O Castigo Eterno

O castigo eterno
 
 
 
Samuel J. McBride, Irlanda do Norte
 
 
Introdução
 
Talvez não haja outra doutrina nas Escrituras que tem produzido tanta oposição como o ensino de que o castigo eterno é o destino de todos os que deixam este mundo sem a salvação. Não ficamos surpreendidos quando vemos ateus e agnósticos mostrando esta oposição, mas é alarmante ver um aumento nos ataques verbais de entre os assim chamados evangélicos. O ataque moderno contra esta doutrina fundamental não é novo, mas recicla erros antigos e sofismas que prevaleciam no século XIX. Naquele tempo o erro geralmente chamado “a esperança maior” foi efetivamente combatido por muitos escritores que reconheceram o perigo de diluir o que o Espírito de Deus fala sobre este assunto, e durante muitas décadas as igrejas locais se beneficiaram da herança escrita que foi deixada por autores como F. W. Grant, Sir R. Anderson e W. Hoste, cujas publicações sobre este assunto merecem ser relidas.
 
Não é o propósito deste estudo falar sobre as doutrinas falsas. O nosso alvo é investigar algumas das Escrituras que ratificam esta doutrina. Em livros teológicos este assunto é chamado “Escatologia Pessoal”, isto é, a doutrina das últimas coisas que pertencem ao destino pessoal — e não ao destino nacional.
Os erros sobre este assunto são muito antigos. De fato, o primeiro propagador foi o próprio Satanás quando, falando com Eva, ele discordou de Deus e disse: “Não morrerás”. A civilização antediluviana era caracterizada por uma atitude materialista para com Deus e as coisas espirituais, e zombava das idéias de recompensa ou castigo futuro (Gn 4:19-24; Jó 22:15-17). Mais tarde, no reino de Judá, havia uma cultura hedonista reforçada pelos pseudo-profetas que proclamavam mensagens consoladoras falsas de paz e imunidade contra castigo futuro (Jr 23:17, 38-40). Tais profetas são avisados da vergonha e desgraça eterna que receberão, semelhante aos avisos finais em Apocalipse 22, sobre os que tiram palavras das profecias de Juízo.
Os saduceus eram uma seita dos judeus muito influente no tempo do Novo Testamento, que rejeitavam com veemência qualquer possibilidade de ressurreição. Vamos considerar isto mais tarde. Quando Paulo visitou Atenas em Atos 17, ele encontrou pessoas gentias intelectuais, algumas das quais consideravam esta verdade sobre juízo futuro e ressurreição um assunto de zombaria. “E, como ouviram da ressurreição dos mortos, uns escarneciam” (At 17:32).
Principais referências no Velho Testamento
No Velho Testamento, o ensino sobre morte e a vida depois da morte é evidente, embora os detalhes não sejam muitos nos primeiros livros. Não há dúvida que os mortos ímpios não são simplesmente aniquilados ou colocados em algum tipo de “sono da alma”. Um juízo futuro os espera, e até aquele tempo estão mantidos numa prisão, às vezes chamado “a cova”, que pertence ao Seol (a palavra do Velho Testamento para descrever o destino das almas depois da morte). Estas referências à prisão, no Velho Testamento, devem ser levadas a sério, como afirmações exatas, porque esta linguagem é aprovada pelo Novo Testamento.
Há evidência suficiente de que os salvos do Velho Testamento esperavam uma ressurreição corporal, e enquanto esperavam estariam num lugar de conforto onde teriam existência consciente — não um sono da alma. As advertências divinas contra a prática proibida de necromancia (Dt 18:9-12) apresentam uma prova indireta, mas importante, de que desde o começo de Israel havia uma crença firme na existência consciente contínua dos seres humanos depois da morte. Aniquilação, ou sono da alma,
tornaria esta prática do oculto impossível, e o triste exemplo da consulta do rei Saul com a feiticeira de Endor (I Sm 28:7) é uma prova impressionante da existência consciente contínua das almas depois da morte. Para os injustos, a condição pós-morte — mesmo para um gentio ímpio — era entendida como terrivelmente diferente daquela dos justos, como a exclamação de Balaão demonstra: “Que a minha alma morra a morte dos justos, e seja o meu fim como o seu” (Nm 23:10). Esta exclamação seria desnecessária e sem sentido se fosse meramente uma referência à morte do corpo, que era igualmente inevitável para o justo.
