O Espírito Santo em Gálatas

As Escrituras nos mostram que o Espírito Santo tem visitado a Terra desde a sua formação (Gn 1:2), e podemos ver, de maneiras variadas, Sua atividade através do Novo Testamento. Ele participou ativamente da Criação (Gn 1:2, Jó 33:4, Sl 104:30). Ele operou nas vidas de muitas pessoas dos tempos do Velho Testamento, como por exemplo: José (Gn 41:38); Daniel (Dn 5:11); Davi (II Sm 23:2). Ele esteve envolvido na concepção de Jesus (Lc 1:35), e quando o Senhor Jesus foi batizado por João, no rio Jordão, o Espírito Santo veio sobre Ele (Lc 3:22).

A promessa do Senhor Jesus aos Seus discípulos, no Cenáculo, foi que Ele enviaria “outro Consolador … o Espírito de verdade” (Jo14:16-17, 26), e essa promessa se cumpriu no dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo desceu, enchendo e capacitando os discípulos (At 2:2-4). A evidência do poder do Espírito Santo na Igreja primitiva é vista no livro de Atos, como descrito no cap. 8 deste livro.

O Espírito Santo ainda tem um papel essencial nas vidas dos cristãos de hoje, e continuará a ter até o final desta dispensação. Seu papel nas atividades das igrejas locais é evidenciado no ensino das epístolas do Novo Testamento e, ao lermos a Palavra de Deus, vemos que o Espírito está envolvido numa variedade de esferas, tanto no cristão individual como nas atividades da igreja local. Estas incluem renovação e regeneração (Tt 3:4-5); iluminação tanto para cristãos como para descrentes (Jo 16:8, 14); habitação (I Co 3:16; Ef 1:13-14); poder e capacitação (At 1:8; I Co 12:8). Entretanto, o foco deste capítulo é o Espírito Santo na epístola aos Gálatas.

Santificação

Nesta epístola aprendemos que o Espírito Santo é Aquele que, adicionado a todo o serviço acima mencionado, energiza o processo de santificação na vida do cristão. Sendo habitados pelo Espírito Santo, somos capazes de reprimir o controle potencial da nossa natureza pecaminosa, subjugar os impulsos da carne, e nos tornarmos mais semelhantes a Cristo, ao demonstrar nas nossas vidas o “fruto do Espírito” Gl 5:22-23). Embora o assunto de santificação não seja mencionado por nome nestes versículos, nem na epístola aos Gálatas, ao examiná-los poderemos apreciar esta verdade.

Aqui o Espírito Santo é visto principalmente em contraste com a carne, e esse aspecto é que irá ocupar a maior parte da nossa atenção.

Entretanto, há outros aspectos do Espírito, na epístola. Vale a pena notar que nesta epístola a palavra pneuma (“espírito”) ocorre dezoito vezes; destas, as versões AT e ARA traduzem “Espírito” dezesseis vezes e “espírito” duas vezes, enquanto que a ARC traduz “Espírito” apenas quinze vezes, e “espírito” três vezes*. A diferença aparentemente se deve ao fato de que não há letras maiúsculas nos manuscritos gregos mais antigos, e seu uso vem por interpretação e não tradução.

O Espírito Santo e a Lei

A pergunta feita por Paulo: “Recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?” (3:2), leva os gálatas de volta ao começo da sua vida cristã, e como a obra de Deus neles começou (veja v. 5).

Baseado no fato de que eles receberam o Espírito no momento da sua salvação, Paulo pergunta se eles pretendem continuar por si mesmos uma obra que foi iniciada pelo Espírito Santo. É muita pretensão pensar que uma obra iniciada pelo Espírito pode ser levada adiante pela carne, e que aqueles que foram feitos justos busquem estabelecer a sua própria justiça pelas obras da Lei. Paulo coloca as obras da Lei sob o cabeçalho da carne. A carne simboliza a natureza humana na sua condição decaída.

Paulo vê como as obras da Lei podem alimentar o orgulho humano e a carne, já que alguns irão pensar que alguém pode ser justificado pelos seus próprios esforços. A obra iniciada numa vida, pelo Espírito, e mantida no poder do mesmo Espírito, significa que nós, assim como os gálatas, não necessitamos de olhar para as obras carnais da Lei para progredir nas coisas espirituais. A obra redentora de Cristo é o meio pelo qual somos libertados da maldição da Lei. Essa obra redentora resulta no recebimento do dom do Espírito que, como prometido, chegou “aos gentios por Jesus Cristo” (3:14). Embora não haja menção do Espírito na promessa feita a Abraão, no Velho Testamento, aqui Paulo liga a bênção de justificação com o recebimento do Espírito Santo.

* A diferença entre a ARC e as outras duas versões está em 5:5. No inglês, as ocorrências e as versões mencionadas neste parágrafo eram, obviamente, diferentes; adaptamos os dados mencionados pelo autor (N. do E.).

O Espírito de Seu Filho

Na seção que trata de filhos e herdeiros (4:1-7), Paulo descreve o Espírito Santo como o “Espírito de Seu Filho”, título que é usado para enfatizar o testemunho do Espírito (veja também Rm 8:16). Gálatas 4:6 é a única ocasião em que esse título é usado, e é uma das várias descrições do Espírito Santo em relação ao Filho, dadas no Novo Testamento.

