na censura do v. 38. 

A proibição é absoluta nas reuniões dos santos. A expressão "estejam sujeitas" (hupotassomai) destaca o lugar de sujeição, ou submissão, que Deus lhe deu. "Como também ordena a lei" se refere à narrativa da criação e à ordem dos sexos: o homem sendo apresentado primeiro, depois a mulher; veja I Tim. 2: 13-14. 

A liderança está nas mãos do homem. Tanto o homem como a mulher ocupam um lugar de honra que lhes foi dado por Deus, e todas as pessoas piedosas reconhecerão que é assim, e se sujeitarão à ordenança da sabedoria de Deus. As mulheres, se estiverem em dúvida sobre alguma questão, não devem fazer perguntas publicamente, mas devem procurar a ajuda dos homens, em casa. 

A palavra traduzida "maridos", enquanto usada em certos contextos desta maneira, realmente quer dizer homens, como distintos de mulheres. O assunto é encerrado com a forte declaração: "É indecente que as mulheres falem na igreja". A palavra traduzida "indecente" (aischros) quer dizer ignominioso, impróprio, indecoroso, vergonhoso.


36-38. Esta longa seção (12: 1-14:40) chega à sua conclusão com um lembrete sobre a autoridade apostólica. O apóstolo está cônscio da oposição que seus conselhos vão provocar naqueles que querem desacreditar tudo o que ele lhes tem ensinado. Portanto, ele lhes desafia em relação à palavra de Deus. 

Quando ele mencionou "a lei" no V. 34, ele estava salientando-a como a palavra de Deus, e o próprio Deus como a fonte definitiva daquela autoridade que requer a obediência do Seu povo. Sempre existem pessoas e igrejas que querem fazer a palavra de Deus significar aquilo que elas acham que deve significar, e assim mostrar que são mais sábias do que Deus. 

A primeira pergunta se refere à fonte: será que a palavra de Deus originou com eles? Se fosse assim, eles poderiam determinar o seu significado. Será que eles foram a fonte da revelação? Sendo a primeira das igrejas a desviar-se da palavra de Deus, especialmente em relação à participação das mulheres (no contexto imediato), eles se estabeleceram como uma autoridade superior, e, portanto, o apóstolo os censura. A segunda pergunta se refere à recepção singular da palavra de Deus. 

Será que eles foram os únicos receptores de tal revelação, visto que puderam introduzir tais costumes? Poderiam eles agir independentemente e ignorar as outras igrejas? Isto era arrogância mesmo! Autoridade independente não estava nas suas mãos.

Mas ainda hoje encontramos a mesma atitude, e a mesma reivindicação de ser progressista e liberal. Porém, tal progresso é realmente afastamento da palavra de Deus; e tal libertação é o abandono da obediência a ela. Paulo toma uma posição firme quanto à autoridade apostólica. 

Ele declara que seu ensino tem o caráter de um mandamento do Senhor. Se alguém dissesse ser profeta (falando sob inspiração divina), dissesse ser realmente espiritual (desejando agradar ao Senhor), então que comprovasse estas afirmações por submissão ao ensino apostólico. 

Se tal pessoa recusasse o ensino, suas afirmações seriam falsas e espúrias. O que Paulo afirma não pode ser confundido: ele está escrevendo a palavra de Deus; isto não pode ser ignorado, e cabe a cada um submeter-se a este ensino caracterizado por autoridade apostólica, não importa que experiência ele alega ter. 

O V. 38 é muito solene: "Mas, se alguém ignora isto, que ignore". Ignorância voluntária é ignorância permanente; ignorância persistente é ignorância culpável. Havendo mostrado a posição, segundo a mente de Deus, Paulo não estava disposto a perder tempo discutindo com tais pessoas.


39-40. Aqui temos as conclusões de Paulo sobre este assunto todo. Usando pouquíssimas palavras, ele avalia estes dois dons: "procurai, com zelo, profetizar, e não proibais falar línguas". Desejai aquele, e tolerai este. 

Tal conselho foi oportuno nos dias quando estes dons estavam operando. Observe o positivo "procurai", e o negativo "não proibais". Finalmente, como foi observado antes, "faça-se tudo decentemente em com ordem".

Agora vamos fazer um resumo do ensino deste capítulo:
a) A supremacia do amor para enriquecer cada dom e capacitar a todos a servirem de maneira aceitável.
b) A importância de edificação, pois o exercício dos dons é vão, a não ser que todos sejam edificados na sua fé.
c) A importância vital de inteligibilidade, para que todos entendam e tirem proveito.
d) A necessidade óbvia de ordem piedosa, para que visitantes sejam atraídos e não repelidos, e para que as suas necessidades espirituais sejam plenamente supridas.
e) A importância de estar pronto a aceitar o princípio de liberdade controlada, sobre o número de participantes (v. 29), submissão voluntária ao julgamento dos outros (v. 29), e prontidão para dar lugar a outro (v. 30).
f) A importância da autoridade da palavra de Deus, que deve ser obedecida tanto pelas mulheres (vs. 34-35) quanto pelos homens (v. 37).
g) O perigo de uma igreja local agir de maneira contrária à palavra de Deus e à prática de outras igrejas baseadas naquela Palavra.
h) Aceitação total da supremacia do ensino dos apóstolos e submissão total ao mesmo, como sendo o mandamento do Senhor.


Jack Hunter

Extraído do Comentário Ritchie

Editora Edições Cristãs

11. O Tribunal de Cristo

É de suma importância ter o melhor esclarecimento possível da verdade a respeito do aparecimento dos crentes perante o tribunal de Cristo. O Apóstolo Paulo dá-nos a entender que isto o inspirava para santidade e maior zelo em ganhar almas. Ele tinha a visão de que daria conta daquilo que havia recebido, pelo qual "ganhasse homens". É verdade que primordialmente ele vivia sua vida sob a luz da redenção de Cristo, constrangido pelo amor de Cristo - aquele amor que faz a pessoa morrer pelos outros. 

Mas é verdade, também, que ele avistava o dia que apareceria perante o tribunal de Cristo, quando o que havia sido feito por meio dele seria provado. E isto se tornava um desafio no serviço.
Precisamos observar tudo o que possa nos inspirar e desafiar, pois temos facilidade de nos esquecer daquilo que Deus espera de nós - tanto o fruto como o serviço. E devemos lembrar que Deus quer usar cada pessoa salva como um instrumento nas suas mãos. Por meio de nós, Ele quer revelar sua sabedoria, sua glória e seu poder. É nossa a missão de realizar e efetuar a sua vontade e seus planos de salvação. Que graça augusta! 

Mas é também uma responsabilidade humilhante! Uma coisa quero já focalizar, e isto é: devemos discernir entre o julgamento perante o tribunal de Cristo (2 Co 5.10) e o julgamento perante o grande trono branco (Ap 20.11-15), se não, tudo fica difícil de entender. 

O julgamento perante o trono branco é o último e eterno julgamento de todas as gerações. Chama-se: dia do juízo, ressurreição do juízo, o juízo vindouro, o juízo de Deus, o justo juízo de Deus, juízo eterno. Este julgamento vai acontecer depois do milênio e do curto período em que Satanás será solto. 

Ele é final, irrevogável e eterno. Nosso aparecimento perante o tribunal de Cristo acontecerá em conexão com a volta de Cristo nas nuvens, e abrange somente os santos. Aqueles que "são arrebatados", são galardoados segundo suas obras. Não é um julgamento para condenação - como perante o grande trono branco - mas um ato de avaliação das nossas obras. 

A nossa vida será provada. Alguns sofrerão prejuízo - a obra deles "se queima" - mas serão salvos, porque o fundamento era sólido; enquanto outros tinham edificado com material que suportou o fogo, e esses receberão recompensa (1 Co 3.12-15 e Ap 22.12).


Ainda é preciso apontar alguma coisa, para evitar desentendimento por parte de alguém. Ao estudarmos este tema, precisamos sempre ter em mente que a salvação é de graça, sem o mínimo merecimento de nossa parte. Tudo é gratuito. É unicamente a fé na obra redentora, que o Senhor Jesus fez por nós, que nos salva. Não podemos acrescentar coisa alguma aqui. Também é por perseverarmos nesta fé que somos guardados, e alcançaremos a eterna salvação. (1 Co 15.1-4.) 

É a âncora firme para a alma durante a peregrinação, e é a única causa de estarmos um dia na glória eterna, com palmas nas mãos e vestes brancas. Somente aqueles que "lavaram suas vestes e as branquearam no sangue do Cordeiro", estarão diante do trono (Ap 7.14-15). "Por isso estão diante do trono de Deus", está escrito. 

Sim, unicamente por isso - por causa do sangue. Tudo depende de que Deus tenha feito - e ainda faz misericórdia. Ninguém tem exposto isto com mais clareza e firmeza do que o Apóstolo Paulo. Mas ele afirma também, com a maior convicção, que havemos de dar conta um dia. E então, ou receberemos galardão, ou sofreremos prejuízo. Isto harmoniza com o ensino do Senhor Jesus em Mateus 25.14-19.

É importante termos uma visão ampla do plano divino de nossa salvação, para podermos guardar o equilíbrio espiritual, e para que o reino de Deus se desenvolva e cresça de maneira sadia entre nós.


A OBRA DE CADA UM SERÁ PROVADA.1 Coríntios 3.8-15
Os coríntios eram faltos de espiritualidade, eram carnais, e isto se manifestava especialmente pela maneira como avaliavam os servos do Senhor. No ensino esplêndido que o apóstolo lhes dá, para pô-los em posição certa neste sentido, recebemos uns raios de luz sobre este assunto. Os coríntios são chamados "a lavoura de Deus", "o edifício de Deus", e Paulo, Cefas e Apolo são "cooperadores de Deus" na obra de Deus em Corinto. 

E cada um deles "receberá sua recompensa segundo sua própria obra". Pois bem, a mesma lavoura, mas pagamento diferente. Ele diz que tinha "lançado o fundamento como sábio construtor" - Isso era Cristo. E acrescenta: "e outro edifica sobre ele". 

Não é, contudo, indiferente como se edifica, e qual o material que se usa, porque será provado pelo fogo. Paulo não pode - com isso que diz aqui - pensar somente na vida de cada indivíduo, pois é a igreja, como um todo, de que ele fala, e dos servos que Deus tinha dado a ela. A conexão inteira mostra isso. 

Paulo, como o primeiro que veio a essa cidade, fez a obra fundamental, e isso ele fez como um "sábio construtor", mas a responsabilidade estava agora com aqueles que "edificariam sobre ele", isto é, continuariam a obra. Cada um que tomaria parte nisto, deveria cuidar que fosse feito da maneira certa - da maneira divina.
Não posso entender outra coisa do que o apóstolo aqui pensava nas grandes linhas principais na edificação da igreja de Deus, e também no sentido doutrinário do reino de Deus. 

É uma coisa séria ser um construtor da igreja de Deus, e mesmo ter o serviço de ensinar e de exortar. Escute a advertência de Tiago: "Meus irmãos, não vos torneis, muitos de vós, mestres, sabendo que havemos de receber maior juízo." (Tg 3.1.) 

Vamos prestar conta do nosso ensino! Isso não é natural? Um construtor é obrigado a construir segundo a planta e a prescrição, tanto no que se trata de forma como de material. Ele não pode fazê-lo segundo seu bel-prazer. 

E podemos pensar que Deus é indiferente quanto àquilo que é o mais belo neste mundo - a Igreja de Deus? A obra que é para a eternidade? É possível que sejamos sem responsabilidade em nossa obra? Podemos trabalhar conforme o que achemos conveniente? A autoridade decisiva não é a vontade de Deus e as verdades bíblicas? 

Deus era muito exigente no pacto velho, ainda que ele era somente a sombra da realidade. Tudo precisava ser feito conforme o modelo que Deus lhes mostrara no monte, e com a maior exatidão. 

E seria indiferente quando à construção da obra eterna, que é a Igreja de Deus? Parece-me impossível! A opinião de Jesus era que, "a Escritura não pode ser anulada" (Jo 10.35) e: "Nem todo o que diz: Senhor, Senhor, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus". (Mt 7.21.) E construir sua casa sobre a rocha, quer dizer obedecer às palavras que Jesus falava. (Mt 7.24-27.) 

Mas como saber a vontade de Deus? Temo-la revelada na Escritura, a qual não pode ser anulada, segundo as palavras de Jesus. Voltemos ao construtor como exemplo. Como é possível construir da maneira certa? Estudando e aceitando a planta, naturalmente, e fazendo tudo conforme o modelo que ela contém. Assim, também aqui, a Palavra de Deus precisa ser a nossa autoridade absoluta, a norma que resolve tudo, tanto na vida como na obra, e isso individualmente, como na Igreja. 

E creio que é isto que será posto à prova naquele dia. Paulo dava muita ênfase à "doutrina sã" e a "forma de doutrina" que ele ensinava. Ele tinha tanta convicção a respeito do seu ensino, que pôde afirmar que, se ele mesmo ou um anjo do céu pregasse outro evangelho, seria anátema. Ele tinha uma profunda compreensão do "mistério de Deus", e tinha certeza da mensagem que proclamava. Por isso sentia responsabilidade; sabia que era despenseiro. Um dia daria conta do seu serviço do ministério da palavra. 

O que importava foi sempre: "o que diz a Escritura?" O mistério que lhe tinha sido manifestado, o qual ele "demonstraria a todos" (Ef 3.2-9), precisava ser transmitido assim como lhe fora revelado. Nada podia ser acrescentado, nem tirado, e não podia ser misturado com ~eu concerto antigo como fariseu - precisava ser entregue conforme a revelação que Deus lhe deu. Isso seria o construir com "ouro, prata e pedras preciosas". 

Nessa maneira "a multiforme sabedoria de Deus" seria proclamada e manifestada pela obra magistral de Deus - a Igreja. E "a forma de doutrina a que fomos entregues" (Rm 6.17), é a mesma para todos os povos e para todos os tempos. 

Estava escondida no Velho Testamento, mas claramente revelada no Novo. A planta é bem compreensível. Ninguém precisa ficar na ignorância. Os construtores devem verificar como a planta do fundamento é feita; quem deve pertencer ao edifício; os serviços e ministérios que devem existir; as ligaduras que dão a união; a forma de governo que deve haver; a revelação do Espírito Santo que deve haver por meio dos dons espirituais; a manifestação da mente e caráter de Cristo, pelo fruto do Espírito Santo; sim, maneiras e métodos para o trabalho. 

Em suma: tudo que é preciso para que o corpo de Cristo possa estar bem e crescer na maneira certa, para poder revelar a Cristo e evangelizar o mundo, e se preparar para a união visível do seu noivo. Isto é, os servos do Senhor devem procurar chegar em harmonia! 

Procurar, com uma mente humilde, estarem prontos a aprender e entender a vontade do Senhor. E, fazendo isto, o Espírito Santo, sem dúvida, nos ajudará para que possamos edificar o que permanece, mesmo passando pelo fogo. 

Irmãos, temos uma responsabilidade extraordinária como construtores do reino de Deus. Deus é nosso chefe! Perante ele havemos de prestar conta e não trabalhamos com madeira e pedras, mas com almas imortais. Não construímos somente para o presente, mas para a eternidade, uma morada de Deus. (Ef 2.22.) 

A verdade de que a nossa obra será provada deve afugentar toda a leviandade de nós! O dia da prova do fogo há de consumir muitíssimo daquilo que se chama obra cristã. Pense nas muitas "doutrinas", regras e tradições que têm sido acrescentadas ao lado da Palavra de Deus! Pense nos métodos exclusivamente humanos e profanos, que se usam para fazer progredir a obra de Deus, métodos que são completamente alheios ao espírito e à letra do Novo Testamento. 


Para não mencionar o desejo de fama, poder e glória, que, muitas vezes, são os fatores de estímulo na obra. Oh, que dia, quando Aquele que tem "olhos como chama de fogo" penetrar e avaliar nosso serviço! Na verdade, a questão será, se temos sido fiéis à revelação da vontade de Deus na Bíblia. Feliz quem ouvirá: "guardaste a minha palavra". (Ap 3.9.) 

Muito daquilo que havia sido grande e pomposo à vista dos homens, será reduzido a nada, enquanto aquilo que "foi feito em Deus" - o que estava em harmonia com o espírito e doutrina da Bíblia, e efetuado por meio dEle - permanecerá e receberá galardão. Se a obra de alguém se queimar, mesmo assim será salvo, se tiver construído na rocha eterna, Jesus Cristo. Mas a recompensa é perdida. Nada tem consigo. 

Apesar disto, é graça sobre graça que ainda se salve, mas - que triste - nenhuma recompensa, nenhum resultado da vida cristã!
Mas, pensando na possibilidade que temos de não somente sermos salvos, mas também levar conosco o resultado da vida cristã - receber recompensa! 

Não seria isso algo para almejar? Vamos consagrar nossa vida para este fim! É a vontade e o plano de Deus para conosco! "Daquele que é muito dado, muito se lhe requererá, e a quem muito é confiado, mais ainda se lhe pedirá." (Le 12.48.)


UM ESTIMULO NA OBRA DE GANHAR ALMAS

"foi necessário que todos nós sejamos manifestos diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba o que fez por meio do corpo ... " "Portanto, conhecendo o temor do Senhor, procuramos persuadir os homens." (2 Co 5.10,11.) 

Como vemos aqui, a convicção de um dia ser manifesto diante do tribunal de Cristo, era um dos estímulos fortes na vida de Paulo para ganhar almas para Deus. Há uma conexão bem clara entre os versos dez e onze. 

E que ganhador de almas não era ele? Já vimos alguém - exceto o Senhor Jesus - que assim se entregava e que sacrificava tudo para ganhar almas? Nem homens, nem o diabo podiam impedi-lo. Tribulações, sofrimentos e angústias nunca conseguiram diminuir sua coragem. Com fé vitoriosa, ele passava pelas mais difíceis circunstâncias. Ele tinha sempre o grande alvo em vista - salvar as almas duma eterna perdição. 

Isso foi sua paixão santa. Mas qual foi a força motivadora na sua vida? Vemos que ele era unido a Cristo em mente e natureza, ele morreu e Cristo vivia nele. Por isso era unido a Cristo em interesses e planos, os quais são, que os homens se convertam e vivam. Como o Senhor Jesus buscava os perdidos, sim, deu sua vida por eles, assim também Paulo. Ele tinha um desejo ardente e uma paixão santa de buscar os perdidos e os levar para Deus. Para isto entregou seus ricos talentos e sua brilhante capacidade, sim, sua vida - o amor de Cristo o constrangia. (2 Co 5.14.) 

Em segundo lugar, ele viu o valor das almas. Ele as viu como Deus as vê. O valor que Deus dá aos homens - que especialmente se mostra pelo sacrifício no Gólgota - tinha sido transferido, parcialmente, ao coração de Paulo. 

A tristeza que ele sentia pelo seu próprio povo, por exemplo, era tão dolorosa, profunda e intensa que nós outros nem podemos entender. Se prontificou a perder a eterna felicidade da sua própria alma, se com isso pudesse salvá-lo. Para ele a salvação duma alma significava: salvá-la de perdição e vergonha e trazê-la em harmonia com os planos de Deus para esta vida e para a vindoura. Em terceiro lugar - e isto se aplica especialmente ao nosso tema - pensando no dia em que prestaria conta, era incitado a ganhar almas. 

Ele tinha uma convicção santa de que também este aspecto do seu serviço seria pesado e provado. Onde muito fora dado, muito seria requerido. Paulo tinha convicção da sua chamada e eleição para revelar o mistério de Deus, do poder que em si operava, das riquezas de talentos naturais e dons espirituais que lhe foram confiados, e tudo com um fim - a extensão do reino de Deus. Tudo foi dado por Deus, e com o fim de servir ao seu reino e salvar as almas. 

O apóstolo era somente um despenseiro da multiforme graça de Deus, e como tal, teria que, um dia, prestar conta de tudo que havia recebido. (1 Co 4.1-5.) Por isso, não foi a apreciação ou o julgamento dos homens que pesava, mas o de Deus. 

Quando ele escreve acerca do "temor de Deus", não quer dizer o medo do pecador ou do escravo, que tem o castigo como motivação. Mas é o temor de filho - o medo de agravar ou entristecer aquele que ama. Paulo sabia que a vontade de Deus era absolutamente perfeita, e tinha receio de se desviar dela. 

Tinha medo de que a vontade de Deus na sua vida não se cumprisse. E não tinha sua vida como preciosa para si, contanto que pudesse completar sua carreira e o ministério que recebeu do Senhor Jesus. Que disposição sadia! Não podemos nos comparar com o Apóstolo Paulo, nem em talentos naturais, nem em dons espirituais, e também não fomos destinados a fazer o que ele fazia no reino de Deus. 

Ele é o único para todos os tempos. Mas o mesmo espírito, a mesma mente e o mesmo alvo devemos ter. Se não temos talentos, temos o mesmo evangelho, e o poder de Deus e os dons do Espírito Santo podemos buscar. E, com certeza, seremos equipados e preparados para desempenhar a tarefa e preencher o lugar para o qual fomos destinados. E oportunidades temos aos milhares: é somente aproveitá-las. 

Andamos no meio de multidões de almas imortais. E todos nós vamos dar conta de como aproveitamos as oportunidades - não somente os pregadores. Todos devemos ser pescadores de almas! Não é lícito recusarmos este trabalho importantíssimo. Se o fizermos, estaremos sem desculpa. Escute a Palavra de Deus: "Livra os que estão sendo levados à morte, e detém os que vão tropeçando para a matança! Se disseres: Eis que não sabemos; porventura aquele que pesa os corações não percebem? E aquele que guarda a tua vida não o sabe? E não retribuirá a cada um conforme a sua obra?" (Pv 24.11,12.) 

Que linguagem poderosa e clara! Que recompensa será nossa? Encontraremos alguém diante do tribunal de Cristo que nós ganhamos? Ou vamos ficar lá a sós? Será que as almas serão requeridas das nossas mãos? (Ez 3.18.) 

Almas que poderiam ser salvas, se nós tivéssemos feito o nosso dever! Oh, quão tremendamente sério é isto! Isso era visto pelo Apóstolo Paulo na perspectiva certa, o que o incitava ao serviço. Temos nós algo semelhante com que nos alegrar? O apóstolo foi perseguido como caça, foi chamado peste e instigador, foi apedrejado, açoitado, esteve em prisões, e morreu como mártir. 

Não teve consideração aqui, mas como vai brilhar quando o Senhor Jesus distribuir a recompensa. " ... e os que converteram a muitos para a justiça, brilharão como as estrelas sempre e eternamente." (Dn 12.3.) 

O que será a nossa sorte naquele dia? Oh, que alegria quando Jesus me buscar para si, se também eu alguma alma ganhei. A glória do céu ficará maior para mim, se estrelas na coroa tiver.


PRESTAR CONTAS PELO MINISTÉRIO DE LIDERANÇA

"Obedecei aos vossos pastores, sendo-lhes submissos; porque velam por vossas almas como quem há de prestar contas delas; para que o façam com alegria e não gemendo, porque isso não vos seria útil." (Hb 13.17.) 

Em conexão com o ministério de pastor não se acha palavra mais séria do que essa. Quando essa verdade penetra ao íntimo, a gente fica quase com vontade de fugir do serviço. Mas que adianta? Não pode se ausentar da obra que Deus deu sem consequências sérias. 

Em vez disto, devemos deixar a responsabilidade desse ministério incutir zelo em nós, e fazer-nos buscar a graça e o auxílio divino. É, Ele quem nos capacita para o serviço ao qual nos chamou. "Eles velam pelas vossas almas", se diz neste verso. Quantos de nós experimentamos isto como uma verdade real? Velar pelas almas! E, lembre-se, são almas pelas quais, Cristo morreu! Elas são propriedade do Senhor! Almas que devem desenvolver-se e crescer para uma vida cristã sadia, vitoriosa e harmônica! Almas que chegarão ao belo céu, ou se perderão em trevas eternas, onde o tormento jamais findará! 

Que responsabilidade! E como alguém pode tomar essa tarefa levianamente? Infelizmente se faz muitas vezes. 

E a causa disto é que não vigia na sua relação para com Deus e para com os homens. A obra pode se tornar uma profissão, um meio de ganhar a vida, sim, às vezes uma ambição  inconcebível que isso aconteça numa chamada tão altruística, mas, infelizmente, a experiência da história da Igreja nos mostra que é assim. Pode se preocupar com a profissão, com o título, etc., e o objeto do seu serviço - as almas - ficam no plano periférico. Profissão, salário e honra se tornam o mais importante, e as almas ficam sem importância. Uma caricatura funesta daquilo com que um servo de Deus deveria se preocupar! 

Busca o que é seu em vez do que é de Deus. Isso acontecia muito no tempo de Paulo. Havia muitos aios, mas poucos pais. E tem se repetido em todos os tempos - também é muito comum em nossos dias. Os aios têm um senso bem desenvolvido a respeito de como tudo e todos devem ser e agir, e usam seu chicote com ousadia. 

Dizem: "eu amo a verdade, e quero dizer-lhes a verdade, mesmo que fique sozinho". 

E se continuam por muito tempo neste espírito, acabam por ficar só mesmo. Sim, poucos pais! Pais que possam dizer: "vos retenho em meu coração." (Fp 1.7.) 

"Além dessas coisas exteriores, há o que diariamente pesa sobre mim, o cuidado de todas as igrejas." (2 Co 11.28,) 

"Meus filhinhos por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja formado em vós." (Gl 4.19.) 

"Nós nos apresentamos brandos entre vós, qual ama que acaricia seus próprios filhos. Assim nós, sendo-vos tão afeiçoados, de boa vontade desejávamos comunicar-vos não somente o evangelho de Deus, mas ainda as nossas próprias vidas, porquanto vos tornastes muito amados de nós. Assim como sabeis de que modo vos tratávamos a cada um de vós, como um pai a seus filhos." (1 Ts 2.7,8,11.) 

Se tivéssemos um sentimento de pais assim, nosso ministério seria bem sucedido e feliz.As almas precisam ser admoestadas, exortadas e aconselhadas, mas não devemos esquecer que também precisam ser guiadas, consoladas e estimuladas. Elas têm necessidade de ser guiadas para pastos verdejantes e para águas tranquilas. 

E, quando precisarmos admoestar, oxalá que pudéssemos fazê-lo como Paulo, "com lágrimas" e "pela mansidão e benignidade de Cristo". 

Ele era como um pai amoroso e uma mãe meiga! Devemos lembrar que é muito mais fácil ser negativo do que positivo, tanto na pregação como no trato das pessoas. Nossa inclinação humana é reparar os defeitos e erros, e não como esses serão remediados. 

Por isso não é necessário ser dotado de grande inteligência, nem de espiritualidade especial para dizer como as pessoas devem ser, mas precisa-se de muita graça e sabedoria para trazer a palavra que liberta - que mostra a saída das dificuldades. Aqui está, realmente, um dos tropeços mais perigosos para os servos do Senhor! Nunca devemos esquecer que fomos enviados com o evangelho! E isto não acusa os que sinceramente reconhecem seus erros e os confessam, pelo contrário, Ele absolve e revoga a sentença. Isto é, as novas de alegria, cheio de graça, poderosa para salvar e transformar. 

Precisamos, com diligência e zelo - pela luz e auxílio do Espírito Santo - estudar e associar-nos à valorização que Deus faz das almas que havemos de velar. Quanto custaram a Ele de amor, sacrifício, cuidado e trabalho. Assim como o grande alvo e os gloriosos planos que ele tem com cada uma delas. 

Nossa responsabilidade é, de fato, muito maior do que a de um médico. O serviço dele é ligado ao corpo, e por isso somente o que é perecível; enquanto nosso serviço é concernente à alma, a qual vale mais do que o mundo inteiro, e por isso tem consequências não só para o tempo, mas para a eternidade. 

Isso deve nos impressionar fortemente, e levar-nos a examinar-nos a nós mesmos! Somos tão acostumados a dirigir o holofote da palavra na direção dos outros, que esquecemos a nós mesmos com facilidade. Mas é verdade, agora como antes! "Tem cuidado de ti mesmo e do teu ensino, persevera nisto! Porque fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem." (1 Tm 4.16.) 

Que promessa maravilhosa é ligada a essa exortação! Esta promessa também é nossa!

É verdade que temos de lidar com pessoas de todos os tipos. Uns são dispostos a ouvir e obedecer, outros são indolentes e contrários. Em alguns, o caráter cristão se forma em pouco tempo, enquanto em outros vai mais devagar. Mas, devemos lembrar; se os materiais são diferentes, e há o que é muito difícil para formar, Jesus morreu por todos, e Ele deixa a porta das possibilidades aberta para cada um em particular. E nunca esqueçamos, que nem sempre é a má vontade que faz alguém mais difícil, mas que a hereditariedade e o ambiente é um cargo pesado para muitos. 

São cheios de complexos e ideias erradas. Para eles não é tão fácil como parece para nós. As tempestades da vida têm maltratado a muitos. Desapontamentos, experiências tristes, condições e pessoas têm deixado feridas, medo, desconfiança e complicações no seu interior. E Deus que sabe e entende tudo e julga justamente, tem compaixão, paciência e clemência. Ele sabe que o vaso pode se quebrar no processo de formação, mas o toma de novo e coloca na roda. Assim é Deus! 

E não deveríamos aprender dEle? Além disso, não deveria a maneira com que Jesus tratava seus discípulos, servir como exemplo para nós? 

Vê o que a paciência dEle conseguia! O Simão inconstante se tornou Pedro - o homem da rocha - e o filho do trovão, João, se tornou o apóstolo do amor. Sim, Deus pode! 

O ponderável é que os guias hão de prestar conta das almas que o Senhor lhes entregou. Vemos que alguns farão gemendo. Uns por causa de almas obstinadas, outros por causa da infidelidade própria. Feliz aquele que pode dizer: "Portanto, no dia de hoje vos protesto que estou limpo do sangue de todos.Porque não me esquivei de vos anunciar todo o conselho de Deus." (At 20.26,27.) 

Paulo não somente deu-lhes o evangelho, mas sua própria vida, e não pregava como aquele que queria agradar aos homens, mas a Deus, que prova os corações. (1 Ts 2.3,4.) 

Será um acontecimento sério o de darmos conta das ovelhas! Quando os olhos de Deus vão pairar sobre nosso trabalho. A aparência não será o importante, mas a condição interna. Por que tenho trabalhado? Quais foram os motivos que me incentivaram? Qual o poder que me controlava? Eis o que vai ser provado. Haverá muitos - por certo - que vão prestar conta "com alegria". Serviam as almas com zelo e fidelidade, em amor, desinteressadamente. Lutavam pelas almas em oração, exortavam, corrigiam e admoestavam-nas com lágrimas. Consolavam e animavam nos dias de adversidade. Inspiravam coragem, esperança e fé nas almas temerosas e duvidosas. Estimulavam-nas para serviço e labor e apontavam as riquezas em Cristo. 

Guiavam-nas para os pastos verdejantes das escrituras e as ajudavam a elevar seu olhar para a terra celeste. Foram fiéis na sua obra, e a recompensa os espera! Mas o caso é também muito sério para aqueles que são guiados. O pastor pode fazer sua obra com fidelidade, mas as ovelhas podem ser obstinadas. Não querem ser guiadas. E por causa disto o pastor estará diante do tribunal de Cristo gemendo. Por isso diz a Palavra: "Obedecei a vossos pastores, sendo-lhes submissos." 

Quantos pastores não há, que têm a dolorosa experiência de admoestar com amor para ouvidos surdos! Aquele que ele queria guiar era como enfeitiçado. 

Assim que teria vontade de dizer como Paulo: "Oh insensatos, quem vos fascinou?" E ainda: "Estou perplexo a vosso respeito." Mas não seria útil para os hebreus que os seus guias prestassem conta com gemido. E isto se refere naturalmente a todos. Por isso peça a Deus um coração quebrantado e um espírito voluntário, para que seja seu desejo fazer a vontade de Deus. Tenha medo de todo desejo de oposição, e será uma alegria obedecer os guias - aqueles que Deus tem colocado para instruir e governar. Isto será útil para você tanto aqui, na terra como diante do tribunal de Cristo! 

Às vezes se nota uma tendência de desprezo do governo espiritual. Temos um exemplo assustador na história de Israel. Uma parte do povo, com Coré como líder, se ajuntou contra Moisés e Arão e disseram: "Demais é o que vos arrogais a vós, visto que toda a congregação é santa, e o Senhor está no meio deles; por que, pois, vos elevais sobre a assembleia do Senhor?" (Nú. 16.3.) 

Não queriam respeitar a posição de liderança que Deus havia dado a Moisés e a Arão. Não entraremos em pormenores aqui. Basta somente apontar o fim horrível desses rebeldes contra Deus e sua ordenança. Deus mostrou a Israel e a todos os povos que os ministérios que Ele ordenou, hão de ser respeitados. 

Não por causa da pessoa, mas por causa do ministério. Sempre se manifestava que ninguém pode ignorar ou se rebelar contra as ordenanças de Deus, sem consequências tristíssimas. Isto já temos visto, mas será revelado mais claro no dia de prestarmos contas. Deus permita que seja um dia feliz para todos nós! "Procura apresentar-te diante de Deus' aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade." (2 Tm 2.15.)


A IDEIA DA RECOMPENSA E CERTA?
Quando abordamos o assunto de recompensa, há muitos que se admiram e perguntam: será isto certo? Eles acham, em primeiro lugar, que revela falta de humildade. Devemos ser gratos se conseguirmos entrar pela porta do céu! 

Segundo, muitos têm medo de que servir para ser recompensado os desvie da graça e os leve a uma vida de escravidão. 

E terceiro, não é o pensamento de recompensa que deve nos constranger a trabalhar, mas unicamente o amor. Acredito que é justo examinar-nos com relação a isso. Mas uma coisa é certa: a Bíblia fala muito a respeito de recompensa - galardão pelo serviço e trabalho fiel. E o galardão varia - "galardão segundo o seu trabalho". (1 Co 3.8.) 

Há diferença na perdição (Lc 10.12-15) e o mesmo acontece na glória - no dia da recompensa. Alguns hão de ver sua obra ou parte dela se queimar, e se salvarão como pelo fogo, enquanto outros serão galardoados. Uns brilharão como o firmamento e outros como as estrelas. E como a lua, o sol e as estrelas são diferentes em fulgor, assim também será na ressurreição dos mortos. (1 Co 15;41,42.) 

Uns conseguem somente entrar, enquanto outros terão uma entrada ampla. (2 Pe 1.11.) 

E não seria injusto se fosse de outra maneira? Não temos nós as mesmas possibilidades? O que se exige é bondade e fidelidade - fidelidade no pouco. Deus jamais exigiria mais do que é justo. Ele exigirá conforme o que temos recebido de aptidão espiritual e natural, e conforme as possibilidades e oportunidades. 