O cântico de Moisés faz uma ameaça terrível de castigo futuro sobre a parte incrédula da nação de Israel, que é descrita como “geração perversa, filhos em quem não há lealdade”. Parte do castigo é temporário, mas é importante notar a referência ao fogo do inferno, que vai muito além do alcance de retribuição meramente terrena. “Porque um fogo se acendeu na minha ira, e arderá até ao mais profundo do inferno [seol]” (Dt 32:22). Esta é uma das primeiras alusões à idéia de que no Seol há divisão, e condições diferentes para os mortos justos e ímpios.
A profecia de Isaías dá informações interessantes sobre as condições dos ímpios depois da morte. O destino do rei da Babilônia é revelado nas palavras solenes: “O inferno desde o profundo se turbou por ti, para te sair ao encontro na tua vinda; despertou por ti os mortos … Estes todos responderão, e te dirão: Tu também adoeceste como nós, e foste semelhante a nós?” (Is 14:9-10). A existência consciente do indivíduo — sua capacidade para lembrar e falar — são demonstradas nesta passagem. Não podemos tentar escapar das realidades terríveis desta e de outras passagens semelhantes, dizendo que a linguagem usada é hipérbole poética para o sepulcro, pois esta passagem claramente exclui tal interpretação. “Porém tu és lançado da sua sepultura, como um renovo abominável … como um cadáver pisado” (Is 14:19). Assim, aqueles versículos anteriores sobre as condições no Seol não podem ser somente uma figura poética sobre o sepulcro, pois o rei da Babilônia compartilha Seol com estes outros, mesmo sem ser sepultado. Outra passagem semelhante sobre a ruína de Tiro declara: “Então te farei descer com os que descem à cova, ao povo antigo, e ti farei habitar nas mais baixas partes da terra, em lugares desertos antigos, com os que descem à cova” (Ez 26:20). Aqui notamos que a cova já tem habitantes desde tempos imemoráveis, antes de Ezequiel. Também é inaceitável considerar que esta passagem seja meramente outra referência ao sepulcro.
O castigo futuro é uma doutrina explicitamente afirmada na seguinte passagem, que combina exatamente com os acontecimentos profetizados mais detalhadamente em Apocalipse 20: “E será naquele dia que o Senhor castigará os exércitos do alto nas alturas, e os reis da terra sobre a terra. E serão ajuntados como presos num cárcere; e outra vez serão castigados depois de muitos dias” (Is 24:21-22).
Outra profecia sobre a ruína de um futuro líder ímpio chamado “o rei” (considerado corretamente como uma profecia sobre a ruína do Anticristo) nos diz: “Porque Tofete já há muito está preparada; sim, está preparada para o rei; ele a fez profunda e larga; a sua pira é de fogo, e tem muita lenha; o assopro do Senhor como torrente de enxofre a acenderá” (Is 30:33). Esta é a primeira referência ao que, no Novo Testamento, é conhecido como o “Lago de Fogo”.
Estas três referências proféticas em Isaías 14, 24 e 30 tratam de líderes ímpios futuros. Mas, e o futuro de pessoas comuns? O destino daqueles que seguem líderes ímpios não é diferente. A lamentação futura da maioria ímpia em Israel também é distintamente profetizada. Isso trata do tempo tempestuoso quando a aliança feita entre Israel e o Anticristo se mostrará falsa, e um refúgio fútil de mentira. “Os pecadores de
Sião se assombraram, o tremor surpreendeu os hipócritas. Quem dentre nós habitará com o fogo consumidor? Quem dentre nós habitará com as labaredas eternas?” (Is 33:14).
