7 - A IGREJA: SEU NASCIMENTO, VOCAÇÃO E COMPLETUDE

A maior preocupação ou interesse de Deus é Seu Filho. O segundo maior interesse ou objetivo de Deus no universo é a Igreja. E, nas Escrituras, essas duas são colocadas juntas. Aqui está a afirmação: ‘e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos.’ (Ef 1.23).

A Igreja é a ‘plenitude’ de Cristo. Se a Igreja precisa de Cristo, Cristo precisa da Igreja.

 

O QUE É A IGREJA?

 

Iremos procurar responder a pergunta: ‘O que é a Igreja?’, em algumas sentenças concisas.

Primeiramente, a Igreja é um corpo particular de pessoas, escolhidas em Cristo antes do mundo existir. Isto é precisamente afirmado em Efésios 1.4. Lá, é afirmado que a Igreja, este corpo particular de pessoas, foi ‘escolhida Nele’. Exatamente como Cristo foi definitivamente escolhido (Lc 9.35; Sl 89.19; Is 42.1) e ungido (Hb 1.2; 3.2), assim foi a Igreja.

Em segundo, a Igreja é um corpo de pessoas chamadas das nações para ser um povo celestial agora: não no futuro, nos séculos vindouros, mas agora. Isto está claramente implícito em Atos 15.14: ‘Deus visitou os gentios, para tomar deles um povo para o seu nome.’ E é a isto que o Senhor se refere, quando disse: ‘Eu edificarei a minha Igreja’ (Mt 16.18).

Em terceiro, a Igreja é um corpo de pessoas que, embora chamado individualmente, são apenas muitos indivíduos. Eles nunca foram escolhidos individualmente, nunca foram escolhidos separadamente, mas como um todo. É muito importante lembrarmos disto. E, como a obra do Espírito Santo é sempre tornar real aquilo que foi eternamente determinado e ungido por Deus, assim, é Sua obra _ não como um pensamento secundário, mas conforme o plano _ tornar real e operante esta unidade eterna em e com Cristo: pois este é o propósito de Deus.

 

MAGNIFICÊNCIA DA CONCEPÇÃO DIVINA

 

À esta altura, quero citar uma passagem de um livro publicado alguns anos atrás, que coloca a matéria numa forma muito melhor do que eu, e eu a reproduzo, porque não é minha.

‘É essencial para uma consideração exata desta matéria (isto é, a Igreja) que a magnificência do conceito de Igreja do Novo Testamento seja apreendida. Nas epístolas aos Efésios e aos Colossenses a visão da Igreja, que é o Corpo de Cristo, é anunciada. É vista lá como a ideal, invisível, indivisível, inviolável companhia de redimidos da presente era. Ninguém a não ser os regenerados tem parte nela; ninguém, exceto o eleito, participa de sua bem-aventurança. Falha e defeito são desconhecidos em relação a ela. Nela o fingido e o hipócrita não pode entrar.

Ruptura ou divisão ela não conhece. Sua unidade é inquebrável; sua vocação e glória são celestiais; seu relacionamento com Cristo é santo e íntimo; e seu destino está ligado a Ele em esplendor inconcebível. Através dos séculos da nossa era, cada geração que marcha traz uma contribuição a ela. Enquanto historicamente seus membros estão sendo chamados, um por um, sendo incorporados a ela, em sua plenitude e glória ela está sempre diante dos olhos de Deus. De fato, ela tem estado em Seu coração antes dos tempos. As ordens angelicais, de seu ponto de vista superior observam-na e ficam impressionados e iluminados com a multiforme sabedoria de Seu Arquiteto Divino. Através dos anos desta era, o próprio Cristo é o seu construtor, adicionando pedra a pedra a este magnífico templo, que é Ele mesmo, enquanto espera aquele dia quando finalmente ela, completa, santificada, maravilhosa, sem mancha e radiante com a glória celestial, seja apresentada a Ele mesmo, tomada de pleno gozo de uma associação eterna de bem-aventurança, marcas desconhecidas no presente’.

Estou certo de que você concorda com isto. Por um lado, isto não é nenhum exagero, e isto, por outro lado, é uma apresentação de algo que é de valor tremendo para Deus, para Cristo, e para nós mesmos.

