Rdenção

Redenção
 
 
 
James M. Flanigan, Irlanda do Norte
 
 
Uma ilustração
 
Em tempos passados, quando a escravidão era uma prática comum, o mercado de escravos era bem conhecido. Nestes mercados, homens, mulheres e crianças eram vendidos por meio de leilões, como animais são vendidos hoje em dia. O resultado disso era geralmente uma vida de escravidão da qual era quase impossível escapar.
 
Imagine alguém, amável e bondoso, não familiarizado com o mercado de escravos, passeando por ali com um amigo. A crueldade de tudo o deixa horrorizado e escandalizado. Uma menininha, sozinha, infeliz, e com medo, esperando ser vendida a um dono desconhecido, chama a sua atenção. O seu coração fica profundamente sensibilizado quando pensa no futuro sem esperança e provavelmente cruel que a espera. Ele pergunta ao seu companheiro: ―Será que nada pode ser feito para salvar esta pequena criança desta triste situação?‖ A resposta vem: ―Sim! Você pode comprá-la, e sendo sua, você teria o direito de libertá-la‖.
O leilão começa. Alguém faz um lance, e o homem faz um maior. Outros oferecem ainda mais, mas cada vez o homem faz um lance maior, até que os lances cessam. O lance do homem é aceito e a criança se torna sua propriedade. Com que medo e incerteza sobre o futuro aquela criança olharia para seu novo dono. Mas não há necessidade de medo. Longe do barulho daquele lugar, ele explica carinhosamente que ele a comprou para deixá-la ir livre. Ele a comprou no mercado para tirá-la do mercado. Ele pagou o preço do resgate e assim a remiu da escravidão. Ela não é mais uma escrava. Ela está livre! Bem pode ser que ela olharia para o seu benfeitor e com amor exclamaria: ―Meu redentor!‖ Ele pagou o preço exigido e, por intermédio dele, ela foi emancipada da escravidão. Liberta! Redimida! E, bem pode ser que ela iria desejar permanecer com ele e servir com gratidão alguém tão bondoso como ele.
Paulo compreendeu isto quando ele escreveu de si mesmo: ―vendido sob o pecado … Miserável homem que eu sou! Quem me livrará?‖ Com alegria, ele acrescenta: ―Dou graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor‖ (Rm 7:14, 24-25). Um Redentor pagou o resgate, não com prata e ouro, mas com sangue precioso, como outro apóstolo explica em I Pedro 1:18-19, e o pecador impotente está livre. Paulo também escreveu: ―fostes comprados com preço‖ (I Co 6:20), e repete as mesmas palavras em I Coríntios 7:23. Será que ele está pensando nisto quando ele diz: ―O qual se deu a si mesmo por nós para nos remir …‖ (Tt 2:14)? Escrevendo também aos Gálatas ele diz: ―O Filho de Deus, o qual me amou, e se deu a si mesmo por mim‖ (Gl 2:20). Entretanto, repare que tanto Pedro como Paulo, mais tarde, sentem prazer em se chamar ―servos‖ de Jesus Cristo (II Pe 1:1; Rm 1:1). Eles, e todos os que amam o Senhor Jesus, estão satisfeitos por estarem em voluntária servidão de amor Àquele que os redimiu e os libertou.
Uma introdução
Há duas coisas muito interessantes no estudo da redenção. Uma é que um assunto aparentemente tão lindo e simples pode se tornar tão complicado e difícil. A outra é que um assunto tão complicado e difícil pode ser tão lindo e simples! A linda palavra ―redenção‖ ocorre quinze vezes na versão AT — quatro destas ocorrências estão no Velho Testamento e onze estão no Novo Testamento. A redenção naturalmente exige um redentor, e a palavra ―redentor‖ ocorre dezenove vezes no Velho Testamento, mas nunca no Novo Testamento. A palavra cognata ―remir‖ ocorre mais de cinquenta vezes, das quais somente duas estão no Novo Testamento (Gl 4:5 e Tt 2:14). A palavra
associada ―remido‖ aparece mais de sessenta vezes, mas quase todas estão no Velho Testamento, e somente sete no Novo Testamento.
Se tudo isto parece complicado, então para complicar o assunto mais um pouco, temos que observar que estas palavras comuns realmente são traduções de várias palavras hebraicas e gregas diferentes. A única palavra sempre traduzida da mesma maneira é ―redentor‖, que é sempre a tradução da palavra hebraica goel, e isto será explicado mais adiante. Também, devemos observar que estas palavras originais hebraicas e gregas são frequentemente traduzidas por ainda outras palavras, como ―resgate‖, ―livramento‖, ―comprar‖ e ―comprado‖, etc.