A atividade específica do Espírito Santo, uma vez enviado ao coração do cristão, está relacionado com nosso clamor a Deus, chamando-O de Pai. Embora seja o Espírito (no v.6) que é representado como clamando no coração do cristão, o clamor do próprio cristão parece estar claramente indicado. Portanto, é o Espírito que habita no interior quem ensina e capacita cada cristão a orar usando esses termos pelos quais o Senhor Jesus se dirige a Deus, e ao assim fazer, mostramos que temos o “Espírito de Seu Filho”. Isto mostra a proximidade e a intimidade do relacionamento que temos com o Pai, e o Espírito Santo desenvolve e fortalece nossa sensibilidade para com Ele, permitindo que o relacionamento seja desfrutado. Deus enviou Seu Filho para nos redimir, e o Espírito Santo aos nossos corações para confirmar nossa filiação. Portanto, como filhos somos herdeiros “de Deus por Cristo” (4:7).

Entre outros títulos descritivos do Espírito Santo estão:

• Espírito de Verdade (Jo 14:17);

• Espírito de Jesus (At 16:7, VB);

• Espírito de Vida (Rm 8:2);

• Espírito de Deus e Espírito de Cristo (Rm 8:9);

• Espírito dAquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus (Rm 8:11);

• Espírito de adoção (Rm 8:15);

• Espírito do Deus Vivo (II Co 3:3);

• Espírito Santo da Promessa (Ef 1:13);

• Espírito de Jesus Cristo (Fp 1:19);

• Espírito Eterno (Hb 9:14);

• Espírito da graça (Hb 10:29);

• Espírito da glória e de Deus (I Pe 4:14).

Estes títulos descrevem algo do caráter e da função do Espírito, e a maioria deles será examinada em outras partes dessa publicação.

Realização da justiça através do Espírito

No cap. 5 o cristão é visto como uma pessoa livre em Cristo: “Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou” (5:1). Esta é a verdadeira posição do cristão, que é incompatível com a dos judaizantes legalistas. Como cristãos, portanto, “pelo Espírito da fé aguardamos a esperança da justiça” (5:5). Isto significa que através da ação do Espírito somos ensinados a apreciar essa esperança, e pela Sua presença somos capacitados a permanecer nela. Precisamos lembrar que a esfera de operação do Espírito é o coração humano (veja Rm 8:16; II Co 1:22), logo o impulso para obedecer a vontade de Deus no nosso espírito é o resultado da Sua operação em nós. Assim, tendo o Espírito Santo, aguardamos com esperança a realização da justiça. Esta justiça se refere à completa conformidade do cristão a toda exigência da vontade de Deus. Por um lado somos justificados diante de Deus mediante a obra consumada de Cristo, e por outro, esperamos com confiança o aperfeiçoamento da obra começada em nós, quando seremos completamente conformados à imagem de Cristo.

Andar no Espírito; conflito com o Espírito; ser guiado pelo Espírito O cristão não deve andar independentemente do Espírito Santo; ele não pode operar na sua própria força e esperar ser bem sucedido, pois a vida cristã depende da obra do Espírito. Portanto, Paulo dá o mandamento em 5:16: “Andai em Espírito”, que poderia ser traduzido: “continue andando”. É necessário que o cristão siga esta instrução para que a concupiscência da carne não seja satisfeita na vida. Isso realmente é a revelação do segredo de uma vida cristã bem sucedida. Há um mandamento claro para o cristão subjugar a carne, e esse subjugar é o fundamento do viver cristão. Quando nós, como cristãos, andamos pelo Espírito, os desejos da carne não são realizados. Isso não é uma simplificação exagerada, mas é a verdade da Palavra de Deus.

Andar é uma referência bíblica típica a viver e, portanto, andar no Espírito significa estar constantemente sob a direção, controle e orientação do Espírito de Deus. Somente por viver desta forma podemos ter certeza de que não iremos “cumprir” os desejos de uma natureza pecaminosa. Embora não possamos dominar o pecado totalmente nesta vida, por andar no Espírito podemos subjugar um padrão de vida pecaminoso. Podemos cultivar um modo de pensar espiritual através de comunhão diária com Deus, e de nos alimentar constantemente da Sua Palavra, para que os nossos pensamentos sejam os pensamentos de Deus. Paulo resume essa exigência quando ele diz: “cada dia morro” (I Co 15:31). Todo dia devemos morrer para o pecado e para nós mesmos, e andar pelo Espírito.

Muitas instruções são dadas, em outras partes do Novo Testamento, sobre o andar do cristão e sobre os resultados de um andar espiritual.

Vale a pena salientar algumas delas:

• “Porque andamos por fé, e não por vista” (II Co 5:7);

• “Andeis como é digno da vocação com que fostes chamados” (Ef 4:1);

• “Não andeis mais como andam também os gentios” (Ef 4:17);

• “Andai em amor” (Ef 5:2);

• “Andai como filhos da luz” (Ef 5:8);

• “Vede prudentemente como andais, não como néscios, mas como sábios” (Ef 5:15);

• “Mandamo-vos, porém, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo o irmão que anda desordenadamente, e não segundo a tradição que de nós recebestes” (II Ts 3:6);

• “Não tenho maior gozo do que este, o de ouvir que os meus filhos andam na verdade” (III Jo 4).

Para andar em humildade, pureza, contentamento, fé, boas obras, separação, amor, luz, sabedoria e verdade, o cristão precisa andar pelo Espírito, pois apenas o Espírito pode produzir estas virtudes. Quando andamos por Ele não satisfazemos as concupiscências e desejos da carne. As soluções humanas não podem resolver problemas que são essencialmente espirituais. Usar métodos humanos como a psicologia, o pragmatismo ou a razão para resolver problemas carnais não vai levar à vitória sobre as prevalecentes concupiscências da carne. Uma vida cristã vitoriosa só é conseguida por andar no Espírito.