Se você encontrar dificuldade com algumas das asserções, você deve lembrar que a declaração toda é feita do ponto de vista de Deus e do Céu, não do nosso. É assim que Ele vê, eternamente. O que Ele pode estar vendo quanto à condição presente das coisas aqui em baixo é uma outra questão; mas esta é a eterna concepção de Deus, e é assim que Ele a terá eternamente. Será assim. E, no seu tempo devido, será provado que é desta forma. Pode ser difícil para nós vermos; contudo, se pudéssemos ver do ponto de vista de Deus, veríamos que toda afirmação daquela sentença é verdadeira.

 

EVIDÊNCIA DA OPOSIÇÃO

 

Vamos suspender nossas dificuldades por um instante e prosseguir. A Igreja é um objeto definido, uma entidade. Ela não é simplesmente uma idéia abstrata _ não é uma coisa imaginária. É uma realidade _ não apenas na mente de Deus, mas, quando é vista de acordo com a sua real constituição, e não com a constituição humana, ela também é uma realidade em sua existência atual. A Igreja é de uma importância imensa para Deus e para Cristo. Como lemos, ela é declarada ser Sua ‘plenitude’. Todos os grandes valores de Cristo _ Sua plenitude _ são para a Igreja, na Igreja, e através da Igreja. Temos a declaração da Palavra de Deus sobre isto, e temos a história da Igreja _ em sua continuação, persistência, e sobrevivência _ que sustenta isto. E, se precisarmos de mais evidência quanto à sua importância e valor, podemos sempre obtê-la de certa medida, que evidencia uma solicitude bastante irreligiosa para com os interesses de Deus. Satanás odeia a Igreja, como ele odeia Cristo. Ele tem despendido mais preocupação com a Igreja do que com qualquer outra coisa.

Quero fazer mais uma citação do livro, e estou muito feliz por dizer que isto não é de primeira mão.

‘Através de toda a era Cristã, uma minoria tem se esforçado em realizar numa vida corporativa esses princípios escriturísticos. A oposição mais severa e implacável veio sobre eles, não do mundo, mas da cristandade organizada, isto é, o sistema que os homens chamam de igreja. Por meio dessa poderosa organização eles foram oprimidos, mal representados, perseguidos, ultrajados, ridicularizados, e ignorados. Porém, a persistência deles, de século para século, supriu a prova da praticabilidade desses princípios, e de que a Igreja pode estar na vontade de Deus’.

E uma outra porção de um outro livro _ este é sobre a Igreja: ‘Contra tal verdade transcendente, do modo como ela toca a glória de Deus e a pessoa de Cristo, não é surpresa que o arqui-inimigo devesse se colocar com toda a sua força e seus dispositivos mais persistentes e engenhosos, tanto por oposição como por imitação...’ Sim: se há uma coisa, próxima ao próprio Senhor Jesus, que Satanás odeia, é a Igreja, e qualquer representação verdadeira dela. Eu deveria gastar mais tempo com este assunto da representação da Igreja _ a necessidade, a possibilidade e a natureza disso _ e nós podemos retornar à uma palavra mais conclusiva mais adiante.

 

TÍTULOS OU PINTURAS DA IGREJA 

 

Perguntamos: Por que a Igreja? Penso que a melhor forma de responder esta questão é por meio de uma consideração de várias representações ou pinturas dela, os vários títulos dados a ela, na Palavra de Deus. Há na Palavra talvez nove títulos principais, ou ilustrações da Igreja. Pode haver outras secundárias, mas, no principal, há nove. Se considerarmos cuidadosamente essas telas ou títulos, chegaremos muito próximos de uma resposta para a nossa questão. Vamos percorrê-las com alguns comentários sobre cada uma.

 

(1) A Casa de Deus

 

O primeiro título dado à Igreja é a Casa de Deus. Mas aqui é necessário sermos claros quanto aos nossos termos. Quando falamos de uma casa, imediatamente pensamos de uma estrutura, um edifício. Passamos por uma rua e dizemos: ‘Esta é uma bonita casa’, ou, ‘uma casa incomum’; é assim que usamos a palavra. É necessário entendermos que este não é o significado pleno da palavra como é usada na conexão ‘Casa de Deus’. Deveríamos estar mais próximos da verdade se mudássemos a palavra para ‘lar’, pois este é realmente o propósito, e inclui três ideias. Uma, a estrutura _ o edifício de Deus; dois, os conteúdos da casa _ O que tem nela; três, o arranjo ou ordem da casa _ como os conteúdos são dispostos, desdobrados; seus lugares, suas posições, e assim por diante. Com isto, naturalmente, está estreitamente associada a ideia de governo. A estrutura, os conteúdos, o arranjo, ordem e governo da casa: tudo isto está contido nesta expressão, ‘A Casa de Deus’.

