26/12/2015 09:22
Existe algo particularmente doloroso em
se colidir com tanta frequência com as
opiniões comumente aceitas na Igreja
professa. Parece presunção querer
contradizer, em tantos aspectos, todos os
grandes padrões e credos da cristandade.
Mas o que fazer? Se realmente fosse
apenas uma questão de opinião humana
poderia parecer uma pretensão
injustificada alguém se colocar em direta
oposição à fé arraigada por toda a Igreja
professa — uma fé que há séculos exerce
sua influência na mente de milhões de
pessoas.
Mas gostaríamos de continuar insistindo
com nossos leitores no fato de que não se
trata, de modo algum, de uma questão de
opinião humana ou de uma diferença de
interpretação entre até mesmo os homens
mais capazes. Trata-se, na verdade, de
uma questão do ensino e autoridade das
Sagradas Escrituras. Têm existido,
existem e existirão escolas de doutrina,
variedades de opiniões e manifestações de
ideias, mas o claro dever de todo filho de
Deus e de todo servo de Cristo é se
submeter, em santa reverência, e dar
ouvidos à voz de Deus nas Escrituras. Se
fosse meramente uma questão de
autoridade humana, sua importância não
seria tão grande. Todavia, se por outro
lado a questão for de autoridade divina,
então toda discussão é encerrada e nosso
lugar — o lugar de todos nós — é nos
submetermos e crermos.
Assim, na seção anterior fomos guiados a
ver que não há nas Escrituras algo como
uma ressurreição geral — uma mesma
ressurreição de todos simultaneamente.
Assim como fizeram os varões de Bereia
na antiguidade, cremos que nossos
leitores examinaram as Escrituras a este
respeito, e que estão agora preparados
para nos acompanhar enquanto
examinamos a Palavra de Deus quanto à
questão do juízo.
A grande questão que logo surge é esta:
Será que as Escrituras ensinam a doutrina
de um juízo geral? Isto é o que professa a
cristandade, mas será que as Escrituras
ensinam o mesmo? Vejamos.
Em primeiro lugar, no que diz respeito
ao cristão individualmente, e à Igreja de
Deus coletivamente, o Novo Testamento
apresenta a preciosa verdade de que não
existe qualquer juízo. No que diz respeito
ao crente, o juízo já aconteceu e a questão
está resolvida. A densa nuvem de juízo
precipitou-se sobre a cabeça de nosso
divino Substituto. Ele bebeu até o fim,
em nosso lugar, o cálice da ira e do juízo,
e nos transportou para a nova posição de
ressurreição, onde o juízo não pode, de
maneira alguma, ser aplicado. É tão
impossível que um membro do corpo de
Cristo venha a passar pelo juízo quanto é
impossível que isto aconteça com a
própria Cabeça. Esta parece ser uma
afirmação muito séria, mas será que é
verdadeira? Se for, sua força está em sua
glória e valor moral.
Para quê, perguntamos, Jesus recebeu o
juízo na cruz? Pelo Seu povo. Ele foi
feito pecado por nós. Ele nos representou
ali. Ele tomou o nosso lugar. Ele recebeu
tudo o que merecíamos. Nossa condição,
em sua totalidade, com tudo o que lhe diz
respeito, recebeu o devido tratamento na
morte de Cristo e foi tratada ali de uma
forma tal que é totalmente impossível que
qualquer dúvida a respeito venha sequer a
ser levantada. Será que Deus tem alguma
coisa a resolver com Cristo, a Cabeça? É
claro que não. Bem, então Ele não tem
coisa alguma a resolver com Seus
membros. Tudo foi definitiva e
divinamente resolvido e, como prova
disso, a Cabeça está coroada com honra e
glória e Se assenta hoje à destra da
majestade nas alturas.
Portanto, supor que os cristãos passarão
pelo juízo, quando quer que seja, ou com
base no que quer que seja, seja lá pela
razão que for, é negar a própria verdade
fundamental do cristianismo e
contradizer as claras palavras de nosso
Senhor Jesus Cristo, que declarou
expressamente, referindo-se a todos os
que creem nEle, que não entrarão em
juízo ou condenação (Jo 5:24).
Na verdade, a ideia de cristãos sendo
levados a juízo para provar se têm direito
ao céu e estão preparados para ele é tão
absurda quanto sem base nas Escrituras.