Talvez seja oportuno definir o princípio da “carne”, que é, como vemos nesta epístola, uma força perigosa na vida do cristão. A palavra grega sarx é um termo muito importante no ensino do Novo Testamento.

É usada às vezes referindo-se ao corpo, como por exemplo, em Lucas 24:39, quando o Senhor Jesus diz: “Pois um espírito não tem carne [sarx] nem ossos, como vedes que Eu tenho”; uma referência ao Seu corpo santo no qual Ele se apresentou diante dos Seus discípulos. É também usada para indicar esforço humano, como em Gálatas 3:3: “Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis agora pela carne [sarx]?” Aqui é uma referência aos esforços do homem para realizar o sobrenatural por meios naturais. O Senhor Jesus faz uma afirmação exata a respeito da carne sendo o estado não regenerado do homem: “O que é nascido da carne [sarx] é carne [sarx], e o que é nascido do Espírito é espírito” (Jo 3:6), mostrando a diferença clara entre a carne e o espírito.

O significado principal de carne na vida do cristão é sua referência à natureza de Adão, que ainda é suscetível ao pecado. Paulo resume esse preceito quando diz: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e, com efeito, o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço. Ora, se eu faço o que não quero, já não o faço eu, mas o pecado que habita em mim” (Rm 7:18-20).

Enquanto Gálatas 5:16 sugere um conflito, Paulo é mais específico no v. 17. Neste versículo ele diz claramente que “a carne cobiça contra o espírito”, isto é, está em oposição. É por isso que existe um conflito na vida do cristão que não existe na vida do descrente, pois este último não tem o Espírito.

A exortação do v. 16 é para andar em Espírito, mas a expectativa no v. 17 é que o cristão encontrará oposição ao procurar fazê-lo (veja a referência a Rm 7:18-20). O que podemos deduzir, no v. 16, é explicito no v. 17, isto é, a carne e o espírito são totalmente opostos. É essa oposição que explica por que andar no Espírito, inevitavelmente, resultará no não cumprimento dos desejos da carne. A frase condicional do v. 18 (“Mas se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei”) mostra que o cristão não é um expectador impotente no conflito entre a carne e o Espírito. Ser guiado pelo Espírito é entregar-se, de forma voluntária e inteligente, não somente seguir passivamente. Essa afirmação complementa a do v. 16, mostrando que, assim como o cristão anda no conselho de Deus, pelo Espírito, o Espírito guia e conduz o cristão na sua jornada na vida. O apóstolo Paulo parece destacar a Lei como a incitadora da transgressão. Nestes versículos há um duplo antagonismo contra o Espírito; no v. 16 é o Espírito contra a carne, e no v. 18 o Espírito contra a Lei. A Lei lidava com a conduta dos homens, mas era incapaz de controlar esta conduta, porque a conduta está sob o controle das emoções, e as emoções, por sua vez, estão sob o controle do pecado. Ser guiado pelo Espírito nos garante que o controle do pecado sobre nós não é mais necessário, pois não estamos sob a Lei, que exige obediência, mas não pode suprir o poder sem o qual essa obediência é impossível.

De modo oposto, estamos sob a graça, onde a fraqueza encontra a força disponível e suficiente através do Espírito Santo. A Lei e a carne estão intimamente ligadas. Segundo a exposição de Paulo em Romanos, a Lei, ao invés de conter a carne, na verdade produz o efeito inverso. Por um lado a Lei provoca e aumenta o pecado, pois a carne faz a pessoa se opor à Lei de Deus; por outro lado, devido à fraqueza da carne, que não pode guardar a Lei de Deus, quanto mais uma pessoa tenta guardar a Lei, tanto mais se achará nas garras do pecado.

Uma citação do livro “O Peregrino”, de John Bunyan, pode ilustrar esse princípio. Há no livro uma cena na “Casa do Intérprete”. Nessa

casa há um aposento coberto com uma grossa camada de poeira. Christian, o personagem principal do livro, viu alguém entrar e começar a varrer o cômodo. Logo havia uma nuvem de poeira que encheu o cômodo e sufocava todos que ali estavam, antes de voltar ao lugar de onde fora varrido. O Intérprete explicou a Christian: “Esse aposento é o coração de um homem que nunca foi santificado pela maravilhosa graça do Evangelho: a poeira é seu pecado original, e a corrupção interior contaminou o homem todo. Aquele que começou a varrer era a Lei”. A Lei somente agita a poeira do pecado; ela é incapaz de purificar alguém. A carne necessita de uma solução espiritual.

As obras da carne

Antes de escrever sobre o “fruto do Espírito”, Paulo menciona as obras da carne em 5:19-21. A razão para isso é que Paulo contrasta o fruto do Espírito com a lista contida nestes versículos.

Poucos negariam que muitos problemas na vida vêm da carne, e que a solução deles vêm do Espírito! Como cristãos desfrutamos da verdade animadora de II Coríntios 6:16: “E que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o templo do Deus vivente, como Deus disse: Neles habitarei, e entre eles andarei; e Eu serei o seu Deus e eles serão o Meu povo”. Deus vive em nós. Ele anda conosco e nos guia. O Espírito do Deus Todo-Poderoso é nosso. Temos que seguir por onde Ele guia, pois este é o único modo de vencer a carne.