Ele abriu as portas das suas riquezas para todos nós. Ninguém tem razão para se desculpar. E seria em harmonia com as leis espirituais que a glória fosse igual para todos? Não deveria influir nossa maneira de viver? Sim, absolutamente! 

Pense, por exemplo, em alguém que vive uma vida egocêntrica e comodista, sem se dedicar à obra do Senhor ou salvação de almas, enquanto vemos um outro que se dedica inteiramente ao Senhor. Ele dedica seu tempo, seus talentos e suas forças à obra do reino de Deus, e a recompensa seria igual? Não, isto seria contra toda a justiça, e contra a lei concernente à semeadura e à ceifa. O lavrador sabe muito bem que ele não é capaz de fazer um único pendículo brotar da terra. 

É Deus que dá crescimento. A terra de si mesma produz fruto. Mas ele sabe também que o dever dele é arar, aplanar e preparar a terra. Recompensa pelo seu trabalho ele recebe na ceifa. Assim acontece em todos os setores da vida, também nos espirituais. Ninguém acha absurdo que o lavrador preguiçoso não tenha uma ceifa tão abundante como aquele que é diligente. É natural! E a graça não desaparece nisto. 

Não é Deus que, em Cristo, tem cuidado de nós? Não é Ele que nos escolheu para um serviço determinado? Não é Ele que nos preparou, tanto espiritualmente como humanamente, para efetuarmos e terminarmos este serviço? Nós não somos capazes, por nós mesmos. Nossa capacidade vem de Deus. Com isto a graça aumenta (Ef 3.8). 

Não somente salvo, mas cooperador de Deus escolhido por Ele mesmo para o ser! É de se admirar que Deus não queira que recebamos a graça em vão? E seria absolutamente egoísmo esperar recompensa pela obra feita com fidelidade e perseverança? Não é algo que Deus ordena para nossa vida, que obra realizada seja remunerada? Moisés "tinha em vista a recompensa", e isto deu-lhe força para recusar os tesouros do Egito e entrar no serviço para o qual foi chamado. (Hb 11.26.)
E nosso Salvador "suportou a cruz" por causa do "gozo que lhe estava proposto" (Hb 12.2). E Paulo falou de exercer domínio próprio em todas as coisas, para poder correr e ganhar o prêmio - a coroa incorruptível (1 Co 9.25). 

Ele tinha uma paixão santa; alcançar o alvo e ganhar o prêmio. Isso nada tem a ver com a natureza de escravo, mas é livre que serve porque o amor enche o coração. É o filho que espera ver o sorriso do pai, porque sabe que está em harmonia com o desejo e a vontade do pai. É justamente assim que o filho se sente livre. 

O Senhor prometeu recompensa em relação aos diferentes serviços para os quais nos chamou. E como já foi mencionado - isto há de acontecer na vinda de Jesus. "Eis que venho breve e minha recompensa está comigo, para retribuir a cada um segundo a sua obra." (Ap 22.12.) 

Mais claro não pode ser dito. Será um dia de alegria para o ganhador de almas. Paulo o tinha em vista com grande expectativa. Ele escreve aos tessalonicenses: "Porque, qual é a nossa esperança, ou gozo, ou coroa de glória, diante de nosso Senhor Jesus na sua vinda? Porventura não o sois vós?'" (1 Ts 2.19.) 

As lutas, fadigas e os sacrifícios tinham sido grandes. Ele tinha sentido dores de parto por eles, e tinha posto tudo de lado para ganhá-los para Cristo, mas agora se esqueceu de tudo. A gloriosa recompensa sobrepujou 'a tudo. "Os que converteram a muitos para a justiça resplandecerão como as estrelas sempre e eternamente." (Dn 12.3.) 

Quando Paulo escreve sua última carta, ele já sabe que o martírio o espera. "Já estou sendo derramado como libação - a partida está próxima." 

Que testemunho maravilhoso ele nos dá: "Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o justo juiz me dará naquele dia, e não somente a mim, mas também a todos que amaram a sua vinda." (2 Tm 4.7-8.) 

Aqui vemos uma recompensa pelo serviço feito com perseverança. Um ministério que Paulo renunciava a tudo para poder completar. Ele não tinha sua vida como preciosa, em nada para si, contanto que completasse sua carreira e o ministério que recebeu do Senhor Jesus. (At 20.24.) 

Como está você, meu caro irmão? Você se esforça para alcançar o alvo? Ou deixa que outras coisas o distraiam na carreira? Conta-se das grandes competições de corridas, no tempo de Paulo, que os espectadores apostavam grandes somas de dinheiro nos seus favoritos. Acontecia que usavam truques para poder distrair os competidores. Jogavam maçãs de ouro ou outras coisas brilhantes na frente deles. Se eles os pegassem, perderiam segundos preciosos, e com isto provavelmente a corrida. Não deixe alguma coisa perturbar a sua corrida. 

A recompensa o espera! Na carta de Tiago, e também em Apocalipse, podemos ler que a coroa da vida é prometida àqueles que perseverarem nas tentações, nos sofrimentos e no martírio. 

"Bem-aventurado o homem que suporta a provação, porque, depois de aprovado, receberá a coroa da vida, que o Senhor prometeu aos que o amam." (Tg 1.12.) "Sê fiel até a morte e dar-te-ei a coroa da vida." (Ap 2.10.) 

Na primeira carta de Pedro, capítulo 5 e versos 2-4 há a promessa da imarcescível coroa da glória àqueles que mostraram fidelidade no serviço como pastor. Ser um verdadeiro pastor exige cordialidade, abnegação e sacrifício. Não pode dominar, mas precisa ser um exemplo para o rebanho. Precisa exortar como um pai, e ser dócil como uma mãe - aconselhar, consolar e ajudar. 

É o rebanho de Deus que se apascenta; são as ovelhas e cordeirinhos do Senhor Jesus. São aqueles por quem o Senhor Jesus morreu. São propriedades dele. Graças a Deus! Ele observa quem faz seu serviço com fidelidade. E o galardão Ele entregará na presença dos habitantes celestiais. Isso valerá mais do que todo o reconhecimento e recompensa aqui.


O SENHOR ESPERA JUROS E CRESCIMENTO

(Mateus 25.14-30)

O Senhor Jesus dá uma parábola aqui, que ilumina bem o nosso tema. (Leia também Lucas 19.12-26.) Um homem ausentou-se do país, mas antes de viajar, ele entregou seus bens aos seus servos, para sua administração. Depois de muito tempo ele voltou. então veio a hora de prestar contas, para aqueles a quem foram confiados os bens. Para dois deles foi um momento de alegria, para o terceiro de tristeza. 

Os primeiros receberam mais ainda. Deus pôde confiar-lhes maiores riquezas, enquanto o infiel perdeu até o que tinha, e foi lançado nas trevas exteriores. É horrendo pensar nisto, ele foi chamado servo "mau" e "preguiçoso". Recebeu um talento que poderia dar juros e assim crescer para dois, mas ele o escondeu na terra. Ficou sem ser posto em movimento. Ele não aproveitava as possibilidades que Deus lhe deu. 

As oportunidades não foram usadas. Pode ler isto sem ser impressionado? Sem sentir a responsabilidade pesar sobre si? Na parábola das minas todos receberam a mesma quantia. Será que isto não se trata da salvação? Nela somos todos iguais. Temos o mesmo perdão e renascimento, somos todos filhos de Deus - e filhos com os mesmos direitos. Nosso Pai é bastante rico para com todos. Aqui não há diferença. Mas a respeito dos talentos havia grande diferença, e ninguém tinha responsabilidade por mais do que havia recebido. Mas por isso tinha. 

E acredito que isto se refere às bênçãos e dádivas espirituais que temos recebido. e também à capacidade natural junto com as possibilidades e oportunidades. E aqui há grande diferença. Uns são mais dotados do que outros, e uns recebem um campo de serviço mais fácil do que outros. O que importa é que sejamos fiéis naquilo que Deus nos entregou, no lugar onde Ele nos colocou. É comovente pensar que Deus tem um plano para cada um de nós. Que graça poder crer que não estamos neste mundo por acaso, mas pela vontade divina. E Ele tem-nos destinado para serviços determinados nesta vida. 

"Somos feituras sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas." (Ef 2.10.) 

Sim, destinados para obras que estão esperando por nós. Devemos achar essas obras e andar nelas. 

Isto implica que perguntamos o que Ele quer e deixamos Cristo ser o Senhor. Andamos em jugo com Ele e obedecemo-lo em tudo. Assim Ele dá o que precisamos para fazer o seu serviço. E dessa maneira construímos com "prata, ouro e pedras preciosas". 

Em Apocalipse 19.7,8 estão registradas algumas palavras admiráveis, que explica o que estamos falando: "São chegadas as bodas do Cordeiro, e já a sua noiva se preparou, e foi-lhe dado vestir-se de linho fino, resplandecente e puro; pois o linho fino são as obras justas dos santos." Isto não é escravidão! "Foi-lhe dado obras antes preparadas." Mas ela precisa vestir-se, andar nelas. 

Devemos descansar das nossas obras, mas não das de Deus. E devemos ter bem vivo em nossa mente, que embora sendo "libertos do Senhor", somos "escravos de Cristo" - "debaixo da lei de Cristo." (1 Co 7.22 e 9.21.) Quando efetuamos e completamos o plano de Deus, pela graça, sabedoria e força que Deus concede, as obras ficam feitas "em Deus", isto quer dizer dEle e por meio dEle. 

E passarão pela prova de fogo. Você acha que seria injustiça de Deus esperar rendimento daquilo que nos deu? Não é assim na natureza inteira? Um pequeno grão não tem a possibilidade de ser muitos? A terra não dá com multiplicidade o que recebe? Deveria reinar outra lei na vida espiritual? 

Aquele, com um talento, pensou que tudo seria bem, devolvendo o que ele recebeu. Nada foi esbanjado. Mas como se enganou! Pois o que Deus dá tem em si capacidade de força - se for usado da maneira certa - para alimentar e multiplicar. Por isso Deus exige rendimento. Pense na aptidão natural! Não é natural pensar que o de maior capacidade é destinado para um serviço maior no reino de Deus? Sua influência é maior do que a de um ordinário, se ele for fiel. É conforme a fidelidade em relação à capacidade que contas serão exigidas dele. 

Mas sabemos, entretanto, que a maior capacidade nada vale na obra de Deus, se o poder de Deus e os dons espirituais não são ligados a ela e a usam. E será possível receber essas riquezas de Deus, riquezas tais que são uma manifestação de sua graça, sabedoria e poder, sem que elas deem fruto e crescimento? 

Seria injustiça que Deus espere isto? Um bom dote natural não é dado para glória própria, e as bênçãos espirituais não são dadas para usufruto pessoal. São dadas para servir os planos de Deus e dar fruto para eternidade. 

O recebimento das dádivas de Deus, sejam naturais ou espirituais, não é um alvo em si mesmo, mas meios para servir o decreto do Deus onisciente. Foi por meio da graça que recebeu, que o apóstolo "trabalhava mais do que todos". (1 Co S.10.) O grande serviço era o resultado de graça recebida. O poder de Deus e os dons espirituais são dados para servirmos uns aos outros e construir o reino de Deus. "Servindo uns aos outros conforme o dom que cada um recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus. 

Se alguém fala, fale como entregando oráculos de Deus; se alguém ministra, ministre segundo a força que Deus concede; para que em tudo Deus seja glorificado por meio do Senhor Jesus Cristo, a quem pertencem à glória e o domínio para todo o sempre, amém." (1 Pe 4.10,11.)


DEUS ESPERA FIDELIDADE NA VIDA PRÁTICA E NAS COISAS MÍNIMAS.

Temos a tendência de pensar que a grandeza no reino de Deus consiste em experiências especiais, com emoções maravilhosas, visões e ministérios espirituais. Temos facilidade de espiritualizar tudo. Naturalmente, este lado tem seu lugar, mas é somente um lado. A graça de Deus e o cristianismo vivo são muito práticos. 

O Senhor Jesus revelou um cristianismo cotidiano! E se as nossas experiências espirituais não dão um resultado prático na vida cotidiana, realizando obras, nada nos adiantam. Isto também será provado diante do tribunal de Cristo. Não pense, todavia, que é somente o evangelista, o pastor ou o mestre que hão de prestar contas. Todos havemos de fazê-lo, Será julgado como temos aproveitado as possibilidades naturais e práticas que Deus nos deu. Não se trata de estar em posições notáveis. É possível que a vontade de Deus para com você é que você seja um dos muitos soldados desconhecidos. 

Esses que, apesar de serem anônimos, são tão necessários para a vitória na batalha. Não se esqueça de que, aos olhos de Deus, o menor serviço tem valor, porque serve uma grande unidade. "Você foi fiel no pouco", foi dito ao servo bom. O menor membro é necessário no corpo, a pedra invisível no prédio, é tão indispensável como aquela na fachada. A menor roda numa máquina é tão importante como a maior. 

O detalhe mínimo precisa funcionar. Precisamos ser fiéis, tanto recebendo um como cinco talentos para administrar. Mas acho que o perigo é maior para aquele que recebeu pouco; é mais fácil ser ocioso e infrutífero. Entretanto, prestar conta, todos vamos fazer; para desapontamento de alguns e alegria de outros. Oxalá sejamos destes e não daqueles! Contudo, não serão as "grandes pregações", nem os "momentos exaltados" a serem avaliados, mas a graça de Deus realizada em obras práticas de amor. 

Aqueles que foram injuriados, escarnecidos e perseguidos por causa do nome do Senhor Jesus, receberão grande recompensa. (Mt 5.11,12.) 

Um jovem me contou que não se tinha passado um dia sequer, desde que foi salvo, sem seu pai o amaldiçoar por causa da sua atitude cristã. Para ele a recompensa será maior! O martírio de muitas esposas também receberá seu prêmio. Sim, todos que sofreram com ele, também serão glorificados com ele. A tribulação produz mais abundantemente um eterno peso de glória. A generosidade e a misericórdia terão sua recompensa. Se você convida para festa aqueles que não "possam retribuir", você não somente é bem-aventurado aqui, mas terá recompensa na ressurreição dos justos. (Lc 14.13,14.) 

Assim é a doutrina de Jesus. Em Mateus 10.41,42 temos umas palavras notáveis: "Quem recebe um profeta na qualidade de profeta, receberá a recompensa de profeta; e quem recebe um justo na qualidade de justo, receberá a recompensa de justo. 

E aquele que der até mesmo um copo de água fresca a um destes pequeninos, na qualidade de discípulo, em verdade vos digo que de modo algum perderá a sua recompensa." Por conseguinte, tudo que para nós parece pequeno e insignificante, a saber, dar comida e pousada para um servo do Senhor, e dar um copo de água fresca para um discípulo, é grande e de muito valor aos olhos de Deus, quando feito em espírito de amor e com os motivos retos.
Estes, aparentemente pequenos, serviços e obras de amor para com pobres, doentes e necessitados, e palavras de consolo e encorajamento para as almas abatidas e contritas, são de muita estima aos olhos de Deus. 

Porque isto está em harmonia com a mente e a natureza do Senhor Jesus, que se compadece daqueles que são angustiados e aflitos. Além disto, não nos causa elogios e louvor, e consequentemente é mais separado do nosso ego. E nestes atos, nossas qualidades melhores se revelam. 


Quero destacar com precisão nosso relacionamento ao "Mamom injusto", nosso uso dele. Justamente à luz do julgamento diante do tribunal de Cristo. Receio que muitos filhos de Deus não compreendem isto, da maneira bíblica. 

Pensam que eles mesmos têm direito de decidir como usar seus bens materiais, e suas próprias necessidades têm preferência. Se sobrar alguma coisa para a obra de Deus, bom é! Não tem uma convicção definida de que as "primícias" pertencem ao Senhor, e que sua recepção no céu tem algo a ver com a maneira de administrarem os bens que Deus lhe confiou aqui. 

Alguém, por certo, pode achar que minha última afirmação é muito audaz, mas a Palavra de Deus indica que estou certo. Quando os crentes são dominados pelo pensamento de que eles têm o direito de aplicar seus bens segundo seu bel-prazer, e que há pouca ou nenhuma ligação entre a vida material e a espiritual, isto não deixa de ter consequências. Provavelmente gastam o máximo para seu próprio interesse, e, se possível, acumulam em bancos e em propriedades, enquanto o reino de Deus recebe o mínimo. 

Dando muitas vezes segundo o sentimento e o humor, e não conforme o plano de Deus. Mas, se não antes, diante do tribunal de Cristo, descobrirão seu grande erro, e mudarão de opinião. 

A Bíblia tem as mais severas admoestações para "aqueles que querem ser ricos". 

"Porque' o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males, e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se transpassaram a si mesmos com muitas dores" (1 Tm 6.9-10), e mais: "os que querem tornar-se ricos caem em tentações e em laço e em muitas concupiscências loucas e nocivas, as quais submergem os homens na ruína e na perdição." 

Pode ser dito mais claro e mais severamente a respeito do perigo do "Mamom da injustiça"? Não há poucos que apostataram da fé por não usarem as riquezas segundo a vontade de Deus. Isto a experiência nos mostra. Não é o propósito de Deus, que aqueles que têm sua pátria no céu, ajuntem tesouros para si aqui neste mundo. 

Naturalmente, é necessário que, por exemplo, um comerciante tenha capital para as finanças do seu empreendimento. Mas quem tem a compreensão espiritual certa, deseja - se a ele é confiado muitos bens materiais - dirigir sua vida e a da sua família, e também o seu comércio, de maneira tal que o máximo pode ser aproveitado para os pobres e para a extensão do reino de Deus. É verdade que Deus espera isto, sim, Ele o exige! Os bens materiais nos são confiados para produzir o que é bom, e para serem transformados em valores espirituais e eternos. 

E isto não se refere somente àqueles que receberam muitos bens materiais. A mesma regra é para todos. A "oferta da viúva pobre" sempre tinha muita importância para a promoção da obra de Deus. Todos devemos dar segundo as nossas possibilidades, e de coração. Jesus nos deu um ensino extraordinário e maravilhoso a respeito deste lado de nosso serviço a Deus. (Lc 16.9-12.) 

Há diversos aspectos nisto, mas quero especialmente atrair nossa atenção para os valores espirituais que se ganham por meio da entrega do "Mamom injusto" ao serviço de Deus. Escute as palavras do Senhor Jesus: "Granjeai amigos por meio das riquezas da injustiça, para que, quando estas vos faltarem, vos recebam eles nos tabernáculos eternos." 

O véu do nosso lar celeste está sendo descortinado, e podemos ver amigos nos dando boas-vindas ali. Amigos que nós mesmos ganhamos, usando de maneira certa nossos bens materiais. 

Palavras extraordinárias, não é? Nunca tomou isto a sério? Aqui há sabedoria divina. O que é profano e efêmero pode ser transformado em valores espirituais e eternos. Nosso olhar é elevado do que é pequeno para o que é grande, do presente para o celeste, do que é perecível para o que é eterno. Isto é valorização à luz da eternidade! Nosso dinheiro nos ganha amigos para a eternidade! 

Quando os crentes do Brasil - juntos com os santos de todos os lugares - chegarem ao lar celeste, hão de encontrar africanos, índios e almas de outros campos missionários, dando-lhes as boas-vindas. Mostrar-se-ão como amigos. Quando os crentes do Brasil se admirarem, esses seus amigos poderão dizer: "Vocês usavam seu dinheiro para enviar missionários para nos contar as boas novas do Evangelho. Por causa disto fomos salvos. Se não tivessem vindo, não teríamos a oportunidade de ouvir e crer. Então não estaríamos aqui, mas na perdição." "Mas os mensageiros não poderiam vir se alguém não os enviassem. Por isso agradecemos-lhes, porque davam dos seus bens, e assim possibilitavam aos mensageiros saírem." Que graça maravilhosa! 

Podemos aplicar nosso dinheiro duma maneira tal que terá valor para a eternidade; permutando-o em valores celestiais. Que possibilidades para ajuntar tesouros no céu! Você provavelmente não tem muita aptidão para influenciar outros, mas pode fazê-lo indiretamente, sustentando outros que têm essa aptidão. Você pode ser a pequena roda que faz a maior movimentar-se, e, por isso, indispensável. Se você falhar, haverá consequências para aquele que é dependente de você. Isto é aflitivamente sério! Há muitos que querem ir, mas não podem. 

Falta dinheiro. Por isso uns têm que parar, e outros não podem começar. Há falta na casa de Deus, e as ofertas são retidas. E as consequências? Muitos ficam sem ouvir o Evangelho e se salvarem.

Como pode ter ousadia para usar tanto para si mesmo e tão pouco para espalhar a mensagem da salvação? 

Como pode, com consciência tranquila, ajuntar tesouros aqui, sabendo que com estes poderia salvar almas das trevas de perdição? Cuida da sua casa, enquanto a casa de Deus é desolada! Como pode fazer isto e ainda dizer que é salvo? Como pode ter ousadia para se aproximar de Deus em oração, enquanto usa egoisticamente as possibilidades que Deus lhe confiou? 

E como pode confiar na salvação que custou tudo para o Senhor Jesus, vivendo tão longe daquele espírito de sacrifício que impeliu o Senhor Jesus para o Gólgota? Você nem é fiel "no pouco", nas riquezas deste mundo, como Deus pode, então, confiar-lhe o que é "grande"? Os tesouros espirituais e verdadeiros? E como será o seu encontro diante do tribunal de Cristo, quando há de prestar conta? Terá amigos lá para lhe darem as boas-vindas? 

O Apóstolo Paulo também tem umas palavras notáveis a dizer a respeito das riquezas deste mundo: "Mande ... que pratiquem o bem, que se enriqueçam de boas obras, que sejam liberais e generosos, entesourando para si mesmos um bom fundamento para o futuro, para que possam alcançar a verdadeira vida." (1 Tm 6.17-19.) O que nos diz isto? Senão que a generosidade, a liberalidade e as boas obras terão valor na eternidade! Enquanto você anda nas obras que Deus antes preparou, você se veste do "linho fino", que são as obras justas dos santos, e receberá o que fez por meio do corpo.

Sabendo que podemos servir ao Senhor com as nossas propriedades (Lc 8.3), e dessa maneira ganhar tesouros para a eternidade, o serviço se torna um privilégio. E não só isto, mas o nosso coração se prende ao lugar onde está o nosso tesouro. Há um acontecimento que tem me comovido muito, cada vez que tenho me lembrado dele ultimamente, e cabe mencionar aqui. 

É a respeito de um mui amado irmão, que recebeu mais das riquezas deste mundo, do que a maioria. Mas ele vive como um a quem foi confiado tudo isto por Deus, para administrar. Ele usa seu dinheiro para servir a Deus. Deixe-me mencionar um acontecimento especial, que tem tido resultados grandes e extensos. Penso nisto com muita gratidão a Deus.
Deus lhe falou que deveria construir um local para reuniões numa cidade grande, e ele obedeceu à voz divina. Não foi erguido num lugar central da cidade, nem numa circunvizinhança muito boa e bonita, naquela época. Mas, com o decorrer dos tempos, tem sido manifestado que era a vontade de Deus. 

As reuniões foram bem frequentados, e uma igreja local se formou, porque almas foram salvas. Depois de uns anos compraram o local por muito menos do que custou. Mais tarde este local precisou de ser ampliado e a obra de Deus tem tido muito progresso naquela cidade. A maior escola dominical da cidade se reúne nesse local; e quando isto é escrito, essa igreja tem mais de mil membros. 

Muitos missionários saíram dessa igreja. Além disto, diversos obreiros - saindo dessa igreja - estão servindo ao Senhor na pátria.
Temos direito de pensar - humanamente - que esta obra tão florescente não teria existido, se aquele irmão não tivesse construído o primeiro local por sua conta. C

om arrepio penso nos valores eternos, que provavelmente teriam sido perdidos, se ele não tivesse permanecido fiel! Agora essa igreja fica como um farol luminoso naquele bairro. Multidões têm sido guiadas até o porto da salvação; sim, milhares têm recebido bênçãos do Senhor ali. Somente a eternidade vai revelar o verdadeiro valor! 

E tudo isso só porque um homem se prontificou a servir! Oh, quantos se apegam tanto às coisas perecíveis! Mas um dia terão que deixar suas riquezas, e quão pobres ficarão no outro lado! Não ajuntaram tesouros ali, tesouros que nem traça, nem ferrugem podem consumir.
Que triste. Tiveram as maiores possibilidades, mas não as aproveitaram! Conta-se de uma senhora rica e religiosa que teve um sonho. No sonho ela se viu no céu, e com um anjo a acompanhá-la, mostrando-lhe tudo o que havia ali. 

Ela viu as moradas dos santos. E aproximando-se de uma casa grande e bela, ela pensou: "Esta deve ser minha". Era acostumada a morar em casas desse tipo na terra, e por isso pensou que seria o mesmo no céu. Mas ficou sabendo que essa casa pertencia à sua empregada. Com o conhecimento disto, ela ficou na expectativa de receber uma ainda mais esplêndida. Estava ajustada à diferença entre as classes na terra. 

Ansiosa para ver a sua, o anjo a levou para uma casa pequena e simples. Decepcionada, ela queria saber porque a casa de sua empregada era muito maior e melhor do que a dela. Então ela ficou sabendo que não tinha enviado material que desse para uma casa maior e melhor. Eles tinham feito o melhor possível com a escassez de material. 

A empregada Ana, ao contrário, tinha mandado material em abundância. Por isso tinha uma casa ampla e bonita. Isto foi só um sonho, mas cheio de sabedoria e verdade. É justamente o que a Bíblia diz., Entreguemos tudo à disposição de Deus! O que somos, o que temos, nosso tempo, nossas aptidões, forças e bens, sim, tudo! Depositemo-nos na Sua conta, para Sua honra, e para salvação, utilidade e bênção dos homens.


CONCLUSÃO

Os motivos de nossas obras e o espírito em que foram feitas pesarão mais na balança no dia em que elas serão provadas pelo fogo. O Senhor não pesa somente as ações (1 Sm 2.3), mas também os espíritos (Pv 16.2). E

le vê o que os homens não enxergam, por isso não erra no julgamento. Os desígnios dos corações serão revelados quando cada um receberá "o seu louvor" de Deus. (1 Co 4.5.) 

O servo fiel ouvirá: "Servo bom e fiel", etc. Bondade e fidelidade são resultados do caráter transformado. Notemos isto! Que bom que não se diz, por exemplo: "Servo afortunado e próspero", mas são recompensadas a bondade e a fidelidade. 

É inevitável que alguns sejam mais afortunados do que outros. Chegam no momento certo, para campos maduros, prontos para serem ceifados, depois de lutas de semeaduras. Sua tarefa é mais fácil e causa mais louvor pelos homens, do que o serviço daqueles que lavraram e prepararam a terra e semearam fielmente a palavra da vida. Mas o Senhor vai recompensar com justiça. E provavelmente a conta final aparecerá diferente do que julgamos pela nossa visão curta. Pense na diferença que há no cultivo da terra. E como é no sentido material, assim também é no espiritual. 

Que diferença não há em trabalhar no Brasil e no Tibete, por exemplo! No Tibete pode-se ajuntar umas poucas almas numa barraca para contar-lhes do sacrifício do Senhor Jesus, e há imensa dificuldade em ganhá-las para o Senhor Jesus. São gratos quando se consegue ganhar um por um. Enquanto no Brasil as almas se entregam em massas, e as igrejas crescem rapidamente. Alguém pensa que o galardão será menor para um missionário do Tibete, porque os resultados são menores? Não, absolutamente não! 

Meu coração se comove ao pensar nos mensageiros fiéis que trabalharam naquele país. Eles mostram uma fidelidade que muito ultrapassa a nossa, que trabalhamos num campo muito mais fácil. Os resultados grandes não são sempre causados somente pelo obreiro, mas muitas vezes pelas circunstâncias e acontecimentos favoráveis. Como também pequenos resultados não são sempre a consequência de pouca capacidade, carnalidade ou infidelidade por parte do obreiro. O tempo pode ser especialmente penoso e as circunstâncias difíceis. Pense na experiência do "pregador de justiça", Noé! Mas alguém acha que a recompensa de Noé será pequena? Ele não mostrou uma fidelidade excepcional? 

Por isso a surpresa será enorme no dia da recompensa. Aquele que dos seus contemporâneos foi considerado digno de grande recompensa, provavelmente receberá pouco. Enquanto quem não se fez notável aqui, excederá em glória àquele que recebeu galardão durante seu ministério aqui. 

E justamente porque a vida interna é a que conta, o Apóstolo Paulo tinha a atitude que ele manifesta nas seguintes palavras: "Todavia, a mim mui pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por qualquer tribunal humano ... quem me julga é o Senhor." (1 Co 4.3,4.) 

Ele não se interessava pelo que as pessoas pensavam ou julgavam. Para ele importava somente o tribunal de Cristo. As críticas ou os elogios dos homens não o afetavam muito, mas sim, o que Deus - que conhece tudo - pensava da vida dele. Por isso ele apelava aos coríntios que não julgassem coisa alguma antes do tempo. Deixa isto com o Senhor, foi o conselho dele. Eles tinham desentendido, classificado e julgado Paulo, Apolo e Cefas, e com isto mostrado como eram desesperadamente humanos no seu julgamento. "Nada julgais antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não só trará à luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá de Deus o seu louvor." (1 Co 4.5.) 

O julgamento humano é sempre imperfeito e por isso realmente sem valor. Os homens não veem o coração, mas somente o exterior. Por isso o seu julgamento também é feito conforme o exterior, e não conforme o interior. 

Mas aos olhos do Senhor tudo é descoberto, e é com Ele que temos que tratar, tanto aqui como na eternidade. Bom seria, que Deus, na sua misericórdia, possa purificar e santificar nossos motivos, para que "a fé que opera pelo amor" sempre seja o que nos constranja amor a Cristo, à sua obra e às almas. Que nosso zelo seja o zelo de Deus, e que o nosso amor seja primordialmente amor ao nosso noivo. Então nosso serviço será serviço a Deus e terá a marca da imortalidade. E importa perseverar até o fim para não perder parte da recompensa. Escute o conselho de João: "Olhai por vós mesmos, para que não percais o fruto do nosso trabalho, antes recebais plena recompensa" (2 Jo 8). 

É possível perder algo daquilo que ganhou pelo seu serviço, e assim parte da recompensa. Isto não é coisa séria? Não foi este pensamento que ajudou o Apóstolo Paulo? Note essa expressão forte: "Mas em nada tenho a minha vida preciosa para mim, contanto que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus." (At 20.24.) A carreira e o ministério dado por Deus precisavam ser completos. E por isso tudo foi posto ao lado, sua vida ele não tinha por preciosa. Oh, que comovedor! E que desafio para nós também! Ele comprovou na sua vida que não a tinha por preciosa. (Leia 1 Coríntios 4.9-13; 2 Coríntios 6.3-10 e 11.23-29.) 

Na verdade, havia escassez de recompensa, honra e veneração aqui, mas imagine como ele vai brilhar na glória! Então ele será honrado e recompensado! Esta mesma atitude devemos ter todos nós! Não procurar estimação, honra e fama, mas buscar a honra e a glória do Senhor. E assim nossa entrada será ampla e rica. 

E quando o fim é bom, tudo é bom. O que Deus nos deu tem sido transformado em fruto para a eternidade, e a incumbência e a missão que nos foram entregues são completas. Tudo por Deus e para Deus. Nós somos somente instrumentos que apresentamos para o serviço. A obra de Deus em nós resultou em "querer e efetuar segundo a sua boa vontade". Por isso será escrito sobre toda a nossa obra - se permanecer - graça, graça! 

E Deus será glorificado por meio da sua própria obra. E assim a recompensa será realmente - recompensa de graça. "Portanto, irmãos, procurai mais diligentemente fazer firme a vossa vocação e eleição; porque fazendo isto, nunca jamais tropeçareis. Porque assim vos será amplamente concedida a entrada no reino eterno do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo." (2 Pe 1.10,11.)

12. A Igreja como a Casa de Deus

Os dois principais aspectos pelos quais a Igreja é considerada no Novo Testamento são: como Corpo de Cristo e como Casa de Deus.

Analisada pela primeira perspectiva - como Corpo de Cristo -, a Igreja é composta de todos os crentes da terra, os quais constituem um único Corpo que é ligado à Cabeça, no Céu, pelo batismo no Espírito Santo (1 Coríntios 12:12-13; Cl 1:18).

Vista como Casa de Deus, de acordo com a mente de Cristo, a Igreja é composta de crentes judeus e gentios edificados juntos para habitação de Deus por meio do Espírito (Efésios 2:22).

O Corpo único expressa o aspecto celestial da Igreja. Os crentes são constituídos povo celestial por causa de sua união com Cristo no Céu - sendo Ele a Cabeça do Corpo. A Casa de Deus, por sua vez, sempre contempla a Igreja em conexão com a terra.

A formação e a manutenção do Corpo único estão além da responsabilidade do ser humano.

Por isso, nada que seja inconsistente terá parte no Corpo.É certo que todos os crentes são responsáveis por manter a verdade do Corpo e por andar na medida da luz que têm dele - e nisso temos falhado horrivelmente -, mas o Corpo propriamente dito é constituído apenas de crentes verdadeiros, por ação do Espírito Santo. Já a Casa de Deus foi estabelecida sobre a responsabilidade humana.

Sabemos que o homem é passivo de falhas, e, em decorrência disso, matéria indigna acabou sendo introduzida na Casa de Deus, que resultou na solene afirmação do apóstolo Pedro de que o julgamento há de começar pela casa de Deus (1 Pedro 4: 17).

Contudo, antes de poder formar qualquer ideia apropriada de nossas responsabilidades no que diz respeito à Casa de Deus ou de avaliar a extensão de nosso fracasso em cumprir essas responsabilidades, é essencial entendermos claramente o conceito de Casa de Deus segundo o propósito divino original. Para isso, devemos retomar à Palavra de Deus, pois é impossível aprender de um cristianismo corrompido o sentido original da Casa que o divino Arquiteto edificou na terra.

Voltando-nos para as Escrituras, logo descobrimos que a Casa de Deus é um lugar muito amplo, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. A primeira menção a esse fato está em Gênesis 28, e a última, em Apocalipse 21.

Do primeiro ao último livro, da criação atual aos novos céus e nova terra (o estado eterno), a Casa de Deus constitui-se um dos maravilhosos e imutáveis desígnios concebidos na mente divina.

É certo que a composição da casa difere bastante de época para época. Nos dias do Antigo Testamento, foi edificada com tábuas e cortinas e mais tarde com pedras materiais. Hoje, no âmbito do propósito divino, compõe-se de "pedras vivas".

