A impecabilidade da Sua Pessoa

 

A impecabilidade da Sua Pessoa


Por Tom Wilson, Escócia


Os apóstolos não conspiraram para enganar as pessoas com “fábulas artificialmente compostas” (II Pe 1:16). Sendo testemunhas oculares, eles prestaram testemunho ao Senhor Jesus Cristo. João, uma destas testemunhas oculares, enfatiza duas vezes no seu Evangelho que o seu registro é verdadeiro (19:35; 21:24; veja também III João 12). Seu testemunho também tinha o selo de aprovação dos outros apóstolos, assim ele comenta: “… e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro” (Jo 21:24). Lucas, que não era um dos apóstolos que acompanhou o Senhor Jesus enquanto “Ele andou fazendo o bem” (At 10:38), afirma que os fatos que entre eles se cumpriram, foram-lhes entregues pelos “mesmos que os presenciaram desde o princípio” (Lc 1:1-2). Lucas havia recebido o testemunho apostólico, e sob a direção do Espírito, fê-lo acessível, na forma escrita, aos santos de muitas gerações. Todos que “conhecem a Deus” também aceitaram aquele testemunho tal como agora é encontrado no Novo Testamento. De fato, João fornece o seguinte teste desta realidade: “Nós [os apóstolos] somos de Deus; aquele que conhece a Deus ouve-nos; aquele que não é de Deus não nos ouve. Nisto conhecemos nós o espírito da verdade e do erro” (I Jo 4:6). Assim, é para o testemunho dos apóstolos no Novo Testamento que olhamos, ao considerarmos a impecabilidade de Cristo. Qualquer ensino que não corresponde com o testemunho apostólico que encontramos no Novo Testamento, sabemos não ser de Deus.
O apóstolo João testifica da deidade do Senhor no seu Evangelho, e ao fazê-lo, inclui referências específicas à Sua humanidade. Entretanto, é na sua primeira epístola que aprendemos que a verdade da encarnação do Senhor é um aspecto fundamental da “fé que uma vez foi dada aos santos” (Jd 3). Ele afirma enfaticamente: “Nisto conhecereis o Espírito de Deus: todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual ouvistes que há de vir, e eis que já está no mundo” (I Jo 4:2-3). João testifica que o “Pai enviou seu Filho para Salvador do mundo” (I Jo 4:14). Ele também deu testemunho da deidade de Cristo: “que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus” (Jo 20:31). Em I João 1:1 o seu testemunho é ao fato do Senhor ter-se tornado Homem; para esta condescendência ele fornece evidência de que era um passo permanente e irreversível:
• Ele era audível, assim João diz: “… ouvimos”.
• Ele era visível, assim João podia dizer: “… vimos com os nossosolhos… temos contemplado”.
• Ele era tangível, assim João recorda: “… nossas mãos tocaram…”.