É interessante notar que o “fruto” do v. 22 é singular, em contraste com a palavra “obras” do v. 19, que é plural. A carne se manifesta de 174 O Espírito da Glória muitas e diferentes maneiras, ainda que nem todos pratiquem todas as obras listadas nos vs. 19-21. Enquanto temos dezessete obras da carne listadas na versão que usamos, a maioria dos comentaristas sugere que os manuscritos originais omitem adultério (v. 19) e homicídios (v. 21); entretanto, a omissão destas palavras não diminui a seriedade das obras da carne.

Falando em termos gerais, a lista contida nestes versículos se divide em quatro categorias: pecados sexuais, desvios religiosos, desordens de relacionamento, comportamento destemperado.

Pecados sexuais

Em primeiro lugar na lista está prostituição*, que aparece nos escritos de Paulo em I Coríntios 5:1 (VB); 6:13, 18; 7:2; II Coríntios 12:21; Efésios 5:3; Colossenses 3:5; I Tessalonicenses 4:3. Refere-se a relacionamentos sexuais ilícitos, e inclui relações ilícitas de toda espécie, praticadas em oculto ou abertamente. Portanto, neste contexto, pode incluir adultério. Pecado de origem sexual era então, e ainda é hoje, uma característica marcante da vida sem Cristo. Quando Paulo escreve sobre esse pecado, em I Coríntios 6:15-18, ele mostra a seriedade de se envolver em práticas que estabelecem ligações que não podem ser desfeitas, e são uma ofensa contra o corpo todo. Intimamente associada com a imoralidade está a impureza, que é um conceito muito abrangente e inclui, além de ações impuras, palavras, pensamentos e desejos impuros do coração. Também neste primeiro grupo de obras da carne está incluída a lascívia, ou licenciosidade, que enfatiza a falta de autocontrole em questões morais, e caracteriza a pessoa que dá livre curso aos impulsos da sua natureza pecaminosa.

Desvios religiosos

O próximo grupo, que trata dos desvios religiosos, começa com idolatria, que se refere não somente à adoração de imagens, mas também a qualquer prática maligna relacionada à essa adoração, assim como a substituição do verdadeiro Deus, que é revelado em Jesus Cristo, por qualquer outra coisa. Podemos incluir aqui o “eu”, na forma de avareza, “que é idolatria” (Cl 3:5). Intimamente ligada com a idolatria está a feitiçaria (bruxaria). O feiticeiro geralmente alegava ter acesso a um poder sobrenatural, e assim praticava seu ofício. Paulo usa a palavra somente nessa passagem. Pode ser útil notar que a palavra traduzida feitiçaria, ou bruxaria, vem da palavra grega pharmakeia que, enquanto significa o uso medicinal de drogas, pode salientar o perigo, na nossa sociedade, de culto às drogas, do desejo de muitos por experiências alucinantes, sobrenaturais, que melhoram o desempenho, e que nada tem a ver com espiritualidade.

* O autor está considerando que “adultério” (a primeira palavra na versão AT, que serve de base para esta publicação) não deveria estar na lista, como ele escreveu poucas linhas acima (N. do E.).

Desordens de relacionamento

Agora temos um grupo de oito* itens que indicam pecados nas relações pessoais. Cada item mencionado nesta seção está no plural, o que mostra os múltiplos aspectos de cada uma dessas obras carnais.

Parece que o potencial de relacionamentos destruídos é ilimitado! Essa seção inicia com inimizades [ou “ódio”], que é uma característica de um homicida, e este não tem o Espírito de Deus: “Vós sabeis que nenhum homicida tem a vida eterna permanecendo nele” (I Jo 3:15). É uma condição satânica, e faz-nos lembrar da manifestação de ódio de Caim contra Abel em Gênesis 4. Sem entrar em detalhes sobre cada uma das obras da carne mencionadas nestes versículos, podemos dizer que elas se resumem na palavra “rivalidade”. Cada uma destas obras da carne é baseada na busca do homem por promoção pessoal à custa dos outros, e o conflito que resulta disso. A seção termina com inveja, que também está incluída nas listas das características indesejáveis em Romanos 1:29; I Timóteo 6:4; Tito 3:3, e até mesmo é mencionada em relação a pregadores de Cristo (Fp 1:15). O pecado de ciúmes já foi mencionado nesta parte da lista (traduzido “emulações”). Sempre que esses dois, ciúmes e inveja, podem ser diferenciados um do outro — como aqui — o primeiro pode ser descrito como o medo de perder o que se tem, e o segundo é o desprazer de ver alguém com algo que não temos. A palavra “inveja” vem do latim in-video, que significa olhar comparando; ou seja, olhar para outra pessoa com má vontade por causa daquilo que ela é, ou tem. Um dos pecados que mais destroem a alma é a inveja, que como a palavra grega phthonos indica, “corrói” a pessoa. A inveja é descrita como “podridão para os ossos” (Pv 14:30). Foi a inveja que causou o assassinato de Abel; que lançou José na cova; que levou Coré, Datã e Abirão a se rebelarem * Se incluirmos “homicídios” (veja a nota anterior) serão nove itens (N. do E.). 176 O Espírito da Glória contra Moisés; que impeliu Saul a perseguir Davi; e que entregou o Senhor Jesus para ser crucificado: “Porque ele bem sabia que por inveja os principais dos sacerdotes O tinham entregado” (Mc 15:10). Portanto, é significativo que este tema é salientado na lista dos pecados de relacionamentos.