Contudo, a complexidade desta grande variedade de palavras pode ser reduzida quando notamos que há um elo entre todas elas. Citando as definições dos dicionários Bíblicos bem conhecidos, as palavras simplesmente significam ―comprar de volta algo que foi perdido, pelo pagamento de um resgate‖ (Easton). Ou, ―libertar ao pagar o preço de resgate … especialmente na compra de um escravo, tendo em vista a sua liberdade‖ (W. E. Vine), como na nossa ilustração inicial. Todos irão concordar que uma consideração detalhada de tão grande variedade de palavras nas línguas originais e suas traduções seria uma tarefa enorme. Entretanto, será necessário considerarmos algumas destas palavras, mas não seria proveitoso se um estudo acadêmico frio nos roubasse da maravilha da nossa redenção e do gozo de conhecer a Cristo como nosso Redentor. Todos os crentes no Senhor Jesus sabem que, embora a teologia e a doutrina tenham seu lugar apropriado, a redenção está em uma Pessoa, um Redentor.
Pensando nisso, é interessante notar que a expressão ―meu Redentor‖ é encontrada somente duas vezes na nossa Bíblia. Contudo, os salvos gostam de citar e falar sobre isto, e como gostamos de cantar:
“Redentor”, Ó que beleza, nesse Nome Teu se vê! Só Jesus, na Sua glória, de levá-lo, digno é. Redentor meu! Redentor meu! Que alegria seres meu!
H. e C. Nº 262 (Anônimo)
Como dissemos, ocorre somente duas vezes na Bíblia, em Jó 19:25 e Salmo 19:14. Jó e Davi, na sua época, se uniram para exaltar este lindo título. Naquele Salmo Davi tinha falado muito sobre o pecado. Houve pecados por ignorância. Houve pecados secretos. Houve pecados de presunção e grandes transgressões. Para onde podia ele olhar para obter ajuda? No versículo final do Salmo, ele eleva os seus olhos a Deus e exclama: ―Senhor, Rocha minha e Redentor meu!‖ Jó também tinha um problema, não tanto em relação ao pecado, mas sobre sofrimento e tristeza, coisas que ele teve em abundância. Ele tinha perdido a maior parte de sua família, suas riqueza e sua saúde. Aqueles que eram presumidamente seus amigos nada mais eram do que ―consoladores molestos‖ (Jó 16:2), e até a sua esposa não o compreendera. Como Davi, ele desviou o olhar de tudo isso, e disse: ―Eu sei que o meu Redentor vive‖. Quer seja em livrar do pecado ou libertar da tristeza, estes santos do passado tinham encontrado a resposta — meu Redentor! É nisto que os santos de hoje se regozijam. Em Cristo há uma libertação presente do pecado, da sua penalidade, do seu poder e da sua escravidão. Um dia, quando o Redentor vier, haverá libertação total da tristeza e do sofrimento da Terra. Quão bom poder levantar os olhos, olhar para frente, e dizer com Davi e Jó: ―Meu Redentor!‖
Uma explicação
Talvez a palavra hebraica mais conhecida em qualquer estudo acerca da Redenção é goel, que ocorre mais de cem vezes no Velho Testamento. É traduzida de várias
maneiras: ―vingador‖ (Nm 35:19, Dt 19:6); ―remidor‖ (Rt 3:12), ―redentor‖ (Jó 19:25), etc. Na sua forma adjetiva, ―remidos‖, a encontramos em Isaías 35:9 e 51:10. Há muitas outras ocorrências da palavra ―remido‖, e o estudante diligente deve consultar e compará-las todas.
A primeira ocorrência de goel é em Gênesis 48:16. O patriarca Jacó estava velho e morrendo, e José trouxe seus dois filhos para receberem a sua bênção. Jacó estendeu as mãos sobre eles e disse: ―O anjo que me livrou [goel] de todo o mal, abençoe estes rapazes‖. Isso tem criado um problema para alguns, visto que goel parece indicar um relacionamento de parente remidor, como visto tantas vezes no livro de Rute, e assim surge a pergunta: ―quem seria o Anjo que livrou Jacó de todo o mal?‖ Parece óbvio que precisaria ser uma Pessoa divina, formando uma trindade com as outras duas menções de Deus [Elohim] no versículo anterior. O Deus dos seus pais, o Deus que o tinha sustentado durante toda a vida, é o Anjo que livrou o patriarca. Isso deve ser uma ―Cristofania‖, um ministério de Cristo antes da Sua encarnação. Antecipa Aquele que voluntariamente iria tomar carne e sangue para ser nosso Parente Remidor. Há outras referências ao Anjo do Senhor, como por exemplo: Gn 16:7; 22:15; 31:11; Êx 3:2. Estes são somente alguns exemplos. Há mais de cinquenta outras referências, dez no livro de Números, todas no cap. 22, e dezoito no livro de Juízes.