João e os outros apóstolos sabiam que Aquele que eles acompanharam por mais de três anos não era um fantasma. Eles O tocaram. Na Sua ressurreição de entre os mortos, eles O ouviram dizer: “Apalpai-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que Eu tenho” (Lc 24:39). À luz das suas experiências, os apóstolos sabiam que o seu Senhor era verdadeiramente Deus e verdadeiramente Homem.
Sabiam também que, ao contrário deles, este Homem era sem pecado, puro e justo. Eles haviam observado de perto um Homem real que não era sujeito ao pecado.
Em I João 1, onde a realidade da humanidade de Cristo é estabelecida, João não deixa espaço para a pretensão de que mesmo cristãos professos não têm pecado, ou que não pecaram (I Jo 1:8, 10). João segue afirmando que em Cristo “não há pecado” (I Jo 3:5). Que contraste conosco!
João também mostra que o Senhor é “puro”, não porque Ele se purificou, mas num sentido absoluto (I Jo 3:3). Ele também é justo (I Jo 2:29; 3:7), novamente num sentido absoluto. Para João, o mais devoto dos santos não é sem pecado, mas quer seja inspecionado para aceitação cerimonial ou judicialmente, o Senhor é absolutamente sem pecado.
O título deste capítulo traz o substantivo “impecabilidade”, que não aparece nas Escrituras. Sua raiz é a palavra latina impeccãbilis, que significa “sem pecado”. De fato, um dicionário de Inglês oferece o significado “sem pecado” para o adjetivo “impecável”.1 Entretanto, reconhecemos que ao falar do nosso Senhor Jesus precisamos prestar atenção e dar a
uma palavra como “impecável” (ou “sem pecado”) o significado pleno e completo daquilo que o Espírito Santo revela sobre o caráter de Cristo.
Este capítulo irá se opor à blasfêmia daqueles que dizem do Senhor Jesus Cristo: “Nós sabemos que esse homem é pecador” (Jo 9:24). Se 1 Essa explicação pode parecer supérflua aqui, mas na Língua Inglesa as palavras de origem latina são as menos usadas na linguagem coloquial, e portanto menos conhecidas.
Não existe semelhança em inglês entres as palavras “pecado” e “impecável” (“sin” e “impecability”, respectivamente), como acontece na nossa língua (N. do T.). oporá também a qualquer que apoia o ponto de vista que, embora o Senhor não tenha pecado, Ele poderia ter pecado. A mente humana pode achar esse tipo de ideia atraente, mas ela deve ser repugnante à mente espiritual. Este capítulo procurará glorificar o Homem perfeito que glorificou o Seu Deus em toda circunstância. Iremos examinar reverentemente o caráter de Cristo e concluir que:
Somente nEle pode o Espírito observar Uma vida perfeita aqui na terra. (M. Peters)
“Diante de muitas testemunhas” (I Tm 6:12)
Um homem como Timóteo “fez uma boa confissão diante de muitas testemunhas”. Sem dúvida aquelas testemunhas incluíam tanto cristãos quanto outros que se opunham a Deus e a Cristo. Nosso Senhor deu testemunho de uma boa confissão tanto àqueles que Lhe eram solidários, quanto àqueles que eram malignos na sua oposição. Ele deu testemunho de uma boa confissão diante de Pilatos, e consideraremos esta confissão mais adiante, mas outras testemunhas também notaram Seu testemunho perfeito.
Primeiramente ouvimos o testemunho de um que foi ordenado pelo próprio Deus para apontar outros a Cristo. Esta testemunha ousada era João Batista. Ele não escreveu epístolas. Embora muito pouco se sabe acerca dos sermões pregados por ele no período do seu ministério público, interrompido violentamente por Herodes, ele deixou um testemunho eloquente de uma vida que era irrepreensível, e de Um a quem o “batismo do arrependimento” (At 19:4) era totalmente inapropriado.
A confissão de João da sua própria indignidade perante Aquele impecável, era tal que às margens do Jordão ele confessou perante Cristo:
“Eu careço de ser batizado por Ti” (Mt 3:14). João reconheceu algo da distância infinita que separava o mais santo dos santos do totalmente impecável Cristo. Com satisfação concordamos com as pessoas que, na sua fraqueza, avaliaram tanto João como o Senhor de João: “Na verdade João não fez sinal algum, mas tudo quanto João disse deste era verdade” (Jo 10:41).
Nem todas as testemunhas eram tão favoráveis a Cristo, mas nenhuma delas podia se levantar para aceitar o desafio lançado pelo próprio Senhor: “Quem dentre vós me convence de pecado?” (Jo 8:46).
Também devemos ouvir as vozes daquelas outras testemunhas. A esposa de Pilatos, muito perturbada pelo seu sonho, descreveu-O como “aquele Homem justo” (JND). Ela nem sequer estava associada com Joana, a esposa do procurador de Herodes, sem mencionar aquelas outras mulheres que serviam a Cristo com seus bens (Lc 8:2-3). Nenhuma necessidade a fizera aproximar-se de Cristo, pelo contrário, ela teria, com prazer, colocado uma distância ainda maior entre a sua casa e o Forasteiro da Galiléia. No entanto, ela conhecia o interesse do céu nAquele que ela conhecia como “aquele Homem justo”.
A esposa de Pilatos tentou distanciá-lo do julgamento dAquele Homem justo, acerca de quem ela sofrera tanto num sonho. Mas Pilatos, o juiz experiente, encontrou-se com Cristo. Ele tinha as habilidades profissionais de um juiz treinado, logo era mais capacitado que a maioria para avaliar as provas e julgar o acusado. O registro dado pelo Espírito sobre aquele julgamento falso, é dado pelos quatro escritores dos Evangelhos. Todavia, é Paulo quem resume o encontro do cruel e cínico Pilatos com o Cristo impecável: ele nota como “diante de Pôncio Pilatos” o Senhor “deu o testemunho de boa confissão” (I Tm 6:13).
Pilatos havia olhado nos olhos de muitos acusados, mas nunca estivera tão certo do fato de estar olhando para um Homem inocente. Três vezes seguidas ele anunciou seu veredicto: ele não encontrava culpa alguma no acusado Rei dos judeus. Mas aquele veredicto triplo representa, ainda que inadequadamente, o que o Espírito de Deus diz de Cristo.
Em seguida buscamos outra testemunha que não está entre aqueles que abandonaram tudo para seguir a Cristo. Esta testemunha não era alguém diplomado numa escola de direito respeitada, mas ele tinha experiência, de primeira mão, dos procedimentos legais romanos. Ele estava “do lado errado da lei”, e prestes a pagar o preço máximo pelos seus crimes. Ele estava agora além do ponto de poder protestar sua inocência. Para seu companheiro ele reconheceu a justiça do processo contra eles: “E nós na verdade com justiça …”. Entre aqueles dois criminosos condenados, enquanto conversavam naquela ocasião, dois mil anos atrás, estava Outro; de quem ele disse: “… mas Este nenhum mal fez” (Lc 23:41). Sua afirmação era absoluta; não precisava de explicação.
Ele, um criminoso condenado, prestou um testemunho voluntário à impecabilidade de Cristo. O Homem ao seu lado era absolutamente sem pecado.


A testemunha que acabamos de citar é descrita de várias maneiras no Novo Testamento. Ele é chamado de:
• Um dos dois salteadores (No Grego, lēstēs: “alguém que rouba abertamente e com violência”.) — ou melhor, “assaltantes”, pois eles haviam usado de violência (Mt 27:38, 44; Mc 15:27);
• Um dos dois ladrões (No Grego, ánomos, “alguém sem lei”, “um violador da lei divina”.) (ARA — ou “transgressores”) com quem a paródia de justiça de Roma ousou comparar Cristo (Mc 15:27);
• Um dos malfeitores (No Grego, kakoûrgos, “alguém que faz o mal”, que “produz, ou é autor, do mal”: a ênfase está no trabalho árduo empregado para promover a causa do mal.) que foram crucificados com Cristo (Lc 23:32- 33, 39).