Comportamento destemperado

A parte final da lista das obras da carne trata de comportamento descontrolado. Paulo menciona dois exemplos do pecado de intemperança: bebedices e glutonarias. A condição de embriaguez é destacada por Paulo nas suas listas em Romanos 13, I Coríntios 5 e 6, e nas passagens em Coríntios as palavras “bêbados” e “beberrão” são usadas.

Isto enfatiza a condição resultante da embriaguez, isto é, transformar-se num bêbado. Devemos notar que o alcoolismo é visto nas Escrituras não como uma doença, mas como um pecado. Embora testemunhemos diariamente, e reconheçamos o aspecto médico do alcoolismo, nunca devemos esquecer o aspecto da responsabilidade. O perigo é de se minimizar a responsabilidade pessoal, colocando a culpa na dependência criada pela situação e desculpar o participante. Embriaguez é uma atividade associada aos que estão nas trevas, e não deve ser praticada pelos que andam na luz: “Porque todos vós sois filhos da luz e filhos do dia; nós não somos da noite nem das trevas” (I Ts 5:5). As orgias em que o bêbado participa são uma característica do estilo de vida pagão, identificando-se com Dionísio (ou Baco), o deus do vinho, e traz consigo a ideia de imoralidade libertina, como já descrita nestes versículos.

Essa lista das obras da carne é bem representativa, embora não seja completa. Muitos pecados mencionados em outros escritos de Paulo não são mencionados aqui, mas o apóstolo está enfatizando, nesta passagem, o pecado das paixões sensuais, como visto no primeiro e no último pecado da lista. Entretanto, indiferentemente de como classificamos ou dividimos essas obras da carne mencionadas, elas são manifestações de vidas dominadas pela carne, ao invés de dirigidas pelo Espírito. É importante saber que aqueles que permanecem sob a influência da carne, e praticam tais pecados, “não herdarão o reino de Deus” (Gl 5:21).

O fruto do Espírito

Prosseguindo com o seu ensino em Gálatas 5, Paulo nota que, enquanto as obras da carne são múltiplas, o Espírito produz um único fruto. Isso indica a união das qualidades espirituais descritas por Paulo.

Aqueles que andam por esse Espírito verão, não alguns, mas todos os aspectos do fruto do Espírito nas suas vidas. Parece que a pessoa tem todo o fruto ou não tem nada! “O fruto” é melhor considerado como um todo, e realmente pode ser entendido como “a sega”. Esse é o resultado de andar em Espírito (v. 16), de ser guiado pelo Espírito (v. 18) e de viver em Espírito (v. 25). O Espírito Santo produz o Seu fruto na vida do cristão que vive nessa condição. Logo, as qualidades listadas nos vs. 22-23 não são o resultado de uma extenuante observação de algum código externo de regras, mas o produto natural de uma vida controlada e guiada pelo Espírito. Este fruto é uma dádiva concedida a cada cristão, e não tem relação com as manifestações extraordinárias e temporárias do poder do Espírito nos primeiros dias da era da Igreja. A lista contida nestes versículos é obviamente muito diferente da diversidade dos dons espirituais mencionados em I Coríntios 12, onde lemos do Espírito Santo “repartindo particularmente a cada um como quer” (I Co 12:11).

Já descrevemos esse grupo de nove características como facetas diferentes de uma colheita; talvez seja melhor considerá-las individualmente ao invés de dividi-las em subgrupos. Não pretendemos, de forma alguma, desrespeitar os grandes ensinadores que o fizeram oralmente ou por escrito: trata-se apenas de uma preferência pessoal do presente escritor, de acordo com os comentários anteriores.

Amor

O amor resplandece fortemente da pessoa cheia do Espírito. A palavra usada aqui é aquela palavra usada do amor de Deus para com o homem (agape), sugerindo que nós amamos os outros como Deus nos ama. Amor não é apenas uma emoção, mas é evidenciado em vários aspectos da vida do cristão.

Amor é:

• o motivo de todos os atos (I Co 16:14);

• o poder motivador do perdão (II Co 2:7, 8);

• evidenciado no dar sacrificial (II Co 8:24);

• o meio de controle da liberdade cristã (Gl 5:13);

• demonstrado para com os demais cristãos (Ef 1:15);

• uma evidência de maturidade espiritual (Ef 4:15);

• evidenciado por aqueles que são seguidores de Deus (Ef 5:2);

• o segredo da união (Cl 2:2);

• uma veste para ser vestida (Cl 3:14);

• parte da atitude correta para com os anciãos (I Ts 5:12);

• a base do apelo cristão (Fl 9).

Embora o amor não seja gerado por si mesmo, mas é um fruto do Espírito Santo, somos exortados a “seguir o amor” (I Co 14:1). Esse seguir, quando visto à luz da passagem à nossa frente, equivale a ser guiado pelo e andar no Espírito.

Gozo

A palavra chara não se refere à felicidade humana e terrena. Ela é sempre usada nas Escrituras para indicar alegria que é baseada em fatores espirituais. Não é o resultado de circunstâncias positivas, mas da alegria interior profunda de Deus. Um bem conhecido adágio afirma que “alegria depende de acontecimentos* — o gozo não”. O gozo espiritual transcende as circunstâncias: “Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, sendo necessário, que estejais por um pouco contristados com várias tentações, para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo; ao qual, não O havendo visto, amais; no qual, não O vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso” (I Pe 1:6- 8). A exortação de Paulo dada à igreja em Filipos foi: “Regozijai-vos sempre no Senhor” (Fp 3:1; 4:4).