Primeiramente, a Casa de Deus é o edifício de Deus, a estrutura de Deus. ‘Eu edificarei a minha Igreja’. Ela é de Deus. O homem não faz isto, e é impertinente pegá-la e fazê-la do homem. A propriedade deste edifício pertence somente a Deus.

Então, o que está nesta casa está lá porque Deus a colocou, nada pode ter um lugar, como uma ‘pedra viva’, na Casa de Deus, a não ser que seja colocado lá pelo próprio Deus. Você não pode ‘se ligar’ à Casa de Deus por sua própria escolha. Você pode falar sobre ‘unir-se à Igreja’, mas isto pertence a um outro campo de coisas. 

No Novo Testamento ‘o Senhor acrescentava à Igreja aqueles que eram salvos’ (At 2.47). O Senhor acrescentava. Somente aqueles a quem o Senhor inclui estão na Casa de Deus.

Terceiro, a ordem na Casa de Deus é ordem de Deus. Deus é um Deus de ordem; Satanás é o deus da anarquia e da falta de lei. Deus tem uma ordem para a

Sua Casa, e Ele é muito meticuloso quanto a isto. Isto está claro o suficiente na primeira carta aos Coríntios. Se ignorarmos esta ordem, desprezá-la, pô-la de lado, será para o nosso próprio prejuízo, nosso próprio detrimento. Descobriremos que em nossas vidas haverá frustração, limitação; Deus não estará colocando o Seu selo sobre nós. O Espírito Santo possui a custódia da ordem Divina, e assim, chegaremos à esta ordem se estivermos sob o governo do Espírito Santo.

O nosso lugar na Casa de Deus é uma prerrogativa de Deus por meio do Espírito Santo. O lugar que ocupamos, a função que desenvolvemos, deve ser ungida por Deus. Se tentarmos fazer aquilo que Deus jamais nos chamou para fazer, estaremos mal encaixados na Casa de Deus. Porém, se, debaixo do governo do

Espírito Santo, estivermos contentes com aquilo para que o Senhor nos trouxe em Sua própria Casa, estaremos em descanso; será tranquilo, sem atrito. Deus supervisiona Sua própria Casa: é Seu governo, porque é a Sua Casa. E, como disse em outra conexão, não há nada mais impertinente do que vir para a Casa de Deus e tentar desarranjar a ordem, ou impor a nossa própria ordem. Devemos sempre procurar estar sujeitos ao Espírito Santo, e a Sua ordem, na Casa de Deus.

 

(2) O Tabernáculo e o Templo

 

A segunda representação da Casa é encontrada no Tabernáculo e no Templo. Eles são idênticos em propósito. Há, no principal, duas ideias conectadas a essas designações.

Primeiro, são o lugar onde Deus está, o lugar onde Deus escolhe estar. Lá é um lugar onde Deus escolhe estar e onde Ele pode ser encontrado, e, normalmente, este lugar é em Seu Templo _ na Igreja. A Igreja é para ser o lugar, foi intencionado para ser, o lugar onde você irá encontrar Deus, onde Deus está. Ela não é uma construção; é um povo de Deus. Ele escolhe um lugar para Si mesmo.

Quanta ilustração há no Velho Testamento sobre isso. (Sl 132.13,14). Mas as palavras de Seu próprio Filho são: ‘Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali eu estou’ (Mt 18.20), isto é a enunciação de um princípio eterno. Deus escolhe estar ou se localizar: Ele escolhe estar num certo lugar, e lá você O encontra. Como uma pessoa é tentada a ampliar isso! Mas se você, como crente, como cristão, separar-se do povo de Deus, e seguir seu próprio caminho de independência, você não irá encontrar o Senhor até que volte para os outros discípulos. Deus escolheu o Seu Templo, Seu Templo Espiritual, como o lugar aonde Ele irá nos encontrar, o lugar onde Ele pode ser encontrado.