A linguagem que as Escrituras usam para descrever suas obras nefastas é clara. Notamos que a linguagem bíblica usada acerca de Cristo igualmente o é.
Mesmo Judas, que traiu o Senhor, falou de ter traído “sangue inocente” (Mt 27:4). Somente quem for cego pode deixar de perceber que a oportunidade singular que Judas teve para observar o Senhor em público e em particular, deve ter-lhe permitido examinar aquela vida como poucos outros puderam. Judas viu o Senhor como inculpável. Judas viu o caráter preciso dos Seus caminhos, e que Sua vida era vivida num patamar totalmente além do alcance de outros homens. Já foi dito que “em momentos sublimes de devoção, nós nos dedicamos novamente a Deus”, mas Judas viu que não havia flutuações periódicas na devoção do Senhor ao Seu Pai. A avaliação de Judas quanto à vida e caráter de Cristo era falha, do contrário sua avaliação do sangue que ele foi culpado de derramar teria sido “precioso” e não “inocente”. Antes de pecar, desobedecendo ao único mandamento expresso de Deus, Adão era inocente. Ele nunca havia pecado, nem encontrado alguém que pecara.
Consequentemente, ele não conhecia, nem tinha observado os efeitos do pecado no pecador. Mas como Judas deveria ter sabido, o Senhor era santo. Mesmo numa sociedade corrompida pelo pecado, o Senhor era totalmente sem pecado, seja em ato, palavra, pensamento ou motivo: Ele era santo, tão santo como quando antes da Sua encarnação, os serafins clamavam da santidade do Deus triuno: “Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos” (Is 6:3). Todavia, notamos que Judas deu um testemunho espontâneo e absoluto da impecabilidade de Cristo.
Infelizmente, a suficiência do seu testemunho ficou aquém daquilo que a sua experiência deveria ter revelado dAquele que conhecia o bem e o mal como nenhum outro homem e, no entanto, permaneceu intrinsecamente santo.
Todos os depoimentos destas muitas testemunhas ainda não são suficientes para expressar adequadamente a singularidade de Cristo em relação à Sua impecabilidade. Contudo, reconhecidamente, as palavras deles deixam uma impressão da profunda convicção que eles tinham quanto à vida imaculada que haviam observado.
“Outro … testifica” (Jo 5:32)
Em outras partes das Escrituras o Espírito de Deus dá testemunho eloquente da impecabilidade de Cristo. Há três versículos no Novo Testamento que são corretamente citados quando esta verdade importante é ensinada:
• “… o qual não cometeu pecado” (I Pe 2:22);
• “Aquele que não conheceu pecado” (II Co 5:21);
• “… nEle não há pecado” (I Jo 3:5).
Estes versículos vêm de diferentes autores, cada um deles muito mais idôneo para escrever sobre a impecabilidade de Cristo do que o ladrão que recebeu a devida recompensa dos seus feitos, no Calvário.
Estes versículos, não permitem nenhuma concessão quanto à impecabilidade de Cristo — em obra ou palavra. Mas os termos empregados são tão profundos que indicam também que Ele não conheceu pecado, isto é, Ele não tinha “nenhuma consciência” de pecado na Sua experiência pessoal, e nenhuma presença de pecado habitando no Seu ser. O Senhor Jesus não possuía senso algum de indignidade pessoal. De fato, Ele podia levantar Seus olhos e, por causa das pessoas ao redor, dizer publicamente: “Pai, graças Te dou por Me haveres ouvido. Eu bem sei que sempre me ouves” (Jo 11:4143), antes de chamar Lázaro para fora da morte. Todos os homens que tem um desejo crescente de agradar a Deus tem também uma convicção crescente que os faz temer e con fessar: “Diante de Ti puseste as nossas iniquidades, os nossos pecados ocultos, à luz do Teu rosto” (Sl 90:8). Mas o Senhor também falou de estar angustiado na Sua alma. Não era como a angústia de alma que visivelmente abateu homens como Davi e Pedro quando a convicção do seu pecado começou a assombrá-los. Era o reconhecimento daquilo que Ele teria que empreender por causa do pecado de outros que explica as palavras: “Agora a Minha alma está perturbada: e que direi Eu: Pai, salva-Me desta hora; mas para isto vim a esta hora”. Não havia consciência
de pecado nAquele que em seguida disse: “Pai, glorifica o Teu nome”; nAquele a Quem a aprovação divina absoluta ressoou dos Céus:
“Já o tenho glorificado, e outra vez o glorificarei” (Jo 12:27-28).
Já mencionamos acima que, ao falar de nosso Senhor Jesus, devemos tomar cuidado para dar a palavras como “impecável” ou “sem pecado” o significado total daquilo que o Espírito Santo revela sobre o caráter de Cristo. O ladrão cujo depoimento foi citado falou do Senhor Jesus como alguém que “nenhum mal fez”. A frase significa simplesmente que não havia nada fora de lugar, ou fora do limite, na vida que ele tinha observado por pouco tempo. Sua linguagem não era a de um teólogo, mas foi um testemunho claro daquilo que ele queria expressar por impecabilidade, ao testificar do Senhor Jesus. Este artigo irá falar sobre o que as Escrituras ensinam sobre a impecabilidade de Cristo, que significa mais do que inculpabilidade visível.
Mais do que inculpabilidade visível: a importância do nascimento virginal Devemos salientar que o Senhor Jesus não se tornou impecável.
Desde o momento em que entrou neste mundo como o Bebê envolto em panos e deitado numa manjedoura, até ser pregado na cruz, Ele nunca se arrependeu de uma palavra, ato ou pensamento. Ele nunca corrigiu uma declaração, nunca revisou um processo de pensamento, e nunca se desculpou por um pecado, fosse ele de comissão ou omissão.
Ele nunca buscou o perdão de Deus ou de algum homem. Muitos olham com admiração para a singularidade de Cristo, e fazem a pergunta de Nicodemos: “Como pode ser isso?” (Jo 3:9). Desde o momento que Cristo entrou neste mundo, Ele foi absolutamente santo. Davi aprendeu dolorosamente sobre “a chaga do seu coração” (I Rs 8:38), depois que a concupiscência o levou ao adultério a ao homicídio. A visita de Natã expôs o seu pecado aos outros, e seu estado pessoal ao próprio Davi:
“Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51:5). Mas não foi assim com o Senhor de Davi. Como iremos notar, as maquinações dos homens e demônios apenas revelaram a singularidade do Homem que não tinha um só traço do pecado de Adão.
Na Sua concepção sobrenatural e subsequente nascimento de uma mãe virgem, Ele não herdou vestígio de pecado transmitido. A importância do nascimento virginal é evidente ao observarmos o Homem impecável desde o nascimento. E tamanha é esta importância que este é um fato veementemente atacado.