Por exemplo, o que pensar de Paulo ou
do ladrão arrependido esperando para
serem julgados quanto ao seu direito de
entrar no céu, depois de ficarem ali por
cerca de dois mil anos? Todavia, assim
deveria ser se existisse qualquer verdade
na teoria de um juízo geral. Se a grande
questão de nosso direito ao céu precisar
ser resolvida no dia do juízo, então ela
claramente não ficou resolvida na cruz; e
se não ficou resolvida na cruz, então nós
certamente estamos condenados, pois se
formos julgados isto deve ser feito em
relação às nossas obras, e o único
resultado de um julgamento assim é o
lago de fogo.
Todavia, se alguém afirmar que os
cristãos passarão pelo juízo apenas para
deixar claro que estão limpos por meio da
morte de Cristo, isto seria transformar o
dia do juízo em uma mera formalidade,
algo que só de pensar já causa aversão a
qualquer pessoa sensata e piedosa.
Mas a verdade é que não há necessidade
de se discutir esta questão. Uma sentença
apenas das Escrituras é muito melhor do
que dez mil dos mais convincentes
argumentos humanos. Nosso Senhor
Jesus Cristo declarou, nos termos mais
claros e enfáticos, que os crentes "não
entrarão em condenação [juízo]". Isto já
basta. O crente foi julgado há mais de mil
e oitocentos anos na Pessoa de sua
Cabeça, e levá-lo outra vez a juízo seria
ignorar completamente a cruz de Cristo
no que diz respeito à sua eficácia
expiatória e, com certeza, Deus não iria e
nem poderia fazer isso. O mais fraco
cristão pode afirmar, em triunfo e
gratidão: "Naquilo que me diz respeito,
tudo o que precisava ser julgado já foi
julgado. Toda questão que precisava ser
resolvida já foi resolvida. O juízo é
passado e jamais se repetirá. Sei que
minhas obras devem ser provadas e meu
serviço avaliado, mas naquilo que diz
respeito à minha pessoa, minha posição,
meu direito, tudo já está divinamente
resolvido. O Homem que Se colocou no
meu lugar na cruz está agora no trono,
coroado, e a coroa que Ele traz é a prova
de que não resta juízo algum para mim.
Aguardo pela ressurreição da vida".
Esta, e nada menos, é a linguagem
adequada ao cristão. É simplesmente
graças à obra da cruz que o crente pode
se sentir e expressar desta maneira. Para o
crente, aguardar pelo dia do juízo para
resolver a questão de seu destino eterno é
desonrar seu Senhor e negar a eficácia de
Seu sacrifício expiatório. Ficar em dúvida
pode soar como humildade e aparência de
piedade, mas devemos descansar
assegurados de que todos os que
alimentam a dúvida, todos os que vivem
em um estado de incerteza, todos aqueles
que aguardam pelo dia do juízo para a
solução final de suas questões — todos os
que assim fazem — estão mais ocupados
consigo mesmos do que com Cristo.
Ainda não entenderam a aplicação da
cruz aos seus pecados e à sua natureza.
Estão duvidando da Palavra de Deus e da
obra de Cristo, e isto não é cristianismo.
Não há — nem pode haver — qualquer
juízo para aqueles que, abrigados pela
cruz, colocaram os pés firmemente em
um novo e eterno terreno de ressurreição.
Para estes o juízo se foi para sempre, e
nada resta senão uma perspectiva de
nítida glória e de bênção eterna na
presença de Deus e do Cordeiro.
Todavia, não é de todo improvável que
enquanto dizemos isto o pensamento do
leitor esteja voltando a Mateus 25:31-46
como uma passagem que estaria, de forma
direta, comprovando a teoria de um juízo
geral. Por isso sentimos ser nosso sagrado
dever acompanhá-lo por um momento
àquela importante e muito solene
passagem, enquanto lembramos que
nenhuma passagem das Escrituras pode
entrar em conflito com outra e, portanto,
se lemos em João 5:24 que os crentes não
entrarão em juízo, não poderíamos ler em
Mateus 25 que eles entrarão. Trata-se de
um princípio fixo e invulnerável — uma
regra geral para a qual não há, e nem
pode haver, exceção. Mesmo assim, vamos
abrir em Mateus 25.
"Quando o Filho do homem vier em Sua
glória, e todos os santos anjos com Ele,
então se assentará no trono da Sua glória;
e todas as nações serão reunidas diante
dEle, e apartará uns dos outros, como o
pastor aparta dos bodes as ovelhas".
Ora, é extremamente necessário prestar
muita atenção aos termos exatos usados
nesta passagem das Escrituras. Devemos
evitar toda negligência de pensamento,
toda aquela pressa, descuido e
imperfeição que tem causado sérios
estragos ao ensino desta importante
passagem, e lançado tantos dentre o povo
do Senhor na mais completa confusão a
este respeito.