Antigamente, os pregadores do Evangelho aplicavam este versículo, e outros semelhantes, com grande efeito. O versículo avisa que não haverá escape e que o fogo é eterno — algo que só de pensar é amedrontador. Destas passagens, vemos que os seguidores do Anticristo compartilharão neste seu destino terrível para sempre, um fato que é repetido mais explicitamente no Novo Testamento.
A última passagem do Velho Testamento a ser considerada é Daniel 12:1-3. Aqui temos uma explicação das mais claras possíveis sobre o futuro dos justos e dos ímpios. Ambos experimentam a ressurreição corporal, e ambos entram numa condição eterna. Enquanto os justos têm vida eterna, para os ímpios haverá vergonha e desprezo eterno. O “desprezo eterno” (“horror eterno”, ARA) refere-se à condição repugnante dos ímpios eternamente, e é a mesma palavra traduzida “horror” em Isaías 66:26 — de fato, Daniel 12:3 provavelmente é uma alusão direta. A irreversibilidade desta terrível ruína nos lembra que a condição do indivíduo é permanente. “Quem é injusto, faça injustiça ainda; e quem está sujo, suje-se ainda” (Ap 22:11). No estado eterno não haverá melhora nem transformação.
Principais palavra bíblicas relacionadas ao inferno
Deixando o Velho Testamento vamos agora considerar as palavras principais usadas no Novo Testamento sobre o destino de pessoas não salvas depois da sua morte.
Seol
Seol é a palavra principal do Velho Testamento. Na tradução grega do Velho Testamento, a Septuaginta (LXX), Seol não é traduzida “sepulcro”, e também a palavra hebraica para “sepulcro” não é traduzida Hades. Para chegar a Seol é preciso descer. Era o destino comum de todos os mortos. Entretanto, há indícios de que no Seol havia diversidade nas condições dos justos e dos ímpios mortos. O fogo da ira de Deus é ligado com o mais profundo Seol (Dt 32:22). Os justos e os ímpios são vistos como totalmente distintos na ressurreição, em Daniel 12:2, pressupondo fortemente que se o destino eterno é caracterizado por uma tão grande distinção, também haveria certamente uma distinção semelhante no estado intermediário (Seol). Esta distinção é revelada em Isaías 57: onde, em relação à morte do justo, aprendemos que “entrará em paz; descansarão nas suas camas, os que houverem andado na sua retidão” (v. 2). Não será assim para os ímpios, pois o mesmo capítulo nos informa: “não há paz para os ímpios, diz meu Deus” (v. 21). Intimamente ligado com Seol está a palavra “destruição” (Abaddon), que é uma palavra tão importante que é repetida tanto no hebraico como no grego em Apocalipse 9:11, onde é usada para personificar o anjo do poço do abismo. Também em Jó 31:12 está associada com fogo que consome até à perdição. Não podemos dar aqui mais detalhes sobre as diferenças entre os justos e os ímpios no Seol.
Hades
Hades é a palavra grega usada na tradução Septuaginta para Seol, e é a palavra do Novo Testamento que é geralmente traduzida “inferno”. Hades é o lugar onde o rico em Lucas 16 se encontrava depois da sua morte, e os pecadores ficam ali até que a morte e o inferno (hades) serão finalmente lançados para dentro do lago de fogo, depois do juízo do Grande Trono Branco em Apocalipse 20 — um novo e permanente estado eterno chamado a Segunda Morte. Assim, Hades é a habitação dos perdidos no “estado intermediário”.