Quando Gabriel foi enviado a uma cidade da Galiléia chamada Nazaré, foi para anunciar a Maria que ela teria um filho, que se chamaria o Filho do Altíssimo. Ela fez uma pergunta semelhante a que Nicodemos fez, trinta anos mais tarde: “Como se fará isto, visto que não conheço homem algum?” (Lc 1:26-35). Gabriel falou do Espírito Santo vindo sobre ela, e do fato de que o “Santo” que haveria de nascer seria chamado o Filho de Deus. O milagre da concepção daquela Criança não foi explicado nos detalhes que homens carnais buscam — e permanece fora do alcance de olhos hereges. Mas a fé se deleita em reconhecer que a santidade do Senhor Jesus foi autenticada pelos Céus mesmo antes do vaso escolhido dizer: “cumpra-se em mim segundo a tua palavra”.
As narrativas do nascimento virginal de Cristo não são adições posteriores aos Evangelhos segundo Mateus e Lucas. Eram parte de, e integrais a, estes Evangelhos inspirados, desde o princípio. As diferenças entre eles descartam imediatamente qualquer sugestão de manipulação nas afirmações que fazem sobre uma virgem conceber e dar à luz um filho. Cada um dos dois relatos de como Cristo Jesus veio ao mundo descrevem cenas que complementam a narrativa que o outro apresenta.
Há pouca repetição, e certamente não há semelhanças artificialmente produzidas. Cada um é autêntico, e não subordinado ao outro. A autonomia do seu testemunho é inatacável. Cada um desafia qualquer pessoa a alegar que foi copiado do outro. Ambos escreveram de Cristo enquanto centenas de testemunhas de Cristo e do Seu testemunho ainda viviam e poderiam contestar qualquer informação falsa, e centenas de manuscritos, em diversas línguas, contêm suas afirmações de que Cristo nasceu de uma virgem. As referências do apóstolo Paulo quanto à humilhação do Senhor seriam totalmente sem sentido se o Senhor tivesse vindo ao mundo pelo processo normal de procriação. Paulo fala do Senhor esvaziando-Se e tomando Seu lugar na forma e semelhança dos homens (Fp 2:7). Paulo também fala dAquele que era “nascido de mulher” (Gl 4:4), uma afirmação sem qualquer sentido, se o Senhor não nasceu da virgem. Entretanto, se o ensino consistente das Escrituras é aceito, que o Senhor era a Semente da mulher Maria, mas José não era o Seu pai, então é uma afirmação que declara o cumprimento da primeira promessa feita a Adão e Eva depois da Queda.
Mateus e Lucas também não estavam edificando sobre as expectativas judaicas de que o Messias nasceria de uma virgem, apesar de Isaías 7:14: “Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um Filho, e chamá-Lo-ão pelo nome de Emanuel, que traduzido é: Deus conosco” (Mt 1:23).
Como J. Orr comenta: “os judeus não parecem ter aplicado, em tempo algum, esta profecia ao Messias — fato que desmente a teoria de que foi este texto que deu a sugestão à história do nascimento virginal aos primeiros discípulos”. Deixar de aceitar a revelação do nascimento virginal de Cristo debilita o Evangelho, e frequentemente tem sido acompanhado da negação da ressurreição corporal de Cristo.
Mas, adicionar à revelação de Deus também tem diminuído a glória de Deus que brilha na concepção milagrosa do primogênito de Maria. O dogma da Imaculada Conceição propõe que Maria era “preservada de toda a mancha de pecado original”. Este dogma, proclamado pelo Papa Pio IX em 8 de dezembro de 1854, coloca Maria à parte, como a única pessoa impecável na humanidade — “sua impecabilidade precedendo e sendo a condição para a impecabilidade de Cristo”. O dogma firma que, por causa do pecado original, ela precisava de redenção, exigindo que ela fosse redimida desde o momento da concepção. Assim, se alega que Maria foi preservada do pecado original. Que interferência séria com a Palavra de Deus, que faria Cristo dividir Sua glória exclusiva com outra!
Em diferentes contextos há um aviso solene sobre acrescentar ou tirar da Palavra de Deus (veja Dt 4:2, Pv 30:6, Ap 22:18-19). Este aviso é necessário em relação ao nascimento virginal.
As Escrituras definem os limites da participação humana na aparição do Salvador na consumação dos séculos, para aniquilar o pecado (Hb 9:26). É igualmente claro que o Espírito Santo estava envolvido na concepção que levou Maria a achar-se “ter concebido do Espírito Santo” (Mt 1:18). O anjo do Senhor pôde, portanto, assegurar a José, o marido desposado de Maria, que “O que nela está gerado é do Espírito Santo” (Mt 1:20). Hebreus 10:5 cita o Salmo 40 para confirmar que a formação do corpo no ventre de Maria era preparação divina: “corpo Me preparaste”, para que Ele pudesse dizer: “Eis aqui venho para fazer, ó Deus, a Tua vontade” (Hb 10:5-9, citando Sl 40:6-8); para que o Verbo pudesse se tornar carne e tabernacular entre os homens. Tão grande era o milagre da encarnação que o Pai, o Filho e o Espírito Santo estavam todos envolvidos na realização do conselho divino. Lemos que Deus, “enviando o Seu Filho em semelhança da carne do pecado pelo pecado condenou o pecado na carne” (Rm 8:3); “o Pai enviou Seu Filho para Salvador do mundo” (I Jo 4:14). Mas o Filho também estava envolvido: “o Verbo se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1:14); Ele “esvaziou-Se a Si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-Se semelhante aos homens” (Fp 2:7). Já notamos a ação do Espírito no que diz respeito à concepção de Maria.
Romanos 8:3, acima citado, ressalta a importância do nascimento virginal para o propósito de Deus. O Espírito Santo dirigiu as palavras usadas para transmitir a necessidade do nascimento virginal. Notamos que:
• Não é dito que o Senhor veio em semelhança de carne, senão a realidade da Sua humanidade poderia ser questionada;
• O Senhor não veio em carne de pecado, senão Ele não seria idôneo para oferecer-Se a Si mesmo imaculado a Deus (Hb 9:14); mas
• Ele foi enviado na semelhança da carne do pecado “pelo pecado”.
Quando Deus enviou Seu Filho, Ele veio de uma mulher (Gl 4:4), assim proporcionando-Lhe uma ligação com a raça humana. Sem essa ligação, Ele não poderia ser o nosso Árbitro, que pudesse colocar a Sua mão tanto sobre Deus quanto sobre os homens (Jó 9:33). Paulo acrescenta,naquela passagem em Gálatas, que Ele veio também sob a Lei,  para Lhe proporcionar uma ligação com a nação que necessitava da redenção da servidão da Lei. Em outro lugar ele lembra Timóteo que o Senhor veio da semente de Davi para que o domínio real possa, um dia,  pertencer a Ele (II Tm 2:8). Foi a Sua vinda de uma mulher que nos assegura da verdadeira humanidade de Cristo — Ele podia ser visto, tocado e apalpado (I Jo 1:1); Ele podia ter fome, sede, e estar cansado.
Mas o Seu nascimento da virgem também traz a garantia de que Ele não participou da corrupção que caracterizou a raça de Adão. Ele era o “Santo”. Nós confessamos que “Jesus Cristo veio em carne” (I Jo 4:2), mas igualmente afirmamos energicamente que Aquele que participou da carne e do sangue (Hb 2:18) não participou do pecado de Adão.