Entretanto, a palavra goel é mais proeminente no pequeno e lindo livro de Rute, onde ocorre mais que vinte vezes nos quatro pequenos capítulos. W. E. Vine escreve: ―O livro de Rute é um lindo relato do Parente Remidor. Sua responsabilidade é resumida em 4:5: ―No dia em que comprares a terra da mão de Noemi, também a comprarás da mão de Rute, a moabita, mulher do falecido, para suscitar o nome do falecido sobre a sua herança‖.
Há três coisas necessárias num goel, ou parente remidor. Ele precisa ter o direito, a capacidade e a vontade de cumprir o seu papel. O nosso Redentor tem todas estas qualidades. Ele tem o direito, pois de fato é nosso parente. O milagre da encarnação trouxe o Filho de Deus para nosso mundo como um Homem. Ele, na verdade, se tornou um Homem entre homens. Com Sua humanidade, única e impecável, mas verdadeira, Ele assumiu parentesco conosco e, portanto, tem o direito do Parente Remidor. Ele tem também a capacidade e o poder, porque todos os recursos necessários para pagar o alto preço do nosso resgate são Seus. O parente remidor anônimo no livro de Rute possivelmente tinha o direito e a capacidade, mas por alguma razão ele não tinha a vontade, e por isso seu direito passou a Boaz. Os privilégios e responsabilidades do parente remidor são descritos em Deuteronômio 25 e também em Levítico 25, que diz: ―Portanto em toda a terra não se venderá em perpetuidade, porque a terra é minha; pois vós sois estrangeiros e peregrinos comigo. Portanto em toda a terra da vossa possessão dareis resgate à terra. Quando teu irmão empobrecer e vender alguma parte da sua possessão, então virá o seu resgatador, seu parente, e resgatará o que vendeu seu irmão. E se alguém não tiver resgatador, porém conseguir o suficiente para o seu resgate, então contarão os anos desde a sua venda, e o que ficar restituirá ao homem a quem vendeu, e tornará à sua possessão. Mas se não conseguir o suficiente para restituir-lha, então a que foi vendida ficará na mão do comprador até ao ano do jubileu; porém no ano do jubileu sairá, e ele tornará à sua possessão‖ (Lv 25:24-28). Jeová ordenara que tanto pessoas como propriedades podiam ser resgatadas, e isso era uma sombra do grande Parente Remidor que viria para resgatar tudo que o primeiro homem perdera por causa de seu pecado.
Tua esperança nossa é também, Senhor, queremos ver
A Criação, na terra e além, Por Ti remida e abençoada ser.
(E. Denny)
A segunda ocorrência de goel é em Êxodo 6:6, e ali encontramos mais informações sobre a história da redenção. ―Portanto, dize aos filhos de Israel: Eu sou o Senhor, e vos tirei de debaixo das cargas dos egípcios, e vos livrarei da servidão, e vos resgatarei com braço estendido e com grandes juízos. E eu vos tomarei por meu povo e serei vosso Deus‖ (vs. 6-7). Jeová então acrescenta: ―E eu vos levarei à terra‖ (v. 8).
Esta é a única referência a goel no livro de Êxodo, mas depois disto, o povo de Israel é sempre chamado de um povo redimido e, subsequentemente, há mais ou menos vinte e duas ocorrências de goel no livro de Levítico. Jeová, das alturas, tinha visto e ouvido. Ele tinha visto as aflições e ouvido os gemidos da nação. O povo estava numa escravidão triste e amarga e aqui, em Êxodo 6:6-8, Ele lhes dá aquela promessa sétupla:
i) Eu vos tirarei de debaixo das cargas…
ii) Eu vos livrarei da servidão…
iii) Eu vos resgatarei…
iv) Eu vos tomarei por meu povo…
v) Eu serei vosso Deus…
vi) Eu vos levarei à terra…
vii) Eu vo-la darei por herança…
O povo, naturalmente, não sabia naquela ocasião que a sua redenção seria comprada por preço. Talvez, nem Moisés mesmo sabia, até o tempo narrado em Êxodo 12. Para cada casa remida, um cordeiro seria morto, sangue seria derramado, e uma vida seria dada como o preço da sua redenção. Todos os detalhes essenciais de um plano futuro de redenção estavam incorporados na seleção e morte do cordeiro Pascal e na aspersão do seu sangue. O cordeiro precisava ser sem defeito, um macho ativo de um ano. No tempo ordenado o cordeiro seria morto. Com um molho de hissope seu sangue seria aplicado nas duas ombreiras e na verga da porta das suas casas, e dentro, protegidos pelo sangue, o povo comeria do cordeiro assado, com seus lombos cingidos e com seus pés calçados, prontos para sair do Egito, redimidos!