No entanto, enquanto os elementos variam, o propósito de sua existência permanece o mesmo.

Não importa a forma que assuma, o objetivo é que seja sempre uma habitação para Deus. Salomão expressa essa ideia quando declara: "Edifiquei uma casa para tua morada, lugar para a tua eterna habitação" (2 Crônicas 6:2). Deus, para a própria satisfação, estava determinado a habitar com o ser humano.

Convém, evidentemente, que a Casa de Deus apresente certas características.I

Independentemente da forma que assuma, tudo ali deve necessariamente corresponder a Deus. A Primeira Epístola a Timóteo foi escrita especialmente para nos instruir quanto ao comportamento adequado à Casa de Deus (1 Timóteo 3: 15). 

Mas, para que tenhamos um comportamento correto, é essencial que conheçamos as características determinantes da Casa de Deus.

A santidade é a sua primeira característica distintiva, conforme lemos em Salmos 93:5: "Fidelíssimos são os teus testemunhos; à tua casa convém a santidade, SENHOR para todo o sempre". 

Lemos também, em Ezequiel 43: 12: "Esta é a lei da casa. Sobre o cume do monte, todo o seu contorno em redor será santíssimo; eis que esta é a lei da casa" (ERC). A santidade, portanto, é a primeira regra da Casa. Por essa razão, a Epístola a Timóteo instrui os que constituem a Casa de Deus a manter o "coração puro", a "consciência boa" e a "fé sem hipocrisia".

Além disso, toda conduta que esteja em contradição com esse ensino deve ser rejeitada (1 Timóteo 1:5-10).

Outra característica distintiva da Casa é a dependência de Deus. Por conseguinte, a oração ocupa lugar importante nessa questão, pois é a expressão dessa dependência. Desse modo, lemos: "Quero, portanto, que os varões orem em todo lugar, levantando mãos santas, sem ira e sem animosidade" (1 Timóteo 2:8). 

Todos os que integram a Casa de Deus devem ser dependentes de Deus, que habita ali.

Temos ainda outra importante característica: a sujeição à autoridade. Na Casa de Deus, a mulher deve aprender em sujeição, sem usurpar a autoridade do homem (1 Timóteo 2: 11-12).

Finalmente, a Casa de Deus distingue-se pela supervisão e pelo cuidado - supervisão preocupada com o bem-estar espiritual do povo (1 Timóteo 3: 1-7) e cuidado quanto às necessidades temporais e físicas das pessoas (v. 8-13).

O mundo distingue-se pela maldade, pela auto-suficiência, pela rebelião contra a autoridade, pela ausência de supervisão espiritual e pela negligência para com as necessidades do ser humano. Na Casa de Deus, porém, predominam condições inteiramente opostas. Ali, em conformidade com o propósito da mente divina, a santidade precisa ser mantida, e tudo deve estar na dependência de Deus e sujeito à autoridade outorgada por Ele. Na Casa de Deus, alma e corpo recebem toda a atenção.

Estas são, portanto, algumas das principais características: santidade, dependência de Deus, sujeição, supervisão e cuidado. Além disso, essas características são necessárias para que o propósito de Deus concernente à Sua Casa seja devidamente realizado.
Qual seria, então, o principal propósito que Deus tinha no coração ao decidir habitar entre os homens? Primeiro, se Deus tem um lugar de habitação entre os seres humanos, é para que se tome conhecido por abençoar os homens. Segundo, se o ser humano é abençoado por Deus, é para que Deus seja louvado.

Estes são, portanto, os dois principais propósitos relacionados com a Casa de Deus: Deus se fazendo conhecer pelas bênçãos que concede, para que o homem, então, se volte para Ele em louvor.

Em face disso, torna-se evidente que o privilégio - e a responsabilidade - dos que têm parte na Casa de Deus consiste em expressar a Deus e em louvá-Lo. Esses princípios norteadores são belamente evidenciados na primeira porção das Escrituras que faz menção à Casa de Deus: Gênesis 28:10-22. Ali Jacó, o peregrino, tem uma visão da Casa de Deus. E podemos, nessa cena, contemplar, ao mesmo tempo, o propósito de Deus e a responsabilidade do homem com relação à Casa de Deus. Deus revelou-se a Jacó como aquEle que está determinado a abençoar o ser humano em Sua graça soberana. Deus prometeu: "Em ti e na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da terra". E disse que iria cumprir a promessa. Ele seria fiel à Sua palavra: "Não te desampararei, até cumprir eu aquilo que te hei referido".

Assim, temos de nossa parte dupla responsabilidade.

Jacó exclamou: "Quão temível é este lugar! É a Casa de Deus, a porta dos céus". Imediatamente, ele "tomou a pedra que havia posto por travesseiro e a erigiu em coluna, sobre cujo topo entornou azeite".

A porta representa o acesso ao Céu. Através dela, entramos em contato com o Céu para orar e louvar. E, diga-sede passagem, essa porta não é simplesmente um ponto longínquo além das fronteiras do planeta. A porta do Céu está situada na terra, e nós, enquanto estivermos aqui, poderemos usar essa passagem.

A coluna, conforme deduzimos da história da separação entre Jacó e Labão, fala de testemunho (Gênesis 31:52).

Portanto, temos dupla responsabilidade com relação à Casa de Deus: de um lado, aproximarmo-nos de Deus em oração e louvor; de outro, aproximarmo-nos dos homens como testemunhas de Deus. E o nosso testemunho só pode ser levado a efeito pelo poder do Espírito Santo, simbolizado na coluna ungida com óleo.

Voltando a 2 Crônicas 6, deparamos novamente com o propósito de Deus e a responsabilidade do homem, representados agora na dedicação do edifício erigido pelo rei Salomão. Primeiro, vemos o Templo como o lugar em que Deus revela a Si mesmo para abençoar o homem. O rei, simbolizando a atitude de Deus para com o homem, "voltou [...] o rosto, e abençoou a toda a congregação de Israel" (v. 3).

Salomão deu também testemunho da fidelidade de Deus à Sua palavra: "Assim, cumpriu o SENHOR a sua palavra que tinha dito" (v. 4,10,15). 

Desse modo, pela perspectiva da responsabilidade e do privilégio do homem, constatamos que o templo de Saio mão tornou-se a porta do Céu. Nove vezes o rei solicita que as orações proferidas nesse lugar sejam ouvidas no Céu. A Casa tornou-se a porta de acesso ao Céu (v. 21-40).

Finalmente, a casa que Salomão edificou, a exemplo da coluna de Jacó, serviria de testemunho acerca de Deus entre as nações da terra, como expressa a oração do rei, "a fim de que todos os povos da terra conheçam o teu nome, para te temerem como o teu povo de Israel e para saberem que esta casa, que eu edifiquei, é chamada pelo teu nome" (v. 33).

Retomando ao Novo Testamento, à Primeira Epístola de Pedro, percebemos que, apesar de a forma da Casa de Deus ter sido alterada, nem o propósito divino, nem a responsabilidade humana sofreram modificação. Só que ela não é mais constituída de pedras sem vida, é agora casa espiritual, edificada com pedras vivas. Diz o apóstolo: "Vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual" (1 Pedro 2:5).

No primeiro capítulo da mesma epístola, aprendemos que os que constituem a Casa de Deus são alvo de Sua graça soberana, pois lemos: "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros".

Descobrimos ainda que essa graça nos é garantida pela "palavra do Senhor", que "permanece eternamente".

Avançando para o capítulo 2, deparamos mais uma vez com os nossos privilégios e responsabilidades quanto à Casa de Deus. De um lado, somos edificados juntamente "a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo". 

De outro, diante dos homens, existimos para "anunciar as excelências dEle" (JND), que "vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz". 

Eis, novamente, a "porta dos céus" e a "coluna" ungida com óleo. Aproximamo-nos de Deus para apresentar-lhe as nossas orações e oferecer-lhe o nosso louvor e aproximamo-nos dos homens para dar testemunho de suas virtudes.

Alguém pode perguntar: "Quando foi que a Casa de Deus, em sua forma atual, veio à existência?". As Escrituras dão-nos uma resposta categórica - isso não aconteceu antes de a redenção ser efetivada. Se Deus habita no meio de um povo que o louva, foi porque Cristo experimentou primeiro as trevas e o abandono na cruz.

Nós o ouvimos clamar: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?". E o mesmo Cristo que emitiu esse clamor solitário pode dar a resposta: "Tu és santo, entronizado entre os louvores de Israel". Para o Deus santo habitar no meio dos louvores de um povo, foi necessário que Cristo redimisse esse povo por meio da morte.

Jacó, como vimos, pode ter aludido à Casa de Deus, mas só depois de ocorrer a redenção foi que Deus revelou a intenção de habitar entre filhos de Israel (ver Êxodo 29:45). 

Deus não podia habitar com o inocente Adão nem com o fiel Abraão. Ele poder ter caminhado no jardim ou agraciado Abraão com o privilégio de Sua visita, mas nem a inocência, nem a fidelidade garantem um lugar para a habitação de Deus. 

A mera inocência foi insuficiente para corresponder à Casa de Deus, e a fé do ser humano não bastou para sustentá-la depois que a inocência se perdeu.A habitação de Deus entre os homens é fruto da redenção, que preparou o ser humano para recebê-Lo e tomou o Deus santo conhecido dele. 

Assim, é óbvio que a "casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo", não existia até a redenção ser concretizada. Então, no dia de Pentecostes, quando os discípulos estavam reunidos em Jerusalém, o Espírito Santo desceu, "encheu toda a casa onde estavam assentados", e "todos ficaram cheios do Espírito Santo". O povo de Deus, até então disperso pelo mundo, passou a constituir-se Habitação de Deus, e Deus passou a ocupar a Casa.


Por Hamilton Smith

13. A Igreja nos conselhos de Deus

Em Mateus 16, temos o anúncio profético da Igreja, feito pelo próprio Senhor. Em Atos, encontramos o relato histórico da formação da Igreja por meio do ministério dos apóstolos. Nas epístolas, deparamos com o ensino do Espírito Santo no tocante à Igreja. A Epístola aos Efésios apresenta esse ensino em sua plenitude.

O primeiro capítulo apresenta os conselhos de Deus com referência a Cristo e a Igreja.

Somos transportados a um tempo anterior à fundação do mundo a fim de descobrir a fonte de todas as nossas bênçãos nos propósitos eternos de Deus.

Somos também levados à plenitude dos tempos para contemplar ali a herança da glória, num tempo em que todos os conselhos de Deus serão cumpridos. No capítulo 2: 1-10, temos a obra de Deus em nós, na perspectiva de Seus conselhos a nosso favor, por meio da qual Ele vivifica os mortos, dá-lhes vida juntamente com Cristo e os faz assentar nos lugares celestiais em Cristo.

Ainda no capítulo 2: 11-22, são-nos apresentados os caminhos de Deus para conosco no tempo presente de modo a realizar os planos que tem para nós na eternidade. Aqui encontramos o que Deus propõe para nós e o que opera em nós.

Ele opera em nós para que sejamos vivificados em Cristo e para que sejamos unidos em um só Corpo, bem ajustados para santuário dedicado ao Senhor e edificados para habitação de Deus no Espírito.

Podemos, contudo, compreender prontamente por que a epístola começa revelando os conselhos de Deus. A razão é que sem conhecermos os Seus propósitos para a eternidade jamais compreenderemos os Seus caminhos em relação ao tempo. Podemos ficar confusos pelo modo que o pai treina o filho se não soubermos o objetivo dele para a criança. Portanto, se restringirmos o nosso pensamento ao início da epístola (Ef 2:1-10), veremos a Igreja apresentada pela perspectiva dos conselhos e da obra de Deus. A obra e as responsabilidades do homem não têm lugar nessa passagem. Tudo é deliberado por Deus e tudo é levado a cabo por Ele. E, vindo de Deus, tudo é perfeito.

Os versículos 3-7 revelam os conselhos de Deus para cada um de Seus santos individualmente - os que compõem a Igreja. Nessa importante passagem, percebemos o caráter e a fonte de nossas bênçãos, o fim que Deus tem em vista, bem como os meios pelos quais esse fim será alcançado.

No tocante ao caráter de nossas bênçãos, é importante lembrar que elas são espirituais - celestiais - e estão em Cristo, pois somos propensos a buscar bênçãos materiais - terrenas -, as quais estão ligadas a Adão. A compreensão do verdadeiro caráter de nossas bênçãos deveria ter imenso efeito sobre o nosso testemunho. 

Porém, qual o objetivo da grande massa de pretensos ministros hoje em dia? Não é, essencialmente, fazer cristãos morais s em vez de espirituais? Não é melhorar a sua posição terrena, em vez de chamá-los do mundo para o céu? Não é melhorar o primeiro homem em vez de conduzi-I o à nova posição em Cristo? Deus forma o nosso caráter e o nosso testemunho instruindo-nos no verdadeiro caráter da bênção e ensinando-nos a desfrutá-la.

Quanto à fonte de nossas bênçãos, lemos: "O Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo ... nos escolheu nele antes da fundação do mundo" (Ef 1:3-4).

Todas as nossas bênçãos têm a sua fonte nos conselhos do coração do Pai. Descobrimos que o Seu coração estava voltado para nós, antes da fundação do mundo. Ele se deleita em que saibamos disso. E, amando ao Pai, consideremos um de nossos mais excelentes privilégios este fato: Ele nos revelou os segredos de Seu coração. Ter sido escolhido nEle antes da fundação do mundo indica uma escolha independente da cena da criação.

Assim, o propósito de Deus para conosco não depende de coisa alguma que tenhamos feito ou que possamos fazer.

Encontramo-nos num mundo de dor e sofrimento, de oposição, perseguição, mas nada que pertença à vida temporal poderá alterar o propósito de Deus. O diabo não hesita em valer-se das dificuldades do caminho para suscitar em nosso coração desconfiança acerca de Deus e despertar dúvida quanto à realidade de Seu amor. Mas o texto nos mostra que o amor do Pai está por trás de tudo e que, antes da fundação do mundo, Ele derramou esse amor em nós, visando às nossas bênçãos eternas e projetando-as no futuro, num tempo em que o mundo já terá deixado de existir. Isso fortalece a alma em sua jornada pelo mundo, pois nenhum fato temporal que cruze o caminho de Deus terá força para alterar os conselhos de amor estabelecidos na eternidade e para eternidade.

Além disso, não somos apenas transportados para a época anterior à fundação do mundo, em que descobrimos a fonte de todas as bênçãos no coração de Deus. Somos também levados em espírito a contemplar o desfecho de todos os conselhos de Deus, na glória.

Assim, aprendemos que Deus pretendia ter os santos diante dEle numa condição que lhe é própria: "... santos e irrepreensíveis perante ele ... em amor" - santo em caráter e irrepreensível na conduta e no amor. Nada menos que isso satisfaria o coração de Deus.

Pois, se for para Deus ter diante de si um povo numa condição condizente com a Sua, tal povo terá de ser semelhante a Ele.

Somente o que é semelhante a Deus é apropriado para Ele.

Deus é santo em caráter, irrepreensível em todos os Seus caminhos e amor em essência. E somente nessa condição Ele nos aceitará, só assim se deleitará em nós e nós nEle. Nada menos que isso irá satisfazer o Seu coração e nada menos que isso nos fará felizes em Sua presença. Nessa cena, nenhum questionamento quanto ao caráter, à conduta ou à natureza será suscitado. Nada poderá frustrar o nosso prazer em Deus ou a Sua satisfação em nós. Em nossa alma, hoje, o Espírito forja o que será realizado em sua plenitude. A condição é tentarmos corresponder aqui na terra ao que seremos lá em cima, no céu, em perfeição.Além do mais, não somos apenas escolhidos para estar numa condição condizente com a de Deus. Somos também predestinados a desfrutar o relacionamento de filhos perante o Pai. Os anjos, indubitavelmente, estarão diante de Deus numa condição condizente a Ele, porém na posição de servos, enquanto nós somos introduzidos num relacionamento de filhos - privilégio ao qual somos predestinados segundo o beneplácito de Sua vontade, para louvor da glória de Sua graça.

Tendo em vista a consumação dos propósitos de Deus, somos ainda redimidos dos pecados pelo sangue de Cristo, segundo a riqueza de Sua graça. O apóstolo antes associara a predestinação com "a glória de sua graça". Agora associa a redenção com "as riquezas de sua graça". 

As nossas necessidades são satisfeitas pelas riquezas da graça divina, mas a glória de Sua graça realiza algo mais: eleva-nos à posição de filhos. Satisfeitas as necessidades do pródigo, descobrimos quão abundantes são os recursos da graça existente na casa do Pai.

Mas dar a ele o lugar de filho revela a glória da graça contida no coração do Pai. Na Epístola aos Romanos, a morte de Cristo é completamente revelada ao lado de nossa responsabilidade, e, assim, o apóstolo exclama: "Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus!" (Rm 11:33). 

Na Epístola aos Efésios, o apóstolo vai além da responsabilidade e revela os nossos privilégios. Como consequência, não temos apenas as riquezas de Sua graça, mas também a glória de Sua graça.

Tendo, portanto, revelado nos primeiros sete versículos os conselhos do coração do Pai com respeito ao Seu povo, o apóstolo prossegue narrando outras maravilhas. Ele desvenda-nos o mistério da vontade do Pai concernente a Cristo. O nosso coração se satisfez ao ver revelados os propósitos do amor.

Isso deu descanso à nossa consciência mediante a obra de redenção. Assim, livres, podemos penetrar os pensamentos de Deus com respeito a Cristo e à Igreja.

Era desejo de Deus que conhecêssemos o mistério de Sua vontade, segundo o beneplácito que propusera em Cristo, na dispensação da plenitude dos tempos. O que a palavra "mistério" quer dizer: algo que não podemos entender, misterioso, enigmático? Nada disso! Nas Escrituras, mistério é um segredo que não pode ser conhecido até que seja revelado por Deus. 

E, quando revelado, só pode ser conhecido pelos iniciados. Esse mistério é segundo o Seu beneplácito, um segredo em que o Seu coração se deleita, pois diz respeito a Cristo. Podemos afirmar que não estamos interessados em mistérios, que deixamos essas coisas profundas para outros? Certamente que não, pois isso significaria contentar-se em saber o que Deus tem em Seu coração por nós sem qualquer interesse quanto ao que Ele tem em Seu coração por Cristo.

Aqui, o mistério faz referência à "plenitude dos tempos", momento em que Deus administrará todas as coisas segundo a Sua mente. Isto é, o tempo em que tudo que foi instituído por Ele em outros tempos e fracassou nas mãos dos homens será administrado em sua plenitude por Cristo. O governo, o sacerdócio e a realeza foram instituídos por Deus no passado, mas estavam fadados ao colapso, visto que envolvia a responsabilidade humana. Mas chegará o tempo em que tudo isso será vivido em perfeição e na sua plenitude - quando Deus fizer convergir em Cristo todas as coisas, tanto as do céu quanto as da terra. No presente, Cristo está oculto, mas quando aparecer em glória, toda confusão, dor e desordem deste mundo será passado. 

O reino de Satanás chegará ao fim, o tempo da cegueira de Israel acabará, o domínio perverso das nações gentias cessará, o gemido da criação será silenciado e a maldição será removida do planeta. Tudo será consumado, não mediante a difusão do Evangelho, como alguns presunçosamente imaginam, nem por qualquer outra coisa que o homem possa realizar, mas somente por Cristo.

Quando Ele estabelecer o Seu trono, tudo será administrado para o prazer de Deus. O Antigo Testamento faz abundantes predições "sobre os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam" (1 Pedro 1: 11), glórias que, embora cheguem até os confins da terra, continuam sendo terrenas, não são celestiais. Isso não é segredo: os profetas são veementes ao descrever o reino terrestre de Cristo.

 O Novo Testamento, contudo, revela-nos o grande mistério, o domínio de Cristo estender-se-a além dos limites da terra, e, como homem, Ele não só dominará "de mar a mar e desde o rio até aos confins da terra", como também sobre o vasto universo de Deus, até os confins da criação. Ele se assentará acima de todo principado, potestade, poder, domínio ou nome que se possa referir, não só no presente século, mas também no vindouro. Por fim, todas as coisas no céu e na terra serão colocadas debaixo de Seus pés - Ele será o Cabeça de todas as coisas.

Deus derramou a Sua graça abundantemente sobre nós, com toda sabedoria e prudência, desvendando-nos não somente o propósito que tinha para o Seu povo, mas os mistérios de Seu coração propostos em Cristo.

Revelou não apenas o Seu propósito com respeito à terra como também mistérios referentes a todo o universo, os céus estão agora separados da terra, mas não será assim para sempre. Deus tem o propósito de unir o céu e a terra sob os pés do, Cristo homem. Esse é o mistério de Sua vontade, mas, ainda assim, não é todo o mistério.

Pois este diz respeito "a Cristo e à igreja" (Efésios 5:32). Não apenas a Cristo ou apenas à Igreja, mas a Cristo e à Igreja.

Isso nos conduz à mais surpreendente parte do mistério: ao assumir o domínio do universo, Cristo será acompanhado por um grande número de pessoas - os que foram salvos da ruína e da destruição deste mundo caído - preparadas, como Ele, pelo Espírito Santo para compartilhar de toda a glória do domínio universal, como Seu corpo e Sua noiva.
O restante do capítulo 1 continua apresentando-nos essa verdade, e o apóstolo prossegue: "... no qual fomos também feitos herança". Nos versículos 11 e 12, ele menciona os crentes judeus e, no versículo 13, os crentes gentios.

No versículo 14, ao falar de "nossa herança", refere-se aos crentes judeus e gentios reunidos. Assim, como disse alguém, o grande mistério é "Cristo e a Igreja unidos na bem-aventurança e no domínio celestiais sobre tudo que Deus fez ".

Cristo reinará sobre Israel, sobre os gentios e sobre todo o universo, mas nunca é dito que Ele reinará sobre a Igreja. Cristo, de fato, será sempre supremo.

Mas, para o louvor de Sua glória, a Igreja reinará com Ele.

Isso fica evidente na oração do apóstolo ao encerrar o capítulo. Tendo desvendado a esperança do chamado divino (Ef 1:3-7) e a nossa herança (Ef 1:8-14), o apóstolo ora a fim de que conheçamos essas coisas e também a grandeza do poder que nos levará a usufruir essas gloriosas verdades. Esse poder foi manifestado quando Deus ressuscitou a Cristo dos mortos e o assentou acima de tudo, pondo "todas as coisas debaixo dos [Seus] pés". 

E, ao mesmo tempo, em que é posto como Cabeça sobre todas as coisas, Cristo é colocado como Cabeça da Igreja, a qual é o Seu corpo, "a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas". Aqui a Igreja é vista como o corpo de Cristo, não segundo os planos de Deus na terra, mas segundo os conselhos de Deus na glória.

No princípio do capítulo, temos a revelação dos conselhos de Deus para com os que fazem parte da Igreja. Na parte final, temos os conselhos de Deus relacionados a ela, como um todo, sob a figura de um corpo.

Somos transportados há um tempo em que o Corpo, completo na glória, será unido à sua Cabeça - quando Cristo exercer domínio sobre todas as coisas. Adão e Eva são a figura de Cristo e da Igreja. Eva não dominou diretamente este mundo inferior, mas Adão sim. É verdade que Deus disse a ambos: "Sede fecundos... dominai", mas, na verdade, o domínio foi entregue a Adão antes mesmo de Eva ser formada. A criação animal foi trazida a Adão para que lhe desse nome. Ele tinha relação com todas as coisas, como cabeça de tudo, e Eva, associada com ele, compartilhava desse domínio.

A Igreja, associada a Cristo, compartilhará de Seu domínio sobre toda a criação. E, assim como foi dito a Eva que fosse uma auxiliadora idônea para Adão - seu complemento - também a Igreja foi chamada para ser "a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas" .

À parte da Igreja, Cristo careceria de plenitude. Como alguém disse: "Como Filho de Deus, Ele, naturalmente, não necessita de mais nada para completar a Sua glória, mas como homem sim. Sem a Igreja, Ele não seria mais completo na Sua ressurreição em glória do que Adão teria sido sem Eva".


Por Hamilton Smith

14. A Igreja profeticamente anunciada

Talvez nenhuma outra passagem das Escrituras nos transmita sentido mais profundo do valor da Igreja para o coração de Cristo do que esta: "Cristo amou a Igreja, e a si mesmo se entregou por ela" (Efésios 5:25).
Ele não somente abriu mão de seu reino e seu trono com todos os direitos terrenos e glórias, mas também "a si mesmo se entregou". 

Se Cristo amou a Igreja com amor tão grande, podemos nos dar ao trabalho de perguntar: O que é a Igreja?

Por quem é composta e por que é tão preciosa aos olhos dEle?

Quais são seus privilégios e suas responsabilidades? 

E qual é o seu glorioso destino?
Além disso, a Igreja é o principal interesse de Cristo na terra - a essência de todas as operações de Deus no tempo presente. Durante o período compreendido entre a vinda do Espírito Santo, no dia de Pentecostes, e a vinda de Cristo, no arrebatamento, Deus não trata diretamente com o mundo, quer judeu, quer gentio. Ele retira do mundo um povo para formar a Igreja - cuja vocação é o céu.

Sem considerar o que as Escrituras dizem sobre o grande mistério referente a Cristo e a Igreja, não podemos compreender nem desfrutar de modo inteligente a comunhão cristã, dedicar-nos ao serviço do Senhor, nem tampouco cumprir as tarefas simples da vida. Isto porque, se examinarmos as epístolas, vamos descobrir que tudo no cristianismo tem o caráter de Cristo e da Igreja.

É bom, desde já, definir o que queremos dizer quando usamos a palavra "Igreja". Essa palavra tem sido empregada em associações tão diferentes que passou a ser extremamente ambígua. Contudo, no texto original grego não existe essa ambiguidade. O vocábulo grego é utilizado 150 vezes no Novo Testamento. No meu entender, a palavra "assembleia" é, inquestionavelmente, a tradução mais apropriada. Mas poucas vezes os termos "assembleia" ou "congregação" foram empregados na tradução que usamos.

O contexto deve decidir de quem é composta a assembleia, mas isso não causa nenhuma dificuldade verdadeira, visto que no texto grego do Novo Testamento, com a exceção de umas poucas passagens, a palavra refere-se invariavelmente à Assembleia de Deus.

Quando se lê a palavra "Igreja", deve-se sempre entender que ela significa uma assembleia de pessoas, e a assembleia de que falamos é a Assembleia de Deus.

Com essas observações preliminares, podemos voltar agora para Mateus 16. Nessa importante passagem, temos a primeira revelação que diz respeito à Igreja. A pessoa de Cristo é apresentada como o teste do sistema judaico em vias de extinção e como o fundamento da nova estrutura que Cristo estava por edificar: Sua Assembleia, a Igreja.

Uma grande crise tinha-se colocado no caminho do Senhor.

O Messias fora apresentado a Israel mediante o mais perfeito testemunho.

Deram-se sinais, realizaram-se milagres e cumpriram-se profecias.

A perfeição moral mais elevada, em palavra e vida, expusera-se diante dos homens acompanhada de amor, graça e compaixão abundantes para todos, irrestrita e indistintamente. Mas tudo foi em vão. A descrença, o escárnio, a hostilidade mortal dos líderes aumentava a cada nova demonstração de graça. Por fim, a recepção do Messias pode ser avaliada por uma grande pergunta-teste: "Quem diz o povo ser o Filho do Homem?".

Alguns disseram: "João Batista; outros, Elias, e outros, Jeremias ou algum dos profetas" (Mateus 16:13-14).

A resposta demonstra que, apesar do perfeito testemunho que lhes foi dado, os homens não eram capazes de manifestar senão opiniões vagas e especulações.

O fato de os homens terem satisfação em especular acerca de Cristo e não se importarem em permanecer na incerteza é prova clara de que, por um lado, não há neles a consciência de necessidade e, por outro, não têm fé. Se tivessem o senso de necessidade, teriam tido discernimento, e com fé, teriam obtido a certeza. Ademais, com toda a especulação, nunca se aproximaram da verdade. Isso demonstra a completa incapacidade do homem de discernir a glória de Cristo, mesmo nas circunstâncias mais favoráveis e na presença do Filho de Deus.

Nos primeiros versículos do capítulo em pauta (Mateus 16), essa descrença atinge o clímax.

Os fariseus e os saduceus, que se odiavam de maneira cordial, estão unidos para dar vazão a um ódio ainda maior: a Cristo.

Os ritualistas e os racionalistas da época dão as mãos para tentar o Filho de Deus, e ambos revelam sua total cegueira à glória da pessoa de Cristo ao pedir um sinal do céu (v. 1).

Como alguém já disse: "A incredulidade é assim: pode experimentar a plena manifestação de Deus, pode contemplar uma luz mais brilhante que a do sol do meio-dia e, ainda assim, pedir que Deus lhe dê uma vela".

Nada poderia evidenciar de modo mais claro a completa rejeição de Cristo que esse pedido de um sinal. Eles tinham rejeitado a Cristo e, agora, depois de longa paciência, são rejeitados por Cristo. São uma geração má e adúltera, para quem só há um sinal: o de Jonas falando do juízo iminente. O Senhor expôs o caráter deles, pronunciou a sua ruína e, deixando-os, retirou-Se (v. 4). 

Momento solene para Israel! O Senhor da glória estava ali. O Deus que fez o céu e a terra estava no meio deles, cheio de graça e verdade, mas as trevas não O aceitaram. Ele começou Seu ministério de amor e graça na terra de Naftali, para que se pudesse dizer: "O povo que jazia em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região e sombra da morte resplandeceu-lhes a luz" (Mateus 4:16). 

Mas as trevas não compreenderam a luz; o mal desprezou a bondade, e o ódio rejeitou o Seu amor. E é assim que lemos aquelas tristes e solenes palavras: "deixando--os, retirou-se". Ele os deixou nas trevas e na sombra da morte. Mas pode a perversidade do homem esgotar a graça de Deus? Nunca! 

Pelo contrário, ela vem a ser a oportunidade de revelar os mais profundos conselhos de Seu coração e ainda os mais elevados propósitos de Sua graça. 

A rejeição de Israel abriu caminho para a revelação da Igreja. Havia chegado o momento em que a primeira noção desse grande mistério, até agora oculto em Deus, seria apresentada.A mesma pergunta que testara todos os homens foi então feita aos discípulos: "Mas vós [...] quem dizeis que eu sou?" (v. 15). Sem demora, Simão Pedro respondeu: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo".

Quão diferente foi essa resposta das vãs opiniões dos homens. A fé de Pedro até podia ser fraca, pois o Senhor há pouco havia dito: "Homens de pequena fé", mas era uma fé viva, que discernia a glória da pessoa de Cristo e confessava-O com a mais absoluta certeza.

Na sequência imediata a essa confissão, temos a revelação da Igreja. O Senhor levanta o véu que pelos séculos tinha ocultado os conselhos etemos de Deus e, numa curta sentença, mostra que a glória de Sua pessoa como Filho de Deus vai muito além de tudo o que diz respeito ao domínio terrestre, embora este já seja glorioso.

"Bem-aventurado és", disse o Senhor a Simão Barjonas, "porque não foi carne e sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (v. 17-18). Aqui temos uma dupla revelação. Primeiro, a revelação do Pai. A carne e o sangue, como víramos, não poderiam discernir a glória do Messias.

Apenas mediante uma revelação do Pai celestial seria possível ao homem na terra discernir que Cristo era o Filho do Deus vivo, título que implica que o Filho é Aquele em quem está a vida e o poder de conferir a vida. Bem se disse que, como Filho do Deus vivo, "Ele herda de Deus esse poder de vida, que não pode ser vencido nem destruído por nada".

Logo em seguida vem a segunda revelação - e esta, quem faz é o Filho, pois ouvimos o Senhor dizer: "Também eu te digo". O Pai tinha revelado a glória do Filho a Simão Pedro, e, baseado na confissão que segue essa revelação, o Filho também revela a Pedro o grande mistério nunca antes dado a conhecer ao homem. Sobre essa rocha o Senhor ia edificar uma estrutura completamente nova, a qual chama "minha Igreja" (ou "minha Assembleia"). Eis, pois, demonstrada a fundação sobre a qual está firmada a Igreja. Ela está edificada sobre uma fundação sólida e divina: a pessoa do Filho do Deus vivo.

Com efeito, essas são verdades que a carne e o sangue não podem revelar. Quando Deus comunicou a Lei, Moisés e os anjos estavam à altura da situação. Mas, em se tratando da glória do Filho e dos conselhos de Deus com respeito à Igreja, a revelação precisa vir, em primeiro lugar, do Pai e do Filho.

Trata-se de uma questão que a carne e o sangue, como tais, não podem nem transmitir, nem receber.

Além disso, revela-se o propósito da Igreja. Ela é introduzida no mundo para a glória e o deleite de Cristo.

Já vimos que a Igreja é de Cristo.

Ele pode dizer: "ela é minha Assembleia".

A primeira grande lição a aprendermos é que Cristo não é para a Igreja, mas, sim, a Igreja é para Cristo. A noiva, no livro do Cântico dos cânticos, pensa primeiro em sua própria necessidade, ao exclamar: "O meu amado é meu" (2: 16).

Todavia, por fim, é induzida a contemplar as coisas do ponto de vista do noivo e com grande prazer é capaz de dizer: "Eu sou do meu amado, e ele tem saudades de mim" (7:10).

Também nessa primeira grande revelação que temos acerca da Igreja, a abordagem é feita considerando Cristo o centro. A primeira revelação, feita pelo Pai, dizia respeito à glória de Cristo. Em seguida, quando a Igreja é revelada, é apresentada como sendo para Ele: a Sua Assembleia.

Nesse ponto também aprendemos algo da estrutura da Igreja: é para ser edificada com pedras vivas. E Pedro é descrito como uma das pedras.

Naquele memorável dia em que André saiu e encontrou seu irmão Simão e "o levou a Jesus" (João 1:42), o Senhor anunciou que Simão teria um novo nome, seria chamado Cefas, que quer dizer "uma pedra". Cristo, como o Filho do Deus vivo, é a Rocha sobre a qual a Igreja é edificada.

Pedro era uma pedra cuja vida provinha de Cristo. Estava destinado a ser edificado nessa nova estrutura.

O texto de Mateus também nos dá instruções quanto à edificação da Igreja. No momento dessa revelação, a Igreja ainda era um fato futuro, pois o Senhor diz: "Edificarei". Além disso, a obra seria completamente de Cristo e, portanto, completamente perfeita, pois o Senhor diz: "[Eu] edificarei'' . Madeira, feno e palha não seriam empregados na edificação da Assembleia de Cristo. Tão-somente pedras vivas teriam lugar neste edifício de Cristo.