Disto, Seu nascimento virginal é a garantia.
Sem vestígio do pecado de Adão,
Um Homem singular na concepção.
Comportamento puro, imaculado coração,
Nosso bendito Senhor.
I. Y. Ewan


Mas de que maneira o nascimento do Senhor Jesus da virgem está ligado com a Sua impecabilidade? Se Ele nasceu de uma virgem, certamente não havia um pai humano, mas será que a corrupção que caracteriza a raça humana não seria tão facilmente transmitida pela mãe quanto pelo pai? O fato de não haver pai humano envolvido na concepção daquele “Santo”, significou que o processo normal de geração humana foi posto de lado. Deus agiu de uma forma descrita pelo anjo Gabriel:
“descerá sobre ti o Espírito Santo” (Lc 1:35). Assim Deus garantiu que naquela concepção miraculosa no ventre de Maria não houvesse, desde o primeiríssimo instante, o menor vestígio de pecado. Deus não revelou como este milagre foi efetuado. Gabriel anunciou que a obra do Espírito Santo seria incontaminada de pecado: “O que há de nascer será chamado Santo” (Lc 1:35). A evidência da vida impecável do Senhor é a confirmação da revelação de Gabriel, permitindo-nos concluir que o nascimento virginal era essencial para o grande plano de Deus da salvação.
Mais do que inculpabilidade visível: a importância da tentação do Senhor O que sabemos sobre a natureza da tentação? Devemos muito a Tiago por nos apresentar, em Tiago 1:12-15, a doutrina de tentação pelo mal, como se aplica aos homens hoje. Ele menciona três fatores com os quais, infelizmente, todos nós estamos familiarizados: concu piscência, pecado e morte. A natureza da tentação, como é conhecida por “cada um” (v.14), inclui estes três fatores. A generalização que Tiago
faz abrange todo ser humano, desde que Adão primeiramente pecou até agora, com exceção do Senhor Jesus. Quando Satanás coloca a tentação diante de qualquer outra pessoa, sempre há um ponto de partida para ser usado pelo maligno. Tiago identifica este ponto de partida como a concupiscência, e identifica esta concupiscência com a pessoa que está sendo tentada: “a sua própria concupiscência”. Porém, o Senhor Jesus podia calmamente anunciar aos Seus no cenáculo, naquela noite em que Ele foi traído: “se aproxima o príncipe deste mundo, e nada tem em Mim” (Jo 14:30). Ele estava dizendo que no Seu caráter e caminhos, Satanás não encontraria ponto de apoio; não havia paixão maligna; não havia nenhum pecado interior, nenhuma concupiscência para a qual Satanás podia apelar. O Senhor Jesus nunca pecou, como muitas testemunhas oculares afirmaram. O Senhor Jesus não podia pecar quando tentado pelo diabo, pois não havia nenhuma inclinação para o pecado, como há em todo homem desde Adão.
O que aconteceu quando Adão pecou? Já havia concupiscência no seu coração? Não há fundamento bíblico para afirmar que antes de Adão ser tentado, já havia espreitando ali a concupiscência que Tiago identifica na sequência vergonhosa que leva ao pecado e à morte. Igualmente não há nenhuma base bíblica para apoiar qualquer afirmação de que havia o potencial para pecar no Senhor Jesus. O que podemos concluir da queda de Adão é que havia dois aspectos daquela entrada inicial do pecado na raça humana que são identificadas por Paulo como engano, pois “a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão” (I Tm 2:14), e “desobediência [deliberada e voluntariosa] de um só homem” (Rm 5:19). Somente aqueles presos por Satanás iriam sugerir que o Senhor Jesus poderia ser enganado ou ser capaz de transgressão deliberada e voluntariosa, “à semelhança da transgressão de Adão” (Rm 5:14).
Era possível enganar Aquele que “bem sabia o que havia no homem” (Jo 2:25), que testificou que o diabo “não se firmou na verdade porque não há verdade nele” (Jo 8:44)? Nem homem nem demônio poderiam enganá-Lo! Este, que sempre fez “o que agrada” (Jo 8:29) ao Pai, seria capaz de transgressão voluntariosa e deliberada? Visto que “todo o engano da injustiça” (II Ts 2:10) não podia atrai-Lo, onde está a evidência de que Aquele cuja vida era caracterizada por não agradar a Si mesmo (Rm 15:3) seria capaz de deliberada e voluntariosa transgressão?
O que foi revelado sobre a tentação do Senhor? Que o Senhor foi tentado é explicitamente afirmado, tanto nos relatos dos Evangelhos quanto na Epístola aos Hebreus, onde lemos que Ele “como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado” (Hb 4:15; veja 2:18). Precisamos destacar que o nosso Sumo Sacerdote está equipado para condoer-Se conosco, assolados como somos por fraquezas. Ele provou a rejeição dos homens, a incompreensão até mesmo no lar onde cresceu, e as privações da vida, conhecidas por tantos. Mas Ele nunca caiu em pecado, portanto, como nosso Sumo Sacerdote Ele não Se compadece conosco quando pecamos. Mas como nosso Advogado para com o Pai, desde o momento em que um cristão peca, Ele Se ocupa em trazê-lo à confissão e restauração.