Quantos pregadores do Evangelho têm se deleitado com esta história, esta antiga sombra do Cordeiro de Deus. Como o cordeiro pascal tinha de ser sem defeito, assim nosso Redentor, o Próprio Cordeiro, era absolutamente sem defeito, e Sua impecabilidade não era o resultado de uma existência monástica. Ele não ficou enclausurado, como um monge, longe da contaminação do mundo ao Seu redor, mas Ele era ativo, como ―macho de um ano‖, morando em Nazaré por trinta anos, andando pelas suas ruas, frequentando a sua sinagoga, fazendo negócios com o povo de Nazaré, como o carpinteiro da cidade. A maior parte dos detalhes daqueles anos foram divinamente ocultados, mas Ele mesmo nos informa que estava sempre tratando dos negócios de Seu Pai (Lc 2:49). De fato, Ele era ―santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores‖ (Hb 7:26). Verdadeiramente, Ele era sem defeito, impecável, incomparável, e incorruptível.
Sua vida imaculada, Seu lindo andar, Perfeitos em cada aspecto. Da corrupção que O cercou Nenhuma mancha o afetou!
M. Wylie (tradução literal)
Após trinta anos extraordinários, Ele foi morto. Pedro, que O conhecia muito bem, escreve aos salvos cujas vidas tinham sido gastas nas cerimônias e rituais do judaísmo: ―Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados … mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado, o qual, na verdade, em outro tempo foi conhecido, ainda antes da fundação do mundo, mas manifestado nestes últimos tempos por amor de vós; e por ele credes em Deus, que o ressuscitou dentre os mortos, e lhe deu glória‖ (I Pe 1:18-21). Paulo concorda com isto, dizendo: ―Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós‖ (I Co 5:7).
Assim, a redenção de Israel da escravidão do Egito, comprada pelo sangue do cordeiro e conseguida pelo braço do Senhor, é uma sombra eloquente da nossa redenção pelo sangue do Senhor Jesus.
Um esclarecimento
Na versão inglesa (AV) do Novo Testamento a palavra ―redenção‖ ocorre onze vezes e ―remido‖ ocorre sete vezes. ―Remir‖ ocorre somente duas vezes (Gl 4:5 e Tt 2:14), e ―remindo‖ ocorre também duas vezes (Ef 5:16 e Cl 4:5) na versão AV. Algumas destas referências foram mencionadas na introdução deste capítulo. Como já foi mencionado, o substantivo ―redentor‖ não é encontrado no Novo Testamento. Também, como no Velho Testamento, estas palavras no Novo Testamento nem sempre são a tradução da mesma palavra grega. Estas palavras, com seus diversos significados, precisam ser consideradas e explicadas. Descobrimos que há quatro palavras usadas para traduzir as seguintes palavras gregas, e o significado destas palavras nos ajudará muito a entender melhor a grande verdade da redenção.
Agorazo
Esta palavra ocorre mais de trinta vezes no Novo Testamento, no grego. Seu significado básico é ―comprar‖, e por isto quase sempre é traduzida ―comprar‖ ou ―comprado‖. É a palavra usada por Paulo em I Coríntios 6:20 e 7:23, onde escreve: ―… porque fostes comprados por bom preço‖.
Vemos claramente destas referências que um preço foi pago para providenciar a redenção gozada por tantos. Foi aquele preço que deu ao Senhor o direito de tomar o livro da mão dAquele que estava sentado no trono em Apocalipse 5. Também comprou o livramento de um futuro remanescente fiel de Israel, em Apocalipse 14:3, e o louvor e a adoração deste remanescente, em Apocalipse 14:4.