Geena e o Lago de Fogo
A palavra Geena é outra palavra para inferno, e ocorre 12 vezes no Novo Testamento. Fora da referência em Tiago 3:6, é somente usada pelo Próprio Senhor Jesus Cristo em Mateus, Marcos e Lucas. É a tradução grega de uma forma abreviada do nome hebraico “Vale de Hinom”. O vale dos filhos de Hinom (também chamado Tofete) ficava nos arrabaldes da antiga Jerusalém, e se tornou notório como centro de idolatria depravada e de sacrifícios humanos a Moloque (veja Jr 7:31), inicialmente sob o reinado do mau rei Acaz, até que aquelas cerimônias vis foram eliminadas por Josias. “Também profanou a Tofete, que está no vale dos filhos de Hinom, para que ninguém fizesse passar seu filho, ou sua filha, pelo fogo a Moloque” (II Rs 23:10). Depois disto, a idéia de contaminação e fogo sempre estava associada com aquele lugar que se tornou o lixão municipal de Jerusalém. Entretanto, a palavraGeena nunca foi usada como um endereço ou uma localização em Jerusalém. Sempre se referia ao destino final dos ímpios. Pelo que o Senhor Jesus Cristo falou sobre ele, os ímpios vão para lá depois do juízo final (Mt 23:33). Tanto o corpo como a alma vão para lá — diferentemente do Hades, e assim os ímpios mortos serão ressuscitados antes de irem ao Geena (Mt 10:28 e Mc 9:42-49).
As condições no Geena são terríveis e assustadoras. “Onde o seu bicho não morre, e o fogo nunca apaga” é a descrição do tormento que sofrerão. O horror é aumentado pela sua continuidade. Aqui vemos castigo irremediável. O Lago de Fogo mencionado em Apocalipse é o mesmo Geena, o destino final dos perdidos. A Besta e o Falso Profeta serão lançados vivos neste lugar depois da batalha final da Tribulação (Ap 19:20). Depois de terminar o reino milenar de Cristo na Terra, e depois da grande rebelião de Gogue e Magogue ser esmagada, o Diabo será “lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre” (Ap 20:10). Por mais de mil anos a besta e o falso profeta sofrem o tormento do lago de fogo, antes de Satanás ser lançado ali. Este é um exemplo impressionante da preservação dos mortos ímpios nas condições do Lago de Fogo. Foi dito, e com razão, que se Deus preservou Sadraque e seus amigos no fogo da fornalha na Babilônia, então Ele pode também preservar estes dois homens ímpios no fogo. As palavras “cada um será salgado com fogo” (Mc 9:49), parecem se referir a esta preservação no fogo eterno.
Os adoradores da Besta também estão destinados ao mesmo castigo: “Se alguém adorar a besta … também este beberá do vinho da ira de Deus … e será atormentado com fogo e enxofre diante dos santos anjos e diante do Cordeiro. E a fumaça do seu tormento sobe para todo o sempre; e não tem repouso nem de dia nem de noite os que adoram a besta e a sua imagem, e aquele que receber o sinal do seu nome” (Ap 14:9-11). Todos os mortos não salvos comparecerão perante o Grande Trono Branco (Ap 20:11-15) para receber um julgamento pessoal. A coisa que todos têm em comum e que determina a sua ruína é que seus nomes não são achados escritos no livro da vida do Cordeiro. Assim, são lançados no Lago de Fogo. O terrível caráter final disto é selado pelo pronunciamento: “E a morte e o inferno foram lançados no lago de fogo. Esta é a segunda morte” (Ap 20:14).
Os que pregam que todos serão salvos (universalistas), os que pregam a aniquilação, e outros falsos ensinadores, recusam aceitar a duração eterna e o caráter final deste destino dos ímpios. Eles procuram forçar as palavras “eterno” ou “para sempre” a ter um significado temporário. Eles lutam para fazer as palavras “destruir”, “destruição” ou “perecer” significar a cessação da existência. Tudo isso demonstra uma rebelião fundamental em aceitar as palavras do Senhor Jesus como sendo verdadeiras e reais, e torna os tais aptos a receberem as advertências solenes de Apocalipse contra aqueles que procuram “tirar quaisquer palavras do livro desta profecia” (Ap 22:19). Não há
espaço aqui para mostrar quão fútil e fraudulenta são estas manobras. As excelentes obras de Sir R. Anderson e W. Hoste devem ser consultadas para obter mais detalhes.