Foi dada a três dos quatro evangelistas (Mateus, Marcos e Lucas) a tarefa de registrar com suprema exatidão uma das mais impressionantes cenas jamais protagonizadas na história humana. No contexto do ensino de Tiago sobre a tentação, considerado acima, Tiago enfaticamente afirma: “Deus não pode ser tentado pelo mal” (Tg 1:13). Consequentemente, por causa da sua ênfase na divindade do Senhor Jesus, João não inclui o relato da tentação de Cristo.
A cena é diferente da cena da transfiguração, pois não houve testemunhas humanas, e assim como na concepção miraculosa no ventre de Maria, não podemos satisfazer o apetite carnal com explicações sobre como a tentação se deu. Nenhum dos apóstolos teve acesso àquele deserto onde o Senhor estava sendo tentado pelo diabo durante quarenta dias. Também não sabemos se o Senhor mesmo comentou sobre aqueles quarenta dias com os Seus. Apesar disso, aprouve ao Espírito de Deus dar-nos três relatos inspirados do que aconteceu durante aquele período. Portanto, o que temos não são as “especulações reverentes” dos apóstolos, mas uma revelação direta de Deus a três homens escolhidos: Mateus, Marcos e Lucas.
Não houve nada superficial nas tentações que o Senhor enfrentou, nem foi o seu alcance limitado. Ele enfrentou três áreas de tentação, no clímax do período de quarenta dias de provação por que passou. Estas se relacionam a:
• Satisfazer os desejos naturais do corpo por alimento;
• Envolver-se numa exibição espetacular atraente a uma nação incrédula, ao atirar-Se de uma das torres do templo que Herodes construiu;
• Ceder à impiedade espiritual para adorar Satanás em troca dosreinos deste mundo.
O Senhor tinha, naquele tempo, cerca de trinta anos de idade. Estas não foram as únicas áreas de tentação que Ele suportou durante aquele período. Marcos e Lucas destacam que as três tentações mencionadas foram o auge de quarenta dias de prova, durante os quais o Senhor jejuou (Mc 1:13; Lc 4:2). Ele foi tentado durante todos os quarenta dias.
Não podemos entrar no período inicial das tentações, mas lembramos das palavras do Senhor sobre um período de provação que ainda não chegou à história deste mundo: “todas estas coisas são o princípio de dores” (Mt 24:8). Nada sabemos da intensidade do período inicial da tentação que Ele enfrentou, mas sabemos que a tentação causou sofrimento a Cristo. As tentações que ocorreram durante o período de quarenta dias foram as iniciais, como indicado pela frase de Lucas:
“… terminados eles [os quarenta dias]” (Lc 4:2). W. Kelly insiste que as primeiras tentações foram além da nossa compreensão, e por esta razão não foram registradas pelos evangelistas. Certamente o Espírito não nos deu detalhes das tentações iniciais, mas destacamos o caráter do Homem que podia suportar tal ataque violento e prolongado do diabo por quarenta dias. Nenhum outro homem poderia ter permanecido invicto depois de quarenta dias de tentações do diabo. É evidente que a Sua tentação foi real pela própria linguagem da Escritura: “Ele mesmo, sendo tentado, padeceu” (Hb 2:18). Como alguém tem comentado, Ele não era um “campeão armado exposto a dardos de brinquedo”. Ele enfrentou a fúria total do poder e da sabedoria orgulhosa de Satanás.
Toda a malevolência adquirida durante séculos, tentando homens desde Adão até Cristo, foi descarregada contra o Senhor. E precisamos notar que foi o próprio Satanás quem tentou Cristo no deserto, e que veio novamente tentá-lo naquelas horas antes e durante a paixão do Salvador.
A tarefa que Satanás sabia ser grande demais para o seu anjo mais poderoso, provou ser também grande demais para aquele que Paulo chama de “o próprio Satanás” (II Co 11:14). O próprio Satanás não era páreo para o Filho de Deus.
A intenção de Satanás era colocar no coração de Cristo um desejo que não era de Deus, assim como ele fora “bem sucedido em insinuar uma concupiscência” no coração de Adão. Satanás certamente não estava engajado numa prova não destrutiva; ele buscava destruir o próprio Filho de Deus. Com intenções maléficas ele tentou Cristo, mas descobriu que este não era outro Adão, mas aquele que não podia pecar.
Mesmo depois de quarenta dias, nos quais muito provavelmente vários estratagemas foram usados, o Senhor permaneceu irredutível.
Vale a pena enfatizar que o Senhor estava sem companhia humana no deserto, onde Ele foi tentado por quarenta dias. Nenhum dos três Evangelhos identifica a região específica de deserto ao qual Ele foi impelido pelo Espírito. A palavra em Marcos, “impelido”, pode sugerir que o Senhor não apenas entrou nas orlas do deserto junto do Jordão, mas subiu até o deserto solitário ao oeste do Jordão. (A tradição localiza a tentação perto de Jericó.) O local da Tentação foi num deserto