Exagorazo
Esta palavra, como podemos ver, é uma combinação de agorazo, que acabamos de considerar, e ex, que a precede. Ex é uma preposição que significa ―para fora de‖. Assim, seagorazo significa ―comprar‖, então exagorazo significa ―comprar para fora de‖. O comentário de W. E. Vine é muito útil; ele define exagorazo como uma expressão mais forte do queagorazo, usada especialmente no sentido de comprar um escravo da escravidão, para lhe dar liberdade. Como notamos na ilustração no início deste capítulo, um escravo podia ser comprado por outro dono e continuar sendo escravo, mas quão melhor seria ser comprado para fora do mercado, fora da escravidão, emancipado, colocado em liberdade através do pagamento de um resgate. Remido!
Paulo usa esta palavra quatro vezes nas suas epístolas. Em duas destas ocorrências a palavra não está ligada ao assunto de redenção que estamos considerando agora. Em Efésios 5:16 e também em Colossenses 4:5, ele fala de ―remir o tempo‖. Com isto ele quer dizer que, como os dias são maus, e porque os incrédulos estão sempre observando a vida dos salvos, devemos, durante o tempo que nos resta aqui, comprar cada
momento. Do tempo que Deus nos dá aqui na Terra, precisamos comprar tempo para servir ao Senhor e para edificar um testemunho para Ele. Este tempo será comprado por um preço. Este preço talvez seja renunciar eventos sociais para estar sozinho com o Senhor, ou se ocupar no Seu serviço. Pode significar o sacrifício de outras coisas, que em si mesmas são legítimas, para nos ocuparmos com o estudo da Sua Palavra. Pode significar, como se diz, ―queimar o óleo da meia noite‖. De qualquer forma, um preço precisa ser pago se quisermos remir o tempo, comprando momentos para Ele.
Em Gálatas 3:13; 4:5, esta palavra exagorazo deve ter sido especialmente preciosa para os crentes judeus. Estes irmãos conheciam bem o que significava estar em servidão. Como podiam regozijar-se e dizer com Paulo: ―Cristo nos resgatou [exagorazo] da maldição da lei‖. Cada judeu sincero e zeloso teria vivido e trabalhado debaixo deste pesado jugo. A lei exigia o que ele não podia dar — a perfeição — e quem não podia satisfazer as suas exigências vivia debaixo da sua maldição. Mas Cristo os tinha resgatado. Ele os tinha comprado para fora da esfera da servidão, e tinha lhes concedido uma nova liberdade, para servirem a Deus por amor e gratidão pela sua redenção.
Não devemos pensar que isso excluiu os gentios que também tinham sido remidos. As palavras de Paulo em Gálatas provavelmente tinham uma aplicação primária aos judeus convertidos, mas as palavras do Comentário Jamieson, Fausset, Brown sobre Cristo nosso Redentor merecem ser mencionadas: ―A palavra ‗nós‘ aqui se refere inicialmente aos judeus, a quem a lei pertencia, essencialmente, em contraste com os gentios … Mas não está restrita somente aos judeus … pois este povo representa o mundo em geral, e a sua lei mostra o que Deus exige do mundo todo‖. A maldição por desobedecer a lei também afeta os gentios, através dos judeus, porque a lei representa a justiça que Deus exige de todos e que, visto que os judeus falharam, os gentios também não podem cumprir. ―Todos aqueles, pois, que são das obras da lei estão debaixo da maldição‖ (Gl 3:10) se refere claramente não somente aos judeus, mas a todos, até mesmo aos gentios (como os gálatas) que procuravam a justificação através da lei. A lei dos judeus representa a lei universal que também condena os gentios, embora com menos consciência do seu pecado (Rm 2:1-29). A revelação da ira de Deus pela lei da consciência preparou, até certo ponto, os gentios para poderem apreciar a redenção em Cristo, quando esta foi revelada a eles. A maldição tinha que ser removida dos pagãos, como dos judeus, para que ―a bênção por intermédio de Abraão pudesse chegar a eles‖. Barnes concorda com isso, e escreve que é ―a maldição que a lei ameaçava, e que a execução da lei infligiria — o castigo do pecado. Isso deve significar que Ele nos salvou das consequências da transgressão no mundo de aflição. Ele nos salvou do castigo que os nossos pecados mereciam. A palavra ‗nós‘ aqui se refere a todos que são remidos, isto é, aos gentios como também aos judeus. A maldição da lei é uma maldição devida ao pecado, e não pode ser considerada como aplicada especificamente a uma classe de pessoas. Todos que violam a lei de Deus, não importa como a lei foi revelada, estão expostos à sua penalidade‖. Ele acrescenta: ―O mundo está por natureza debaixo desta maldição, e está correndo rapidamente para a sua ruína‖.