Isso permite ao Senhor fazer ainda outra afirmação grandiosa: "as portas do inferno não prevalecerão" contra a Sua Igreja.

A afirmação diz respeito à estabilidade da Igreja. As portas do inferno significam o poder da morte exercido por Satanás. Por causa do pecado, o homem ficou sujeito ao domínio da morte, um terrível poder que lança por terra a glória do homem. Porém, justamente neste mundo, onde nada pôde resistir ao poder da morte, o Senhor prediz que vai finalmente estabelecer Sua Igreja, sobre a qual as portas do inferno não terão poder algum.

Era um fato certo porque estava fundamentado no Filho do Deus vivo. Todas as outras coisas deste mundo tinham sido fundamentadas em Adão - um homem mortal- e nos filhos de homens mortais. A Igreja é edificada sobre Cristo - o herdeiro da vida que não pode ser destruída - e composta de pedras que possuem essa vida, sendo, portanto, superior a todo o poder da morte.

O Filho do Deus vivo é o eterno fundamento da Igreja.Por essa razão não se pode ter nenhuma noção verdadeira da Igreja antes de ver e confessar a glória do Filho. Quanto mais compreendermos a glória de Cristo, mais valorizaremos o singular caráter da Igreja.

Nessa passagem introdutória temos a revelação da Igreja.

Somos instruídos quanto ao fundamento sobre o qual ela é edificada, quanto à finalidade para que é edificada, ao caráter dos que compõem o edifício e quanto a quem a edifica e da eterna estabilidade dessa nova e divina estrutura.

Até agora não houve nenhuma palavra a respeito do corpo de Cristo ou da noiva de Cristo. Nada se disse da exaltação de Cristo ou da vinda do Espírito Santo. Todas essas grandes verdades tão vitais para a formação da Igreja serão reveladas no tempo devido.

Nessa primeira comunicação, o grande tema é a vida: vida no Deus vivo, vida no Filho e vida transmitida aos que compõem a Igreja, vida contra a qual o poder da morte não pode prevalecer.

No devido tempo, Pedro nos revelará outras preciosas verdades concernentes à Assembleia de Cristo. Ele nos dirá como o edifício cresce, como as pedras vivas são atraídas para Cristo, a Rocha viva, e qual o grande propósito para o, qual somos edificados casa espiritual.

De sua prisão na ilha, João também nos transmitirá a visão da Assembleia quando a última pedra tiver sido acrescentada, exibindo-nos o edifício glorioso como a Nova Jerusalém.

Veremos, então, que, apesar de constituída no tempo, a Igreja de Cristo é destinada para a eternidade. Embora edificada na terra, sua manifestação será no céu.

Há outra passagem em Mateus na qual o Senhor faz referência à Assembleia. Em Mateus 18: 15-20, aprendemos duas verdades de grande importância para ela. Primeiro, o Senhor nos instrui acerca de como o mal pode ser excluído da Assembleia e, segundo, de como Sua presença pode ser assegurada na Assembleia.

A Assembleia está de passagem num mundo maligno e, enquanto estiver na terra, a carne permanece nos que a compõem. Consequentemente, ocorrerão transgressões. Até irmão transgredirá contra irmão.O Senhor, porém, nos ensina a lidar com o ofensor. Se ele recusar ouvir a Assembleia, isso pode até culminar com seu pecado ligado a ele e sua exclusão da companhia do povo do Senhor sobre a terra. Caso se arrependa, seu pecado pode ser desligado dele ao ser recebido, uma vez mais, entre o povo do Senhor. Essa solene ação na terra de ligar e desligar - se corretamente aplicada - é ratificada no céu. Nas epístolas aos Coríntios, temos um magnífico exemplo de ambas as ações.

Observação:
1- Caso um irmão, que tiver pecado, recusar ouvir a Igreja, se faz necessária uma disciplina da parte da Igreja local. Desde que esta disciplina confira com os pensamentos de Deus, ela será reconhecida no céu. (O pecado é 'ligado no céu').

2- A disciplina implica em restrições que afetam o relacionamento terreno dos demais irmãos com este que pecou. (O pecado é 'ligado na terra').

3- Embora o Senhor perdoe o pecado tão logo este UJe for confessado, o restabelecimento desse irmão no âmbito terreno está consumado apenas na ocasião do perdão administrativo da Igreja. (O pecado é 'desligado na terra').

4- Neste mesmo momento em que a Igreja está desligando o pecado deste irmão, a decisão também é reconhecida no céu. (O pecado é 'desligado no céu').


Entretanto, muitas dificuldades surgirão, as quais precisarão ser enfrentadas com sabedoria e poder que em nós mesmos não temos. Podemos, todavia, recorrer ao Pai em oração. 

E o Senhor nos assegura: "Se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai, que está nos céus"(v. 19). 

Temos aqui duas afirmações à primeira vista tão surpreendentes que podemos perguntar: Como é possível?

Como os atos praticados na terra serão ratificados no céu e os pedidos feitos na terra serão concedidos no céu? O que torna essas ações possíveis? Só uma coisa: a presença do Senhor no meio de Seu povo quando reunido ao Seu nome. "Porque", diz o Senhor, "onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles" (v. 20). Ele está presente para confirmar os seus atos. Está presente para guiar suas orações e a elas responder.

A presença do Senhor, contudo, só é prometida aos dois ou três reunidos ao Seu nome. O que significam essas palavras?

Primeiro, que a promessa é feita a "dois ou três". São expressões que naturalmente se aplicam à época mais gloriosa da história da Igreja, mas também se adaptam de forma abençoada aos dias de fraqueza, em que o número dos que estiverem reunidos ao nome de Cristo num determinado lugar venha a se reduzir ao menor possível.

Segundo, que os "dois ou três" não têm entre si um mero encontro, eles estão "reunidos".

Isso implica um motivo, uma força maior que reúne. Há algo que os atrai. O quê? É a compreensão do que representa o nome de Cristo, pois a nossa reunião é ao Seu nome. 

Não "em Seu nome", como na maioria das versões em português, pois isso significaria apenas que estamos reunidos por Sua autoridade. O nome dEle expressa tudo o que Ele é, e é a mútua compreensão que temos dEle e da glória de Sua pessoa que nos atrai.

Somos atraídos pelo que encontramos nEle. Ele é o vínculo poderoso e todo-suficiente. Talvez haja grandes diferenças e idade, posição social, educação, nacionalidade, inteligência, crescimento espiritual e dom, mas nenhuma delas constitui o vínculo da Assembleia. A Assembleia não é uma confluência de jovens, ou de santos maduros, ou de pessoas da mesma opinião, mas de um povo que é atraído pelo que descobriu em Cristo, por aquilo que o nome dEle representa.

Não há outro vínculo na Assembleia, todos os outros vínculos nela são renegados. Quando, portanto, os indivíduos se reúnem com esse caráter, o Senhor promete estar no meio deles, mesmo que sejam só dois ou três presentes à reunião.

Não nos reunimos a Ele, mas ao Seu nome. O texto faz distinção entre Ele mesmo e o Seu nome. Reunir ao Seu nome considera Sua ausência, mas assegura Sua presença. Numa reunião assim, Ele está de fato presente, não física, mas espiritualmente. Quando na terra, Ele pôde falar de Si mesmo como o Filho do Homem, que está no céu; fisicamente na terra, mas em espírito no céu. Agora Ele é o Filho do Homem no céu, mas em espírito na terra, no meio do Seu povo reunido ao Seu nome. Ele está presente para sancionar o processo de disciplina e pôr em execução as orações de Seu povo.


Por Hamilton Smith

15. A Igreja existindo de fato

Ao traçarmos os pensamentos de Deus acerca da Igreja, como revelada em Sua Palavra, notaremos que os primeiros capítulos do livro de Atos nos conduzem a uma etapa adiante da de Mateus 16, onde a Igreja é anunciada profeticamente. Aqui em Atos ela está sendo formada e já se observa sua existência de fato.

Porém, o Espírito Santo ainda não apresenta os ensinamentos que lhe dizem respeito, pois o momento para tal ainda não chegara. Nem tampouco havia sido chamado o homem, o vaso escolhido para revelar o mistério de Cristo e da Igreja.

A morte de Cristo é a base de todas as bênçãos para os homens, quer para os santos do período do Antigo Testamento, quer para os santos que compõem a Igreja, quer para o Israel restaurado numa época ainda por vir. Contudo, a formação da Igreja esperou ainda dois outros acontecimentos de grande importância. O Cristo ressurreto devia ascender como Homem à glória dos céus, e o Espírito Santo - uma pessoa divina - devia descer à terra. O Homem (Cristo Jesus) na glória e o Espírito Santo habitando na terra são os dois grandes fatos característicos da era cristã. Não ocorreram em épocas passadas nem caracterizarão os períodos futuros. São estes dois fatos que determinam todo o caráter da época presente.

No primeiro capítulo de Atos, vemos o cumprimento do primeiro grande acontecimento.

Os discípulos receberam as últimas orientações do Senhor ressurreto, e "foi Jesus elevado às alturas, à vista deles, e uma nuvem o encobriu dos seus olhos" (v. 9). Cristo - como Homem - foi recebido na glória.É claro que, falando desse modo, nunca devemos nos esquecer de que Ele é uma pessoa divina "sobre todos, Deus bendito para todo o sempre" (Romanos 9:5).

Ainda assim, foi na condição de Homem que Ele ascendeu aos céus, foi como o Filho do Homem que o mártir Estêvão o viu no céu.

No segundo capítulo de Atos, temos o cumprimento do segundo grande acontecimento.O Espírito Santo foi recebido na terra segundo a palavra de João 7:39, que associa a vinda do Espírito com a glorificação de Cristo. 

Os discípulos "estavam todos reunidos no mesmo lugar" (João 7: 1) esperando, segundo a palavra do Senhor, o batismo do Espírito Santo. Enquanto esperavam, o Espírito Santo desceu "do céu" e "encheu toda a casa onde estavam assentados" (João 7:2). 

E não só isso, mas cada um ficou cheio do Espírito Santo. Desse modo, por um Espírito eles todos foram "batizados em um corpo" (1 Coríntios 12: 13). 

É a partir dessa ocasião que esse "um corpo" veio a ser um fato real: o corpo do qual Cristo é a Cabeça no céu, e os crentes, os membros na terra. 

Ainda assim, o fato ainda não tinha sido revelado, e dificilmente poderia, visto que o corpo é composto de crentes judeus e gentios. A revelação dessa verdade não seria dada até que os crentes gentios tivessem sido batizados no corpo pelo Espírito Santo (veja Atos 10 e 11:16).

Em seguida ao batismo do Espírito, um grande número de judeus e prosélitos aceitaram a palavra dos apóstolos, creram em Cristo, foram batizados, receberam o perdão dos pecados e o dom do Espírito Santo.

Ademais, lemos: "Havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas" (v. 41). Depois o último versículo do capítulo nos informa quem os acrescentou e a que foram acrescentados. Era o próprio Senhor que os acrescentava, e era à Igreja que eram acrescentados. Pela primeira vez, é-nos permitido observar o Senhor formando a Sua Igreja conforme o Seu próprio anúncio profético em Mateus 16: "Edificarei a minha igreja". 

As últimas palavras do segundo capítulo de Atos (v. 47): "os que iam sendo salvos", não implicam que esses tais eram descrentes ou que foram acrescentados a fim de ser salvos. 

A nação, por ter rejeitado a Cristo, ia ser julgada, mas os que creram e foram batizados seriam salvos do juízo, e tais, o Senhor acrescentava à Igreja. Eles eram acrescentados ao Senhor antes de serem acrescentados à Igreja.

É de grande importância insistir nisto, porque o catolicismo romano e os que seguem o catolicismo associam a salvação ao fato de pertencer à Igreja, em vez de conceberem a Igreja como a assembleia dos salvos.

Somente os crentes do começo do capítulo foram introduzidos à Igreja mediante o batismo do Espírito Santo, e somente os crentes do final do capítulo foram acrescentados à Igreja pelo Senhor.

Aqui, portanto, a Igreja é vista existindo de fato. "Todos os que creram estavam juntos" (v. 44). Vemos nisso o cumprimento da profecia de Caifás concernente a Cristo, quando aquele mencionou que, Este devia "reunir em um só corpo os filhos de Deus, que andam dispersos" (João 11:52).

Costuma-se dizer, e com razão, que "havia, realmente, filhos de Deus antes desse momento, mas estavam dispersos, isolados.

Cristo mediante Sua morte ia reuni-los, não apenas para salvá-los, para que estivessem juntos no céu (visto que eram filhos de Deus, isto já tinha sido feito), mas ia reuni-los em um só corpo". I

sto, sim, foi algo completamente novo sobre a terra. Não era fato novo que houvesse filhos de Deus sobre a terra. Nem era novidade que esses seguiam viagem rumo ao céu. Já era assim nos dias de Enoque e Jó, e nos dias antigos, embora fosse fato pouco conhecido. Mas que os filhos de Deus deviam ser reunidos em um só corpo era coisa completamente nova. E esta é a verdade que o povo de Deus é tão tardio em compreender.

Contemplamo-nos como santos, só que isoladamente, como se vivêssemos antes da cruz. Uma vez salvos, somos propensos a considerar que agora cabe a nós escolhermos, de acordo com a nossa melhor habilidade, a qual "igreja" devemos nos associar, ou se afinal devemos nos associar a alguma. Porém, nesse pensamento, deixamos de reconhecer que, se já fomos ao Senhor, Ele já nos inseriu na Igreja, de modo que já não podemos mais cogitar permanecer isolados, por um lado, ou, por outro, nos associar a alguma "igreja" de nossa escolha. A própria ideia de associar-se a "uma" igreja revela ignorância acerca da verdade "da" Igreja.

Além disso, os santos não somente estavam sendo reunidos em um só corpo, mas estavam sendo unidos entre si.

Deus faz ampla provisão para que eles permaneçam juntos numa unidade visível.


Vejamos:

Em primeiro lugar, temos os ensinamentos dos apóstolos, por meio dos quais os santos foram conduzidos a toda a verdade de Deus. Aqui eles têm a instrução relativa à mente de Deus no que diz respeito à caminhada dos crentes na terra. Essa instrução, dada a princípio oralmente, foi mais tarde assegurada aos santos de todos os tempos mediante as Epístolas inspiradas.

Segundo, fluindo dos ensinamentos dos apóstolos, temos a comunhão dos apóstolos. Esta, como já sabemos, é a comunhão para a qual todos os cristãos são chamados -a comunhão do Filho de Deus, Jesus Cristo, nosso Senhor. O Filho de Deus é o centro e o objeto desta comunhão.

Terceiro, a comunhão dos apóstolos conduz ao partir do pão, a expressão formal e mais elevada da comunhão. O partir do pão evoca a lembrança da morte de Cristo, mediante a qual os filhos de Deus foram completamente separados do mundo e agrupados numa unidade.

Por último, desejo enumerar a oração como provisão divina para que os santos permaneçam em unidade. É mediante a oração que nós, os santos, nos mantemos na atitude de dependência de Deus. E reconhecemos que Sua graça está disponível para nós e que precisamos constantemente nos achegar "confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna" (Hebreus 4:16).

Lamentavelmente, a provisão divina tem sido negligenciada quase completamente. Eis porque a condição de divisão e dispersão do povo de Deus. A cristandade tem em grande medida posto de lado a doutrina dos apóstolos, substituindo-a por sua própria tradição. Tem formado "círculos de comunhão" em volta de homens especiais, ou de pontos de vistas particulares, em lugar do Filho de Deus. 

Tem pervertido o partir do pão, transformando a ceia memorial numa cerimônia para obtenção de graça. Enfim, tem feito da oração uma mera formalidade. 

Contudo, nos primórdios de Atos, os crentes "perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações" (Atos 2:42), e enquanto procediam assim, permaneciam juntos em unidade visível.

Vimos no segundo capítulo do livro de Atos como o próprio Senhor edifica Sua Igreja com pedras vivas assentadas sobre a Rocha. Tudo isso, entretanto, acontece na terra. Até aqui não há nenhuma referência ao caráter celestial da Assembleia nem de seu glorioso destino segundo os conselhos de Deus.

Até aqui não há nem uma única palavra da união do Corpo na terra com a Cabeça no céu. Essa "união" ainda é um mistério a ser revelado no tempo devido, mas o que vemos revelado nesses primeiros capítulos de Atos é a "unidade". 

Não necessariamente a unidade material, mas a unidade moral, marcada pela alegria e singeleza de coração. Porém, ainda faltava um acontecimento a ser cumprido antes que o pleno caráter celestial e a vocação da Igreja pudesse ser revelado. O cálice da culpa de Israel precisava ser enchido até a borda. 

A nação havia rejeitado e crucificado o seu Messias, mas agora o Espírito Santo tinha vindo, e esta era a última oferta à nação culpada.

Resistiriam ao Espírito assim como já haviam rejeitado o Messias?

Quando o Senhor ascendeu aos céus, conforme o registro de Atos 1, os discípulos ficaram "com os olhos fitos no céu, enquanto Jesus subia".

Imediatamente dois anjos se puseram ao lado deles e disseram: "Varões galileus, por que estais olhando para as alturas? Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir". 

Eles estavam olhando para o céu, para onde Cristo tinha ido, e os anjos redirecionaram o olhar deles para a terra, aonde Ele voltará. 

À primeira vista podemos nos admirar disso. Não era certo olhar para o céu, onde Cristo está? Sim, no devido tempo isso seria certo, mas o momento de elevar os olhares ainda não havia chegado. 

E, se atentarmos para a pregação de Pedro à nação, podemos entender por que os pensamentos dos discípulos deviam divagar por algum tempo sobre a terra. Pedro diz à nação culpada: "Arrependei-vos, pois, e convertei-vos para serem cancelados os vossos pecados, a fim de que, da presença do Senhor, venham tempos de refrigério, e que envie ele o Cristo, que já vos foi designado" (Atos 3: 19-20). Esta ainda era a última mensagem da graça dirigida à nação culpada, proclamada pelo Espírito Santo, enviado pelo Cristo ascendido.

Caso se arrependam, Cristo voltará à terra. Mas a resposta do último apelo é a rejeição total desse testemunho do Espírito Santo. Eles foram os traidores e assassinos de seu próprio Messias. Ao Espírito Santo (por não ter corpo físico) não puderam assassinar, mas podem matar um homem cheio do Espírito Santo, e isso fizeram, apedrejando sua testemunha: Estêvão.A rejeição dessa última oferta da graça pela nação ocasiona completa mudança na dispensação. A partir desse acontecimento a nação é posto de lado, e o centro de todos os tratos divinos passa da terra para o céu. Em harmonia com essa mudança, Estêvão, cheio do Espírito Santo, fita os olhos no céu, e não mais se vê nenhum anjo a seu lado para indagar por que olha para o céu. Chegara o tempo de Deus para que Seu povo tirasse os olhos da terra e passasse a olhar para o céu. E Estêvão não apenas olha para cima, mas também seu feliz espírito é recebido no alto. O primeiro de uma longa série de mártires é recebido no céu.

Agora o povo de Deus já não mais pertence à terra, lugar onde Cristo fora rejeitado, mas ao céu, onde Cristo fora recebido.

O céu é o seu lar, e Cristo está ali para recebê-los. Se o mundo não aceita o Senhor Jesus Cristo, então este não é o lugar para o Seu povo. Se o céu recebeu a Cristo, então um novo lugar se abre para Seu povo, e neste novo lugar Ele os recebe.

O sétimo capítulo de Atos é um importante e decisivo momento nos caminhos de Deus. A partir do momento que o testemunho de Estêvão é rejeitado, a grande característica da dispensação fica evidente. Já na cena final deste capítulo, tudo passa a corresponder ao verdadeiro caráter da dispensação cristã. A nação culpada de Israel é vista em absoluta rejeição de Cristo e na inveterada resistência ao Espírito Santo. 

O mundo é visto no seu verdadeiro caráter de rejeição a Cristo e de perseguidor de Seus santos. O céu se abre para revelar Cristo na glória, pronto para receber os santos. Cristo é visto como o Homem na glória que sustenta Seus santos quando provados na terra e os recebe no céu tão logo vierem a dormir.

O Espírito Santo é visto como pessoa divina na terra, sua atuação é preencher um homem na terra e conduzi-lo a olhar fixamente para Cristo no céu.Por último, um dos santos, cheio do Espírito Santo, é apresentado como um homem na terra que obtém todos os seus recursos do Homem na glória. O resultado é que ele é transformado na semelhança dEle, de glória em glória, de tal modo que, como seu Mestre, ora por seus assassinos e encomenda seu próprio espírito ao Senhor. 

Da mesma maneira que um homem 'na terra é sustentado pelo Homem na glória, o Homem na glória é representado por um homem na terra. Tendo lutado o combate e concluído sua carreira, o feliz espírito de Estêvão parte para ficar com Cristo, enquanto seu pobre corpo golpeado dorme para esperar a gloriosa ressurreição.

Desde o apedrejamento de Estêvão, o mundo permanece fiel a seu caráter. Rejeitou a Cristo naquela época; perseguiu os santos daquela época. E assim tem feito desde então em diferentes medidas e graus. O mundo pode até ser religioso - era naquela época e é agora também -, mas a religião não faz mudar seu caráter. De fato, quanto mais o mundo professa religião, mais intensifica seu ódio e mais implacavelmente persegue os santos. Deixemos a história testemunhar sua constante hostilidade a Cristo e Seu povo. 

O céu também não mudou sua atitude para com o povo de Deus. Estava aberto naquela época, ainda está aberto hoje. E através dessa porta aberta ainda podemos contemplar a glória de onde Cristo está, e o amor de Cristo continua fluindo sobre Seus santos. De igual forma, não há mudança em Cristo. Podemos olhar para o céu e dizer: "Tu, porém, permaneces" e "Tu, porém, és o mesmo" (Hebreus 1:11-12).

Toda a graça, o poder e a sabedoria do Homem na glória continuam disponíveis para o sustento e amparo de Seu povo hoje assim como estiveram quando Estêvão foi tão abençoado e sustentado no seu martírio. Também não há mudança no Espírito Santo. Ele veio de Cristo na glória para nos conduzir a Cristo na glória. E este continua sendo o caminho que Ele toma. Todavia, como os crentes mudaram! Quão pouco permanecemos coerentes com o nosso caráter de santos.

Quanto temos entristecido o Espírito! Por isso, em lugar de fixarmos os olhos no céu, olhamos para a terra. Tornamo-nos terrenos, se não mundanos. A consequência? Recebemos muito pouco do sustento do Senhor, e o poder do Espírito tem-se manifestado muito pouco. Temos sido representantes fracos do Homem na glória. Porém, a despeito de todo o fracasso, o quadro de Atos 7 permanece com toda a sua excelsa beleza para recordar o nosso coração do verdadeiro caráter desta dispensação. E faz mais ainda: prepara o caminho para') ministério de Paulo com sua valiosa revelação da Igreja constituindo um só corpo com Cristo, o Cabeça ressurreto no céu.

No relato de Estêvão, aprendemos que os discípulos do Cristo ressurreto pertencem ao céu. Na narrativa da conversão de Paulo, em Atos 9, não só aprendemos que os santos pertencem ao céu, mas também que os santos na terra estão unidos a Cristo no céu.

Quando Saulo seguia no caminho para Damasco, "respirando [...]ameaças e morte contra os discípulos do Senhor" (Atos 9: 1), foi jogado ao chão por uma luz do céu e ouviu da glória a voz de Cristo, que lhe dizia: "Saulo, Saulo, por que me persegues?" (Atos 9:4). A voz não disse: "por que persegues a mim" nem tampouco "por que nos persegues", mas, "por que me persegues". 

O pronome "nos" implicaria um grupo de pessoas associadas a Cristo, o que, de fato, seria verdadeiro, mas "me" implica um grupo de pessoas em união com Cristo.

União esta, tão íntima que tocar nessas pessoas é o mesmo que tocar no próprio Cristo.

O martírio de Estêvão e a perseguição que se seguiu mostram o mundo em seu verdadeiro caráter de perseguidor dos santos. Na conversão de Saulo, entretanto, descobrimos outra verdade: ao perseguir os santos, o mundo está perseguindo a Cristo. A Igreja é uma com Cristo no céu, e perseguir os Seus membros é perseguir ao próprio Cristo.

Como se disse, esta é "a expressão mais forte de nossa união com Ele: Ele considerar o mais fraco dos membros de Seu Corpo parte de Si mesmo". Em Atos 2 e 4, os santos estavam unidos "num coração" e "numa alma" , dando uma bela demonstração de unidade.

Finalmente, agora se revela a verdade mais profunda: a íntima união deles com Cristo, sua cabeça exaltada no céu, e uns com os outros, como membros de Seu Corpo na terra.

Israel, tendo crucificado o Messias, rejeitado a Cristo na glória e resistido ao Espírito Santo na terra, é completamente posto de lado durante o tempo presente. Ao passo que a Igreja, formada na terra, mas destinada para a glória, torna-se a testemunha de Deus no mundo.

Paulo foi o vaso escolhido para revelar, mediante ensinamentos divinos em suas epístolas, as grandes verdades que dizem respeito a Cristo e à Igreja.


Por Hamilton Smith

16. A Igreja nos caminhos de Deus

Na primeira parte da Epístola aos Efésios (1:1-2:1-10), a Igreja é apresentada com relação a Cristo na glória, segundo os conselhos de Deus. Isso permite que a contemplemos agora sob um aspecto bem diferente: a sua formação e o seu testemunho na terra segundo os caminhos de Deus.

Há uma grande diferença entre os conselhos divinos referentes à glória e os caminhos de Deus que se desenrolam na terra. 

Essa distinção nos permite ver que, segundo o etemo propósito de Deus, a Igreja não só tem um glorioso destino no céu, no tocante à sua união com Cristo, como também subsiste na terra, exercendo aqui um papel importante nos planos de Deus.

É esse aspecto da Igreja que Efésios 2:11-22 nos apresenta.
Para que possamos compreender essa característica da Igreja, o apóstolo recorda a distinta posição ocupada por Israel nos tempos anteriores à cruz, quando havia nítida diferenciação entre o judeu e o gentio. 

O judeu desfrutava um lugar privilegiado nos planos de Deus para a humanidade, enquanto o gentio estava alienado. Israel era o povo que detinha as promessas e esperanças terrenas. O relacionamento entre Deus e os judeus era regulado por coisas aparentes e palpáveis. 

A adoração religiosa, a organização política, as necessidades diárias, as obrigações domésticas, tudo, do mais elevado ato de adoração ao mais insignificante detalhe da vida, era regulado por ordenanças divinas. Tratava-se de um imenso privilégio do qual os gentios não tinham parte alguma. Não que os judeus fossem de alguma forma melhores que os gentios.

Aos olhos do Senhor, os judeus, na grande maioria, eram tão maus quanto os gentios - e alguns eram ainda piores. E também havia gentios verdadeiramente convertidos, como Jó, por exemplo. Mas, ao traçar seus planos para a terra, Deus separou Israel dos gentios, concedendo-lhe especial privilégio.

Porque, embora nem todos os judeus fossem convertidos (o que era o caso da grande maioria), constituía uma imensa honra ter todas as coisas reguladas segundo a perfeita sabedoria de Deus. 

Os gentios não ocupavam tal posição no mundo. Não desfrutavam nenhum reconhecimento público da parte de Deus. Os seus negócios e obrigações não eram regulados pelas ordenanças divinas. E as mesmas ordenanças que regulavam a vida de Israel mantinham o judeu e o gentio, rigorosamente, separados. 

Assim, o judeu encontrou no mundo um lugar de proximidade com Deus, segundo o aspecto exterior, enquanto o gentio estava aparentemente muito distante, sem ligação reconhecida com Deus.

Mas Israel fracassou completamente em corresponder aos seus privilégios. Eles abandonaram ao Senhor e voltaram-se para os ídolos. Os mandamentos e as ordenanças de Deus, que lhes outorgavam aquela posição ímpar, foram inteiramente desprezados. Por fim, crucificaram o Messias e resistiram ao Espírito Santo. E, como resultado, perderam, quanto ao tempo presente, a sua privilegiada condição sobre a terra, foram despojados de seu território e acabaram dispersos entre as nações.

Dessa forma, com Israel colocado de lado, preparou-se o terreno para a maravilhosa mudança nos planos de Deus quanto a este mundo. 

Nos versículos 11e 12, o Espírito de Deus nos permite contemplar um quadro nítido do passado, tornando o contraste mais surpreendente, pois, na sequência dos fatos após a rejeição de Israel, Deus, segundo os Seus propósitos, trouxe a Igreja a lume, estabelecendo dessa forma uma esfera de bênçãos totalmente nova e à parte dos círculos do judeu e do gentio.

Essa nova ordem estabelecida foi ensejo para que a graça de Deus passasse a fluir de maneira especial para o gentio. 

O chamado agora seria dirigido ao gentio. Não que o judeu estivesse excluído do novo círculo de bênçãos, pois, como veremos, a Igreja é formada de crentes judeus e gentios. 

Mas, se o plano era introduzir o gentio nos inestimáveis privilégios e nas bênçãos dessa nova esfera - se teria parte na Igreja -, isso deveria estar fundamentado sobre uma base justa. É por isso que logo se menciona a cruz (v.13). A cruz já fora mencionada no capítulo 1, em conexão com o cumprimento dos desígnios de Deus. Aqui, no capítulo 2, a alusão à cruz está associada aos planos de Deus para a humanidade. Pelo sangue de Cristo, os pecadores gentios foram trazidos do lugar distante onde o pecado os havia colocado para perto de Deus. E não se trata de proximidade meramente exterior, mediante ordenanças e cerimônias, mas de uma aproximação vital só plenamente expressa no próprio Cristo ressurreto dentre os mortos, que comparece diante da face de Deus para interceder a nosso favor."

Em Cristo Jesus [...] fostes aproximados pelo sangue de Cristo" - os nossos pecados nos distanciaram muito de Deus, mas o precioso sangue de Jesus não apenas nos purifica. Ele faz infinitamente mais: aproxima-nos de Deus. 

O sangue de Cristo revela a imensa dimensão do pecado, que requereu tal preço, proclama a santidade de Deus, que não se satisfaria com nada menos, e revela o amor infinito capaz de pagar o preço.

Mas isso, por mais necessário que seja para a formação da Igreja, não é o que em si a constitui. A Igreja não é simplesmente um número de pessoas "aproximadas", pois o mesmo se pode dizer dos santos remidos com sangue em todas as épocas.

Algo mais é necessário.

Além de "aproximados", os crentes judeus e gentios precisavam "ambos ser feitos um" (v. 14).

Isso a cruz de Cristo também realizou. Nela, Jesus derrubou a parede de separação entre o judeu e o gentio.
A inimizade entre os dois povos teve origem nas ordenanças que excluíam a participação do gentio. Por meio delas, o judeu podia aproximar-se publicamente de Deus, enquanto o gentio não tinha essa opção. 

A cruz, porém, aboliu completamente o conjunto de leis que possibilitavam essa aproximação e estabeleceu, pelo sangue de Cristo, um novo canal de aproximação, acessível a todos.

O judeu que se aproxima de Deus na base do sangue encerra o seu vínculo com as ordenanças judaicas. O gentio vence a barreira do distanciamento, e o judeu despoja-se da condição de proximidade conferida pela dispensação. Ambos são "feitos um" e desfrutam diante de Deus a bênção comum, nunca antes possuída por qualquer um deles.

Os crentes gentios não são elevados ao nível de privilégios dos judeus nem os judeus são rebaixados ao nível dos gentios.

Ambos são inseridos num terreno totalmente novo, num plano infinitamente mais elevado.

Nem mesmo isso, todavia, expressa toda a verdade concernente à Igreja. Tivesse o apóstolo parado aqui, veríamos os crentes aproximados pelo sangue e também "feitos um", visto que a inimizade foi removida. 

Teríamos até a impressão de uma venturosa unidade. Isso, aliás, é bendito e verdadeiro, mas ainda assim não expressa a verdade completa no tocante à Igreja. 

Então o apóstolo prossegue, dizendo que não apenas somos "aproximados" e feitos um, mas somos também transformados em "novo homem" (v. 15), em "um só corpo" (v. 16), e habitados por "um Espírito", pelo qual temos acesso ao Pai (v. 18). Agora, sim, conhecemos toda a verdade acerca da Igreja - o Corpo de Cristo - formada na terra segundo os planos de Deus.

Deus não está apenas salvando almas dentre os judeus e os gentios com base no sangue.

Não os está simplesmente reunindo em unidade. Ele os está moldando num novo homem, do qual Cristo é a gloriosa Cabeça, os crentes são os membros do Corpo e o Espírito Santo é o poder de união. Isso é muito mais que unidade: é união. 

A Igreja não é simplesmente um grupo de crentes em venturosa unidade, mas um grupo de pessoas que são membros de Cristo e membros uns dos outros em íntima união. E o novo homem não é meramente novo com referência ao tempo, mas pertence a uma ordem inteiramente nova. Antes da cruz, como já vimos, havia duas classes de homem, o judeu e o gentio, odiando um ao outro e em inimizade com Deus.

Agora, graças aos maravilhosos caminhos traçados por Deus, surge o "novo homem", que compreende cada santo na terra unido a Cristo, a Cabeça ressurreta e exaltada, pelo Espírito Santo de Deus.

Três grandes verdades estão ligadas à formação da Igreja de Deus no mundo, às quais o apóstolo faz alusão: a reconciliação com Deus, a evangelização da paz aos pecadores e o acesso dos santos ao Pai. Tanto os judeus quanto os gentios foram reconciliados com Deus em um só Corpo (v. 16). Deus não estava contente com o distanciamento dos gentios nem com a proximidade meramente externa dos judeus, que os colocava tão distante dEle quanto os gentios. 

Tampouco lhe agradava à separação que havia entre os judeus e os gentios. Foi por essa razão que Ele tão maravilhosamente trabalhou na cruz a fim de que ambos se aproximassem dEle e uns dos outros, moldados num único Corpo, sobre o qual Deus podia olhar com complacência. A cruz destruiu a inimizade entre o crente judeu e o gentio, como também o que outrora esteve entre ambos e Deus. 

Nada poderia expressar mais perfeitamente a remoção completa da inimizade que o fato do crente judeu e gentio serem formados "em um só corpo". Não é dito neste versículo "um novo homem", visto que isso incluiria Cristo, a Cabeça, e nenhuma ideia de reconciliação pode ser associada a Ele. São os que fazem parte do Corpo que precisam de reconciliação, não o que é a Cabeça.

A segunda grande verdade é que o evangelho da paz foi pregado aos gentios separados e aos judeus dispensacionalmente próximos. Podemos entender o início da evangelização na passagem que mostra a formação da Igreja. 