isolado onde havia feras (Mc 1:13), que surgiram somente depois da Queda. Naquele deserto, não havia nenhum ser humano para apoiar o Senhor ou oferecer Lhe conselho, enquanto Ele estava exposto às ciladas do maligno. Ali, o Servo perfeito, totalmente distante de comunhão humana, suportou a presença do maligno por quarenta dias. De novo, relembramos que este não era o Éden que Adão conhecera antes da Queda, pois tanto Mateus como Lucas destacam que durante aqueles quarenta dias o Senhor nada comeu (Mt 4:2; Lc 4:2). No deserto não havia nenhum jardim onde poderia crescer “toda árvore agradável à vista, e boa para comida” (Gn 2:9). Não que não houvesse alimento disponível; contudo Lucas nos fala dEle tendo fome, e Mateus emprega o verbo “jejuar religiosamente”. Portanto, concluímos que durante aqueles quarenta dias de tentação o nosso Senhor permaneceu em santo exercício perante o Seu Deus.
Os homens não sabiam onde o Senhor estava durante aqueles quarenta dias, mas os Céus O guiaram ao lugar e O mantiveram sob seus olhares durante aqueles dias notáveis. Sabemos que o olhar do Céu estava sobre aquela cena, pois àquele lugar isolado no deserto vieram “os anjos e O serviam” (Mt 4:11), mas eles vieram depois que o diabo O deixou. Concluímos então que o diabo pôde tentar o Senhor Jesus com aquelas três tentações finais quando o corpo havia suportado a fome por quarenta dias, quando não havia nenhum ser humano por perto e antes dos anjos virem para servi-Lo. Tudo que qualquer oponente crítico pudesse ter considerado como um esteio fora removido, e mesmo assim o diabo teve que retirar-se da contenda como um adversário derrotado.
Reconhecemos que há “uma grande distância entre a inculpabilidade visível e a perfeição impecável”. O que a tentação no deserto provou foi que o Senhor não era somente exteriormente inocente, isto é, não havia vestígio de pecado naquela Vida, mas também que este Ser era totalmente sem pecado, tanto interiormente quanto exteriormente.
Mais do que inculpabilidade visível: incapaz de pecar Muitos têm “concepções vagas e nebulosas” sobre a Pessoa de Cristo, e avidamente conjecturam sobre questões das mais sérias. Uma tendência prevalecente onde tais concepções são adotadas é tentar dividir os pensamentos e atos do Senhor em categorias, algumas relacionadas à Sua Divindade, outras à Sua humanidade. Eles deixam de reconhecer que todos os pensamentos do Senhor Jesus e todos os Seus atos foram os de uma Pessoa indivisível.
A doutrina do NT não é apresentada “em termos que transformariam o Redentor em dois agentes distintos”1. Assim ouvimo-lo dizer: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10:30), mas como H. P. Liddon destaca, nunca “Eu e o Filho somos um”, nem “Eu e o Verbo somos um”. A indivisibilidade da Pessoa do Senhor é um fundamento da fé. Naquela única Pessoa, “manifestado nestes últimos tempos por amor de vós” (I Pe 1:20), havia uma vontade distinta. Os homens reconheceram isso quando disseram: “Se queres, bem podes limpar-me” (Mc 1:40). Eles sabiam que quando o Senhor falava ou agia, havia a manifestação daquela vontade. Não havia duas vontades operando naquela uma Pessoa.
A vontade que atuava estava, obviamente, sempre em perfeita harmonia com a vontade de Deus. No Getsêmani, o Senhor não falou de duas vontades operando na Sua Pessoa. Quando Ele falou da Sua vontade, Ele usou o pronome possessivo singular. Ele clamou: “Não se faça a Minha vontade”. Como uma Pessoa indivisível, Ele tinha vontade, e a Sua 1 Liddon, H. P. The Divinity of our Lord. London: Rivingtons, 1889: pág. 261.  vontade era fazer a vontade do Pai. Naquela ocasião, e de fato durante toda a Sua vida impecável, a Sua vontade correspondia plenamente e com precisão resoluta com a vontade de Deus. Sua vontade, “embora um princípio próprio de ação, não estava, nem poderia estar, senão na mais absoluta harmonia com a vontade de Deus. A impecabilidade de Cristo é a expressão histórica desta harmonia.”
Quando o Pai enviou o Filho para ser o Salvador do mundo, sabemos que vindo ao mundo Ele disse: “Eis aqui venho (no princípio do livro está escrito de Mim) para fazer, ó Deus, a Tua vontade” (Hb 10:7, citando Sl 40:6-8). A vontade singular daquela uma Pessoa indivisível é expressa nestas palavras, sem qualificação. Esta vontade singular era exercida constantemente para o prazer do Pai. Quando Ele teve fome no deserto, Ele não exerceu o poder que Lhe pertencia de transformar pedras em pães. Ele não o faria sem uma ordem expressa do Seu Pai.
Tê-lo feito seria fazer a Sua própria vontade, mas Ele viera fazer a vontade do Pai.
Por causa da indivisibilidade da Sua Pessoa, seria um grande erro sugerir que como Deus o Senhor não podia pecar, mas que como homem Ele poderia ter pecado, embora não o tenha feito. Esta sugestão difamatória supõe que a Sua vontade como Deus nunca aprovaria pecar, mas que havia outra vontade operando que poderia ter desejado pecar.
Isto necessitaria duas vontades naquela única Pessoa bendita, se Ele fosse capaz de pecar.