Romanos 3:19 confirma que as exigências da lei são reivindicadas de todos os homens: ―Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus‖. Note a abrangência das afirmações, ―toda a boca fechada … todo o mundo seja condenável‖. O judeu talvez seja mais privilegiado, e, portanto, mais responsável, mas mesmo assim o pecador gentio está igualmente debaixo da maldição da lei, se não for remido. ―O salário do pecado é a morte‖ é uma sentença universal, como também: ―a
alma que pecar, essa morrerá‖ (Rm 6:23, Ez 18:4, 20). Todos os homens, portanto, judeus e gentios, igualmente, precisam de um redentor.
O salvo pode dizer com Paulo: ―Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós‖ (Gl 3:13). Ele nos comprou para fora da maldição de uma lei desobedecida. Com que preço o Senhor Jesus Se tornou voluntariamente nosso Redentor, tirando-nos daquela maldição! Ó, a vergonha de ser pendurado num madeiro (Dt 21:23). Aquele que não conheceu pecado foi feito pecado por nós — este foi o preço da nossa redenção (II Co 5:21). Ele foi contado com os transgressores, pendurado num madeiro como os malfeitores ao Seu lado, e com a nossa iniquidade sobre Si (Is 53). O Cordeiro imaculado de Deus, eternamente santo como as antigas ofertas pelo pecado (Lv 6:25, 29), foi desamparado por Deus como o substituto voluntário, pagando o preço da nossa redenção.
Sua a maldição, as feridas, o fel, Suas as chagas — tudo Ele suportou; Seu o brado doloroso da morte, Quando nossos pecados Ele carregou.
J. Cennick (tradução literal)
Foi com razão que o Salmista disse ―Pois a redenção da alma é caríssima‖ (Sl 49:8). É tão preciosa como Aquele de quem está escrito: ―E assim para vós, os que credes, é [pedra] preciosa‖ (I Pe 2:7).
Apolutrosis
Esta é a palavra normalmente traduzida ―redenção‖ no Novo Testamento. Nove vezes é traduzida assim, e uma vez é traduzida ―livramento‖ (Hb 11:35), e isto nos ajuda a entender seu significado básico. A definição de Thayer é: ―resgatar alguém, pagando o preço; deixar alguém sair livre ao receber o pagamento do preço; uma libertação efetuada pelo pagamento do resgate; redenção, libertação, liberação obtida pelo pagamento de um resgate‖.
Como podíamos esperar, apolutrosis é frequentemente associada com a libertação do salvo da penalidade do pecado, como em Romanos 3:24: ―Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção [apolutrosis] que há em Cristo Jesus‖, e em Efésios 1:7: ―Em quem temos a redenção [apolutrosis] pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça‖, e como num versículo semelhante em Colossenses 1:14: ―Em quem temos a redenção [apolutrosis] pelo seu sangue, a saber, a remissão dos pecados‖.
Há, entretanto, um outro uso interessante de apolutrosis. Enquanto gozamos agora da nossa redenção por meio do sangue de Cristo, Sua obra de redenção por nós ainda não está completa. Paulo fala do ―dia da redenção‖ como algo ainda futuro (Ef 4:30). Ele escreve também da redenção do nosso corpo, dizendo: ―gememos em nós mesmos, esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo‖ (Rm 8:23). Aquele dia final da redenção trará ―a redenção da possessão adquirida, para louvor da sua glória‖ (Ef 1:14).
Muitos salvos ainda estão no corpo, vivendo e testemunhando num mundo perverso e mau. Muitos sofrem no corpo pelo seu testemunho ao Salvador, e também muitos sofrem as enfermidades e fraquezas comuns desta vida. Alguns sofrem as limitações e enfermidades causadas pelos anos avançados, e quantos têm sofrido as tristezas e as dores do luto. Enquanto estamos no corpo podemos esperar dificuldades de vários tipos. Haverá tristezas e lágrimas, mas um dia o Redentor virá. Ele comprou a Sua igreja por um preço muito elevado, e Ele virá para redimir a Sua possessão comprada. Ela é Seu tesouro peculiar, e Ele virá buscá-la. Aquele dia será ―o dia da redenção‖ e a ―redenção do nosso corpo‖.