Sem a cruz, não poderia haver evangelização, e sem a evangelização não haveria a Igreja. Cristo é considerado o Pregador, embora o evangelho que Ele pregou seja proclamado instrumentalmente por terceiros. Lemos que os discípulos "pregaram em toda parte, cooperando com eles o Senhor" (Mc 16:20).

A terceira verdade é uma grande bem-aventurança. Mediante o Espírito, judeus e gentios têm acesso ao Pai. A separação não somente foi removida do lado de Deus como também do nosso lado. Por meio da obra de Cristo na cruz, Deus pode aproximar-se de nós, pregando a paz. E, por obra do Espírito em nós, podemos nos aproximar do Pai. A cruz nos permite a aproximação, e o Espírito nos capacita a usar essa nossa posição e de modo prático nos aproxima do Pai. 

Porém, se o acesso é pelo Espírito, então claramente não há lugar para a carne. O Espírito exclui qualquer possibilidade de atuação da carne. Não é mediante edifícios, rituais, instrumentos ou grupos musicais, ou por meio de uma classe especial de homens que conseguiremos acesso ao Pai.

Não, todos esses meios carnais, que tanto impressionam o homem natural, constituem empecilho mui efetivo para impedir o nosso acesso ao Pai.

É pelo Espírito - ou melhor, por "um Espírito" - que se entra em sintonia com Deus, como diz o hino: "Não há nota destoante que se faça ouvir ali".

Não estaria a origem das reuniões monótonas e superficiais no fato de ousarmos levar a carne não julgada à presença do Senhor? E as abruptas dissonâncias causadas por um hino incompatível ou um ministério inoportuno - não são, porventura, decorrentes do fato de não estarmos todos sendo guiados pelo mesmo e único Espírito? Estaríamos falando assim com o intuito de silenciar os irmãos, infligindo lhes um medo doentio de introduzir coisas que possam extinguir o Espírito? Não. 

Ao contrário, mas convém considerar que tanto o silêncio de uns como a precipitação de outros podem igualmente representar uma intromissão da carne. Que todos julguem a si mesmos e assim entrem na presença do Senhor. Então, verdadeiramente, o Espírito terá liberdade para conceder acesso ao Pai.Até aqui temos contemplado a Igreja como o Corpo de Cristo.Os planos que Deus traçou para ela, porém, contemplam outros aspectos, dois dos quais nos são apresentados nos versículos finais do capítulo (w. 19-22).

Em primeiro lugar, a Igreja é apresentada como um edifício que vai crescendo para ser um "templo santo no Senhor". Em segundo lugar, é chamada "morada de Deus".

Sob o primeiro desses aspectos, a Igreja é comparada a um edifício em construção que prossegue crescendo para ser um templo santo no Senhor. Os apóstolos e profetas constituem o fundamento, "sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular" (v. 20). Durante toda a dispensação cristã, os crentes são acrescentados ali, pedra por pedra, até que o último cristão seja agregado e o edifício esteja completamente terminado, manifestado em glória. 

Esse é o edifício que o Senhor menciona em Mateus 16: 18: "Edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela". Cristo, e não o homem, é o construtor. Portanto, tudo é perfeito, e ninguém exceto as pedras vivas formam essa santa construção. Pedro explica o sentido espiritual desse Edifício: as pedras que vivem são edificadas como casa espiritual a fim de "oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus" e (?) "proclamardes as virtudes" de Deus (1 Pe 2:5, 9).

Em Apocalipse 21, João tem a visão do edifício terminado. Ele o vê descendo do céu, da parte de Deus, e resplandecendo com a glória divina. Será esse o momento em que desse glorioso edifício subirão a Deus incessantes sacrifícios de louvor e em que aos homens se apresentará um perfeito testemunho das excelências de Deus. Na sequência, ainda empregando a figura do edifício, o apóstolo apresenta outro aspecto da Igreja (v. 22).

Após considerar que os santos se encontram edificados e crescendo para ser templo, ele os vê como casa já terminada, para morada de Deus pelo Espírito. Todo crente que vive sobre a terra num dado considerado parte constituinte da morada de Deus. Mas o apóstolo não diz simples-mente "vós sois uma morada" , mas que "juntamente estais sendo edificados para habitação" (Ef 2:22). 

Tanto o cristão de origem judia quanto a procedência gentia são "juntamente" edificados para constituir essa habitação. A morada de Deus caracteriza-se pela luz e pelo amor. Por isso, ao chegar à parte prática da epístola, o apóstolo exorta-nos com estas palavras: "Andai em amor [...] andai como filhos da luz" (Ef 5:2,8).

A casa de Deus, portanto, é lugar de bênção e de testemunho, em que os santos são abençoados com o favor e o amor de Deus. E, assim abençoados, vêm a ser testemunho para o mundo que os rodeia. 

Em Efésios, a morada de Deus é apresentada segundo a concepção divina e, por isso, a epístola só considera o que é real. Outras passagens das Escrituras nos mostram como, infelizmente, essa morada foi corrompida nas mãos dos homens e, por fim, ainda lemos que o juízo há de começar pela casa de Deus (1 Pe 4: 17).

Assim, nesse capítulo a Igreja é descrita sob três aspectos. 

Em primeiro lugar, é considerada o Corpo de Cristo, formado por crentes judeus e gentios, unidos a Cristo em glória, formando assim um novo homem para a manifestação de tudo que Cristo é como o Homem ressurreto, Cabeça sobre todas as coisas.

Recordemos que a Igreja não é apenas "um Corpo", mas que é "Seu Corpo", como está escrito: "A igreja, a qual é o seu corpo".

E como Corpo de Cristo, ela é "a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas" (Ef 1:22-23; 5:23). 

Sendo o Seu corpo, a Igreja é a Sua plenitude. Ela está preenchida com tudo o que Ele é, justamente com o propósito de expressar tudo o que Ele é. A Igreja - o Seu Corpo - deve ser também a expressão de Sua mente, assim como o nosso corpo também exprime o que há em nossa mente.

Em seguida, a Igreja é apresentada como um edifício que cresce continuamente, um templo formado por todos os santos da era cristã, no qual sacrifícios de louvor sobem a Deus e onde as Suas virtudes são manifestadas aos homens.

Por último, a Igreja é vista aqui na terra como um edifício completo, composto por todos os santos que vivem num dado momento histórico, formando a morada de Deus para bênção de Seu povo e testemunho para o mundo.


Por Hamilton Smith

17. A Igreja ministrada por Paulo

Na primeira parte da Epístola aos Efésios (1; 2: 1-10), havíamos contemplado a Igreja sob a perspectiva dos conselhos de Deus.Depois, em Efésios 2:11-22, vimos a trajetória da Igreja na terra segundo os caminhos de Deus.Agora no capítulo 3, a Igreja é-nos apresentada no contexto da administração de Paulo.

O capítulo inteiro é um parêntese. O capítulo 2 evidencia a doutrina da Igreja, e o capítulo 4 contém exortações práticas baseadas nessa doutrina. Entre a doutrina e as exortações encontramos essa importante digressão, pela qual o Espírito Santo nos dá a conhecer a administração - ou serviço - especial confiada ao apóstolo Paulo e intimamente ligada à verdade acerca da Igreja.

Com relação ao serviço, constatamos que foi a insistência, na verdade, acerca da Igreja que o levou à prisão. Essa extraordinária verdade despertou de forma singular o ódio e a hostilidade da parte dos judeus, pois não só colocava judeus e gentios em igual condição diante de Deus - mortos em ofensas e pecados - como também recusava aos judeus um lugar privilegiado, acima dos gentios.Na sequência, somos informados de que maneira o apóstolo conheceu a verdade acerca do mistério que envolvia a Igreja. 

Não foi por informação humana, mas por revelação direta de Deus: "Segundo uma revelação, me foi dado conhecer o mistério". 

Com isso, ergueram-se imensos obstáculos no momento de comunicar a verdade acerca desse mistério.

Quando pregava o Evangelho nas sinagogas judaicas, Paulo invariavelmente apelava para as Escrituras (ver At 13:27,29,32, 35,47; 17:2), e os judeus de Beréia foram até elogiados por examinarem as mesmas Escrituras para ver se a palavra pregada por Paulo estava de acordo com o texto sagrado.

No entanto, ao ministrar a verdade acerca da Igreja, o apóstolo não pôde contar com a confirmação do Antigo Testamento. Em vão, os seus ouvintes iriam procurar nas Escrituras a validação de suas afirmações. Já era difícil para o judeu secularizado aceitar as verdades contidas no texto sagrado, a exemplo de Nicodemos, que teve dificuldades para entender o novo nascimento. 

Portanto, para o judeu, aceitar uma verdade que não estava contida nas Escrituras e que deixava de lado todo o sistema judaico nelas ordenado e sancionado pelo próprio Deus através dos séculos era uma dificuldade insuperável.

Para muitos cristãos, será quase impossível avaliar esse grau de dificuldade, visto que a verdade acerca da Igreja está obscurecida ou totalmente perdida em sua mente.Concebem a Igreja como o conjunto de todos os crentes através dos tempos, e a maioria deles não tem dificuldade para encontrar no Antigo Testamento o que acreditam ser a Igreja.

Que esse conceito domina a mente de muitos homens piedosos está amplamente provado pelos títulos que deram a muitos capítulos do Antigo Testamento na Versão Autorizada (King James).

Aceitam, no entanto, a verdade acerca da Igreja tal como revelada na Epístola aos Efésios, mas logo deparamos com aquela dificuldade, a qual só pode ser resolvida se aceitarmos o fato deque a verdade acerca da Igreja é uma revelação inteiramente nova.Paulo denomina "mistério" a grande verdade que recebeu por revelação e, no versículo 4, chama-o "mistério de Cristo".

Ao empregar o termo "mistério", o apóstolo não pretende transmitir a ideia de algo enigmático - no sentido puramente humano da palavra.Nas Escrituras, "mistério" é algo mantido em segredo e que não pode ser conhecido a não ser por revelação e, uma vez revelado, só pode ser compreendido pela fé.

O apóstolo explica que esse mistério não foi revelado aos filhos dos homens no período do Antigo Testamento, mas agora era dado a conhecer, por revelação, "aos seus santos apóstolos e profetas, no Espírito". 

Os profetas citados aqui claramente não são os do Antigo Testamento, assim como em Efésios 2:20. Em ambos os casos, a ordem é "apóstolos e profetas", e não "profetas e apóstolos", como seria de esperar se a referência fosse àqueles homens de Deus do Antigo Testamento. 

Além do mais, Paulo está falando de algo revelado "agora", em contraste com as antigas revelações.O que seria então esse mistério? Com certeza não é o Evangelho, pois este não jazia escondido em outras épocas. O Antigo Testamento está repleto de alusões à graça de Deus e à vinda do Salvador, embora tais revelações fossem mui pouco compreendidas. Está claro para nós, no versículo 6, que esta nova revelação é que os gentios "são co-herdeiros, e um corpo unido, e co-participantes da promessa em Cristo Jesus por meio das boas-novas" (segundo a tradução de JND). 

Os gentios são feitos co-herdeiros com os judeus não no reinado terrestre de Cristo, mas na herança, muito mais maravilhosa, descrita no capítulo 1, a qual inclui tanto as coisas celestiais quanto as terrestres. E mais: os crentes gentios constituem junto com os crentes judeus um mesmo corpo do qual Cristo é o Cabeça no Céu. 

Além disso, tornaram-se participantes da promessa de Deus em Cristo.O gentio não foi elevado ao nível do judeu, tampouco o judeu foi rebaixado ao nível do gentio.Ambos foram tirados de sua antiga posição e elevados a um plano incomparavelmente superior, unidos um ao outro em Cristo sobre uma base totalmente nova e celestial. E todas essas coisas foram operadas pelo Evangelho, o qual lhes é dirigido enquanto estão em um mesmo nível de culpa e de ruína total.Os três grandes fatos mencionados nesse versículo são abordados no capítulo 1. 

A promessa de Cristo contempla todas as bênçãos listadas nos sete primeiros versículos daquele capítulo. A herança é-nos apresentada nos versículos de 8 a 21, e a verdade do "um só corpo", nos versículos 22 e 23. O mistério, dessa maneira, pode ser resumido no contexto de um único versículo. Mas a captação da grandeza dessa verdade e tudo que ela envolve demanda exaustivo exercício espiritual. 

Alguém disse: "É espantoso que os cristãos sejam tão vagarosos para entender a grandeza dos conselhos de Deus.

Em geral, somos inclinados a nos preocupar mais com detalhes da vida cristã que com os maravilhosos princípios que regem o cristianismo".

Na consideração do mistério, somos levados até antes da fundação do mundo para encontrar a sua fonte no coração do Pai. Ali, tudo foi deliberado segundo o seu bel-prazer. Ali igualmente, em Deus, o grande mistério permaneceu oculto através das eras até que, nos caminhos de Deus, chegasse o momento oportuno para a sua revelação.

Antes disso, porém, importantes acontecimentos teriam lugar na história universal.O mundo seria colocado à prova, a fim de que fosse conhecida a sua condição de absoluta ruína.Cristo manifestar-se-ia em carne, de modo a realizar a obra da redenção. Depois seria ressuscitado de entre os mortos e se assentaria na glória. 


Por fim, o Espírito Santo seria enviado à terra.A presença de Cristo na terra foi o teste definitivo para o ser humano. Ele habitou entre os homens, cheio de graça e de verdade, "fazendo o bem". As suas mãos manifestavam poder capaz de aliviar o ser humano de todos os males possíveis - seja do pecado, da doença ou do próprio diabo. Além disso, com o coração cheio de compaixão, Ele manifestava a graça, usando o Seu poder a favor do homem pecador.Toda essa manifestação da bondade divina serviu para revelar a profunda aversão do ser humano à perfeita benignidade de Deus. 

Foi a evidência derradeira de completa ruína, tanto do judeu quanto do gentio. Os judeus rejeitaram completamente ao Messias prometido há longa data e selaram a própria condenação ao declarar: "Não temos rei, senão César!". Era a apostasia.

Os gentios, por sua vez, evidenciaram sua decadência absoluta valendo-se do governo - que Deus pusera em suas mãos! - para condenar o Filho de Deus depois de Ele ter sido judicialmente declarado inocente.

A cruz foi a resposta do ser humano ao amor de Deus, a prova definitiva de que o homem não era apenas pecador, e sim pecador decaído, além de qualquer esperança de recuperação em si mesmo. E o que aconteceu? O Cristo que o mundo rejeitou ascendeu à glória e o mundo posto sob julgamento.A Luz do mundo saiu de cena, e o mundo foi deixado em trevas.O Príncipe da vida fora morto, e o mundo ficou mergulhado na morte. Morte e trevas dominavam todo o cenário, judeus e gentios, igualmente, jaziam mortos para Deus em "delitos e pecados".

Não havia, então, esperança para o mundo decaído? 

Deveria o mundo encaminhar-se ao julgamento com toda a sua carga de almas decaídas? Deveria o homem ser subjugado pelo pecado e pela morte? 

Teria o diabo obstruído os propósitos de Deus, cercando o ser humano no desespero e triunfando sobre tudo? Da parte do homem não havia resposta. Tudo estava irremediavelmente arruinado. 


A cruz provou que o mundo não estava moribundo. O mundo estava morto. "Um morreu por todos; logo, todos morreram." 

Então, no auge da crise, quando o mundo chega ao seu fim e a terrível história do pecado encerra com morte, Deus recorre aos seus eternos conselhos, agindo conforme seus bons propósitos, e no devido tempo dá a conhecer os segredos de seu coração. 

O mundo está morto, mas Deus vive, e o Deus' vivo age de acordo com os Seus conselhos. 

O mundo pendurou Cristo na cruz da vergonha, mas Deus o ressuscitou dos mortos e o assentou no trono de glória.

No tempo apropriado, no grande dia de Pentecostes, o Espírito de Deus desceu ao mundo, da parte do Cristo glorificado. 

Sem dúvida foi maravilhosa a época em que a terra estava sem forma e vazia, e as trevas cobriam as profundezas do abismo, e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. Muito mais admirável, porém, foi o dia em que Ele desceu a um mundo que se arruinou por haver lançado fora a Luz do mundo e matado o Príncipe da vida. 

Não podemos dizer que mais uma vez "havia trevas sobre a face do abismo" e que novamente "o Espírito de Deus pairava por sobre as águas"?

Deus deu início a uma nova criação, não a partir do ser humano moribundo, mas do "Cristo, o Filho do Deus vivo", o princípio da criação de Deus.Dentre um mundo de judeus apóstatas e gentios ímpios, Deus chama para fora uma grande companhia de almas vivificadas, redimidas pelo sangue e perdoadas conforme as riquezas da graça divina. E não somente as chama para fora de um mundo arruinado como também as une em um só Corpo com Cristo, sua Cabeça no Céu. 


Não fazem parte do mundo que rejeitara a Cristo, assim como Ele também não é deste mundo (Jo 17: 16), mas pertencem ao Céu, onde Cristo - a Cabeça ressuscitada e exaltada - está entronizado.Além disso, ainda serão participantes de Sua gloriosa herança, quando Lhe for dado o domínio sobre todo o universo criado de Deus, quer nas coisas do Céu, quer nas coisas da terra.

Assim, esse é o maravilhoso mistério, em outras eras oculto aos filhos dos homens, mas agora revelado aos Seus santos apóstolos e profetas pelo Espírito e ministrado a nós por meio do apóstolo Paulo. Por causa dessa extraordinária verdade é que Paulo foi feito ministro, como ele próprio nos relata (v. 7). 

Não significa que o mistério não tenha sido revelado aos demais apóstolos - Paulo afirma que sim -, mas que ele recebeu a incumbência especial de ministrar essa verdade aos santos. Por essa razão, somente nas epístolas de Paulo encontramos revelado o mistério. A graça de Deus concedeu esse ministério ao apóstolo, e o poder de Deus capacitou-o a utilizar o dom da graça. Os dons de Deus só podem ser usados no poder divino.

Além disso, o apóstolo reconhece o efeito que essa extraordinária verdade causou à sua vida (v. 8). Ante a grandeza da graça de Deus, ele percebeu que era o principal dos pecadores (1 Tm 1: 15). Diante do imenso panorama de bênçãos descortinado pelo mistério, sentiu-se inferior ao menor de todos os santos. Quanto maior, as glórias que se nos apresentam, tanto menor nos consideraremos aos nossos próprios olhos. 


O homem que melhor entendeu o mistério em toda a sua imensurável amplitude considerava-se o menor entre os menores dos santos.Para dar cumprimento ao seu ministério, o apóstolo apregoou entre os gentios as "insondáveis riquezas de Cristo" (v. 8). 

Paulo não somente proclamava a irremediável ruína do ser humano, mas também as inescrutáveis riquezas de Cristo, cujo valor ultrapassa toda a capacidade humana de cálculo, que trazem embutidas bênçãos ilimitadas. Ainda que nos dedicássemos a esgotar as Suas riquezas, jamais alcançaríamos os limites das bênçãos que elas nos podem proporcionar.A pregação do Evangelho, no entanto, estava voltada à segunda parte do ministério de Paulo - a de iluminar a todos com o conhecimento "da administração do mistério" (v. 9, segundo a tradução de (JND). 

Iluminar a todos não apenas com a verdade acerca do mistério, mas também com o conhecimento de como se deu a sua ministração. Enfim, para demonstrar a todos os homens como os conselhos de Deus, que eram de eternidade a eternidade, se realizaram no tempo presente mediante a formação da Assembleia na terra. 

Dessa maneira, trouxe publicamente à luz o que até então estava oculto em Deus desde a fundação do mundo.E mais ainda. 

A intenção de Deus não era somente esclarecer a humanidade quanto à formação da Assembleia sobre a terra. O seu intento é que agora também os seres celestiais aprendam, por meio da Igreja, a multíplice sabedoria de Deus.Os principados e potestades celestiais haviam contemplado a criação de Deus ainda jovem, recém-saída de Suas mãos, e, ao perceberem a Sua sabedoria no ato criador, cantaram de alegria.Agora, na formação da Igreja, eles podem avistar a "multiforme sabedoria de Deus" (v. 10). A Criação foi a mais perfeita expressão de sabedoria criadora.

Porém, na formação da Igreja, a sabedoria de Deus é exibida em todas as formas. Antes que a Igreja pudesse ser formada, a glória de Deus tinha de ser reivindicada (restituída); a necessidade do ser humano, satisfeita; os pecados, lançados longe; a morte, abolida, o poder de Satanás, anulado. 

A barreira entre judeus e gentios tinha de ser removida; os céus, abertos; Cristo, assentado como Homem na glória; o Espírito Santo, vindo à terra; o Evangelho, pregado.A formação da Igreja envolvia tudo isso e muito mais. Esses múltiplos propósitos só poderiam ser alcançados pela multiforme sabedoria de Deus - sabedoria que não se evidenciou apenas num único aspecto, mas em todos os aspectos. 

Assim, a Igreja tornou-se o livro didático dos seres celestiais e angélicos.Nem mesmo o fracasso da Igreja no exercício de suas responsabilidades alterou o fato de que os anjos aprendem com a Igreja. Ao contrário, tornou mais evidente a prodigiosa sabedoria que, elevada acima de qualquer falha humana, supera todos os obstáculos e por fim conduz a Igreja à glória" segundo o eterno propósito que estabeleceu em Cristo Jesus, nosso Senhor".

Nos versículos que se seguem (12 e 13), o apóstolo desvia-se um pouco da revelação do mistério para dar uma breve palavra acerca de seu efeito prático. Todas essas maravilhas não foram expostas à nossa vista apenas para serem admiradas. Admiráveis elas são, de fato, ou, como exclamou Davi ao referir-se à Casa de Deus, "sobremodo magnificentes". Mas também é verdade que o mistério é extraordinariamente prático, e nesses dois versículos vemos o efeito do mistério quando corretamente compreendido e realizado em conformidade.Trata-se de uma verdade que nos deixa à vontade no mundo de Deus, mas que nos lança fora do mundo do homem. 

Tal como o cego de João 9, que, banido do mundo religioso, achou-se na presença do Filho de Deus, Paulo tinha acesso ao palácio do Céu (v. 12), mas se encontrava prisioneiro na terra (v. 13). Cristo Jesus, o único por meio do qual todos os propósitos eternos serão cumpridos, é também o único pelo qual temos acesso pela fé ao Pai. Se é em Cristo que seremos apresentados diante do Deus, santos, irrepreensíveis e em amor, nEle também obtemos, desde já, santa ousadia e acesso com confiança ao Pai. Essa verdade extraordinária deixa-nos à vontade na presença do Pai.

Mas no mundo essa condição nos conduz à tribulação. Paulo teve essa experiência, mas declara: "Não desfaleçais nas minhas tribulações". 

Aceitar o mistério - caminhar à luz dessa verdade - nos deixará fora do curso deste mundo e, ao mesmo tempo, à parte do mundo religioso. Acontecerá conosco o que acontecia com Paulo: uma luta contínua, especialmente contra todos os judaizantes.É necessário que seja assim, pois essas grandiosas verdades minam completamente a constituição mundana de qualquer sistema religioso criado pelo homem. 

E o que se tem visto? Acaso tem sido a verdade do mistério, associada ao conhecimento pelo qual Paulo empenhou-se para iluminar a todos os homens, proclamada dos púlpitos da cristandade, das santas convenções, ou mesmo das plataformas evangélicas?

Tem sido a verdade desse mistério - que envolve a ruína total do ser humano, a rejeição total de Cristo por parte do mundo, a atividade de Cristo na glória, a presença do Espírito Santo na terra e a vocação celestial dos santos proclamada nas igrejas nacionais ou nas denominações cristãs, ou influenciado sua trajetória? 

Não, não há lugar para essa verdade em seus credos, em suas orações ou em seus ensinos. Pior ainda, ela já é negada nos seus estatutos, doutrina e prática.

Apesar de tudo, temos um recurso. Podemos orar, e por esta razão esses dois versículos (12 e 13) nos conduzirão naturalmente à oração com a qual o apóstolo encerra o capítulo. Se temos ousadia e acesso com confiança, então podemos orar. 

Se deparamos com tribulação, então devemos orar. Assim, em face da incumbência de ministrar a verdade e da tribulação que a tarefa envolvia, Paulo tinha um único recurso: dobrar os joelhos diante do Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.A oração no início de Efésios foi dirigida ao "Deus de nosso Senhor Jesus Cristo". 

Ali Jesus é visto como um Homem em relacionamento com Deus. E a partir de Cristo, colocado acima de tudo, podemos contemplar a herança espalhada em toda a vasta extensão da glória. Já aqui a oração é dirigida ao "Pai de nosso Senhor Jesus Cristo".

Aqui Jesus é visto como o Filho em relacionamento com o Pai. E, em vez de olharmos para baixo contemplando a herança, olhamos para cima a fim de contemplar as Pessoas divinas.Na primeira oração, o pedido é "para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos, e qual a sobre-excelente grandeza do seu poder". 

Mas aqui a oração vai além do chamado, estende-se além da herança e conduz àquilo que é maior que poder. Pois aqui o apóstolo ora não somente para que conheçamos a esperança de nosso chamado, mas para que Cristo - aquele em quem somos chamados - habite em nossos corações; não somente para que saibamos quais as riquezas de Sua herança, mas para que conheçamos a plenitude de Deus; não somente para que conheçamos a suprema grandeza de seu poder, mas para que conheçamos o amor de Cristo, que excede todo o entendimento.Para que esses requisitos sejam alcançados, o apóstolo ora para que ocorra uma obra especial do Espírito Santo no interior do homem.

Na primeira oração, o poder é direcionado a nós. Aqui, o poder opera em nós. Ali era que os olhos fossem iluminados para contemplar a herança. Aqui é a obra no coração, para que compreenda o amor. Para adentrar nas coisas profundas de Deus, temos que estar arraigados e alicerçados em amor. Estar arraigados e alicerçados no conhecimento secular é de nenhum valor para a compreensão dos mistérios de Deus, pois se trata de uma esfera que está além da razão humana. 

Aqui entramos em contato com coisas que os olhos não podem ver nem os ouvidos ouvir, coisas que não penetraram o coração do homem, coisas que somente Deus pode ensinar através de nossos afetos.

Deste modo, assim que Cristo vier habitar o coração mediante a fé, e estarmos arraigados e alicerçados em amor, estaremos aptos para compreender, juntamente com todos os santos, "qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade". 

O apóstolo não diz a que exatamente esses termos se referem, mas acaso não tem ele em vista os infinitos conselhos de Deus, por muito tempo, ocultos e agora revelados no mistério? 

Desse modo, é possível entender, mas temos também algo que ultrapassa o conhecimento - o amor de Cristo, o qual pode ser perfeitamente desfrutado, porém, jamais alcançaremos o seu fim ou penetraremos as suas profundezas.

Aqui somos lançados num oceano sem margens cuja profundidade jamais foi atingida. E, no conhecimento desse amor, seremos cheios de toda plenitude de Deus. 

A "plenitude de Deus" é aquilo de que Deus está cheio.Cristo é a plenitude de Deus, como lemos em Colossenses 2:9: "Nele, habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade". A Igreja é a plenitude de Cristo - "a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas" (Ef 1:23 - ERA). 

Somente Deus pode conduzir o nosso coração ao conhecimento do amor de Cristo e então encher-nos com Sua plenitude. 

Afinal, Ele é capaz de fazer infinitamente mais do que pedimos ou pensamos, conforme o poder que opera em nós. Não é fazendo coisas por nós, embora isto também seja verdadeiro, mas aqui Ele está operando a obra em nós. 

O apóstolo não está se referindo às nossas circunstâncias, nem às nossas necessidades diárias, nem a qualquer coisa que a misericórdia divina possa nos conceder, e sim ao vasto universo de bênçãos às quais Ele pode conduzir nossas almas pela obra que realiza em nós.

Tampouco o apóstolo diz: "... acima do que podemos pedir ou pensar", como às vezes o versículo é erroneamente citado (como se pudéssemos pedir algumas coisas e outras não).

Alguém disse certa vez que "há grande diferença entre o que pedimos e pensamos e o que podemos pedir ou pensar. 

Na verdade, não há restrições para os nossos pedidos". Tampouco podemos impor limites ao que Deus pode realizar na vida dos santos, para benefício deles e para Sua glória. Isso leva o apóstolo a encerrar com uma explosão de louvor: "A ele seja a glória na Assembleia em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém!" (segundo a tradução de JND). 

Foi o supremo privilégio de Paulo ministrar o mistério na época presente. Mas, como dizia Paulo, que tudo fosse para a glória de Deus, por toda a eternidade. Deliberado nos tempos eternos, antes da fundação do mundo, também há de subsistir para a glória de Deus por toda a eternidade, quando o mundo já não mais existirá.


Por Hamilton Smith

18. A Igreja como casa de Deus sob a responsabilidade do homem

No capítulo anterior, procuramos extrair das Escrituras a verdade acerca da Casa de Deus conforme concebida na mente divina. Conhecemos o propósito de Deus de habitar entre os homens e a responsabilidade que os homens têm em conexão com essa habitação de Deus. Agora é o momento de perguntar: "Tem o homem cumprido as suas responsabilidades?".

Lamentavelmente, a história mostra que, ao longo das eras, o homem falhou em sua obrigação - tanto mais alto o privilégio e ampla a responsabilidade, maior a queda. Assim, em nada o fracasso do ser humano é tão evidente quanto com relação à Igreja vista como Casa de Deus sobre a terra. Para poder avaliar a verdadeira extensão desse fracasso, é essencial obter uma clara visão da Casa de Deus conforme o plano divino original. Na época em que os filhos de Israel amargavam no cativeiro por haverem falhado em manter a santidade da Casa de Deus, o profeta Ezequiel recebeu ordem de mostrar "à casa de Israel este templo, para que ela se envergonhe das suas iniquidades; e meça o modelo" (Ezequiel 43:10).

Só então o povo teria consciência do quanto se haviam afastado dos padrões divinos.

Como vimos na história de Jacó, a responsabilidade do homem com relação à Casa de Deus estava representada pela "porta" e pela "coluna". O significado da "porta dos céus" aponta para Deus e expressa o privilégio e a responsabilidade de nos aproximarmos dEle em oração e louvor. O significado da "coluna" ungida com óleo aponta para o ser humano e expressa a responsabilidade de manter um testemunho verdadeiro diante dos homens.

Temos falhado nos dois aspectos: não temos usado adequadamente a "porta dos céus" e, consequentemente, não erigimos a nossa coluna. Falhamos na oração e na dependência de Deus.

Portanto, falhamos no testemunho perante os homens.

Outro aspecto essencial para que a Casa de Deus seja a verdadeira expressão da Divindade é a necessidade de manter as características distintivas da Casa. O propósito de todas essas características é dar expressão do próprio Deus. A santidade da Casa precisa ser mantida a fim de que haja verdadeira manifestação de Deus.

Sabemos também que as orações devem ser feitas a favor de "todos os homens", pois isso expressa o desejo de Deus - que todos sejam salvos.

As mulheres devem distinguir-se pela modéstia e pelas "boas obras" , as quais manifestam a bondade de Deus aos homens. Dessa forma, a Casa de Deus também será caracterizada pelo cuidado com o corpo e com a alma, e todos poderão ver que Deus se preocupa com o bem-estar do ser humano.

Por fim, a Casa de Deus deve caracterizar-se pela "piedade" (1 Timóteo 3: 14-16).

É óbvio que somente o comportamento piedoso é apropriado à Casa de Deus. E, quando notamos que o propósito é a expressão de Deus, torna-se claro que a piedade consiste em uma vida que manifeste Deus - não uma vida meramente religiosa ou marcada pela afabilidade, ou benevolência que qualquer ser humano tem a capacidade de exibir. A vida piedosa é vivida no temor de Deus e, portanto, é uma vida que expressa Deus. O segredo desse tipo de vida repousa na busca do padrão de piedade demonstrado por Cristo. Por essa razão, nos versículos finais do terceiro capítulo de 1 Timóteo, o apóstolo apresenta um resumo notável da vida de Jesus - da encarnação à ascensão - na qual o Espírito de Deus enumera uma série de grandes fatos que expressam claramente a Deus. O Deus "manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória".

Esses são fatos que revelam o coração de Deus ao homem.

Assim, aprendemos com Cristo o segredo da piedade ou da vida que manifesta a presença de Deus - da vida que expressa Deus.

Que maravilhosa imagem de Deus a Igreja apresentaria ao mundo se mantivesse todos os princípios dessa Casa! O mundo iria ver com um povo identificado pela santidade, pela dependência de Deus, pela sujeição à autoridade, pelas boas obras e pelo cuidado para com o corpo e a alma. 

Eles iriam ver a prática de princípios inteiramente opostos aos que predominam no mundo decaído e, mais que isso, teriam ciência dos propósitos de Deus para com o ser humano. Infelizmente, é notório, sob qualquer perspectiva, que os que constituem a Casa de Deus fracassaram. 

Nós fracassamos em manter os grandes princípios da Casa de Deus e, por conseguinte, fracassamos em apresentar ao mundo uma verdadeira expressão de Deus. Qual a causa desse fracasso? Uma olhada para a história de Israel e o seu mau êxito com relação à Casa de Deus talvez possa revelar o motivo de também havermos fracassado. Deus ordenou que o profeta Ezequiel falasse "aos rebeldes, à casa de Israel: Assim diz o SENHOR Deus: Bastem-vos todas as vossas abominações, ó casa de Israel! Porquanto introduzistes estrangeiros, incircuncisos de coração e incircuncisos de carne, para estarem no meu santuário, para o profanarem em minha casa [...] Não cumpristes as prescrições a respeito das minhas coisas sagradas; antes, constituístes em vosso lugar estrangeiros para executarem o serviço no meu santuário"(Ezequiel 44:6-8).

Temos aqui três acusações categóricas: introdução de pessoas estranhas na Casa de Deus, fracasso na manutenção da santidade da Casa e uso da Casa de Deus para propósitos particulares.

Essa triste história não parece repetir-se na presente dispensação? No dia de Pentecostes, não havia "estrangeiros" entre os que passaram a constituir a Igreja após a descida do Espírito Santo - eram todos verdadeiros filhos de Deus.

Também não havia "incircuncisos de coração" entre os três mil que em seguida foram acrescentados à Igreja pelo Senhor. Eram todos crentes verdadeiros. Mas logo apareceu um "estrangeiro" - Simão, o mago, que pelo batismo foi introduzido no lugar da habitação do Espírito de Deus, mas nunca teve parte com Ele realmente. Não demorou, e outros o seguiram.

Como resultado, ainda nos dias dos apóstolos, a Casa de Deus tornou-se semelhante à casa em que "não há somente utensílios de ouro e de prata; há também de madeira e de barro. Alguns, para honra; outros, porém, para desonra" (2 Timóteo 2:20). 