 

Sabemos pelo Novo Testamento que Deus não pode:
• Mentir (Tt 1:2; Hb 6:18);
• Negar-se a Si mesmo (II Tm 2:13; Hb 11:11);
• Ser tentado (Tg 1:13).


Há evidências claras de que o nosso Senhor não podia mentir; do contrário, teríamos que concluir que Ele mentiu quando usou palavras incondicionais para declarar: “Eu sou … a verdade” (Jo 14:6). Esta expressão tinha a intenção de transmitir o que os cristãos têm por precioso: a compreensão daquilo que somente o Senhor podia transmitir ao homem, bem como a absoluta segurança da Sua palavra. Depois da Sua ressurreição, o Senhor continuou a descrever-Se em termos que são incompatíveis com o potencial de mentir. Ele Se apresentou aos Laodicenses como “o Amém, a testemunha fiel e verdadeira” (Ap 3:14).
A fidelidade de Deus, que não pode negar-Se a Si mesmo, foi eficaz em Sara quando ela estava além da idade de conceber (Hb 11:11). Sara não estava sozinha na sua convicção de que Deus era fiel. Na época de Jeremias, talvez a época mais negra que o VT registra, ele reconheceu:
“grande é a Tua fidelidade” (Lm 3:23). A evidência disto foi dada em misericórdias que se renovavam a cada manhã. Paulo afirma a Timóteo que tal é o caráter de Cristo que Ele “não pode negar-Se a Si mesmo” (II Tm 2:13). Ele sabia em Quem havia crido, e estava persuadido de que Ele era capaz de guardar aquilo que Lhe fora confiado até aquele dia (II Tm 1:12). A eternidade de Paulo dependia dAquele que era sempre leal a Si mesmo, que não podia negar-Se a Si mesmo.
Uma terceira característica de Deus, que é também expressa em termos que envolvem negativos como “não pode”, ou “impossível”, foi declarada por Tiago àqueles que culpavam Deus de tentá-los com o mal (Tg 1:13). Ao examinarmos os quatro retratos de Cristo dados pelo Espírito através de Mateus, Marcos, Lucas e João, não vemos nada que permitiria à mais pervertida das mentes produzir a alegação de que o Senhor tentou alguém com o mal. As quatro representações de Cristo também mostram que Ele próprio não podia ser tentado com o mal. Os homens poderiam ter dito dEle: “Tu és tão puro de olhos que não podes ver o mal” (Hc 1:13).
Concluímos que, como “Deus não pode ser tentado pelo mal”, assim Cristo também não pode ser tentado pelo mal. Estamos igualmente persuadidos de que, como Deus não pode pecar, também Cristo nãopode pecar.


Conclusão


O testemunho deixado pelos apóstolos diz respeito a um Homem real, que não somente não pecou, como também não podia pecar. Ele era sem pecado e era incapaz de pecar. Que Ele era impecável é o testemunho inequívoco do Novo Testamento. A impecabilidade de Cristo é um fundamento para nossa compreensão da pessoa e obra de Cristo.
Seu nascimento virginal, Sua vida sem pecado, o fato dEle ser feito pecado por nós, e Sua ressurreição gloriosa, são todos aceitos pela fé através do testemunho apostólico. Não é necessário que nos perguntem:
“Por que se julga incrível entre vós que Deus ressuscite os mortos?” (At 26:8, ARA). Nem precisamos ser perguntados, “por que se julga incrível entre vós que o Filho eterno de Deus não podia pecar?”

 

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