Alguns, porém, podem perguntar sobre nossos irmãos em Cristo que já faleceram e nos precederam. Foi exatamente para esclarecer a posição destas pessoas, no dia da redenção, que Paulo escreveu aos coríntios e aos tessalonicenses. Não devemos nos entristecer por eles, como aqueles que não têm esperança se entristecem. Nós, que estivermos vivos quando o Redentor chegar, não teremos precedência sobre nossos irmãos falecidos. ―Dizemo-vos, pois, isto, pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormem. Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e com voz do arcanjo, e com trombeta de Deus; e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor … Eis que vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados. Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados‖ (I Ts 4:15-17, I Co 15:51-52). Aquele será o dia da redenção, quando seremos libertados destes corpos da nossa humilhação, corpos em que nós temos sofrido e pecado. A nossa redenção então será completa.
Em muitos sepulcros solitários podemos ler esta inscrição simples: ―Remido‖. A palavra é retrospectiva e também esperançosa. Olhando para trás, o salvo sepultado foi de fato remido, comprado fora do mercado da escravidão do pecado e unido, com todos os seus pecados perdoados, a Cristo o Redentor. Por muitos anos alguns viveram no gozo da sua redenção e dos pecados perdoados. Mas, olhando para frente e para cima, com antecipação santa e inteligente, o melhor ainda está por vir. Os corpos de todos os salvos que já morreram esperam o dia da redenção, quando serão ressuscitados e arrebatados para a glória. Como é precioso antecipar a redenção do corpo! Não pecaremos mais! Não sofreremos mais! Não nos cansaremos mais! Não sentiremos mais a solidão! Seremos redimidos!
Já temos privilégio de, pela fé, prever. A divinal herança que vamos receber. A dor e o sofrimento jamais terão lugar Quando Cristo triunfante aqui reinar.
D. W. Whittle (H. e C. Nº 290)
Lutroo; lutrosis
Estas são palavras cognatas de apolutrosis e provocam uma pergunta interessante em relação à redenção, que devemos considerar. As definições resumidas de W. E. Vine são:
lutroo: ―libertar ao receber um resgate‖ (semelhante a lutron, um resgate), é usada na voz média (no grego), e significa ―libertar mediante o pagamento do preço do resgate, remir‖.
lutrosis: ―uma redenção‖, usada no sentido geral de ―libertação‖.
A pergunta que surge é: ―Se há um preço a ser pago, a quem foi pago? Sendo que algumas das palavras já mencionadas, como agorazo e lutron, parecem exigir o pagamento de um resgate, para muitos parece ser razoável perguntar: quem recebeu o resgate?‖ A pergunta é antiga, e como A. McCaig escreve na International Bible Encyclopaedia: ―A pergunta ‗Quem recebe o resgate?‘ não aparece diretamente nas Escrituras, mas é uma pergunta que surge naturalmente na mente, e os teólogos a têm respondido de diversas maneiras.
i) Não Satanás. A idéia de alguns dos antigos, como Irineu e Origenis, era que o resgate foi dado a Satanás, que é considerado como tendo, por causa do pecado do
homem, algum direito justo sobre ele, que Cristo reconheceu e pagou. Esta sugestão é absurda e sem qualquer base bíblica.
ii) A Justiça Divina. Entretanto, ao repudiar a primeira resposta, não devemos ir ao extremo de negar que houve uma transação real de resgate. O que temos dito é para mostrar que a afirmação, Cristo deu a ‗Sua vida em resgate‘ não é meramente uma figura de retórica, mas uma tremenda realidade. Se nós precisamos saber a quem o resgate foi pago, parece razoável pensar que foi à justiça de Deus, ou a Deus no Seu caráter de Governador Moral, exigindo e recebendo-o‖.
Embora estas respostas possam ser interessantes e estimular nossas mentes, há certo sentido em que a pergunta em si não é importante. Como W. E. Vine e outros explicam, o tempo do verbo lutroo está na voz média (no grego), e portanto não necessita de outra pessoa. Para ilustrar, imaginemos um homem que recebeu um conselho, mas o recusou; depois ele diz: ―eu paguei o preço‖. Outro vê um aviso de perigo, mas o ignora e depois diz: ―eu paguei o preço‖. Um homem recebe um medicamento para uma doença, mas não o toma, e depois ao reconhecer a sua negligência ele diz: ―eu paguei o preço‖. Sabemos que há um preço a ser pago para poder alcançar muitas das honras deste mundo. Também, na esfera espiritual, homens como Paulo, e outros mártires que vieram depois dele, pagaram o preço pela sua fidelidade. Mas, a quem foi pago este preço? A pergunta realmente não é necessária.