Outra referência a Geena é “as trevas exteriores” mencionadas em Mateus 8:12; 22:13; 25:30. Nestas três referências segue a expressão “ali haverá pranto e ranger de dentes”. Estas são as mesmas trevas mencionadas por Pedro e Judas em II Pedro 2:17 e Judas v. 13. Enfatiza o horror de ser totalmente cortado das bênçãos de Deus. O sinônimo de Geena em Mateus 13:42, 50 é “fornalha de fogo”. “Assim será na consumação dos séculos, virão os anjos, e separarão os maus de entre os justos, e lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali haverá pranto e ranger de dentes” (vs. 49-50). Esta separação dos ímpios de entre os justos é descrita detalhadamente na profecia do Senhor sobre o julgamento das nações vivas (Mt 25:31-46). Parece que naquele juízo os ímpios serão lançados diretamente no Geena. A expressão é muito solene: “E irão estes para o tormento eterno” (Mt 25:46). Parece indicar um recuo infinito a uma distância ainda maior de Deus e todas as bênçãos do Céu. As várias referências ao “choro e ranger de dentes” nos relembram da tristeza e dor associadas com Geena. Contudo, os acusadores de Estevão que “rangiam seus dentes contra ele” faziam isto como sinal de grande ira, e isto sugere que haverá também muita ira, especialmente daqueles que queriam gozar das bênçãos do reino, mas foram lançados fora.
O estado intermediário
A expressão “o estado intermediário” é usada para descrever a condição da alma depois da morte, mas antes da ressurreição. Quando alguém morre a palavra “sono” é usada, mas isso somente se refere ao corpo. A alma não dorme, apesar dos esforços de muitos falsos ensinadores para provar esta opinião enganosa. A existência consciente entre a morte e a ressurreição é ensinada tanto no Velho como no Novo Testamentos, como vimos nos vários textos já citados. A passagem que mais revela o estado intermediário é Lucas 16. O testemunho da epístola de Judas também é muito importante. Temos informações sobre o fim daqueles que perseguiam os salvos a quem Judas escreveu, e contra quem eles deveriam combater severamente. “Porque se introduziram alguns, que já antes estavam escritos para este mesmo juízo, homens ímpios que convertem em dissolução a graça de Deus, e negam a Deus, único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo” (Jd 4). A sua condenação é explicada no restante da epístola, quando exemplos sucessivos do castigo de Deus sobre os ímpios, no Velho Testamento, são mencionados. É importante notar que no primeiro grupo de três exemplos, há um aspecto eterno desta “condenação” em dois destes casos: “E os anjos que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação, reservou na escuridão e em prisões eternas até o juízo daquele grande dia. Assim como Sodoma e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, havendo-se entregue à fornicação como aqueles, e ido após outra carne, foram postas por exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno” (vs. 6-7). Os versículos que seguem dão mais características destes indivíduos perigosos, “para os quais está eternamente reservada a negrura das trevas” (v. 13).
A profecia de Enoque mostra que o patriarca antediluviano recebeu uma revelação especial sobre o “juízo do grande dia”. Ele entendeu que o Senhor viria “com milhares de seus santos, para fazer juízo contra todos e condenar dentre eles todos os ímpios, por todas as suas obras de impiedade, que impiamente cometeram, e por todas as duras palavras que ímpios pecadores disseram contra ele” (v. 15). Isso não pode simplesmente se referir aos pecadores futuros que estarão vivos na Terra por ocasião da vinda do Senhor. Todos os pecadores através das eras que têm cometido atos ímpios e falado palavras duras, não somente serão julgados, mas serão condenados (convencidos) nesta
ocasião (compare Fp 2:10: “se dobre todo joelho … e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor …”). Assim, segue que a profecia de Enoque pressupõe a existência contínua de pecadores até este tempo de juízo. Deus executará juízo sobre “todos”, e a morte não será obstáculo para isso.
Pedro nos diz que o Senhor sabe “livrar da tentação os piedosos, e reservar os injustos para o dia do juízo, para serem castigados” (II Pe 2:9). A frase “para serem castigados” está no tempo presente. Significa que agora mesmo, durante todo o período do estado intermediário até o dia do juízo, os injustos estão recebendo o castigo divino contínuo.