Assim, tal qual o Israel antigo, a santidade da Casa não foi mantida, e os homens passaram a utilizá-la para fins pessoais, "ensinando coisas que não deviam, motivados basicamente pelo lucro" (Tito 1:11, JND). 

O mal dos dias apostólicos foi aumentando com o passar dos séculos, até estes últimos dias, em que uma multidão de credos sem vida estigmatiza a Casa de Deus com uma piedade sem poder (2 Timóteo 3: 1-5).

Qual seria, então, a consequência do fracasso do homem em sua responsabilidade?

Tal como no caso de Israel, o mal que adentrou a Casa de Deus clama por julgamento. "

A ocasião de começar o juízo pela casa de Deus é chegada" (1Pedro 4: 17).

Para Israel, esse dia chegou.

Foi quando o Senhor se recusou a reconhecer o Templo como a Casa de Deus.

Ele se referiu a ela dizendo: "Eis que a vossa casa vos ficará deserta" (Mateus 23:38; grifo do autor). Os verdadeiros filhos de Deus ligados ao Templo foram incorporados à Igreja, e a "casa deserta" foi submetida a julgamento. No entanto, a Igreja, como Casa de Deus, também incidiu em corrupção. E, muito em breve, os que pertencem a Deus serão arrebatados para se encontrar com o Senhor nos ares e uma grande multidão de credos sem qualquer relação com a Casa de Deus irão passar por julgamento.

Seria, então, a intenção de Deus de habitar entre os homens frustrada pelo fracasso humano em cumprir as suas responsabilidades?

Absolutamente não! Nenhum lapso de tempo, mudança de dispensação, fracasso do povo de Deus, oposição do Inimigo ou poder da morte conseguirá dissuadir a Deus de seus propósitos.

No momento em que um povo redimido está assegurado, Deus manifesta o desejo de habitar no meio deles (ver Êxodo 15: 13,17; 29:45).

O Tabernáculo no deserto e o Templo na Terra Prometida dão testemunho desse sentimento acalentado por Deus. E, apesar de o povo fracassar e negligenciar a Casa de Deus, de o Templo ser destruído e de eles serem levados para o cativeiro, em momento algum Deus retrocedeu no propósito de habitar no meio de Seu povo. Ele trouxe de volta um remanescente para reconstruir a Sua Casa. Todavia, estes também falharam e por sua vez foram dispersos entre as nações. Quanto à Casa de Deus, não restou pedra sobre pedra.

Não obstante, Deus prosseguiu em Seu glorioso intento. Elevando-se acima de todo o fracasso humano, revelou novos segredos que estavam em Seu coração e trouxe à luz a "casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade".

Porém, novamente o homem falhou em sua responsabilidade, transformando em ruínas a Casa de Deus. Embora caracterizada pela santidade, ela tomou-se semelhante a uma habitação comum, uma grande casa na qual existem vasos para honra e vasos para desonra. Um pequeno remanescente poderá, de fato, separar-se dos vasos de desonra com o propósito de retomar aos valores morais da Casa de Deus e caminhar de acordo com os princípios que a governam. 

Mas eles também falharão, e a história de responsabilidade do homem será encerrada com o julgamento que começa pela Casa de Deus. Contudo, apesar do fracasso humano, seja no antigo Israel, seja na Igreja de hoje, Deus permanece fiel aos seus propósitos e descortina diante de nós a visão de outra Casa, na dispensação milenial, e "a glória desta última casa será maior do que a da primeira".

Contudo, até mesmo essa Casa um dia passará, pois a gloriosa era milenial terminará em sombras e juízo. Mas Deus jamais desistirá de Seus propósitos, pois passados os julgamentos das nações e do grande trono branco, nos são apresentados "novos céus e nova terra", e, no desenrolar dessa bela cena, vemos a "nova Jerusalém, que desce do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo", e ouvimos uma"grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles".

Em nossa enumeração, viajamos para além dos limites do tempo, com todas as suas mudanças e fracassos, e alcançamos a eternidade com os "novos céus e nova terra".

Chegamos a uma cena em que todas as lágrimas são enxugadas, ao tempo em que "a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram".

Ali, finalmente, vemos cumpridos os propósitos de Deus revelados através das eras, não mais frustrados pelo poder do Inimigo ou pelo fracasso dos santos.


Por Hamilton Smith

19. A Igreja como Corpo de Cristo

Nos capítulos anteriores, depois de ter uma visão geral da verdade referente à Igreja, consideramos um aspecto especial dela: a Casa de Deus. Há, entretanto, outro aspecto importante em que a Igreja é apresentada nas Escrituras, a saber, o Corpo de Cristo.Vamos considerá-lo brevemente.Referindo-se a esse aspecto da Igreja, a linguagem das Escrituras é muito precisa . 

Lemos em Colossenses 1:18 que "ele é a cabeça do corpo, a Igreja" e, novamente, em 1 Coríntios 12: 12-13 "Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, embora muitos, formam um só corpo, assim também é Cristo. Pois em um só Espírito fomos todos nós batizados em um só corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos quer livres; e a todos nós foi dado beber de um só Espírito".

Nessas passagens fica claro que, pelo Espírito Santo, todos os crentes formam na terra um único Corpo que tem a sua Cabeça no céu. Vimos que, pelo batismo com água, os homens foram introduzidos na profissão cristã; e esta constitui a Casa de Deus na terra. É claro, porém, que nenhum batismo por água pode introduzir as pessoas no Corpo de Cristo. Isso só pode ocorrer pelo batismo do Espírito Santo.Assim sendo, nada que não seja real pode ter parte alguma no Corpo de Cristo. 

Ao considerar o Corpo de Cristo, temos que ver os cristãos somente à luz da obra de Deus neles. É verdade que a carne ainda está em nós, mas Deus a condenou e, vendo-nos fora dela, nos enxerga "em Cristo" e "no Espírito". Por outras palavras, Deus sempre vê seu povo em conexão com Cristo e o Espírito, e nós somos privilegiados por ver-nos do mesmo modo. Alguém disse: "É somente a essa luz que podemos falar da qualidade de membros do Corpo; não há lugar para nada no Corpo de Cristo senão o que é de Cristo - de Deus. Não existe, nem se imagina no Corpo de Cristo, falha nem carnalidade". 

As pessoas que compõem o Corpo, tendo em si a carne, podem, na verdade, falhar no andar em correspondência com a verdade, mas no Corpo em si tudo é de Cristo. É seu Corpo.Há três partes das Escrituras que apresentam de modo especial essa grande verdade: Efésios 1 e 2; Colossenses 1 e 3; e 1 Coríntios 12 e 14. 

Em Efésios,o Corpo é apresentado em seu aspecto eterno de acordo com os conselhos do Pai. Em Colossenses é visto em seu aspecto temporal, como o recipiente para manifestação de Cristo. Em Coríntios, o Corpo é apresentado como o instrumento para as manifestações do Espírito na terra.As manifestações do Espírito por meio do Corpo têm em vista a evidenciação de Cristo no Corpo temporal. E a evidenciação de Cristo agora é apenas um prelúdio para a manifestação de Cristo em sua plenitude nas eras vindouras em conformidade com os conselhos do Pai. Vamos então considerar primeiro a verdade do Corpo em conformidade com os conselhos do Pai. 

Em Efésios 1, o assunto em destaque é o que o Pai propôs para a glória de Cristo. O capítulo apresenta "o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito, que propusera em Si mesmo para a dispensação da plenitude dos tempos, de fazer convergir em Cristo todas as coisas" (v. 9 e 10, segundo a tradução de JND). 

Além disso, nesses conselhos a Igreja tem um lugar de máximo privilégio em relação com a glória de Cristo, e daí nós também já aprendemos o destino futuro da Igreja como o Corpo de Cristo. Aqui a Igreja é vista não em relação ao tempo presente, mas em relação à "plenitude dos tempos".Temos permissão de olhar além do momento presente, com todas as suas falhas, e ver a glória futura da Igreja como o Corpo de Cristo. Naquele dia "a Igreja, a qual é o seu Corpo" será "a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas" (v.22-23). 

De acordo com o conselho de Deus, está chegando o dia em que Cristo vai encher todas as coisas. Todo o universo será cheio de bênçãos por meio de Cristo, mas, nesse dia, será privilégio especial da Igreja expressar "a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas" . Embora todas as coisas vão ser abençoadas por meio de Cristo, e serão para a glória de Cristo, não é tudo que irá expressar a Sua plenitude. 

Isso será reservado para a Igreja. Um santo individualmente pode manifestar alguns traços de Cristo, todas as coisas do mundo vindouro vão manifestar Cristo em medida ainda maior, mas somente na Igreja, como o Corpo de Cristo, haverá a perfeita manifestação de Cristo em toda Sua plenitude. Plenitude quer dizer completitude. Por isso, Cristo não será apenas manifestado, mas será manifestado em perfeição. 

Isto é, não apenas toda a excelência de Cristo será vista, mas também tudo será visto em justa proporção. Nenhum traço predominará: todos serão manifestados em perfeita proporção em relação um com o outro do mesmo modo que os membros de um corpo humano normal estão em proporção e demonstram a intenção da cabeça. 

Mas o que então será realmente verdadeiro já deve ser moralmente verdadeiro agora.Isso nos leva à verdade do Corpo como recipiente para a manifestação de Cristo no tempo. Para esse aspecto da Igreja como o Corpo de Cristo, precisamos voltar à Epístola aos Colossenses. O grande objetivo dessa epístola é revelar as glórias de Cristo como a Cabeça. 

Lemos no versículo 1:18: "Ele é a cabeça do corpo, da Igreja".Além disso, é desejo de Deus que as glórias morais da Cabeça no céu tenham, no tempo presente, uma manifestação no Corpo sobre a terra. Assim, o apóstolo, tendo falado do ministério do evangelho, passa a falar de um segundo ministério ligado ao Corpo de Cristo, "que é a Igreja" (v.24). Ele fala dessa verdade como "o mistério que esteve oculto desde todos os séculos e em todas as gerações, e que, agora, foi manifesto aos seus santos". 

Ele também fala da glória desse mistério como "Cristo em vós, a esperança da glória". O apóstolo dá ênfase especial a estes dois fatos notáveis. Primeiro, o momento particular em que o mistério é revelado, segundo, a glória especial desse mistério no tempo presente. Esses dois grandes fatos têm uma relação direta um com outro. Podemos perguntar: por que o mistério é dado a conhecer "agora", não antes? 

Porque três eventos importantes tinham de acontecer, sem os quais a Igreja não poderia existir como fato nem ser dada a conhecer como verdade. Cristo foi exaltado no céu como a Cabeça gloriosa, o Espírito Santo veio à terra e, finalmente, Cristo foi rejeitado pelos judeus.Os primeiros dois acontecimentos eram absolutamente necessários antes que a Igreja pudesse formar-se. 

Precisava haver a Cabeça no céu antes de haver o Corpo na terra, e o Espírito Santo precisava vir habitar nos membros e assim constituí-los num único Corpo na terra cuja única Cabeça está no céu. 

Mas o corpo existia de fato antes da verdade ter sido dada a conhecer. Para isso, o terceiro grande evento era necessário.Se a verdade dos judeus e gentios constituídos num único Corpo tivesse sido revelada antes que Cristo fosse rejeitado, isso teria contradito todas as expressas promessas de Deus feitas aos judeus sob a primeira aliança. Mas quando os judeus finalmente rejeitaram a Cristo, a primeira aliança chegou definitivamente ao fim e o caminho estava preparado para a revelação da verdade da Igreja como o Corpo de Cristo. 

A rejeição foi final e completa quando Estêvão foi apedrejado. Com a cruz, os homens rejeitaram Cristo na terra e com o martírio de Estêvão, rejeitaram Cristo no céu. Eles apedrejaram o homem que testemunhava do fato que Cristo está no céu.Portanto, havia chegado o momento de revelar o grande segredo que, embora o próprio Cristo tenha sido rejeitado, seu Corpo está na terra. 

Sinal não de que pecadores salvos pela graça estarão no céu - isso é o evangelho e não há mistério sobre ele; o ladrão que estava morrendo soube disso-, mas agora é revelado o segredo que Cristo tem a Igreja - Seu Corpo - no lugar de Sua rejeição durante o tempo de Sua rejeição. 

O primeiro indício dessa grande verdade é dado em relação à conversão do homem que foi feito ministro desta verdade. O Senhor diz a Saulo: "Saulo, Saulo, por que me persegues?". 

Não disse: "Por que você persegue meus discípulos", nem "aqueles que me pertencem" ,nem "aqueles que fazem parte de mim" , mas disse: "Por que ME persegues?".

Alguém tem dito, com propriedade, que "mediante essa palavrinha nos é comunicado que Cristo estava ali".

Além disso, se Cristo está aqui naqueles que constituem Seu Corpo, isto é para que Cristo possa ser manifestado por seu Corpo. 

Sim, e a manifestação de Cristo na Igreja agora é "a esperança da glória". Em glória, como vimos na Epístola aos Efésios, Cristo será manifestado em Sua plenitude. Mas a esperança da glória é algo cujo cumprimento se dá no tempo presente. 

Daí, o apóstolo passa a mostrar como Cristo nos santos deve surtir efeito e operar a manifestação de Cristo pelos santos. 

Assim, o pensamento presente de Deus para o Corpo - composto de todos os santos que vivem num dado momento sobre a terra- é que nele deve haver a manifestação das características morais de Cristo, de modo que o Corpo na terra corresponda à Cabeça no céu.No segundo capítulo de Colossenses, o apóstolo mostra como Deus trabalhou para fazer isso ocorrer e nos adverte dos diferentes mecanismos pelos quais o diabo procura frustrar o atual propósito de Deus nos santos.

Primeiro somos advertidos contra as opiniões enganosas dos homens, apresentadas da maneira mais atraente possível com argumentos persuasivos (v. 4); em seguida, a filosofia, ou o amor à sabedoria humana extraída das tradições dos homens e dos elementos do mundo (v. 8); mais adiante somos advertidos contra a religiosidade da carne, coisas como abstinência de certos alimentos e observância de certos dias (v. 16); finalmente somos advertidos contra superstições, como, por exemplo, adoração de anjos (v. 18).

Se quisermos manifestar as belezas morais de Cristo, precisamos conhecer a Cristo. Precisamos conhecer Aquele cujo caráter devemos exibir. 

As opiniões dos homens, a filosofia humana, a religião da carne e as superstições dos homens não nos ensinam nada do caráter de Cristo nem nos capacitam para manifestar esse caráter quando conhecido.

Depois de sermos avisados acerca das armadilhas do inimigo, somos instruídos quanto às provisões que Deus fez a fim de que as perfeições morais da Cabeça sejam manifestadas pelo Corpo. 


Em relação a isso, são declaradas quatro grandes verdades:
1- Estamos "perfeitos NEle" (Cl 2:10).

2- Somos identificados "com Ele" (Cl 2:11,13).

3- Somos dEle: "o Corpo é de Cristo"(Cl 2: 17).

4- Ele obtemos todo O alimento espiritual (Cl 2: 19).


Vejamos:


1- Estamos "perfeitos nEle". 

Por outras palavras: temos tudo, estamos completos. NEle habita toda a plenitude da Divindade. Portanto, tudo que nós possamos precisar para conhecer a Cristo e manifestá-Lo se encontra nEle -somos completos nEle. E não dependemos dos homens. As opiniões, as filosofia se a religião dos homens não podem nos levar a Cristo, não nos podem revelar o caráter dEle, nem nos capacitar para manifestar as Suas belezas morais.


2- Somos identificados "com Ele". 

Na cruz, no sepultamento, na ressurreição e na vida, Deus identificou o crente com Cristo. Na cruz -manifestada pela circuncisão- Cristo de fato morreu para tudo que é segundo a carne; no sepultamento, Ele saiu para sempre do domínio da morte; e vivificado Ele entrou numa cena de glória numa vida e condição totalmente de acordo com a glória de Deus. Agora, o que é de fato verdadeiro para Cristo é verdadeiro para os santos aos olhos de Deus, que nos identifica "com Ele", e a fé tem a mesma ótica que Deus. Sabemos que nossa carne foi despida na morte de Cristo, e não apenas despida, mas também posta fora de vista, pois fomos "sepultados com Ele no batismo". Além disso, em espírito estamos ressuscitados com Ele, de modo que a morte perdeu seu poder sobre nós. Embora nosso corpo mortal ainda não esteja vivificado, no que desrespeito a nossa alma, já vivemos para Deus naquela vida celestial manifestada em Cristo.


3- Somos da ordem dEle - "o Corpo de Cristo".  

As ordenanças da lei eram apenas sombras e foram dadas ao primeiro homem, que é terreno. Mas as coisas vindouras, das quais as ordenanças eram apenas sombra, são de Cristo, o Homem celestial. E se Cristo é celestial, o Corpo -que é de Cristo- também é celestial. "Como é o Homem celestial, tais também os celestiais". Atualmente estamos na terra, mas somos do Homem celestial e portanto pertencemos ao céu.


4- Obtemos todo alimento da Cabeça. 

Se a Igreja é celestial, ela só pode se alimentar do céu. Não há nada da terra que possa ministrar ao homem do céu. Não há nada do homem como tal que possa ministrar alimento ao Corpo, manter os membros consolidados entre si, ou conduzir a algum crescimento espiritual. Tudo precisa vir da Cabeça no céu, ser ministrado ao Corpo por meio das juntas e ligamentos do Corpo. 

Como a Cabeça no céu está para o alimento do Corpo na terra, assim também o Corpo na terra está para a manifestação da Cabeça no céu. Caso "não retivermos a Cabeça", pode ser que deixemos de manifestá-la, mas Cristo - a Cabeça - nunca falhará em nutrir seu Corpo.

Ele cuida do Corpo e de cada um de seus membros. Esses quatro fatos importantes - que somos "perfeitos nEle", somos identificados "com Ele", somos dEle e obtemos todo alimento dEle - todos conduzem ao cumprimento do propósito de Deus para o Corpo no tempo presente, a saber, a manifestação do caráter da Cabeça no Corpo. Isso se vê de modo prático nas exortações que vêm em seguida.


Com base na doutrina da Igreja nos dois primeiros capítulos, o apóstolo exorta: "Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de entranhas de compaixão, de benignidade, humildade, mansidão, longanimidade. Suportando-vos uns aos outros, e perdoando-vos uns aos outros, se alguém tiver queixa contra outro; assim como Cristo vos perdoou, assim fazei vós também. E a tudo isto acrescentai amor, que é o vínculo da perfeição. 

Permitam que a paz de Cristo presida em vossos corações, à qual também fostes chamados num único corpo; e sede agradecidos" (Cl 3: 12-15, segundo a tradução de JND). 

Esse é o amável caráter de Cristo, marcado por graça e seu perdão ilimitado, pelo amor que associa consigo todas as outras perfeições e pela paz que governa o coração; é o caráter que os santos, na unidade de "um só Corpo", são chamados a manifestar enquanto perdurar o período da ausência de Cristo e enquanto esperam pelo dia de Sua aparição.Que bela manifestação de Cristo seria se os santos, como "um Corpo", fossem marcados por graça, amor e paz. 

Ainda que num dia de ruína nossa prática deixe a desejar essa linda imagem, não deixemos que o padrão seja rebaixado.Alguém disse com propriedade: "Mesmo que a prática não atinja a altura do padrão, e mesmo que seja impossível trazer os santos de volta ao padrão real, tenhamos a ideia certa. É muito bom se alcançar a ideia certa, mas então, quando a obtivermos, esperemos também que o Senhor conceda graça para andarmos em conformidade com a ideia certa - na verdade, dela-, mesmo que não tenhamos a expectativa de ver as coisas restauradas ao que eram quando foram inicialmente estabelecidas".
Já vimos que as Escrituras nos apresentam a Igreja como o Corpo de Cristo em três maneiras: 

1 na Epístola aos Efésios, em conexão com os conselhos do Pai; 

2 na Epístola aos Colossenses, como o recipiente para a manifestação de Cristo; 

3 em 1 Coríntios 12 como sendo o instrumento para as manifestações do EspíritoSanto.No capítulo anterior, analisamos o Corpo de Cristo quanto aos dois primeiros aspectos, restando agora uma breve consideração do Corpo em conexão com as manifestações do Espírito conforme temos em 1 Coríntios 12. 

O assunto deste capítulo, contudo, não se concentra no Corpo, mas no Espírito. O Corpo aparece como o instrumento que o Espírito utiliza para evidenciar a Cristo.Uma grande causa do fracasso do cristianismo tem sido a perda de toda a percepção da presença e do poder do Espírito Santo. 

Cargos clericais, organização puramente humana e adoção de métodos carnais colocaram de lado o Espírito Santo - daí a grande importância desse capítulo de Coríntios, porque ele preserva os direitos do Espírito Santo na Assembleia e instrui quanto ao verdadeiro caráter das manifestações espirituais.Uma rápida olhada no texto já nos revela, nos versículos 2 e 3, o propósito das manifestações espirituais. 

O importante alvo que o Espírito Santo sempre tem em vista, quaisquer que sejam as formas de sua manifestação, é exaltar a Cristo. O propósito ao qual sempre conduz é declarar Jesus como Senhor.Considerando isso, já estaremos aptos para julgar o espírito que motiva qualquer um que estiver falando - não para distinguir se é crente ou descrente, mas para saber determinar qual espírito lhe está inspirando as palavras: "O discurso provém de um espírito mau ou do Espírito de Deus?".

Se quem fala é movido por algum espírito mau, por mais instruído que seja o orador e por mais eloquente que seja o seu discurso, por mais que o timbre seja aparentemente moral, ainda assim ele estará, de alguma forma, aviltando a Cristo. Mas quando alguém fala por intermédio do Espírito Santo, ainda que o discurso seja simples e o orador pouco instruído, Cristo é exaltado.Se aplicarmos o teste aos unitaristas, à alta crítica e aos modernistas, ficará evidente que todos - cada um à sua maneira - roubam a glória de Cristo.Porém, embora todos que falem pelo Espírito Santo venham exaltar a Cristo, isso não significa que todos tenham o mesmo dom. E isso leva o apóstolo a discorrer sobre a diversidade dos dons espirituais (v. 4-6). 

Ele afirma que há uma diversidade de dons, e, ao mesmo tempo, recorda que essa variedade não prejudica a unidade de propósito. 

Os vários dons são controlados pelo mesmo Espírito, portanto todos conduzem à exaltação e à expressão de Cristo (v. 4). 

Além disso, o emprego de diferentes dons pelo Espírito Santo visa diferentes formas de ministério sob o controle do único Senhor (v. 5) que está na condução do serviço. Mais ainda, o emprego dos dons em diferentes ministérios há de produzir efeitos diversos nas almas, porém é o mesmo Deus quem opera tudo em todos (v.6).
Esses versículos (4-6) refutam e ao mesmo tempo corrigem um grave desarranjo do cristianismo: a ideia de que a utilização do dom requer habilidade e sabedoria humanas e treinamento teológico. Não, diz o apóstolo. O requisito nenhuma escola humana e nenhum talento natural pode satisfazer: trata-se do poder e da energia do Espírito Santo.O mundo religioso exige que você seja ordenado por homens e receba autoridade humana antes de ministrar a outros. Não, diz o apóstolo. 

O ministério verdadeiramente espiritual é autorizado e dirigido por Deus e não admite autoridade rival. Somos inclinados a pensar que a eloquência e os apelos comoventes podem causar real impressão à alma humana.

 Não, diz o apóstolo. "Deus é quem opera tudo em todos". Deus opera tudo o que for de ordem divina naquele em cuja vida se desenvolva uma obra vital.Após comentar a diversidade de dons, o apóstolo, nos versículos de 7 a 11, discorre sobre a distribuição das manifestações espirituais. 

É importante observar que ele não diz apenas que os dons são concedidos, mas a manifestação dos dons. Notamos então que o apóstolo está falando acima de tudo do uso dos dons. Assim, ele não diz apenas" sabedoria", mas "palavra da sabedoria"; não apenas "conhecimento", mas "palavra do conhecimento"; não apenas "milagres", mas "operações de milagres" . 


Desta forma, temos aqui quatro verdades destacadas:
1- Qualquer que seja o caráter das manifestações e seja lá como forem distribuídas, todas fluem do mesmo Espírito (v.8-10). A unidade é mantida.

2- O Espírito Santo reparte as manifestações dos dons "a cada um" (v. 7, 11). Ele se recusa a concentrar todas as Suas manifestações em um indivíduo ou em uma certa classe de pessoas. Atentem como isto reprova o maior desarranjo verificado na cristandade: a distinção de uma classe especial de homens para o ministério e a consequente divisão do povo de Deus entre clero e leigos. As Escrituras não permitem essa distinção. O cristianismo, mediante essa sua prática, contradiz a ordem de Deus e estabelece que as manifestações do Espírito são concedidas apenas ao homem que preside a Assembleia. Não, diz o apóstolo. Os dons são concedidos" a cada um" na Assembleia.

3- A manifestação do Espírito é dada a cada crente "visando a um fim proveitoso", ou seja, ao bem comum. O propósito não é exaltar nem dar proeminência ao indivíduo, permitindo que exerça influência pessoal ou obtenha lucro com isso, ou que faça de seu dom um meio de subsistência. A manifestação espiritual é concedida visando a "um fim proveitoso" - um propósito espiritual.

4- O Espírito distribui as manifestações a cada crente, individualmente, "como lhe apraz" (v. 11). Isso exclui a vontade humana. Temos, então, que deixar espaço para que o Espírito Santo trabalhe conforme a Sua vontade. Se assinalarmos o ministro ou combinarmos como será o ministério, estaremos - mediante a implementação das nossas vontades - impondo restrições à vontade divina; estaremos estorvando o Espírito Santo de utilizar a quem Ele quer. Após discorrer sobre a distribuição dos dons e mostrar que a sua operação ocorre por obra do Espírito, o apóstolo passa a falar do instrumento da manifestação espiritual(13-27). Isso nos leva ao Corpo de Cristo, mas note que ele só é mencionado nos versículos 13 e 27. Nos outros versículos, o apóstolo está se referindo ao corpo humano como ilustração.

Fora dessa grande verdade não pode haver uso inteligente do dom. Pois, conforme a ordem divina, o Espírito Santo não nos usa como indivíduos isolados, mas como membros do Corpo de Cristo. Valendo-se do corpo humano como ilustração, o apóstolo mostra que o nosso corpo é uma única entidade, contudo composto de vários membros, cada um tendo o seu lugar e função especial, e é "assim também com respeito a Cristo".

Esse é um modo contundente de apresentar a verdade. O que o apóstolo tem em vista é o único Corpo, mas observe que ele não diz"assim também com respeito ao Corpo de Cristo", mas "assim também com respeito a Cristo", porque o Corpo, aos olhos de Deus, é a expressão de Cristo. Este Corpo único foi formado pelo batismo do Espírito Santo, Já tem sido asseverado que o batismo do Espírito não ocorreu com a finalidade de levar-nos ao Céu, mas sim para que houvesse na terra um Corpo que fosse, moralmente, a reprodução de Cristo.

Para entender o verdadeiro significado do Corpo, precisamos considerar dois fatos. Primeiro, Cristo, em pessoa, está ausente do mundo. Segundo, o Espírito Santo está presente no mundo. Durante esse período marcado pela ausência de Cristo, crentes, judeus e gentios são constituídos num único Corpo pelo Espírito Santo, a fim de que Cristo tenha as suas características reproduzidas em Seu Corpo. 

Para que tudo o que Ele realizou em perfeição em Seu corpo enquanto esteve aqui - pastorear, ensinar, pregar e abençoar- possa ser continuado em Seu Corpo espiritual agora que Ele está no Céu.

O batismo do Espírito Santo teve lugar com os crentes judeus no Pentecostes (Atos 1:5; 2: 1- 4) e com os crentes gentios, no chamado de Camélia e seus amigos (Atos 10:44; 11:15-17).

O batismo do Espírito Santo envolve o despojamento de tudo que diz respeito à carne, Distinções naturais, como judeus e gentios, e posições sociais, como escravos e livres não têm lugar no Corpo de Cristo.

Não podemos pensar em nós mesmos como judeus e gentios ou com base em qualquer outra distinção carnal, pois no poder de um só Espírito "todos nós fomos batizados em um corpo". A todos nós, que formamos um só Corpo, "foi dado beber de um só Espírito". Desfrutamos as mesmas bênçãos e privilégios, pois tudo provém da mesma fonte: o Espírito Santo.

Nesse ponto, o apóstolo retoma o exemplo do corpo humano para reforçar certas verdades práticas referentes às manifestações espirituais no Corpo de Cristo. Ele começa declarando que no Corpo há diversidade em unidade (v. 14-19). 

"O corpo não é um só membro, mas muitos", isto é, enquanto houver corpo haverá muitos membros. Mas essa diversidade pode perder-se por completo, acarretando graves consequências, se cada membro negligenciar a sua própria função por invejar ofícios talvez mais nobres desempenhados por outros membros. 

Se os pés começarem a lamentar-se por não serem mãos e os ouvidos se queixarem por não serem olhos, a operação do corpo será interrompida, pois membros queixosos deixam de operar eficientemente em benefício do corpo.Como então evitar esse desacordo entre os muitos membros? 

Antes de tudo, reconhecendo que "Deus dispôs os membros, colocando cada um deles no corpo, como lhe aprouve". Assim, no Corpo de Cristo, é Deus que indica o lugar e a função de cada membro; segue-se, portanto, que nenhum deles é proeminente. A proeminência de um membro anularia o conjunto. "Se todos, porém, fossem um só membro, onde estaria o corpo?" 

Além disso, o apóstolo destaca o outro lado da verdade: Há unidade na diversidade (v. 20-24). Se há muitos membros, todavia existe apenas um Corpo. Mas a unidade do Corpo pode ser ameaçada se os membros mais nobres desprezarem os menos destacados. Já vimos que a inveja de um membro pode desfazer a diversidade. Agora aprendemos que o desprezo pode desfazer a unidade. Se o olho trata a mão com desdém e a cabeça menospreza o pé, toda a unidade do corpo estaria anulada. Como afastar esse perigo? Mais uma vez, reconhecendo que é Deus quem opera. Deus configurou o Corpo de tal forma que nenhum membro pode funcionar independente do outro. 

Os membros mais relevantes precisam dos menores. E não apenas isto: os membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários. Não é simplesmente o caso de todos trabalharem para o bem comum, mas que nenhum membro poderá desempenhar apropriadamente as suas funções sem considerar o outro. 

Em resumo, todos os membros são indispensáveis. Existem, portanto, dois graves perigos a rondar a unidade do Corpo. Primeiro, descontentamento da parte dos membros menos proeminentes com o lugar que lhes foi destinado. Segundo, desprezo, da parte dos membros mais proeminentes, pelos que parecem mais fracos. Um prejudica a diversidade, o outro destrói a unidade. E ambos comprometem a correta operação do Corpo. 

Demos lugar a Deus, e, em qualquer um dos dois casos, o problema será resolvido. Foi Deus quem atribuiu a função especial de cada membro. E Deus configurou de tal maneira os membros do Corpo de modo que nenhum membro é proeminente e todos os membros são indispensáveis. O resultado da obra e da sabedoria de Deus é que os membros do corpo humano cooperam, "com igual cuidado, em favor uns dos outros" (v.25). 

Eles não apenas "cuidam" uns dos outros, mas têm real interesse uns pelos outros, "de maneira que, se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam".

O apóstolo não está dizendo que isso deveria ser assim, mas que é assim. O sectarismo e as barreiras denominacionais criadas pelo homem têm impedido grandemente que essa maravilhosa verdade seja posta em prática, no Corpo de Cristo. Mas a verdade permanece: o que afeta um membro afeta todos os membros, porque eles estão unidos uns aos outros pelo Espírito Santo e dependem dEle para se manter, ainda que as nossas falhas possam prejudicar a harmonia. 

A decadente condição do povo de Deus diminuiu a nossa sensibilidade espiritual. Porém, quanto mais formos controlados pelo Espírito, mais profundamente viveremos essa verdade, como alguém disse: "Nós conscientemente sofremos ou nos alegramos conforme a medida de nosso poder espiritual".

Até aqui, o apóstolo utilizou o corpo humano como ilustração do Corpo de Cristo. Agora ele faz uma aplicação local desta verdade, dizendo dos santos de Corinto: "Ora, vós sois corpo de Cristo; e, individualmente, membros desse corpo".

Ele não diz: "Vós sois o corpo de Cristo" [grifo do autor].

A assembleia de Corinto não era todo o Corpo de Cristo, e sim a expressão dele naquela cidade. Isso representa, ao mesmo tempo, um privilégio e uma responsabilidade da assembleia local. 

Eles são "corpo de Cristo" não independentemente (uma representante independente seria a negação da verdade do único corpo), mas representativamente (condição esta que preserva a verdade).

Hoje, infelizmente, dificilmente podemos dizer de alguma congregação local:"Vós sois corpo de Cristo", porque quase não há uma congregação local que inclua todos os santos de determinada localidade. Sendo essa a nossa realidade, supor que sejamos o Corpo de Cristo em uma localidade é mera pretensão. 

No início, a assembleia local representava a verdade visível no todo. Hoje, a Igreja é decadente, e qualquer grupo local que se considere o Corpo de Cristo não expressa a realidade da igreja professa.

Tal atitude não passa de independência. Lamentavelmente, as comunidades são hoje meras expressões de suas respectivas denominações. 

Entretanto, ainda temos a responsabilidade de recusar seguir qualquer grupo que negue a grande realidade do único Corpo de Cristo, assim como ainda é nosso o privilégio de andar à luz dessa verdade.


Por Hamilton Smith 

20. A Igreja em tempos de ruína

Num capítulo anterior, procuramos apresentar os pensamentos de Deus no tocante à Sua Casa. Já vimos também que, pelo fato de o ser humano haver falhado em sua responsabilidade, doutrinas maléficas e homens malignos adentraram a Casa de Deus, transformando-a numa ruína e tornando-a passível de julgamento.

Já foi concluído que, enquanto 1 Timóteo apresenta a Casa de Deus tal como concebida na mente divina, 2 Timóteo apresenta-a já no estado arruinado pelo fracasso humano, sendo, nesse estado de ruína, comparada a uma" grande casa" na qual "não há somente utensílios de ouro e de prata; há também de madeira e de barro.

Alguns, para honra; outros, porém, para desonra" (2:20).

O crente que teve a oportunidade de contemplar a verdade que diz respeito à Igreja como Casa de Deus, tal como explicado nas Escrituras, talvez diga: "Não vejo nada neste mundo que corresponda a essa verdade". Lamentavelmente, tal afirmação é verdadeira! Nestes dias de ruína, a verdade acerca da Casa de Deus pode ser conhecida apenas de maneira abstrata, pois não há mais nenhuma expressão concreta dessa verdade. Tudo que se verifica na cristandade é "uma grande casa" onde há vasos para honra e vasos para desonra.