Vejamos, antes de qualquer coisa, quem
são as partes levadas a juízo. "Todas as
nações serão reunidas diante dEle". Isto é
muito claro. São nações vivas. Não é uma
questão de indivíduos, mas de nações —
todos os gentios. Israel não está aqui, pois
lemos em Números 23:9 que "este povo
habitará só, e entre as nações não será
contado". Se Israel fosse incluído nesta
cena de juízo, então Mateus 25 estaria em
evidente contradição com Números 23, o
que está totalmente fora de questão. Israel
nunca é contado com os gentios, seja lá
qual for o assunto ou a base para isso. Do
ponto de vista divino, Israel permanece
só. O povo pode, por causa de seus
pecados e sob as ações governamentais de
Deus, ser disperso entre as nações, mas a
Palavra de Deus declara que não será
contado com elas. Para nós isto deve ser
suficiente.
Então, se for verdade que Israel não está
incluído no juízo de Mateus 25, então,
sem precisarmos avançar um passo
sequer, a ideia de aquele ser um juízo
geral deve ser abandonada. Não pode ser
geral se não estiverem todos incluídos, e
Israel nunca é incluído sob o termo
"gentios". As Escrituras falam de três
classes distintas, a saber, "judeus... gregos
[gentios]... Igreja de Deus" (1 Co 10:32), e
estas três nunca são confundidas. Além
disso, devemos assinalar que a Igreja de
Deus não está incluída no juízo que
aparece em Mateus 25. Tampouco esta
afirmação é baseada apenas no fato que já
mencionamos, da necessária exclusão da
Igreja do juízo, mas também na grande
verdade de que a Igreja é tomada das
nações, como Pedro declarou no concílio
de Jerusalém. "Deus visitou os gentios,
para tomar deles um povo para o Seu
nome" (At 15:14). Portanto, se a Igreja é
tirada das nações, ela não pode ser
contada entre elas e, por conseguinte,
temos uma evidência adicional contra a
teoria de um suposto juízo geral em
Mateus 25. O judeu não está ali, a Igreja
não está ali e, portanto, a ideia de um
juízo geral deve ser abandonada como
totalmente infundada.
Então quem são os que aparecem no
juízo de Mateus 25? A própria passagem
fornece a resposta para a mente simples.
Ela diz que "todas as nações serão reunidas
diante dEle". Claro e preciso. Não se trata
de um julgamento de indivíduos, mas de
nações como tal. Além disso, podemos
acrescentar que nenhum dos que são
indicados aqui terão experimentado a
morte. Esta cena está em claro contraste
com a de Apocalipse 20:11-15, na qual
não haverá um que não tenha morrido.
Em suma, em Mateus 25 temos o juízo
dos vivos e em Apocalipse 20 o juízo dos
mortos. Ambos são mencionados em 2
Timóteo 4:1: "Conjuro-te, pois, diante de
Deus, e do Senhor Jesus Cristo, que há de
julgar os vivos e os mortos, na Sua vinda
e no Seu reino". Nosso Senhor Jesus
Cristo julgará as nações vivas em Sua
aparição, e julgará "os mortos, grandes e
pequenos" no final de Seu reino milenial.
Mas vamos dar uma olhada, por um
instante, no modo como as partes são
organizadas no juízo de Mateus 25: "E
porá as ovelhas à Sua direita, mas os
bodes à esquerda". Ora, a crença quase
universal da Igreja professa é que as
"ovelhas" representam todo o povo de
Deus, do início ao fim dos tempos, e os
"bodes", por sua vez, representam todos
os maus, do primeiro ao último. Todavia,
se fosse assim, o que faremos com o
terceiro grupo citado aqui como "meus
irmãos"? O Rei se refere tanto às ovelhas
como aos bodes ao falar desta terceira
classe. Na verdade, o próprio motivo do
juízo é o tratamento dado aos irmãos do
Rei. Seria um total absurdo dizer que as
ovelhas seriam o próprio grupo que está
sendo mencionado. Se fosse assim, a
linguagem seria completamente diferente
e, em lugar de dizer "em verdade vos digo
que quando o fizestes a um destes meus
pequeninos irmãos", teríamos o Rei
dizendo "em verdade vos digo que
quando o fizestes uns para com os
outros" ou "para convosco".