O ensino do Senhor Jesus Cristo
O ensino do Senhor Jesus Cristo sobre este assunto com certeza é de máxima importância, e a mais elevada autoridade para todos que confessam ser cristãos. Não acharemos nada nos quatro evangelhos para ajudar aqueles que negam o castigo eterno. Algumas das palavras mais pesadas usadas sobre este assunto foram proferidas pelo Senhor. O próprio título deste capítulo, “O castigo eterno”, vem das palavras do Senhor, no final do Seu discurso no Monte das Oliveiras: “E irão estes para o castigo eterno” (Mt 25:46, ARA). A narrativa do homem rico e Lázaro nos dá um vislumbre singular do estado depois da morte. Muitos dizem que este relato é uma parábola, e assim procuram esquivar-se da sua força. Outros, com mais sutileza, afirmam que “a linguagem é parabólica” — sem oferecer uma definição do que querem dizer com isto. Para todos que são suficientemente simples para aceitar que todas as parábolas do Senhor são identificadas como parábolas, basta observar que não há nada em Lucas 16 para indicar que a narrativa não seja uma narrativa solene de fatos. Além disso, devemos ter a humildade de aceitar que o Senhor Jesus quer dizer exatamente o que Ele diz. Perguntas racionalistas do tipo “que tipo de água os espíritos bebem?”, alimentam um espírito de ceticismo, e não de fé. Deveríamos ser profundamente gratos que o próprio Senhor nos deu esta informação, e procurar com a obediência da fé assimilar o que foi revelado na Sua santa Palavra. Quando encontramos este tipo de curiosidade humana desnecessária, é instrutivo lembrar da pergunta dos saduceus sobre a ressurreição. O Senhor Jesus não respondeu diretamente à sua pergunta, mas lhes disse: “Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus” (Mt 22:29; Mc 12:24). É muito solene o que o Senhor acrescentou. Ele apresenta provas da existência continua e da futura ressurreição de pessoas mortas há muito tempo, citando a experiência de Moisés perante a sarça ardente. A auto-revelação de Deus para Moisés como o Deus de Abraão e Isaque e Jacó é explicada pelo fato que “Deus não é o Deus dos mortos, mas dos vivos, porque para ele vivem todos” (Lc 20:38). É surpreendente que o Senhor usou este incidente para refutar a doutrina dos saduceus. Quando Moisés viu a sarça ardente ele tremeu. Por que foi isto uma “grande visão” para ele? A coisa surpreendente e alarmante foi que esta planta comum estava ardendo e continuava a queimar sem ser consumida. Era tão diferente do que normalmente acontecia. “O crepitar dos espinhos debaixo de uma panela” (Ec 7:6) sugere um surto repentino de fogo e depois algumas poucas brasas, nada mais. Era isto que se esperava. Mas Moisés, sendo um homem espiritualmente sintonizado e também, provavelmente, o mais sábio da sua geração quanto à ciência e cultura humana (At 7:22), ficou admirado ao ver que esta planta podia violar todas as leis da química, biologia e física ao não ser consumida pelo fogo. Como pode este fenômeno ser explicado? A resposta está no poder de Deus. Este era o grande fato que os saduceus propositalmente ignoravam. A menção específica, pelo Senhor, da sarça ardente serviria para lembrar Seus ouvintes judeus, e os outros céticos que viriam depois, que o Deus que demonstrou Seu poder maravilhoso na preservação da sarça
ardente no deserto, pode facilmente resolver o enigma de como o fogo do Geena e do Lago de Fogo pode queimar os perdidos para sempre, sem que eles sejam aniquilados.
Não é de admirar que o apóstolo Paulo perdesse a paciência com aqueles que sofismavam sobre a realidade da ressurreição futura e fizesse a pergunta: “Como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão?” (I Co 15:35). Ele os repreende severamente: “Insensatos!” (v. 36), é como ele começa sua resposta. Quanto à maneira como uma pessoa pode sentir sensações físicas sem ter corpo (que é o argumento principal dos céticos e racionalistas) não achamos necessário explicar, mas apontamos ao fato que o apóstolo Paulo, quando foi arrebatado para o terceiro céu, teve experiências para as quais, normalmente, o corpo é necessário. No entanto, ele era incapaz de afirmar se de fato estava no corpo ou fora do corpo (II Co 12:1-5). Assim, obviamente, Paulo não tinha dificuldade nenhuma em crer que experiências sensoriais são absolutamente possíveis, mesmo na ausência do corpo. Isto deve resolver o assunto para qualquer um que sinceramente crê na Bíblia.