Essa realidade suscita outras questões na mente do cristão desejoso de caminhar em obediência a Deus: "Será que as Escrituras dão alguma orientação ao povo de Deus para a caminhada em tempos de ruína? Há nelas esclarecimento sobre como caminhar e com quem caminhar nesta época em que a cristandade se corrompeu?". 

Quaisquer que sejam as dificuldades e as trevas reinantes na época em que vivemos, é inaceitável pensar que Deus tenha deixado o seu povo sem luz suficiente para a sua caminhada neste mundo. Por deficiência em nossa espiritualidade, podemos falhar em discernir a luz; por deficiência em nossa devoção, podemos falhar em caminhar segundo a luz que recebemos; ou, por absoluta apatia, podemos ser totalmente indiferentes a ela. Contudo, podemos estar certos de que a Palavra de Deus faz provisão de plena luz para o nosso caminho.


Três fatos de fundamental importância para a nossa alma precisam ser entendidos, se o nosso desejo é caminhar neste mundo em concordância com a mente de Deus:

Primeiro: precisamos entender que não encontraremos o caminho que Deus assinalou para o Seu povo em meio à confusão da cristandade se confiarmos em nossa mente - isso a despeito de nossa inteligência natural, de um eventual treinamento de alto nível pelo qual temos passado, por mais profundo que seja o nosso conhecimento das Escrituras ou por mais sinceros que sejam os nossos desejos. Não temos condições de encontrar o nosso caminho em meio aos obstáculos que se multiplicam à nossa frente nem de enfrentar a contínua oposição à verdade ou mesmo de solucionar as várias questões que surgem constantemente.

Segundo: uma vez verificada a nossa total incapacidade, será um grande alívio constatar que não fomos largados a encontrar forma que pudermos e também que Deus jamais esperou que tivéssemos em nós mesmos, sabedoria ou capacidade para andar conforme a Sua mente. O Senhor mesmo disse: "Sem mim nada podeis fazer" .

Terceiro: será para nós um grande dia aquele em que descobrirmos a rica provisão que Deus fez para que sejamos conhecedores de Sua vontade.

Temos, em primeiro lugar, uma Cabeça no Céu - Cristo em glória é a Cabeça de Seu Corpo, a Igreja -, e toda sabedoria está na Cabeça. Assim, embora não tenhamos sabedoria alguma em nós mesmos, temos toda a sabedoria em Cristo. Alguém com muita propriedade disse: "Cristo nos foi feito sabedoria, isto é, inteligência. Afinal, somente Ele pode conduzir o ser humano através do emaranhado deste mundo de confusão moral, onde não há caminho algum" .


Em primeiro lugar, portanto, é essencial abrir mão de nossas cabeças terrenas e contemplar a Cristo como "a Cabeça" que nos dirige. Se confiarmos em nossas cabeças, já não estaremos "retendo g cabeça" (Colossenses 2:9).

Em segundo lugar, o Espírito Santo - uma pessoa divina- está na terra. O Senhor sabia que o Seu povo não conseguiria manter-se a si mesmo em um mundo do qual Ele está ausente: desse modo, antes de sair daqui, declarou: "Rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, a fim de que esteja para sempre convosco, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não no vê, nem o conhece; vós o conheces, porque ele habita convosco e estará em vós" (João 14:16-17). Vemos, então, que a preservação e a sustentação da verdade não depende dos santos, mas da permanência duradoura do Espírito da verdade.

Em terceiro lugar, temos a Sagrada Escritura dada pela inspiração de Deus que é proveitosa para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra (2 Timóteo 3: 16-17). Lemos que "a casa de Deus, que é a Assembleia do Deus vivo", é "a coluna e a base da verdade". 


Mas quando a Casa de Deus transformou-se em ruína, e já não temos mais a verdade manifesta e vivida na Igreja, o homem de Deus continua dispondo da infalível autoridade da Escritura mediante a qual poderá provar todas as coisas. Saliente-se que nenhuma ruína na cristandade pode, por um momento, alterar a Cristo, ao Espírito ou as Escrituras. . Cristo continua sendo a Cabeça no Céu, com ilimitada provisão de sabedoria à qual o Seu povo pode recorrer, tanto nestes últimos dias quanto nos primeiros dias do cristianismo.

O Espírito Santo continua com o mesmo poder para guiar e controlar. E a Sagrada Escritura continua com absoluta autoridade.

Contudo, a cristandade - em larga escala - colocou de lado a Cristo, ao Espírito e às Escrituras. Os grandes sistemas religiosos dos homens têm de fato preservado o nome de Cristo, mas Ele, como a Cabeça no Céu, foi colocado de lado mediante o estabelecimento de cabeças terrenas: Roma tem o papa; a Igreja grega, o seu patriarca; as igrejas protestantes, os seus reis, bispos, presidentes e presbitérios. E assim, resta nesses sistemas pouco espaço para a direção do Espírito. O aparato religioso e os artifícios carnais dos homens praticamente excluíram o Espírito.

Além disso, os homens ainda têm empreendido ataques mortais contra as Escrituras, sendo que é raro haver hoje no meio da cristandade um grupo que se mantenha unânime na defesa da ideia de que "toda a Escritura é inspirada por Deus". Diante disso, se alguém deseja dar a Cristo o seu lugar como Cabeça da Igreja, reconhecer e submeter-se ao controle do Espírito Santo e implicitamente reverenciar as Escrituras, o que deverá fazer?

A Palavra de Deus responde de maneira definitiva que é preciso considerar dois princípios fundamentais e agir de acordo com eles: O primeiro princípio é a separação de tudo que seja contrário à verdade de Deus - tudo que seja uma negação da verdade da Igreja, de Cristo como Cabeça da Igreja, do Espírito Santo como o nosso único e suficiente Guia e das Escrituras como a nossa autoridade absoluta. E, depois de termos nos separado do mal, a Escritura insiste num segundo princípio igualmente importante: associação a tudo que esteja de acordo com Deus. Resumindo, devemos "cessar de fazer o mal e aprender a fazer o bem".

Primeiro, então, busquemos aprender o que a Escritura nos diz sobre separação do mal. Todos admitem, apesar de muitos haverem perdido a prática, que o povo de Deus sempre esteve incumbido de separar-se deste mundo mau. 

Porém, nesta época em que o cristianismo se corrompeu, somos especialmente instruídos a uma tripla separação: 


1- Separação de todo o sistema religioso que, mediante a sua constituição, seja uma negação da verdade de Cristo e da Igreja. O texto de Hebreus 13: 13 é muito claro: "Saiamos, pois, a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério". O "arraial" foi o sistema religioso judeu originalmente instituído por Deus, que apelava para o homem natural. No judaísmo, em momento algum era levantada a questão do novo nascimento, tudo girava em torno do nascimento natural. Compunha-se de um relacionamento externo entre o povo e Deus, com uma ordem terrena de sacerdotes para mediar entre ambos. Havia um santuário material e um ritual estabelecido (Hebreus 9: 1-10).É por demais evidente que os sistemas religiosos da cristandade foram concebidos segundo os padrões do "arraial". Abarcam em seus quadros pessoas não convertidas.

Apelam, da mesma forma, ao homem natural;têm, igualmente, os seus santuários, os seus rituais e os seus sacerdotes ordenados para se posicionar entre Deus e as pessoas. Porém, ao imitar o arraial, tais cristãos, como já vimos, colocaram de lado a Cristo como Cabeça, o Espírito Santo como Guia e as Escrituras como autoridade. Se, portanto, quisermos dar a Cristo o seu verdadeiro lugar, devemos, por obediência à Palavra: "Sair, pois, a ele, fora do arraial, levando o seu vitupério" .


2- Porém, a separação dessa ordem de coisas que diz respeito ao arraial,e que se manifesta nos sistemas religiosos, não é o bastante. A Escritura também ordena claramente a separação das más doutrinas: "Aparte-se da injustiça todo aquele que professa o nome do Senhor" (2 Timóteo 2:19).

Todos os que confessam o nome do Senhor estão, mediante essa profissão, identificados com o Senhor e têm a responsabilidade de afastar-se da iniquidade. A iniquidade pode assumir várias formas, porém os versículos precedentes evidenciam especialmente a questão das más doutrinas. Não podemos ligar iniquidade ao nome do Senhor. Pode ser custoso separarmo-nos da iniquidade no tempo presente, mas nos custará muito mais na eternidade a associação do nome do Senhor à iniquidade.


3- A mesma Escritura (citada acima) também demanda separação das pessoas más (ou seja: iníquas). O versículo 20 menciona vasos para honra e para desonra, e na continuação do texto recebemos ordem para nos purificarmos dos vasos para desonra (O conceito é o de "purificar-se mediante a separação destes [vasos]". Algumas traduções da Bíblia mencionam simplesmente a purificação" destes erros" ou "destas coisas".), a fim de sermos santificados e apropriados para o uso do Mestre. Aqui, evidentemente, trata-se de pessoas, não simplesmente de doutrinas. Alguém comentou, e com propriedade, "que é sempre à medida que nos separamos desses vasos - das pessoas, não apenas de suas doutrinas - que somos santificados e habilitados para uso do Mestre... Poucos têm noção do prejuízo de uma associação profana. Não é bastante não sustentarmos as suas doutrinas, pois a associação já contamina. Você é classificado segundo a mais vil das companhias com que se envolve.


Houve muito esforço na cristandade para enfraquecer a força dessa passagem. Porém, a grandeza de cada um é medida pelo seu nível de separação".

Assim, fica claro que as Escrituras ordenam a separação dos sistemas religiosos, que são a negação da verdade; das falsas doutrinas, que corroem a verdade; e dos vasos para desonra, que não praticam a verdade.

Mas isso ainda não é o suficiente. A separação, apesar de necessária, é apenas uma atividade negativa. Deve também haver um fator positivo no processo. Isso nos leva ao segundo grande princípio: a associação com o bem. Vimos como a separação diz respeito tanto a coisas más quanto a pessoas más. Assim, da mesma forma, a associação há de ser também tanto com coisas retas e boas quanto com pessoas que são retas para com o Senhor. Devemos seguir "a justiça, a fé, o amor e a paz com os que, de coração puro, invocam o Senhor" (2 Timóteo 2:22). A justiça está em primeiro lugar.

É necessário que seja assim: um homem pode confessar o que for, mas sem velar por justiça prática não poderá caminhar em conformidade com Deus. Mas justiça apenas não é suficiente. Saber o que é certo e errado não é o bastante para determinar o caminho do cristão. Ele deve, sim, praticar o que é correto. No entanto, se alguém se dispõe a trilhar o caminho do Senhor, isso requer fé. Por isso, depois da justiça deve vir a fé. E a justiça e a fé abrem caminho para o amor.

Se não for resguardado pela justiça e pela fé, o amor se reduzirá a simples afeição humana, tornando-se até justificativa para a permissividade e a irrelevância do mal. Essas três qualidades, por sua vez, levam à paz - não a paz infame que não passa de compromisso com o mal, a incredulidade e o ódio, mas a paz honrosa que é o resultado da justiça, da fé e do amor.


Agora, se seguirmos essas belas qualidades, iremos deparar com outros que estão fazendo o mesmo - aqueles que invocam o Senhor de coração puro -, e com estes devemos nos associar. O fato de que eles invocam ao Senhor de coração puro pode claramente ser discernido mediante a vida que levam, e se estão "apartados da iniquidade" isso é visto quando a si mesmos se purificaram dos vasos para desonra e seguem "ajustiça, a fé, o amor e a paz" .

Fica claro, portanto, que o caminho da separação não é um caminho de isolamento. A Escritura mostra que sempre haverá aqueles com quem possamos nos associar.É certo, porém, que aqueles que em meio à corrupção do cristianismo tomarem o caminho da separação do mal e da associação com o bem terão contra si "questões insensata se absurdas", da parte dos que se opõem a um caminho que eles mesmos não têm fé para trilhar.

Para ir ao encontro destes será necessário cultivar um espírito de "brandura", "paciência" e "mansidão".

Somente revestidos deste caráter é que nos será possível evitar contendas à medida que buscamos transmitir instrução (2 Timóteo 2:23-26).


Há de se observar que nestas Escrituras que fornecem tão clara instrução ao povo de Deus em tempos de ruína não vemos uma sugestão sequer para que saiamos da Casa de Deus. Aliás, seria impossível fazê-lo sem sair da cristandade - isso implicaria deixar inteiramente o mundo. Porém, embora não tenhamos como sair da Casa, somos responsáveis por nos separar do mal que há dentro dela.

Repito: não somos conclamados a reconstruir alguma coisa. Não temos a ordem de reconstruir a Casa de Deus. Não somos chamados para formar uma igreja-padrão ou para começar algo novo. Temos simplesmente que andar à luz do que era no início e que continua subsistindo aos olhos de Deus, apesar do fracasso do ser humano em cumprir com a sua responsabilidade.

Este, podemos dizer, continua sendo o nosso privilégio e a nossa responsabilidade: andar conforme a verdade da Igreja, reconhecendo a Cristo como Cabeça, sob o controle e a orientação do Espírito Santo e de acordo com as instruções da Palavra de Deus.


Por Hamilton Smith  

21. O Que é a Igreja?

O que é a Igreja? É Cristo em união viva com os Seus, que onde estiverem dois ou três reunidos em Seu nome, aí estou Eu no meio deles. Isso é a Igreja. Você não constrói prédios especiais e os chama "a Igreja". Você não tem organizações especiais, instituições especiais, as quais você chama "a Igreja". Crentes em união viva com o Senhor ressuscitado constitui a Igreja. Esta é a realidade, não a figura. A saber, a Sua carne, limitação humana, removida. Ora, em união com Cristo ressuscitado, todas as limitações humanas são transcendidas. Isto é uma das maravilhas de Cristo ressuscitado como uma realidade viva. Somos levados até a esfera de capacidades que são mais do que capacidades humanas, onde, por causa de Cristo em nós, podemos realizar o que nunca poderíamos realizar naturalmente. Nossos relacionamentos são novos relacionamentos; eles estão com o céu. Nossos recursos são recursos novos: eles estão no céu. É por isso que o Apóstolo escreveu aos Coríntios e disse que Deus escolheu as coisas fracas, as ignóbeis. As coisas que são desprezadas, e as coisas que não são, para que Ele por elas possa reduzir a nada o sábio, o poderoso, as coisas que são. Por que Deus o designou assim? Porque não é por força, nem por poder, mas pelo Seu Espírito; e para mostrar que existem poderes, energias, habilidades para os Seus que transcendem todos os maiores poderes e habilidades deste mundo.

Essa é a história do povo de Deus, e é aí onde muitas pessoas erram. Homens do mundo olham para cristãos e pela maior parte não acham muita coisa deles. Eles os medem pelo padrão do mundo, e dizem: Bem, eles são antes um pobre bando; seus calibres, não é muita coisa! Mas homens do mundo são incapazes de medir forças espirituais e celestiais. Eles são incapazes de ver o que está acontecendo quando uns poucos destes pobres, fracos, ignóbeis, desprezados crentes estão juntos diante de Deus, governados pelo Espírito Santo, as coisas sendo movidas aos limites deste universo, toda a jerarquia de Satanás sendo removidas à suas profundezas, e os poderes do céu estão sendo operados. Esse é o caminho de Deus, e o mundo nunca pode medir isso. Nem isso pode ser feito pela sabedoria humana, força, ou habilidade na melhor das formas. Deus escolheu as coisas fracas por isso. Por quê? Simplesmente porque coisas fracas nas suas dependências são os melhores instrumentos, os melhores meios de dar Deus uma chance de mostrar que tais obras não são de modo algum de nenhuma suficiência humana, mas tudo Dele mesmo.

Por favor, não tome nenhum conforto pelo fato de que Deus escolheu as coisas fracas e ignóbeis e dizer: Bem, eu sou isso, e por isso está tudo bem! O ponto é, está você na mão de Deus trazendo ao nada o poderoso, o sábio? Não é o caso de descansar sobre nossa fraqueza, e nossa insensatez, e nosso nada, e dizer: isso aplica-se a mim; está tudo bem; é isso tudo o que importa! Isso não é tudo o que importa. A coisa que importa é que eu, sendo um fraco, insensato, ninguém, possa conhecer a união da ressurreição com Cristo em tudo o Seu grande poder, e nessa união com Ele, poderosas coisas espirituais sejam realizadas através de mim. Esse é o lado positivo.

Os céus e a terra estão unidos em Cristo ressuscitado. Sim, Ele está nos céus, e, porém, Ele diz: "Eu estou com você todos os dias". Ou novamente, temos a declaração, "Eu irei ao Pai", e na mesma hora a promessa: "E faremos nele morada". Estevão, na hora de sua morte, viu os céus abertos e o Filho do Homem em pé à direita de Deus, e, no entanto, esse Filho do Homem estava pelo Seu Espírito em Estevão, pois Estevão foi declarado ser um homem cheio do Espírito Santo. O Espírito Santo é o Espirito de Cristo. Assim, Cristo que está nos céus está também no interior, e os céus estão também no interior, e os céus e a terra são um no Cristo ressuscitado. Cristo foi visto nos céus por Saulo de Tarso na estrada à Damasco, e, todavia, Ele diz para Saulo: "por que Me persegues?" Quando Saulo estava perseguindo crentes, o Senhor Jesus claramente insinuou que enquanto Ele estava lá cima, Ele também estava aqui, e que quando Saulo tocava nos crentes ele tocava Nele. Os céus e a terra são um no Senhor ressuscitado.

Tipicamente isto é representado pela escada de Jacó, Jacó repousou num certo lugar, e tomou as pedras desse lugar e deitou, fazendo delas a sua almofada. "E sonhou, e eis que uma escada estava apoiada na terra, e seu topo chegava aos céus: e eis que anjos de Deus subiam e desciam por ela: e eis que o Senhor estava sobre ela..." Os céus e a terra tinham se unido nessa escada. Traga isso e marque a interpretação espiritual dada nas palavras do Senhor a Natanael: "vereis o céu aberto, e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem". Qual é o significado disto? É claramente que Cristo é a escada. Cristo uniu os céus e a terra em Sua Pessoa ressuscitada. Os céus estão abertos por causa da obra de Sua Cruz. A limitação se foi, a barreira foi removida, e em Cristo somos unidos novamente com os céus.

Isso significa que com um céu aberto o Espírito Santo da unção é dado. Nele chegamos a participar na unção de Cristo. Os céus foram abertos, e o Espírito desceu e repousou sobre Ele. Esse é o tipo. Depois de Sua morte, sepultamento, e ressurreição, os céus foram abertos para Ele, e o Espírito foi dado a Ele sem medida. Então a partir desse momento, crentes foram batizados em Cristo, e, sendo batizados em Cristo, eles viram sob a unção de Cristo. Tenha cuidado para não se empenhar em ir atrás de uma unção pessoal. Lembre, a sua unção está sempre em Cristo, sob Cristo como o Cabeça sobre Quem a unção descansa. Muitos perigos estão ligados com a procura por uma unção pessoal como tal. Entretanto, isso foi por sinal. Batizados em Cristo, em união com o Senhor ressuscitado, o Espírito da unção repousa sobre nós, porque repousa sobre Ele. Somos batizados em um Espírito num só Corpo.

A partir daí tudo é de Deus. Tudo é diretamente de Deus; nenhum tipo agora, nenhum intermediário, mas tudo diretamente de Deus. Isso significa que os céus abertos nos dão imediato acesso a Deus, e que Deus não está agora distante, longe de nós, lá nos céus à parte. Os céus e a terra são unidos em Cristo, e Deus está aqui pelo Seu Espírito em nossos corações, com todos os recursos que Ele tem. Nós podemos conhecer o Senhor numa forma pessoal e interior. Podemos recorrer aos recursos do Senhor numa forma pessoal e interior. Tudo que o Senhor tem esta disponível para nós interiormente. Esse é o significado de um céu aberto. Tudo que se seguiu na vida de Cristo aqui nesta terra, de recurso secreto, foi simplesmente indicativo deste significado do Seu batismo, isto é, de um céu aberto.

Veremos mais desses recursos ao continuarmos, mas os céus abertos é uma coisa maravilhosa, algo tremendo. Os céus não estão mais fechados quando somos unidos com Cristo no terreno da Sua obra expiatória, pela qual o véu foi removido e somos levados diretamente até a presença mesma de Deus. Nós nos beneficiamos e damos atenção à exortação do Apóstolo: "cheguemo-nos em inteira certeza de fé". Temos acesso por meio do Seu Sangue. Este é o novo e vivo caminho o qual Ele abriu para nós através do véu, isto quer dizer, a Sua carne. Possa haver agora um céu aberto para nós, e tudo que os céus abertos significam.

O Senhor nos ensine o que significa, e nos traga para o bem disso.


Por T. Austin-Sparks

Primeiramente publicado na revista "A Witness and A Testimony", em Jul-Ago 1936, Vol. 14-4. Extraído de "O Senhor Ressuscitado e as Coisas Que Não Podem Ser Abaladas – Capítulo 4". Origem: "What is the Church?" (Traduzido por Marcos Betancort Bolanos)

22. A Força da Igreja


Leituras: João 14:25-26, 16:25, 2 Coríntios. 3:2-3, 7:18, Efésios. 1:17, 3:16-20, 6:10.


"Sede fortalecidos...na força do Seu poder".

Há uma ou duas coisas em meu coração para dizer, que eu sinto ser de grande importância para nós e para o Senhor neste momento.

A carta aos Efésios não é simplesmente uma apresentação ou concepção da Igreja em sua natureza e existência. Ela apresenta uma enorme e intensa atividade relacionada com a construção da Igreja. Um processo muito enérgico é visto ao longo de toda esta curta carta.

Esta palavra tem principalmente a ver com a "força" - a força da Igreja: acompanhe isto através da Palavra, e muito será descortinado, tanto em relação à natureza da nossa vocação, quanto do caráter do conflito que a Igreja está no tempo do fim desta era.

Quando o Senhor Jesus introduziu pela primeira vez o pensamento da Igreja, Ele disse: "Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela". O elemento predominante visto aqui é uma força poderosa. Sim, todas essas persuasões do inferno não prevalecerão contra essa força poderosa de uma rocha e esse pensamento de força está o tempo todo conectado com a Igreja. É a força espiritual em vista, força interior. É a força de "Quem" é "O Que" o Senhor Jesus é como o próprio Deus, Todo-Poderoso.

É muito necessário e essencial reconhecer a interioridade da nova dispensação depois do "Pentecostes". Tudo agora relacionado ao Senhor Jesus é interior, não mais exterior, objetivo. Ele é Deus no Trono, mas Ele é conhecido experimentalmente através do Espírito Santo interiormente.

Volte-se para a segunda carta a Corinto capítulo 3. A antiga Aliança era uma coisa externa escrita em tábuas de pedra: Paulo trazendo-a para os nossos tempos escreve "escrita com tinta", mas a nova Aliança não é relacionada a tempo, mas uma Aliança Eterna, não uma escrita exterior, mas algo escrito no interior pelo Espírito Eterno do Deus vivo e gravada em nossos corações.

Oh! Será que percebemos a grandeza deste fato, que é necessário e vital ver que tudo é interior. Isto deve ser reconhecido pelo povo do Senhor. A vida do crente é interior, e tudo que se relaciona com ela é para dentro; e na medida em que a vida do crente é para fora e depende de coisas externas, nessa medida ela será fraca; na medida em que o crente a vida é dependente de encontros e de ser ministrados por outros e conhecer o Senhor somente neste tipo de forma exterior - em vez de conhecê-lo de forma profunda no interior, só em secreto com a palavra e oração - a expressão da vida será fraca e ela não será constituída de força espiritual para a assembleia, e sim trará uma fraqueza (um peso morto, além de um terreno para o inimigo de trabalhar "em" e "de").

Tudo agora é interior e temos que reconhecer que "tudo" é o próprio Senhor Jesus .

A Igreja é um agregado de indivíduos e por isso é necessário que cada indivíduo conheça o Senhor desta maneira interior, viva essa vida interior, seja dirigido pelo Espírito Santo na "Lei do Senhor" interiormente em seu coração e conheça as coisas celestiais interiormente como entretecido pelo Espírito Santo.

O ponto essencial é este - a grande necessidade, a necessidade desesperada da Igreja ser forte em cada membro individualmente. A grande necessidade deste dia é mais força na Igreja, para que o povo do Senhor seja individualmente forte no Senhor, e assim sejam capazes de contribuir pessoalmente para a assembleia, e sejam um fator forte no Senhor para a realização de Seu propósito.

Em nossos encontros, a força do encontro é determinada pela força do indivíduo. O encontro não é mais forte do que a força da vida secreta de cada indivíduo em sua história secreta pessoal com o Senhor.

Nós não apenas nos juntamos para realizar reuniões, para cantar, para ter um bom tempo: nos reunimos para que haja força espiritual manifesta e recebida através do encontro com o Senhor. (Não estou esquecendo o primeiro e principal objetivo - para adorá-Lo - todo o resto é nada além de adoração d'Aquele para Quem são todas as coisas).

Mas a questão aqui é de força espiritual. A eficácia dos nossos encontros e seu impacto no mundo espiritual é uma questão de força espiritual, quando nos reunimos há demasiadas vezes o aspecto de expectativa passiva em vez de reconhecer o fato de que

nossa reunião deve ser a ocasião para uma poderosa expressão de poder espiritual, para o cumprimento dos fins espirituais.


Estamos diante de grandes forças espirituais

A carta aos Efésios encabeça tudo na esfera da luta em lugares celestiais, onde nada menos do que a suprema grandeza do Seu poder vai cumprir o propósito e possibilitará a Igreja cumprir a sua vocação: esta é a esfera de atividade da Igreja em nome dos irmãos em Cristo em todo o mundo, é uma única batalha em todo o mundo contra o inimigo que está contra a Igreja de Cristo. Oh! Podemos reconhecer que há sempre problemas terríveis em jogo quando o povo do Senhor se reúne e deve haver uma forte expressão de poder e influência contra todo o sistema do mal - o impacto dos filhos do Senhor reunidos no Nome, deve retardar o adversário e manifestar uma celebração do triunfo de Cristo sobre os Seus inimigos; reunir assim pode representar a conquista da batalha a milhas de distância.

Paulo atribui suas próprias vitórias e fugas às orações das assembleias distantes (2 Co.1:2). Quando estamos juntos há questões enormes para o Senhor Jesus em jogo, quando estamos reunidos e focados na Igreja.

Estamos em uma luta universal, a batalha está acontecendo e a Igreja nunca vai chegar até o trono sem luta.

Enquanto tudo está garantido no Trono pelo nosso Senhor Jesus Cristo, por Seu triunfo completo e perfeito na Sua Cruz, ainda assim este triunfo tem que ser operado e manifesto, e a Igreja é o Seu instrumento para isto, por isso a batalha está sempre focada na Assembleia.

A necessidade é grande para que o povo de Deus reconheça isso e, assim, se junte em ação, e em poder espiritual para todo o corpo de Cristo. É o negócio de todo o Corpo e de cada membro do Corpo. Portanto, a questão é de força e poder espiritual, e o poder e a força espiritual da Igreja reunida é a quota individual de vida e força para o todo.

Há muito que o Senhor deseja revelar ao Seu povo, e, por essa revelação, eles possuirão o conhecimento espiritual Dele mesmo, o que é necessário para uma maior revelação e plena realização dos fins de Deus para este tempo. É muito importante saber o tempo que estamos vivendo, e o Propósito Eterno de Deus em relação a ele.

Você não pode lutar sem conhecimento espiritual e a Igreja não pode ser edificada sem a revelação espiritual, e você não pode obter um raio de revelação sem luta, pois o inimigo está lá fora com toda a força e sutileza para cortar toda a revelação, e ele sempre procura impedir a revelação espiritual, que ela seja dada ou recebida.

Em Daniel 10, lemos sobre o conflito terrível na terra e nos céus, e vemos que tudo se relaciona à revelação. (Dn. 10:1 ARV) "foi revelada uma palavra a Daniel... uma palavra verdadeira concernente a um grande conflito; e ele entendeu esta palavra e teve entendimento da visão. Naqueles dias eu, Daniel, estava pranteando por três semanas inteiras... nem me ungi com unguento, até que se cumpriram três semanas completas...não temas, Daniel, porque desde o primeiro dia aplicaste o teu coração a compreender e a humilhar-te perante o teu Deus, são ouvidas as tuas palavras, e por causa das tuas palavras eu vim. Mas príncipe do reino da Pérsia me resistiu por vinte e um dias ... a visão se refere a dias ainda distantes (marg. para o fim dos tempos)".

Daniel se posicionou em relação a todo o Corpo da Casa de Israel; e a Igreja reunida é representativa de toda a Companhia do povo do Senhor. O Senhor deve ter tal instrumento nestes últimos dias - dias finais desta dispensação.

Este capítulo de Daniel mostra que foi um negócio caro receber revelação, sim, custa receber revelação e custa reparti-la; ministério espiritual é extremamente custoso e há uma batalha de cada vez para cada porção de revelação.


Esta revelação não é algo extra além das Escrituras, mas o que está oculto aos olhos obscurecidos nas Escrituras.

É absolutamente necessário ser fortalecidos com todo o poder no Senhor. "Seja forte no Senhor e na força do seu poder" (Ef.6:10). "Fortalecidos com poder pelo seu Espírito no homem interior...que sejais fortes para compreender... fortes para conhecer."

É necessário um fortalecimento interior para "saber"! O conhecimento espiritual é muito mais do que a aquisição mental; e é apenas a revelação espiritual que realiza coisas, e é a força da Igreja em sua natureza e constituição que capacita para esta obra poderosa. A força do conjunto é apenas a força dos vários indivíduos que estão reunidos, e a nossa reunião não vai nos levantar acima do nosso relacionamento pessoal com o Senhor, juntamente com outros filhos do Senhor ainda permanecemos com a mesma medida em nós mesmos, e essa medida é a medida de

nossa história secreta com o Senhor, e até esta medida é o exercício espiritual na assembleia. O indivíduo tem que ser exercitado nas coisas do Senhor e seu homem interior ganha força através de tal exercício espiritual.

Tomemos o assunto da oração: o que acontece com a nossa vida de oração privada? Agora, amados, estas questões não são destinadas a ser críticas, mas são tomadas com um propósito construtivo. O conjunto não é mais forte do que a vida de oração individual dos membros. Se chegarmos a assembleia e fizermos lá a nossa oração particular, aquela oração que deveríamos ter tido a sós com Deus, ou levar os outros a fazer a nossa oração por nós - o Senhor não aceita esse tipo de substituição - apenas na medida que somos individualmente poderosos e fortes em nossa vida de oração privada será o proveito da assembleia quando estamos juntos. Se cada um reunido na assembleia tem uma vida particular de oração forte e verdadeira em secreto com o Senhor, isso representa um forte poder e eficácia espiritual no Corpo de Cristo sendo conduzido a uma realização definitiva dos fins específicos de Deus para aquela hora em relação com Seu Propósito Eterno em Cristo Jesus. Mas se nós estamos fazendo a nossa oração privada em público, o Senhor sabe e há fraqueza e ineficácia na assembleia, e se você é forte na vida de oração privada a assembleia vai sentir isso e toda a Igreja de Deus será beneficiada.

O que você está fazendo em sua vida de oração pessoal? Claro que há uma maior força por todos estarem juntos, e há ganho para o indivíduo por meio da oração corporativa.

E o que é verdadeiro na esfera da oração deve ser verdade também na esfera da Palavra.

O Espírito Santo nos fortalece desta forma exercitando nosso homem interior na Palavra.

Que tempo tem a leitura e estudo da Palavra em sua vida? Você está recebendo todo o seu conhecimento da Palavra de outros servos do Senhor, em vez colocar a mão na massa você mesmo?

O Espírito Santo exige trabalho e perseverança com a Palavra, e é essencial para nós ter a Palavra em nós para que o Espírito Santo trabalhe nela; este é o caminho da força, sobre a palavra trabalhando, lendo persistentemente, meditando, orando, e não desistir quando chegamos a um período de seca - mas persistindo, assim por diante. O Espírito Santo precisa desse exercício do nosso homem interior, no estudo da Palavra e oração, para edificar a Igreja forte, e o Senhor fará uso de todos os trechos da Palavra assim plantados individualmente, e o Espírito Santo descerá e operará sobre ela.

A Palavra de Deus é a espada do Espírito (Ef.6:17). "Que a Palavra de Deus habite em vós abundantemente" (Cl.3:10). O que é verdade na oração e na Palavra para fazer-nos fortes com a força espiritual interior também é verdade no Testemunho.

Quando eu digo que devemos sempre estar atentos para testemunhar para o Senhor Jesus, eu não quero dizer que devemos parar cada um e forçá-los a nos ouvir sobre o estado de sua alma. O que eu quero dizer é que será que nós, no início do dia, definitivamente buscamos que o Senhor esteja vivo para todas as oportunidades que surgirem para Dele, estamos olhando para fora, alerta para aproveitar a oportunidade quando ela aparece, estamos em oração esperando ansiosamente por ela? Estamos vivos na espera espiritual por almas?

A força da Igreja depende da vida espiritual de seus membros. Quantas vezes pedimos ao Senhor para nos tornar vivos para contatos? Você está em plena força para testemunhar? A característica da Igreja depois do Pentecostes, foi de que todos os crentes iam por toda parte pregando a Palavra - onde quer que fossem, em sua vida diária, houve uma proclamação do Senhor Jesus - eles eram testemunhas em todas as circunstâncias e testemunhavam para Ele, um testemunho vivo, e, amados, deve ser assim.

E então que maravilha, quando nos reunimos, Oh! Quão vital seria, quão vivos para Deus, e todo o Corpo de Cristo em todo o mundo iria sentir o impacto de estarmos reunidos no Nome do Senhor, e deveria haver uma recuada do inimigo.

Que o Senhor possa nos trazer a isso por amor do Seu Nome em uma medida cada vez mais completa.


Por T. Austin-Sparks


Primeiramente publicado na revista "A Witness and A Testimony", em Maio-Junho 1930, Vol. 8-3. Origem: "The Strength of the Church". (Traduzido por Maria P. Ewald)

23. "Eu Edificarei Minha Igreja"


Leitura: 1 Pedro 2:1-12; Mateus 16:16-18.