E, quando as coisas são como devem ser, quando estiver de acordo com o Seu propósito, este lugar é também onde Ele fala. Arrisco-me em dar um passo além, e dizer que, quanto mais íntimas forem as condições num grupo, em relação à vontade de Deus, o propósito de Deus para a Igreja, mais plenamente você ouvirá Ele falar ali. Você irá ouvir mais do Senhor em tais condições do que num lugar onde há menos aproximação ao Seu conceito de Templo. 

O segundo pensamento ligado ao Tabernáculo ou Templo é que ele é o lugar onde Deus é adorado. É ‘santo ao Senhor’. A Casa espiritual de Deus, contudo, não é uma estrutura, mas um povo, e assim, o Templo carrega a ideia de um povo que adora. E o que é adorar? Temos definido adoração como o ato de se levar tudo a Deus; tudo direcionado ao Senhor. Isto é ‘santo _ ou completamente do Senhor’, tudo sendo para Ele. É assim que a Igreja deve ser; este é o plano de Deus. 

 

(3) Uma Nação Santa

 

De Pedro, aprendemos que a Igreja é uma nação _ ‘uma nação santa’ (1 Pd 2.9, citação de Ex. 19.6). Muita luz é lançada sobre isto no Velho Testamento, como sabemos. Como dissemos no início, é um povo tomado das nações por causa do Seu Nome, para ser feita, aqui e agora, uma nação santa, uma nação de uma ordem diferente _ a exata palavra ‘celestial’, naturalmente, carrega isto consigo _ uma nação celestial tirada das nações, embora no meio das nações. Mas aí estão as três coisas a ser observadas em conexão com esta concepção da Igreja como uma nação.

A primeira coisa é o princípio ou lei de separação. Isto é claramente ilustrado e efetivamente no caso de Israel, como o tipo terreno desta Igreja, separada das nações. Israel perdeu sua própria integração, sua vocação, seu poder, sua glória _ tudo _ quando perdeu aquela distinção das outras nações, quando permitiu que uma ponte fosse construída entre ela e eles, e começou a adorar os seus deuses. Foi por causa da perda de sua distinção como uma nação que Israel foi para o cativeiro. O Velho Testamento é uma lição muito poderosa de princípios espirituais. Se isto é verdade no temporal e no campo terreno, quanto mais verdade deve ser no espiritual, no celestial, no eterno! Uma coisa que contou, talvez, mais do que qualquer outra, pela perda de glória, poder, influência, e a presença de Deus, na Igreja durante os séculos, tem sido a infiltração do mundo nela, e a ida dela para o mundo _ uma perda de distinção, uma perda de separação.

Além disso, a nação era um povo constituído tanto quanto separado.

Certamente era separada _ não havia dúvida sobre esta separação do Egito! Faraó tentou discutir sobre isto; sugeriu que eles devessem viver mais perto, um pouco ligado. ‘Não’, disse o Senhor por meio de Moisés, ‘nem uma unha de animal!’ (Ex.10.24-26). E, então, olhe para a separação que o Senhor fez, a brecha que Ele colocou entre Israel e o Egito. É tudo muito ilustrativo. Mas então, quando Ele os tirou de lá, Ele os constituiu numa nação. Eles partiram numa multidão _ podemos também dizer uma população; e, então, Deus os tomou nas mãos para formá-los e constituí-los numa entidade, com leis espirituais e princípios que governam cada detalhe das suas vidas. Eles foram trazidos diretamente sob o controle do Céu, para um lugar onde nada deste mundo poderia suprir as suas necessidades. Seus recursos eram todos do Céu; eles eram um povo constituídos sobre princípios celestiais, sob governo celestial. E isto é a Igreja!

Terceiro, Pedro nos fala, nesta declaração abrangente, que o propósito de nossa chamada é o de ‘contar as excelências Dele que nos chamou’ _ daquele que ‘nos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz’. A vocação da nação é mostrar as Suas ‘excelências’: em outras palavras, mostrar como Deus excede, como Ele transcende. Esta foi a chamada de Israel; e, se isto era verdade numa forma terrena limitada, quanto mais é verdade na forma celestial, universal, da Igreja. 