Assim, o Senhor Jesus Se tornou nosso fiador e substituto, e pagou o preço. Voluntariamente, ―Ele se deu a si mesmo em preço de redenção por todos‖ (I Tm 2:6). No lugar chamado Gólgota, Ele pagou o preço, ao dar a Sua vida e derramar o Seu sangue, e assim assegurou a nossa liberdade. Ele é nosso Redentor.
As implicações
Os que são descritos como ―os resgatados do Senhor‖ (Is 35:10) estão profundamente gratos Àquele que os resgatou. Cristo não pediu nada, e eles nada contribuíram ao preço da sua redenção. O Redentor pagou tudo. Contudo, tendo sido resgatados, agora há uma responsabilidade solene sobre eles, de viver para Aquele que pagou o seu resgate. Isto não deve ser como uma obrigação; pois não é um fardo pesado que é imposto, mas é um privilégio agradável viver para Aquele que morreu por nós. Como disse um dos Seus servos: ―Se Cristo é Deus, e se Ele morreu por mim, então não existe sacrifício grande demais que eu possa fazer por Ele‖ (C. T. Studd).
―Não sois de vós mesmos‖, diz Paulo, ―fostes comprados por bom preço‖; depois ele acrescenta: ―glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus‖ (I Co 6:20). A implicação óbvia disto é que agora nós pertencemos exclusivamente, e por direito, Àquele que nos comprou, e nossas vidas devem ser vividas para a Sua glória. Lamentavelmente, havia muito entre os coríntios para entristecer o Senhor. Havia erro doutrinário e moral, e havia também divisões sociais no seu meio. Tudo isto era uma negação dos Seus direitos, a quem agora pertenciam. Corpo, alma e espírito pertenciam ao Redentor. Eles deveriam estar, por causa dEle, vivendo vidas santas. O resgate que Ele pagou merecia e exigia esta vida santa. Note como Paulo usa a palavra ―pois‖. A sua santidade não era opcional: ―fostes comprados por bom preço, glorificai, pois, a Deus‖.
Em outro lugar ele usa novamente a mesma expressão (―fostes comprados por bom preço‖), e acrescenta: ―não vos façais servos de homens‖ (I Co 7:23). Adam Clarke comenta: ―Alguns interpretam isto como sendo uma pergunta: Fostes comprados por bom preço? Então, não voltem a ser escravos de homens‖. Todos irão concordar que a nossa redenção não livra empregados das suas obrigações para com seus empregadores. Também, naquele tempo, não livrou os escravos cristãos do serviço aos seus senhores,
mesmo embora aquele sistema de escravidão fosse deplorável. Seja no emprego secular normal, ou na escravidão daquele tempo, os salvos têm um dever de obedecer aos seus senhores. A lembrança desta exortação de Paulo afetaria muito todo serviço, tanto dos servos pagos como dos escravos: ―Porque o que é chamado do Senhor, sendo servo, é liberto do Senhor; e da mesma maneira também o que é chamado sendo livre, servo é de Cristo‖ (I Co 7:22). Note também a exortação de Paulo aos efésios: ―Vós, servos, obedecei a vossos senhores segundo a carne, com temor e tremor, na sinceridade de vosso coração, como a Cristo; não servindo à vista, como para agradar aos homens. Mas como servos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus‖ (Ef 6:5-6). Aos colossenses a sua exortação é a mesma: ―Vós, servos, obedecei em tudo a vossos senhores segundo a carne, não servindo só na aparência, como para agradar aos homens, mas em simplicidade de coração, temendo a Deus. E tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como ao Senhor, e não aos homens‖ (Cl 3:22-24). O salvo, portanto, deve servir de uma maneira aceitável e leal, lembrando sempre que ao servir os homens, ele está servindo a Deus. Nunca podemos nos tornar escravos dos homens em assuntos de religião, tradição, superstição, ou cerimonialismo. Nossa lealdade suprema é para com o nosso Redentor. Nós pertencemos a Ele. Somos os ―remidos do Senhor‖ (Sl 107:2; Is 51:11; 62:12).
De todas estas considerações, portanto, é evidente que a redenção não é somente um assunto da assim chamada ―teologia sistemática‖. É uma verdade e experiência cordial e vibrante. Traz grande gozo e alegria ao coração do salvo, dá sentido à vida, decide o passado e assegura o futuro, e, acima de tudo, traz glória ao Próprio Redentor, nosso Senhor Jesus Cristo.

 

 

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