Tornemos para a Palavra do Senhor em Mateus 16:16-18; o fragmento dessa passagem, a qual é básica para nossas meditações, está no versículo dezoito: "Eu edificarei minha igreja", e procuraremos explicar o que temos em vista. E é, aquilo que surge da morte e ressurreição de Cristo, e sua real natureza. É aqui chamado por Ele: "Minha igreja", e isso abrange assuntos nada mais e nada menos importantes do que a Pessoa de Cristo, a morte e ressurreição de Cristo, a posição celestial e atividade de Cristo, o advento e vocação do Espírito Santo, a volta do Senhor Jesus, o novo nascimento, a guerra contra Satanás, e a vocação dos crentes nos séculos vindouros. Aí você tem o catálogo das magnitudes da Palavra de Deus, e tudo isso está incluso nessa frase: "Minha igreja". De modo que será visto logo que ficar ocupado com o que o Senhor Jesus chama de "Minha igreja" é ficar ocupado com uma coisa nada pequena – não que seja a minha intenção lidar com todos estes assuntos, mas simplesmente quero impressionar você no início com a grande importância deste assunto.

Nosso objetivo específico nesta hora é a natureza do que Cristo efetua e traz à existência na Sua ressurreição; e consideraremos isto em duas maneiras. Primeiramente, o que chamamos de contemplativo ou objetivo, e em segundo lugar, o introspectivo ou subjetivo. Isto é, por um lado olharemos para a sua natureza como está apresentada para nós, e então pelo outro lado olharemos nela e veremos sua mais profunda natureza e conteúdo.


A Explicação de Pedro do Que Cristo Lhe Disse

Para começar, então, com a contemplação de "Minha Igreja". Temos lido uma passagem que define para nós o que Pedro – a quem a declaração foi especificamente feita – entendeu significar: "...sobre esta pedra edificarei minha igreja"; ele não o entendeu naquela hora. Isso é bem evidente pelo que ele disse uns minutos mais tarde, mas ele veio a entender o que O Senhor tinha dito a ele, e nos dá o que ele entendeu ser o significado dessa frase: "Eu edificarei minha igreja", ou: "...sobre esta pedra edificarei minha igreja". Ouça novamente sua própria definição e explicação dessas palavras: "E, chegando-vos para ele" (ou seja, é claro, o Senhor Jesus) "pedra viva..." qual era a pedra viva? "E, chegando-vos para ele, reprovada, na verdade, pelos homens..." Olhe novamente em Mateus 16 e você achará imediatamente depois de que o Senhor Jesus disse essas palavras a Pedro: "Desde então começou Jesus a mostrar a seus discípulos que convinha ir a Jerusalém, e padecer muitas coisas..." e ser morto..." "E, chegando-vos para ele, pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual..." "Edificarei minha igreja". "...edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo. Por isso também na Escritura se contém: eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita e preciosa; e quem nela crer não será confundido". Aí você tem o que Pedro entendeu ser o significado das palavras do Senhor em Mateus 16:16-18.

Quando tornamos para a carta aos Efésios temos o que o Apóstolo Paulo chegou pelo Espírito Santo a entender ser o significado de tais palavras. Deixaremos isso por enquanto, voltaremos a isso mais tarde, tendo em mente enquanto avançamos, que o que está diante de nós é a natureza, não só o objetivo, mas a natureza daquilo que Cristo traz à existência na Sua ressurreição.


Cristo é o Construtor

Estudemos esta passagem em Mateus um pouco mais de perto, e vejamos o que está implícito na declaração. Começamos com a declaração pessoal do Senhor Jesus: "Eu edificarei minha igreja". "Eu"; isso carrega consigo duas coisas bastante claras. Uma é que Cristo edifica a Igreja. Isso é discriminativo e importante. Cristo edifica a Igreja. Nenhum homem pode edificar a Igreja. Cristo é o Construtor. "E o Senhor acrescentava a eles dia após dia aqueles que iam sendo salvos". Nenhum homem acrescenta à Igreja. Nenhum homem pode constituir a Igreja, nenhuma companhia de homens, nenhum comitê de homens. Isto é algo que é o realizar do Senhor, e se a Igreja é eterna, somente o Senhor pode edificá-la. O que o homem pode fazer será senão por um tempo. A segunda coisa em conexão com esse "Eu" é isto; que em vista da cruz iminente, a declaração - "Eu edificarei minha Igreja" - significa que o Cristo ressuscitado edificará Sua Igreja. Ele olha bem através da graça, Ele olha bem através da morte, Ele olha para o outro lado de Jerusalém, Sua crucificação e tudo que estava prestes a acontecer lá, Ele olha através disso, além disso, e diz: "Eu edificarei minha Igreja". É a confiança absoluta e certeza de que Ele atravessará, de que Ele sairá do outro lado; e Ele estará tão verdadeiramente no outro lado do Calvário e da morte e de tudo que isso significa quanto Ele está aqui e agora deste lado; e agora como Alguém que já em fé, garantia e certeza atravessou por isso, Ele diz: "Eu edificarei". Essa é a fé com a qual o Senhor Jesus encara a cruz. É um desafio. É como se Ele estivesse dizendo: "Deixem que os Anciãos, Escribas, Fariseus, Governadores, homens e demônios, e todo o poder da morte espiritual façam seu trabalho, e o melhor deles. Eu edificarei Minha igreja; Eu encaro os Escribas, Fariseus, Anciãos, Governadores, pessoas, diabo e morte, e edificarei Minha Igreja a despeito de todos eles!" esse "Eu" é um tremendo "Eu" enquanto chega lá com a cruz claramente em vista, iminente.


O Essencial da Cruz para a Igreja

Agora, isso nos leva até outras três coisas. A cruz e a ressurreição significam, primeiramente, que a cruz efetua algo. Observe-o dessa maneira e você verá o que quero dizer. Aqui está o Senhor Jesus posicionado com tudo isso em vista, e, contudo, com um objetivo que é o objetivo para o qual Ele veio, o objetivo que tem estado no coração do Pai, o pensamento e intenção do Pai desde a eternidade; o objetivo que é o objetivo dominante de Seu próprio Ser: "Minha Igreja"; "Eu edificarei", e, contudo, antes de que Ele possa edificar essa Igreja deve haver esta coisa, esta morte, esta cruz, e esta ressurreição. Não é apenas algum incidente em Sua vida, não é apenas algo que veio na ordem e progresso, e programa das coisas; é algo que é básico para esse objetivo, sem o qual esse objetivo não pode existir, porque esta cruz e esta ressurreição é para ser a cena e a ocasião da realização de algo, Igreja que à parte dessa realização não pode existir. De forma que a cruz e a ressurreição do Senhor Jesus efetuaram algo. São parte de um esquema; uma definitiva ordem arranjada de coisas as quais tomam um lugar muito vital e importante.

Tenho que lembrar a você de que estamos trabalhando para ver a natureza da coisa que resulta de Sua ressurreição, e, portanto, é importante ver que esse caráter, essa natureza é resultante de Sua morte e ressurreição: que a morte e ressurreição, a cruz do Senhor Jesus, dá o caráter à Igreja. E é por isso que cumprem um propósito e são parte do desenho inteiro, porque a Igreja não pode existir sem elas. Você vê o Senhor Jesus, embora Ele tinha se fixado sobre esse objetivo, nunca o poderia ter realizado saltando por cima desde Cesareia de Filipe para a ressurreição; ou seja, deixando a cruz fora. Era essencial para Seu fim, porque tinha que produzir certas características que constituiriam a Igreja. Veremos essas coisas mais tarde.

Em segundo lugar, a ressurreição do Senhor Jesus significa um novo terreno, a causa de um novo estado. Algo tem sido deixado para trás na morte. Alguma esfera inteira e ordem de coisas tem sido dispensado, posto de lado, e um terreno inteiramente novo é tomado na ressurreição, e esse novo terreno representa um novo estado, um estado totalmente novo; e é nesse terreno que a Igreja é edificada.

A seguir, em terceiro lugar, o mundo é deixado de lado. Na cruz, a morte e ressurreição do Senhor Jesus, o mundo é deixado de lado, é deixado para trás. Oh, a ênfase que o Senhor mesmo colocou sobre essa verdade como a temos apresentada diante de nós por João no seu Evangelho 16:16-18,20-23. "Naquele dia" - agora continue para o capítulo 17:6 e Ele bate nessa nota continuamente no capítulo décimo sétimo: "Eu já não estou mais no mundo... e Eu vou para ti". "Eles não são do mundo, assim como Eu não sou do mundo". O mundo é deixado para trás. O mundo é excluído, um novo terreno é tomado, e nesse terreno a Igreja é edificada. O Apóstolo Paulo, escrevendo para os Gálatas, explica o significado disso no que à experiência espiritual diz respeito: "Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo". E quando você e eu testemunhamos a nossa união com o Senhor Jesus na Sua morte e sepultamento e ressurreição nas águas do batismo, espiritualmente aceitamos a posição onde o mundo é excluído e deixado para trás, e tomamos um novo terreno; e esse é o terreno sobre o qual a Igreja é edificada. Numa palavra, a Igreja é edificada sobre o terreno onde o mundo não tem lugar. Está fora do mundo. Ao dizer isso, estamos, é claro, dizendo algo que é muito familiar para a maioria, mas algo que é crescentemente importante no nosso tempo. A natureza disso que aparece na ressurreição do Senhor Jesus é que tem deixado o mundo para trás, e que está fora do mundo, nesse sentido no qual o Senhor Jesus usou as palavras na Sua oração: "Eles não são do mundo, assim como Eu não sou do mundo". "...assim como Eu..." Você não pode agora associar o Senhor Jesus com este mundo: você não pode! E exatamente da mesma forma você não pode associar Sua Igreja com o mundo, e a igreja que é associada com o mundo, não é Sua Igreja.


Propósito Eterno

Em segundo lugar, "...edificarei". Temos visto um pouco das implicações desse pronome pessoal "Eu". Agora, em segundo lugar, "...edificarei", e para o nosso presente propósito notamos duas coisas. Isto significa que o Cristo Ressuscitado será marcado pelo propósito. "Eu vou edificar..."; marcado pelo propósito. Não quero dizer meramente, determinação para fazer alguma coisa; mas, caracterizado por um espírito, um poder de propósito. Me pergunto se você tem reconhecido essa característica que surge espontaneamente na vida de todos os que são vitalmente unidos ao Senhor Ressuscitado, que essa vida imediatamente assume um espírito de propósito. Se nunca teve um senso de propósito anteriormente, agora o tem. Se antes era uma coisa errante, indefinida, sem objetivo ou alvo, ou direção, a coisa que marca essa vida agora é um senso de propósito, um senso de objetivo, uma direção definida, uma estabilidade; e embora ainda tudo o que isso significa não tenha rompido no nosso entendimento, há um senso que veio, e esse senso surgiu da eternidade, essa vida tem entrado no eterno, e pela sua união com Ele tem voltado diretamente para antes dos tempos eternos, nos conselhos da Cabeça Triuna, e tem recebido agora seu caráter desses conselhos eternos do propósito eterno de Deus. À medida que essa vida continua com Deus, se moverá mais e mais ao lugar e estado representado pelas palavras do Apóstolo Paulo: "mas uma coisa faço..." É um senso de propósito. É o propósito do Senhor Ressuscitado. Esta declaração Dele diz para mim, enquanto medito sobre isso: "Eu estou sobre a Minha Igreja e Me entrego totalmente para a sua realização; a edificação dela e a consumação dela dominam e governam todos os Meus pensamentos". E você sabe que quando você chega até a carta aos Efésios isso é ao que você chega de uma vez, "...nos vivificou juntamente com Cristo... e nos ressuscitou juntamente com Ele, e nos fez assentar com Ele..." Você está na esfera do propósito de Deus concernindo Cristo, desde a eternidade. "Eu edificarei Minha Igreja". Uma atmosfera, um espírito, um senso de propósito.

E, amados amigos, há, penso, muito espaço em muitos dos filhos de Deus, para esse espírito, esse senso, essa dominante consciência de propósito, para que eles sejam absorvidos, prendidos, dominados por uma coisa, o fim que Cristo tem em vista, e ser queimados com Seu objetivo, o qual deixa espaço para muito da dispersão, fraqueza destrutiva, obra paralisante do Diabo. Não há maior defesa contra o Diabo do que todo seu ser estar dominado por um objetivo. Nós deixamos muito espaço para ele entrar ao sermos como Davi, na sua cama, quando o tempo voltou para os reis saírem para a batalha. O Diabo fez estragos com Davi aquela noite, Davi foi enfraquecido até o fim dos seus dias, e nunca se recuperou, porque naquele momento ele não se ocupou com seu real assunto da vida. O Senhor nos terá em união com Ele neste senso, de que temos esta característica marcando claramente nossas vidas: "Mas uma coisa faço"; um senso de propósito Divino nos devorando; o zelo pela Sua Casa. "Eu edificarei Minha Igreja" é uma declaração que carrega consigo o espírito Daquele que tem um todo-inclusivo e governante objeto em vista, e quando você chega ao seu Novo Testamento mais à frente, você descobre que essa é a coisa que marca apóstolos e crentes.

Leia as cartas aos Tessalonicenses de novo e você verá que esse é o espírito dos crentes lá em geral. E leia as cartas dos Apóstolos mesmos do ponto de vista dos Apóstolos, e você descobre que seus corações são devorados com este único objeto. Ouça Paulo: "... para que apresentemos todo homem perfeito em Jesus Cristo". Isso é algo que tinha atraído todo seu ser. Oh, que estejamos cem por cento no propósito Divino, nos derramando para ele sem nenhuma reserva. Isso é união com o Senhor Ressuscitado. Isso é para ser a natureza daquilo que surge em Sua ressurreição. É algo governado pelo único objetivo – propósito e ação, "Eu edificarei Minha Igreja". Devemos lembrar que o Senhor Jesus, do dia da Sua ressurreição até agora está em ação. Há um senso no qual Ele se assentou. Esse senso é que Ele tem realizado toda a obra necessária para assegurar a consumação da obra realizada. Ele está agora a trabalhar pelo Espírito Santo na operação da obra realizada. Ele ainda está trabalhando. "Vivendo sempre para interceder por eles..." é uma imagem Dele em ação. "Eu edificarei..." Ele está edificando, Ele está em ação, e Ele terá todos os que estão em união com Ele, não apenas caracterizados por um senso de propósito, mas definitivamente em ação sob esse senso. É possível ter um senso de propósito, e jazer no amanhã que nunca chega. Quando estivermos um pouco mais qualificados, quando certas coisas tomarem certas formas, ou aconteçam – existe sempre esse "fogo-fátuo" futuro ao qual nunca chegamos, mas que faremos o que nos propomos fazer; porém não o estamos fazendo.

O Senhor Jesus não só tem um objetivo, mas Ele está ativamente envolvido no Seu objetivo, e nós somos a prova disso. União com Ele significa que estamos em ação, definitivamente esticados na ação sob um propósito dominante desde a eternidade; pois o elemento eterno surge com o Senhor Ressuscitado. Elementos temporais tem passado na Sua morte. "Eu edificarei Minha Igreja..." Então, temos que estar governados por um senso de propósito neste regime do Espírito Santo ativo. É claro, a natureza da Igreja que Ele edificará tem sido vista nas palavras de Pedro: "Uma casa espiritual". É algo espiritual.


A Igreja é de Cristo

"Minha Igreja". Aí você tem a implicação do relacionamento e propriedade. O Senhor Jesus edifica Sua igreja, aquilo que é peculiarmente Seu no sentido de que Ele a tem comprado. Ele a fez Dele mesmo, por direito de escolha eterna, criação e redenção. É Sua. Pertence a Ele. E lá novamente temos a importância de termos em consideração o fato de que os direitos soberanos em e sobre a Igreja pertencem ao Senhor Jesus, e são adquiridos em ninguém mais. Ao homem ou homens não lhes são dados o senhorio sobre a herança de Deus; ter o supremo governo da Igreja. É a Sua Igreja, e Ele é Senhor da Igreja, e a Igreja que Ele edifica é aquela que representa o absoluto Encabeçamento Soberano do Senhor Jesus, para ordenar, governar, direcionar, controlar, ter a primeira e a última palavra, e cada palavra entre meio. É onde Cristo é Senhor. Isso é simples; possivelmente demasiado simples e demasiado familiar, porém estamos trabalhando em direção ao nosso objetivo.


A Vitória da Igreja sobre a Morte

"... e as portas do inferno não prevalecerão contra ela". Essa frase é explicada no Velho Testamento como significando "a casa da morte". "A casa da morte não prevalecerá contra ela". Em Atos 2 você tem uma explicação disso: "Pois não deixarás a minha alma em Hades, nem permitirás que o teu Santo veja a corrupção", a primeira declaração. A segunda, "ao qual Deus ressuscitou, soltas as ânsias da morte, pois não era possível que fosse detido por ela". "Detido", no controle, a superioridade, o domínio da morte; a casa da morte. As palavras: "não prevalecerão" mais literalmente são: "Não terão poder sobre o controle". "A casa da morte não terá poder de controle". Isso foi relacionado ao Senhor Jesus, e isso se relaciona a todos em essa união com Ele como parte de Sua Igreja. Ele foi até a casa da morte; a casa da morte cercou Ele. Devemos lembrar que a morte é sempre algo de positivo antagonismo. Existe muito do romancear e sentimentalismo sobre a afabilidade da morte. A morte é sempre uma Inimiga na Palavra de Deu e sempre está em positiva oposição às intenções de Deus, aos propósitos de Deus. É o oposto, e isso é ativamente assim, do que Deus eternamente pretendeu, e no final a morte como a última Inimiga será destruída.

Foi necessário para o Senhor Jesus ir na casa da morte, representando todos aqueles que, por causa da queda, tinham sido fechados na casa da morte. Mas Ele foi no poder de algo que nenhum outro que já entrou lá possuía, e enquanto a morte cercava Ele como representando o homem no pecado, ela achou que tinha cercado algo mais também, o qual era mais do que seu mestre, e: "Jesus arrancou os grilhões", e "Da cova Ele se levantou", e a morte, a casa da morte, não podia mais O segurar. "Sou o primeiro e o último e o que Vivo; e fui morto, mas eis que estou vivo para todo sempre, e tenho as chaves da morte e do Hades". Em virtude disso, embora a casa da morte cerque a mim e a você, se o Senhor demorar, essas portas da casa da morte não terão poder para impedir de estarmos lá na Igreja aperfeiçoada, no edifício consumado de Cristo. A casa da morte não terá poder para reter você e eu quando essa trombeta tocar. Ele tem as chaves, isto é, a autoridade, sobre a casa da morte, e a morte não será capaz de frustrar a realização da Sua intenção, Seu propósito. As portas do Hades, a casa da morte, não prevalecerá, não terá poder de impedir. Isso se aplicou ao Senhor Jesus, e isso se aplica aos santos.

E agora para encerrar, pelo momento; a implicação desta declaração do Senhor Jesus revela a unicidade de Cristo e Sua Igreja. "Eu edificarei Minha Igreja; e as portas do Hades não prevalecerão contra ela" significa, se significa alguma coisa, que a ressurreição do Senhor Jesus é essencial para a própria vida e ser da Igreja. Impedir Ele de ressuscitar seria impedir Ela de ter uma existência. Se Cristo ressuscita, então é para a realização da Sua Igreja, para que Ele e Ela sejam um por motivo de uma poderosa vitória sobre a morte. E isso, creio, é porque, sobre todas as outras coisas, tem havido esse ataque determinado através das épocas contra o testemunho da ressurreição do Senhor Jesus. Porque, imediatamente que você chega no testemunho da vida Ressuscitada de Cristo você se torna o objeto e alvo de todos os assaltos do inferno; e da coisa que você fica mais agudamente consciente do que qualquer outra coisa é do espírito e poder da morte, morte operando como uma força contra espírito, alma, mente, corpo. Por quê? Porque a ressurreição do Senhor Jesus é a maior coisa na Bíblia, e sobre a ressurreição do Senhor Jesus tudo na Bíblia pende.

Os propósitos de Deus desde a eternidade, antes mesmo de que uma página da Bíblia fosse escrita, pende sobre a ressurreição do Senhor Jesus. É a coisa central e suprema na história dos séculos desde que o homem caiu. E esse testemunho para ter uma expressão em vidas individuais, e mais, numa companhia, a Igreja, é, portanto, a coisa suprema que incita o inferno nas suas profundezas. O inferno não se importa com os nossos sistemas de ensino, se eles são verdade ou se eles são falsos; mas o inferno, sim, se preocupa em nós vivermos no poder da Sua ressurreição. Ao Inimigo não lhe importa quão maravilhosamente acurados sejamos na nossa interpretação Bíblica, mas o Inimigo, sim, com toda sua força, resiste à nossa expressão Bíblica numa vida triunfante sobre a morte. É para isso que a Igreja tem sido trazida à existência. É isso que é o objetivo da Igreja na terra, manifestar Cristo em vida Ressurreta e em poder Ressurreto. Muitas vezes o ensino pode se tornar precisamente aquilo que encobre e abafa, e amortece e entorpece essa vida.

Você e eu, amado, temos de ter muito cuidado de nós nunca ficarmos tão interessados na doutrina e verdade cristã que se torna a coisa que nos ocupa preeminentemente. Do que você e eu temos que nos ocupar mais do que com qualquer outra coisa é com viver uma vida que é triunfante sobre a morte. Isso é muito mais difícil do que estudar doutrina cristã; é a batalha dos séculos. A natureza daquilo que surge com o Senhor Ressuscitado é que é uma expressão viva do fato de que Nele plenamente, e Nele inicialmente e progressivamente, as portas do Hades, a casa da morte não prevaleceram e não podem prevalecer. Somos chamados para isso. O Senhor nos conduza na natureza do que Ele chama "Minha Igreja".


Por T. Austin-Sparks


Primeiramente publicado na revista "A Witness and A Testimony", em Jan-Fev 1934, Vol. 12-1. Origem: "I Will Build My Church". (Traduzido por Marcos Betancort Bolanos)

24. Autonomia da igreja local

"Autonomia" tipicamente significa "autogoverno", mas eu usarei o termo para significar o governo de uma assembleia local a partir de dentro, sem que qualquer pessoa ou instituição externa imponha decisões sobre ela. Estritamente falando, uma igreja local do Novo Testamento não é "autogovernada" porque se submete à autoridade das Escrituras e é governada pelo Senhor. A expressão "autonomia da assembleia" não é encontrada no Novo Testamento, mas a verdade está presente em todo o texto. Vamos examinar algumas das passagens que ensinam a autonomia da igreja local e algumas de suas implicações para nós hoje.


Autonomia e Disciplina da Igreja

Isso pode parecer um ponto de partida incomum, mas é onde nosso Senhor começou. Quando Ele introduziu o conceito de uma igreja local em Mateus 18:15-20, parece claro que Ele pretendia que fosse autônoma em questões de disciplina. Se você seguir os passos explicados na passagem, os dois últimos envolvem o pecado de um irmão impenitente sendo contado "à igreja", e se o homem ainda se recusar a se arrepender, o grupo aplica a disciplina em consonância com a disciplina do céu. "A igreja" neste contexto deve ser uma reunião local, pois seria impossível contar "à Igreja", no sentido de todos os cristãos. O Senhor Jesus também implicou aqui que não haveria nenhum nível de responsabilidade acima do grupo local de crentes - não há nada entre a autoridade da assembleia e a autoridade do céu.


Autonomia e Trabalhadores Comendados

Paulo e Barnabé foram grandemente usados por Deus no plantio de assembleias, na nomeação de anciãos e no ensino dos santos (Atos 13-14). E como apóstolo, a autoridade de Paulo excedia qualquer uma encontrada entre os crentes hoje (2 Coríntios 10:8; Efésios 2:20). Tudo isso torna Atos 13:1-3 particularmente impressionante - o Espírito de Deus instruiu a igreja local em Antioquia a separar e enviar Paulo e Barnabé. Esses homens dotados, que foram instrumentais no ensino dessa assembleia (Atos 11:25), se submeteram à sua autoridade e foram comendados por ela ao Senhor. A responsabilidade também é implicada ao darem um relatório a toda a assembleia quando retornaram (14:27). Não encontramos base no Novo Testamento para um corpo regional ou uma junta missionária com autoridade - apenas igrejas locais individuais, às quais todos em sua comunhão, incluindo professores e trabalhadores comendados, são responsáveis.


Autonomia e Anciãos Locais

Paulo exortou os anciãos de Éfeso: "Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, que ele comprou com seu próprio sangue" (Atos 20:28). Novamente, a autonomia da assembleia é evidente. O Espírito Santo fez um grupo de homens supervisores sobre uma única "igreja de Deus", uma assembleia de crentes vista de forma independente como tendo sido distintamente comprada com sangue precioso. Os pastores recebem a autoridade e a responsabilidade de supervisionar uns aos outros e o restante do rebanho sob seus cuidados (também 1 Pedro 5:2). Parte dessa responsabilidade inclui proteger contra aqueles que tentarão ganhar influência minando a autoridade estabelecida por Deus, resultando no dano das ovelhas (Atos 20:29-30). Embora toda a assembleia deva reconhecer e respeitar a autonomia, são os anciãos que são, em última instância, chamados a mantê-la.


Autonomia e Responsabilidade

Vimos a autonomia da assembleia em Mateus, Atos e nas Epístolas. Chegando agora ao Apocalipse, João se dirigiu "às sete igrejas que estão na Ásia", dizendo-lhes como no Espírito ele as viu como "sete castiçais de ouro" (Apocalipse 1:4,12,13,20). O Senhor Jesus então se revelou como caminhando "entre os sete castiçais de ouro" (Apocalipse 2:1). Os capítulos 2 e 3 deixam claro que cada uma das sete igrejas estava sendo avaliada individualmente. É preocupante ver que cada assembleia está sendo analisada por suas próprias obras. Nenhuma é responsável por, ou perante, as outras. Todas são responsáveis a Ele.


Autonomia e Outras Assembleias

Mas autonomia não significa isolamento da assembleia. Embora o Novo Testamento apresente igrejas locais individuais sendo governadas de dentro para fora, também identifica assembleias coletivamente, idealmente unidas em doutrina e exercício. Por exemplo, quando se tratava da doutrina do uso do véu, Paulo apontou para a unidade entre "as igrejas de Deus" (1 Coríntios 11:16). Quando se tratava de uma prática para os necessitados em Jerusalém, as "igrejas da Macedônia" foram reconhecidas por sua generosidade coletiva (2 Coríntios 8:1-2). Mas em nenhum lugar a unidade entre assembleias é ensinada à custa da autonomia. O padrão parece ser cada assembleia desejando estar em unidade com todas as outras assembleias. Mas se a doutrina ou prática na igreja local B realmente minar a capacidade da igreja local A de funcionar fielmente perante o Senhor, impedindo a assembleia A de se governar internamente, em submissão à Sua autoridade, então a assembleia A perderia a autonomia através da associação com a assembleia B. Igualmente, violaria a autonomia da assembleia se as igrejas locais A, C e D decidissem juntas, ou pressionassem umas às outras, a não ter nada a ver com a assembleia B. Cada assembleia é chamada a tomar suas próprias decisões perante o Senhor em relação às associações que tem com outras assembleias.


Autonomia: Encorajada ou Minada?

É claro que o Novo Testamento ensina a autonomia da igreja local. A questão agora é: estou respeitando-a? Eu encorajo a autonomia na assembleia submetendo-me à Palavra de Deus e à liderança dos meus próprios anciãos (Hebreus 13:17). Eu a mino apelando à autoridade de homens fora da minha igreja local. Se estou envolvido no plantio de assembleias, ou se estou ensinando entre assembleias, encorajo a autonomia da assembleia quando, como Paulo, esclareço os limites da minha autoridade e apoio a tomada de decisões locais (1 Coríntios 16:1-3). Veremos erros sendo cometidos, mas farei um dano maior desrespeitando a autonomia e minando o governo local de uma assembleia.

Finalmente, como anciãos, mantemos a autonomia supervisionando com responsabilidade uns aos outros e perante o Senhor, e respeitando a autonomia de todas as outras assembleias. Minamos isso envolvendo-nos em questões que não são nossas, ou permitindo que as decisões de outras assembleias se sobreponham ao que teríamos feito perante o Senhor. Que o Senhor nos dê uma maior apreciação do valor que Ele deu a cada igreja local e sua autonomia perante Ele! (Atos 20:28; Apocalipse 2:1).



Por St. Shawn Clair

25. Batismo infantil tem valor?


A grande maioria das pessoas acredita no batismo infantil. Pode ser possível que todos estejam errados e que uma minoria muito pequena esteja certa? É bem possível e muito provável. Onde nas Escrituras é encontrado que a verdade estava com a maioria? Nos dias do dilúvio, estavam Noé e seus sete companheiros, certos ou a maioria? Estavam certos a vasta maioria que condenou Cristo à morte ou os poucos discípulos que falharam? Seguindo a analogia das Escrituras, não é provável que no caso do batismo infantil a maioria tenha a verdade.

Quando o assunto é mencionado, é costume ouvir que o Salvador disse: "Deixai vir a mim os pequeninos." Ora, se há uma passagem da Bíblia que testemunha contra o batismo infantil, é esta. As crianças foram trazidas a Cristo, não para serem batizadas, mas para que Ele colocasse as mãos sobre elas e orasse. Os discípulos repreenderam aqueles que as trouxeram, mas o Senhor repreendeu os discípulos, colocou Suas mãos sobre as crianças e as abençoou. Ele não as batizou nem ordenou que Seus discípulos o fizessem. Ele disse que delas é o reino de Deus, não das crianças, mas de tais como se tornam como crianças pequenas e, assim, recebem o reino de Deus pela fé nEle. Os pequeninos de quem Ele falou eram aqueles que criam nEle. Por favor, leia as seguintes passagens: Mateus 18.1-14, 19.13-15; Marcos 10.13-16; Lucas 18.15-17.

Também é comum ouvir que, assim como as crianças eram circuncidadas no Antigo Testamento, agora as crianças devem ser batizadas. Supondo que fosse assim, isso só se aplicaria aos meninos e não daria base para batizar meninas. O argumento é que, assim como a circuncisão, o selo da antiga aliança, era aplicada às crianças, o selo da nova aliança também deve ser. Mas o batismo nunca é descrito como o selo de nada. O Espírito Santo é o selo dado por Cristo àqueles que são Seus, Efésios 1.13; 4.30. A circuncisão foi dada a Abraão como um selo da fé que ele já tinha, Romanos 4.11. Depois, foi dada a todos os descendentes de Abraão por nascimento natural, sem qualquer condição quanto à fé pessoal dos pais. Era um sinal no corpo de que a pessoa fazia parte da nação de Israel e tinha direito a uma parte nas bênçãos nacionais. Os incircuncisos eram excluídos da nação, mas isso nada tinha a ver com a salvação individual, Gênesis 17.9-14. Se o batismo corresponde à circuncisão, é estranho que os judeus já circuncidados também fossem batizados ao crerem no Senhor Jesus Cristo, como aconteceu no Pentecostes e em outras ocasiões. Mais tarde, quando alguns insistiram que os gentios crentes batizados também deveriam ser circuncidados, é muito estranho que a resposta não tenha sido que o batismo substituiu a circuncisão, Atos 15.1-5.

Alguns apresentam frases como "A promessa é para vós e para vossos filhos", Atos 2.39, e dizem que, portanto, as crianças devem ser batizadas. Mas crianças aqui são descendentes, não bebês, assim como na frase "filhos de Israel."

Outros nos dizem que famílias inteiras foram batizadas com base na fé do chefe da família. Normalmente, o Evangelho divide famílias, Mateus 10.34-39, mas há casos em que todos os indivíduos de uma família creem no Evangelho e, como crentes, todos são batizados. Esse foi o caso de Cornélio, Atos 10.44-48; 15.7-9; Lídia, Atos 16.14,15,40; o carcereiro, Atos 16.30-34; Estéfanas, 1 Coríntios 1.14-16; 16.15. Nenhum bebê é mencionado, todos os batizados creram em Cristo como salvador pessoal, eram irmãos, ministravam aos santos. Alguns sugerem que os filhos de Lídia foram batizados. Eles têm que supor que ela era casada, que ela tinha filhos, que ainda eram bebês e que estavam com ela em Filipos. Uma base bastante imaginária para se construir!

Outra banalidade à qual os defensores desesperados do batismo infantil se agarram é a frase em 1 Coríntios 7.14: "Agora são eles (os filhos) santos." Portanto, dizem eles, tais devem ser batizados. O fato é que a passagem não trata de salvação e batismo. Trata do problema de se o cônjuge crente em um casamento deve se separar do cônjuge descrente. A resposta é negativa porque o descrente é santificado pelo crente, não, é claro, em um sentido espiritual. O descrente não é salvo e santificado sem fé pessoal e não deve ser batizado. Da mesma forma, os filhos de tal casamento são santos (santificados), mas não são, portanto, sujeitos ao batismo.

Ana dedicou seu filho Samuel ao Senhor, 1 Samuel 1.21-28, e, assim nos dizem, os pais dedicam seus filhos no batismo. Os pais certamente devem dedicar seus filhos ao Senhor, criá-los na disciplina e instrução do Senhor, Efésios 6.4, ensiná-los a Palavra e os caminhos de Deus e orar por eles e com eles. Tudo isso normalmente é feito por pais cristãos que não acreditam no batismo infantil e sem qualquer cerimônia de dedicação.

É a maior tolice ensinar a uma criança que ela nasceu de novo no batismo e, quando ela crescer, ensiná-la que deve nascer de novo. Ou dizer-lhe que no batismo foi introduzida em alguma classe especial e mais tarde ensinar-lhe que não há diferença, pois todos pecaram.

O batismo infantil é uma prática pagã que teve sua origem na Babilônia e, como muitas outras práticas da mesma fonte, foi adotada pela cristandade apóstata. Quando a reunião da cristandade for realizada pelo anticristo após o arrebatamento, então o batismo infantil será a mentira básica do falso sistema.

Afinal, é antibíblico e anticristão. A Sagrada Escritura em nenhum lugar dá uma sombra de autoridade para tal prática. Na Bíblia, um cristão é aquele que reconheceu Jesus como seu Senhor e crê nEle para a salvação, Romanos 10.9. Isso obviamente está além da capacidade de um bebê.

Todos os que têm interesse no bem-estar eterno das crianças devem tomar cuidado para que o primeiro passo nas coisas espirituais não seja um passo na direção errada. O primeiro passo provavelmente determinará a direção a ser seguida e o destino a ser alcançado. O batismo não tem absolutamente nenhuma influência sobre o destino daqueles que morrem na infância, mas pode ter uma influência negativa sobre aqueles que vivem até a idade da razão e são enganados ao confiar nele para a salvação. É claramente o dever dos cristãos evitar qualquer conivência com uma prática que tem consequências fatais em tantos casos.

O ensino positivo das Escrituras é claro e evidente para todos que não são deliberadamente cegos. Ensina a submissão voluntária ao batismo (não aspersão) de todos que creram no Senhor Jesus Cristo para a salvação e assim se tornaram Seus discípulos, Atos 8.36; Marcos 16.16; Mateus 28.19.


Por H.W. Graham