Rogamos uma atenção especial do leitor
para este ponto. Consideramos que se não
existisse qualquer outro argumento e
qualquer outra passagem sobre o assunto,
bastaria este ponto para provar a falácia
da teoria de um juízo geral. É impossível
não enxergar estes três grupos na cena, a
saber, as "ovelhas", os "bodes" e "meus
pequeninos irmãos". E se existem três
grupos não poderia haver um juízo geral,
ainda mais considerando que os "meus
pequeninos irmãos" não fazem parte nem
do grupo das ovelhas, nem dos bodes.
Não, querido leitor, aqui não se trata, de
modo algum, de um juízo geral, mas de
um julgamento bem específico e parcial.
Trata-se de um julgamento das nações
vivas, precedendo o início do reino
milenial. As Escrituras nos ensinam que,
após a Igreja deixar a terra, surgirá um
testemunho para as nações; o evangelho
do reino será levado, por mensageiros
judeus, por toda a extensão da terra, até
para as regiões hoje envoltas pelas trevas
do paganismo. As nações que receberem
os mensageiros e os tratarem bem ficarão
à direita do Rei. Aquelas, ao contrário,
que os rejeitarem e os tratarem mal,
ficarão à Sua esquerda. Os "meus
pequeninos irmãos" são judeus — os
irmãos do Messias.
O tratamento dado aos judeus é a base
sobre a qual as nações eventualmente
serão julgadas, e este é outro argumento
contra um juízo geral. Sabemos bem que
todos os que viveram e morreram em
rejeição ao evangelho de Cristo terão uma
razão a mais para terem tratado mal os
irmãos do Rei. E, por outro lado, aqueles
que se encontrarão ao redor do Cordeiro
em glória celestial estarão ali graças a algo
muito diferente daquilo que suas obras
poderiam proporcionar.
Em suma, não existe sequer um detalhe
na cena, um fato na história, um ponto na
narrativa, que não seja contrário à noção
de um juízo geral. E não apenas isto, mas
quanto mais estudamos as Escrituras,
mais conhecemos o modo de agir de
Deus; mais conhecemos Sua natureza,
Seu caráter, Seus propósitos, Seus
conselhos, Seus pensamentos; mais
conhecemos a Cristo, Sua Pessoa, Sua
obra, Sua glória; mais conhecemos a
Igreja, seu lugar diante de Deus em
Cristo, sua plenitude, sua perfeita
aceitação em Cristo. Quanto mais
detalhadamente estudamos as Escrituras
— quanto mais profundamente
meditamos nela — mais ficamos
convencidos de que não existe nela algo
como um juízo geral.
Quem é que, mesmo sem conhecer coisa
alguma de Deus, poderia supor que Ele
iria justificar hoje aqueles que são Seus,
apenas para levá-los a juízo amanhã —
que Ele iria apagar suas transgressões
hoje e julgá-los conforme suas obras
amanhã? Quem é que, mesmo sem
conhecer coisa alguma de nosso adorável
Senhor e Salvador Jesus Cristo, poderia
supor que Ele seria capaz de colocar Sua
Igreja, Seu corpo, Sua noiva, diante do
trono do juízo junto com aqueles que
morreram em seus pecados? Seria
possível Ele entrar em juízo contra Seu
povo pelas iniquidades e pecados dos
quais Ele próprio disse: "Jamais Me
lembrarei"?
Isto é suficiente. Confiamos totalmente
que o leitor agora esteja, de si mesmo,
plenamente convencido de que não existe,
e nem poderia existir, algo como uma
ressurreição geral — ou algo como um
juízo geral.
Não podemos agora, no que diz respeito
ao juízo em Apocalipse 20:11-15, ir muito
além do que dizer que se trata de uma
cena pós milenial que incluirá todos os
ímpios mortos desde os dias de Caim até
o último apóstata da glória milenial. Ali
não haverá um sequer que não tenha
passado pela morte, alguém cujo nome
esteja no livro da vida, que não deva ser
julgado por suas próprias obras e que não
venha a passar da pavorosa realidade do
grande trono branco para os horrores e
tormentos eternos do lago que queima
com fogo e enxofre. Quão horroroso!
Quão terrível! Quão pavoroso!
Oh, leitor! O que você diz acerca destas
coisas? Você é um verdadeiro crente em
Jesus? Você está limpo por Seu precioso
sangue? Você tem nEle o abrigo contra o
juízo vindouro? Se não, deixe-me suplicar
a você agora, com toda ternura e
sinceridade, que fuja agora mesmo da ira
vindoura! Volte-se para Jesus, que está
esperando para receber você para Si
mesmo, para apresentá-lo a Deus na
plenitude do valor de Sua obra expiatória
e na plenitude do crédito que tem o Seu
nome incomparável.