Os seguintes fatos são evidentes na narrativa do rico e Lázaro. Tanto os justos como os ímpios (salvos e perdidos) estão conscientes depois da sua morte. Os salvos são consolados e os perdidos são atormentados. O destino é irreversível, transferências são impossíveis. Fogo (“esta chama”) é um instrumento de tormento. Não há alívio deste tormento, mesmo quando buscado de modo comovente. Apesar do “grande abismo”, é possível falar através dele. A memória é preservada quanto às pessoas vivas na Terra (seus irmãos) e quanto aos mortos (Lázaro). Quando a importância das Escrituras foi mencionada, o rico nega a suficiência e supremacia da Palavra de Deus para a conversão dos seus irmãos: “E disse ele: Não, pai Abraão” (v. 30). Isso ilustra como os pensamentos errados dos pecadores perdidos sobre as coisas divinas continuam mesmo depois da morte. Mudança de pensamento (arrependimento) não ocorre na habitação dos perdidos. Se, por acaso, o leitor ainda não é salvo, que estas considerações possam o levar a crer na Palavra de Deus agora, acerca do único remédio para seu pecado e sua penalidade. Não há escape para qualquer um que negligencia tão grande salvação — veja Hebreus 2:1-4.
O juízo e o castigo eterno
As passagens já consideradas mostram que há um vínculo muito íntimo entre o destino dos ímpios e o juízo de Deus. O juízo de Deus é um assunto grande demais para ser tratado detalhadamente aqui. Deus é absolutamente justo e não temos a liberdade de intrometer nossa curiosidade vã neste assunto. “Não fará justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn 18:25). O pecador não terá nada a dizer em sua própria defesa. Ele confessará que reconhece perfeitamente que Deus está certo e que Jesus Cristo é o Senhor. O livro de Eclesiastes termina com a afirmação que “Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau” (Ec 12:14). Paulo, falando no contexto da culpa imperdoável dos gentios, fala do dia quando “Deus há de julgar os segredos dos homens, por Jesus Cristo, segundo o meu evangelho” (Rm 2:16), que, provavelmente, é uma alusão a Eclesiastes 12:14. Paulo falou sobre “o juízo vindouro” com Félix, um oficial romano endurecido que tremeu perante ele (At 24:25). Ele avisou a elite ateniense do fato que Deus tem “determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou …” (At 17:31).
Ligações com outras doutrinas
Muitas outras doutrinas bíblicas são prejudicadas pelo erro associado com a doutrina do castigo eterno. E. W. Rogers mostrou os problemas que aqueles que rejeitam o castigo eterno têm que encarar em relação à doutrina da Pessoa do Senhor Jesus Cristo. “Perguntamos aos que propagam aniquilação: nosso Senhor Jesus foi aniquilado quando
morreu? Ele era verdadeiramente homem. Perguntamos ao Universalista: Se todos os homens, no final, serão salvos, por que Cristo morreu? O que fez a Sua morte absolutamente necessária?”
O valor infinito da propiciação é refutado quando a doutrina do castigo eterno é negada. “Já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas certa expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários … De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue da aliança, com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça?” (Hb 10:26-29).
A doutrina da justificação pela fé (veja o cap. 4 deste livro) está intimamente ligada com as outras obras da justiça de Deus, como, por exemplo, o juízo final. Aquele que é salvo “não entrará em condenação [juízo], mas [já] passou da morte para a vida”. “Quem crê nele não é condenado [julgado]; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus”. Quanto ao incrédulo, “a ira de Deus sobre ele permanece” (Jo 5:24; 3:18, 36). Assim, a experiência futura da ira eterna de Deus sobre o pecador incrédulo é realmente uma continuação da sua posição na Terra. Mas, graças a Deus, o Evangelho nos informa que é possível para aqueles que eram “filhos da ira, como os outros também”, serem salvos desta posição e introduzidos à posição digna de concidadãos dos santos e da família de Deus.