O gozo cristão permanece inalterado em meio à tristeza e tribulação, e de fato, prova o seu poder no meio de tais condições: “… como contristados, mas sempre alegres” (II Co 6:10). “Como em muita prova de tribulação houve abundância do seu gozo, e como a sua profunda pobreza abundou em riquezas da sua generosidade” (II Co 8:2).

Paulo é um grande exemplo de gozo, pois mesmo nas circunstâncias mais aflitivas em Roma ele se regozijava, e nós somos abençoados com as suas epístolas da prisão. É um homem espiritual que pode dizer: “Regozijai-vos sempre” (I Ts 5:16). E embora seja mais fácil “chorar com os que choram”, o homem espiritual alegra-se “com os que se alegram” (Rm 12:15).

* No inglês há um jogo de palavras interessante entre “happiness” (alegria) e “happenings” (acontecimentos) que se perde na tradução (N. do E.).

Paz

Paz (eirene), como o hebraico shalom, significa mais do que a ausência de problemas ou discórdia. Possui a ideia mais positiva de estabilidade, integridade, prosperidade, serenidade e tranquilidade, e é, portanto, uma demonstração do fruto espiritual. É uma condição que não pode ser induzida por uma situação externa, mas vem do Espírito que habita no interior. Paz espiritual não inclui necessariamente circunstâncias pacíficas, mas um coração pacífico em condições turbulentas ainda resultará em paz. Paz é um dos atributos de Deus. Ele é o “Deus de paz” (Rm 15:33; 16:20; II Co 13:11; Fp 4:9; I Ts 5:23). Assim, com Deus como a fonte de paz, e o Espírito Santo como Aquele através de Quem a paz vem, o fruto da paz deve ser evidenciado no cristão. Esta paz é baseada na obra consumada da reconciliação feita por Cristo através do derramamento do Seu sangue: “Havendo por Ele feito a paz pelo sangue da Sua cruz, por meio dEle reconciliasse consigo mesmo todas as coisas” (Cl 1:20), e por causa dessa reconciliação Ele tornou possível para o homem ser justificado e ter “paz com Deus” (Rm 5:1).

Paz será evidenciada na igreja local na medida em que aderirmos à exortação de Paulo: “… procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4:3).

Pode ser que, nesses versículos, a paz se refira especificamente ao nosso relacionamento com os outros, tanto cristãos como não salvos, mas também devemos incluir no seu significado a paz interior que resulta de um relacionamento correto com Deus. De fato tal relacionamento seria manifesto na nossa maneira de tratar as outras pessoas.

Longanimidade

Longanimidade (makrothymia; ou “paciência”, NVI) é o oposto de impaciência. Não se trata meramente da habilidade de “aguentar” as pessoas ou circunstâncias por um longo período, mas tem um aspecto espiritual mais profundo, sendo uma faceta do fruto do Espírito. É também outro atributo de Deus: “O Senhor, o Senhor Deus misericordioso e piedoso, tardio em irar-se [longânimo] e grande em beneficência e verdade” (Êx 34:6); “Porém Tu, Senhor, és um Deus de compaixão, e piedoso, sofredor [longânimo], e grande em benignidade e verdade” (Sl 86:15). A longanimidade de Deus para com a humanidade é a base e a razão da paciência do cristão para com os outros. Para viver à altura da nossa vocação nós, os cristãos, precisamos demonstrar as seguintes características: “… com toda a humildade, e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor” (Ef 4:2). Esse atributo atinge mais do que os membros da família cristã em I Tessalonisenses 5:14, onde Paulo escreve: “Rogamos-vos, também, irmãos, que admoesteis os desordeiros, consoleis os de pouco ânimo, sustenteis os fracos, e sejais pacientes para com todos”. Essa paciência deveria ser evidenciada também naqueles que pregam a palavra: “Que pregues a palavra, instes a tempo e fora de tempo, redarguas, repreendas, exortes, com toda a longanimidade e doutrina” (II Tm 4:2).

Benignidade

Benignidade (chrestotes; “amabilidade”, NVI) é encontrada no Novo Testamento somente nos escritos de Paulo. Essa palavra, quando aplicada a Deus, indica Sua atitude e atuação em graça para com os pecadores.

Todavia, visto que é um dos atributos de Deus, não indica fraqueza: “Considera, pois, a bondade [chrestotes] e a severidade de Deus” (Rm 11:22). Isso sugere que Sua benignidade não é inescrupulosa ou sentimental. A benignidade nunca deve ser confundida na vida dos cristãos com fraqueza ou falta de convicção. Ela permite a indignação, quando esta é necessária, mas agressividade em atos ou palavras nunca é vista como parte do fruto do Espírito. Paulo é um exemplo disso no seu ministério: “Antes fomos brandos entre vós, como a ama que cria seus filhos” (I Ts 2:7). Aqueles que provaram a benignidade da salvação de Deus e que andam no Espírito devem demonstrar esta benignidade no seu viver diário. É um dos sete itens com os quais devemos nos revestir (Cl 3:12), e um dos atributos daqueles que têm aprendido de Cristo: “Sede uns para com os outros benignos” (Ef 4:32). Essa qualidade é um ingrediente essencial do amor e, como o amor, se expressa em atos, isto é, aqueles que são benignos tratam os outros da mesma maneira como Deus os tratou.