A negação do castigo eterno
Devemos notar que quando a verdade do galardão eterno e do castigo eterno é rejeitada ou desprezada, há sempre um acréscimo correspondente de manifestação pública de pecado e rebeldia contra Deus, resultando no aumento visível da corrupção e depravação na sociedade envolvida. Assim foi nos dias de Noé, e também será nos dias da vinda do Filho do Homem. Os escarnecedores hoje em dia talvez sejam mais sutis na sua negação desta doutrina do que foi Lameque com suas palavras frívolas (Gn 4:23-24), mas os efeitos desta zombaria da Palavra de Deus são terríveis, e o juízo de Deus é certo. Os caps. 2 e 3 de II Pedro e a carta de Judas devem ser lidas cuidadosamente para nos relembrar da importância disso. As características dos nossos dias, com governadores “que ao mal chamam bem, e ao bem mal (Is 5:20), correspondem com as condições morais que prevaleciam no final decadente do Reino de Judá — que são denunciadas pelos profetas do Velho Testamento e também são projetadas para o período da Tribulação. Condições contemporâneas combinam com o que o Senhor Jesus disse que precederia a Sua vinda à terra (Mt 24), e são um assunto frequente das profecias do Novo Testamento (I Ts 5, II Pe 3, Judas).
A vigilância contra o erro é necessária
Não devemos ficar surpreendidos que haja grande desvio das verdades que antigamente eram respeitadas e valorizadas entre os “evangélicos”, mas devemos ficar vigilantes contra a penetração desta contaminação entre os cristãos que até agora se consideram fora do alcance deste tipo de mal. O clima crescente de sentimentalismo em relação à doutrina e à interpretação bíblica já viu a aceitação, em larga escala, de idéias novas e duvidosas sobre a Soberania Divina.Sentimentos humanos egoístas já conceberam a idéia de que haverá uma segunda chance depois do Arrebatamento para as pessoas que negligenciaram tão grande salvação durante esta dispensação da graça, e que poderão aceitar o evangelho e rejeitar o Anticristo durante a Tribulação — apesar do aviso claro, contrário a isto, em II Tessalonicenses 2. Uma vez que estes pensamentos, centralizados no homem, penetram na teologia, logo em seguida surgirão objeções à doutrina do castigo eterno, baseados nos apelos perigosos de que esta doutrina terrível é incompatível com a verdade de que “Deus é amor”. “Não posso ver
como o castigo eterno é amável ou justo … É uma doutrina que não sei pregar sem negar a beleza e glória de Deus.” Esta citação é típica das vozes emocionais daqueles que rejeitam esta doutrina. No século XVII, Francis Turretin aptamente chamou tais pessoas de “absurdamente misericordiosas”. Fazemos bem em tirar das nossas mentes todas as pressuposições humanísticas e obedecer às admoestações sábias de Eliú: “Longe de Deus esteja o praticar a maldade e do Todo-Poderoso o cometer a perversidade! Porque, segundo a obra do homem, ele lhe paga; e faz a cada um segundo o seu caminho”. Ele também diz: “ao meu Criador atribuirei a justiça”, e ao reconhecer a pobreza total do intelecto humano para analisar ou compreender a Deus, ele diz: “Ensina-nos o que lhe diremos, porque nós nada poderemos pôr em boa ordem, por causa das trevas” (Jó 34:10, 11; 36:3; 37:19).
Que nós, portadores do testemunho cristão, possamos preservar a pureza doutrinária em relação a este assunto. Sua solenidade deve renovar em nós o louvor e a gratidão a Deus pela libertação que Ele nos deu de tão terrível destino. Deve estimular também a atividade evangélica, para ajudar outros a entrar no benefício de tão grande salvação.

 

 

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