Bondade

Bondade (agathosyne) é a atitude de uma pessoa que é basicamente boa, isto é, exibe qualidades de excelência moral. Está ligado, como fruto do Espírito em Efésios 5:9, à justiça e verdade, e ligado com o homem justo em Romanos 5:7. C. Leslie Mitton, no seu livro Ephesians [“Efésios”] escreve: “Bondade é uma atitude de generosa benevolência para com os outros, que fica feliz ao fazer muito mais do que é necessário pela mera justiça”. Portanto, generosidade parece ser um aspecto de bondade, e aqui no v. 22 representa uma bondade que manifesta uma generosidade prática, e assim pode ser considerada como um contraste à inveja, que está na lista das obras da carne.

Fé (pistis; ou “fidelidade”, ARA). Esta palavra é usada nesta epístola acerca de fé justificadora e salvadora, e é usada em outras partes para indicar um dos dons espirituais (I Co 12:9). Aqui parece significar fidelidade e lealdade, isto é, confiabilidade e honestidade nos negócios com os outros. Como em Tito 2:10: “Mostrando toda a boa lealdade”.

É a qualidade do indivíduo em cujo serviço fiel se pode confiar, e cuja palavra pode ser aceita sem reservas. É uma qualidade básica, necessária, naqueles que são habitados pelo Espírito Santo. A importância dessa qualidade é apresentada pelo Senhor aos Seus discípulos, e a nós, no Seu ministério parabólico:

• a parábola dos talentos (Mt 25:14-30);

• a parábola do servo vigilante (Lc 12:35-48);

• a parábola do mordomo infiel (Lc 16:1-3);

• a parábola das minas (Lc 19:12-27).

O Senhor Jesus é visto como o maior exemplo de fidelidade e verdade:

• “… um misericordioso e fiel Sumo Sacerdote …” (Hb 2:17);

• “Jesus Cristo … sendo fiel ao que O constituiu” (Hb 3:1-2);

• “Mas fiel é o Senhor …” (II Ts 3:3)

• “… Jesus Cristo, que é a fiel testemunha …” (Ap 1:5);

• “O que estava assentado sobre ele chama-Se Fiel e Verdadeiro” (Ap 19:11).

Além deste exemplo perfeito de toda a espiritualidade, temos homens que foram recomendados quanto à sua fidelidade, como sendo

dignos de confiança:

• Timóteo: “Por esta causa vos mandei Timóteo, que é meu filho amado, e fiel no Senhor” (I Co 4:17);

• Tíquico: “Ora, para que vós também possais saber dos meus negócios, e o que eu faço, Tíquico, irmão amado, e fiel ministro do Senhor, vos informará de tudo” (Ef 6:21);

• Epafras: “Como aprendeste de Epafras, nosso amado conservo, que para vós é um fiel ministro de Cristo” (Cl 1:7);

• Onésimo: “Juntamente com Onésimo, amado e fiel irmão, que é dos vossos” (Cl 4:9).

Essa faceta do fruto do Espírito descreve o cristão em quem é demonstrada a fidelidade invariável de Jesus Cristo, e a confiança absoluta de Deus.

Mansidão

A palavra praytes não transmite o significado de fraqueza, mas descreve uma pessoa em quem a força e a gentileza andam juntas. Portanto, nunca se deve confundir mansidão com fraqueza! No Novo Testamento essa atitude geralmente significa uma disposição humilde de se submeter à vontade de Deus. No Novo Testamento, mansidão é a atitude na qual:

• A Palavra de Deus deve ser recebida: “Recebei com mansidão apalavra em vós enxertada, a qual pode salvar as vossas almas” (Tg

1:21);

• O irmão errante é restaurado: “Encaminhai o tal com espírito de mansidão; olhando por ti mesmo, para que não sejas também tentado”

(Gl 6:1);

• Aquele que se opõe ao ensino correto deve ser corrigido: “Instruindo com mansidão os que resistem, a ver se porventura Deus lhes

dará arrependimento para conhecerem a verdade” (II Tm 2:25).

Esta atitude pode ser descrita como uma submissão humilde e dócil à vontade de Deus, que é refletida em humildade, paciência e tolerância para com os outros, considerando até os insultos e injúrias como os meios de Deus de desenvolver as qualidades cristãs. Como, por exemplo, na declaração de Paulo: “Nós somos loucos por amor de Cristo, e vós sábios em Cristo; nós fracos, e vós fortes; vós ilustres e nós vis. Até esta presente hora sofremos fome, e sede, e estamos nus, e recebemos bofetadas, e não temos pousada certa, e nos afadigamos, trabalhando com nossas próprias mãos. Somos injuriados e bendizemos; somos perseguidos, e sofremos; somos blasfemados, e rogamos; até o presente temos chegado a ser como o lixo deste mundo, e a escória de todos” (I Co 4:10-13).

Temperança

Temperança (enkrateia; “autocontrole”, JND) é a última faceta do fruto do Espírito nesta lista. Traz a ideia de autocontrole em todas as coisas. Deus deu ao ser humano o poder de exercer a sua própria vontade, e sem a presença do Espírito Santo no seu interior, o homem só abusa desse privilégio. Somente ao se tornar sujeito à operação do Espírito Santo, pela fé em Cristo, pode o homem exercer controle sobre a sua própria vontade. A palavra é usada por Paulo para descrever aqueles que lutam pela coroa incorruptível (I Co 9: 21-27); na lista de qualificações de um ancião (Tt 1:8) e, curiosamente, foi parte da mensagem que ele pregou a Félix, na Cesaréia (At 24:25). Ele também menciona o assunto em I Coríntios 7, em relação ao casamento. Pode ser que, em Gálatas 5, Paulo esteja contrastando a temperança com as obras da carne: fornicação, impureza e lascívia, bebedice e glutonaria, listadas anteriormente; todas elas incluem demonstrações descontroladas de paixões.

A lista de descrições do fruto do Espírito não é, como a lista anterior sobre as obras da carne, completa, mas representativa. Não pretende limitar as belezas do Espírito.

É um aspecto característico de todos os cristãos que eles crucificaram a carne (v. 24), estão vivendo pelo Espírito (v. 25), e assim estão comprometidos a serem guiados pelo Espírito (v. 25). Nestas condições o fruto do Espírito será manifestado em contraste com as obras da carne.

A responsabilidade daqueles que andam pelo Espírito

Andar pelo Espírito há de não somente evitar provocação e inveja e o abster-se das obras vis da carne (5:19-26), mas, do ponto de vista positivo, levar à restauração daqueles que caíram em pecado (6:1).

A qualificação para esse serviço, que geralmente será de uma natureza delicada, é descrita em uma palavra, “espiritual”. Curiosamente, essa palavra não aparece no Velho Testamento,* nem nos Evangelhos; é usada somente depois do Pentecostes. O homem espiritual é aquela pessoa que anda pelo espírito no sentido de 5:16, 25, e que evidencia o fruto do Espírito na sua vida. Além disso, é pelo padrão do Espírito Santo que um homem deve julgar-se a si mesmo. Ser espiritual nas Escrituras é o normal para o cristão; entretanto, pode haver aqueles que, devido à falta de maturidade, ainda não atingiram esse padrão, como em I Coríntios 3:1-3. Outros, como em Gálatas 6:1, podem ter perdido a condição de espiritualidade ao sucumbirem à carne. Isso não quer dizer, de forma alguma, que um cristão pode perder o Espírito Santo. Vemos a confirmação disto no processo de restauração (colocação de um osso no lugar) destes versículos. A obra de restauração sempre é feita por uma pessoa espiritual, mostrando que não deve ser assumida levianamente ou de uma maneira carnal. Se julgarmos nosso padrão de espiritualidade, baseados nos detalhes do fruto do Espírito, saberemos se somos ou não idôneos para esta obra.

* O autor menciona uma referência no VT (Os 9:7) onde, no inglês, é usada a palavra “espiritual”, mas explica que o sentido é outro. Omitimos essa frase pois em Português a tradução é “homem de espírito” (N. do E.).

O último grande contraste

O apóstolo, ao concluir a sua carta de uma maneira encorajadora, faz uma última referência às facções conflitantes, isto é, a carne e o Espírito.

O princípio declarado — “tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (6:7) — é uma regra que vale para todas as pessoas. No contexto ele se refere à maneira como irão reagir à sua presente carta, mas naturalmente o princípio que “Deus não se deixa escarnecer” excede, em muito, tudo o que ele escreveu. Semear na carne significa dar livre curso à velha natureza. Assim também semear no Espírito significa permitir que o Espírito Santo esteja no controle. A pessoa que faz isso está andando pelo Espírito (5:16), e sendo guiada pelo Espírito (5:18). É interessante que aquele que semeia para a carne “semeia na sua [própria] carne”, que é um quadro perturbador da carnalidade egoísta. Entretanto, isso pode significar que essa pessoa ainda está no estado natural, e não conhece a salvação de Deus. De qualquer forma, essa pessoa “da carne ceifará corrupção”, primeiramente nesta vida, mas também na vida por vir. Se um cristão semear na sua carne, ele está indo contra Deus, e deve esperar a intervenção de Deus. Embora sua alma nunca poderá se perder, sua perda futuro de galardão e posição no Reino será um resultado direto da sua vida na Terra. Entretanto, se, como é mais provável, a pessoa que demonstra este estilo de vida é um descrente, sua expectativa não pode ser outra senão o eterno juízo de Deus.

Por outro lado, há aqueles que semeiam no Espírito. Enquanto estes desfrutarão de uma qualidade de vida condizente com o fruto produzido por meio do Espírito habitando no seu interior, o resultado final do seu semear é “a vida eterna”. Isso significa que:

• Eles trarão “a imagem do celestial” (I Co 15:49);

• Eles terão um corpo “conforme o Seu corpo glorioso” (Fp 3:21);

• Eles serão “semelhantes a Ele”, porque O verão “assim como [Ele] é” (I Jo 3:2).

W. E. Vine, no seu comentário sobre Gálatas, resume o assunto da seguinte maneira:

Não existe exceção para a lei da semeadura e do tempo da colheita, seja no reino físico ou espiritual. O que colhemos é o que

semeamos; não o que pretendíamos semear, ou que pensávamos ter semeado, mas sim o que de fato semeamos.

Conclusão

Na epístola aos Gálatas o conflito entre a carne e o Espírito parece ser constante. Entretanto, para aqueles que são espirituais, isto é, que evidenciam o efeito da presença do Espírito no seu interior, e demonstram o fruto do Espírito ao ponto de excluir as obras da carne, há somente um resultado: eles ceifarão “do Espírito … a vida eterna” (Gl 6:8).

Por James Paterson Jr., Escócia

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