Para mostrar as Suas excelências, como Ele excede: é isto que Ele está buscando o tempo todo. Como frequentemente temos dito, Ele permite ao inimigo ir um longo caminho, ter bastante corda, e, então, Ele mostra quão mais longe Ele pode ir. Ele permite ao inimigo fazer muito. E, então, ele mostra como Ele pode fazer com que tudo aquilo redunde em Sua própria glória.

As ‘excelências Dele’, mostradas na Igreja e por meio da Igreja: isto é algo para se apoiar. Olhe para o livro de Atos, a partir deste ponto de vista apenas, e veja o desenvolvimento do que Paulo disse, muitos anos mais tarde: ‘E quero, irmãos, que saibais que as coisas que me aconteceram contribuíram para maior proveito do evangelho;’ (Fp 1.12). Apenas pense nas coisas que lhe sobrevieram _ tudo para auxílio do evangelho! Esta é uma das maneiras em que Suas excelências são mostradas. Se os anjos estão observando, estou certo de que estão cobrindo suas faces e cobrindo seus pés em adoração, na medida em que veem a graça de Deus em Seus servos e filhos _as Excelências de Sua graça.

 

(4) A Igreja

 

Para nossa quarta designação, chegamos à própria palavra ‘Igreja’ em si. 

Esta, como sabemos, representa a palavra grega 'ekklesia', uma palavra muito rica e plena que foi apropriada por Cristo e pelos apóstolos e aplicada a este corpo eleito eternamente, a Igreja. O equivalente moderno desta palavra é a nossa ‘assembleia’, uma palavra que carrega em si todos os elementos do significado no original grego. No mundo grego, certas pessoas eram escolhidas, eleitas, para uma posição tanto no conselho municipal, como no governo provinciano ou nacional, conforme a eleição fosse numa cidade, ou numa província, ou num país, respectivamente. E, num determinado tempo, quando havia negócio de estado a ser tratado, e uma sessão marcada, os mensageiros saíam para chamar os homens juntos, para convocar a assembleia, a fim de transacionar o negócio de estado ou cidade. Tal corpo de homens era chamado de ekklesia.

Não era um assunto de igreja, um assunto ‘eclesiástico’, como pensamos; era um assunto puramente político, fosse da municipalidade, da província, ou do estado _ a ‘Assembleia’. Isto incorporou a ideia de uma companhia eleita, trazida junta para transacionar o negócio do reino. Esta é a palavra que foi apropriada e aplicada à Igreja. Como ela é rica! Uma companhia eleita, chamada junta para o propósito de tratar de um negócio do reino! Uma companhia eleita _’escolhida Nele antes da fundação do mundo’ (Ef 1.4), ‘chamada para a comunhão de Seu Filho’ (1Co 1.9), chamada ‘de acordo com o Seu propósito eterno’ (Ef 3.11): chamada junta, e, com Ele, conferida com os negócios do Seu governo.

 

(5) O Corpo de Cristo

 

A seguir chegamos à ‘Igreja que é o Seu Corpo’. Lemos sobre isto em Efésios 1.22,23, e há, naturalmente, muitas outras referências à igreja sob esta designação ou título. Qual é a ideia, ou a função, de um corpo físico? Primeiramente, o corpo de um homem é um veículo para a expressão de sua personalidade. Nem sempre você pode ler a personalidade através das características e do corpo, mas as pessoas usualmente se dão a conhecer até certo ponto por meio dos seus corpos.

Até mesmo se, como em alguns casos, você achar difícil de ler o que está do lado de dentro, o próprio fato de ser difícil já mostra a você que eles não querem que você saiba _ e você percebe. Não podemos facilmente nos livrar do fato de que, seja por gesto, pelo olhar, pela expressão, ou de muitos outros modos, traímos a nós mesmos por meio do nosso corpo. Este, até certo ponto, é um propósito do corpo, ser a expressão do homem interior, a fim de prover-lhe um meio de expressar a si próprio.

Da mesma forma, ‘a Igreja que é o Seu Corpo’ é o instrumento, a ‘corporificação’, do Espírito do Senhor, no qual e pelo qual Ele se expressa a Si mesmo. Se a Igreja, como a conhecemos e nos movemos entre os seus membros, acordasse para o propósito Divino, poderíamos conhecer como o Senhor é.

Guardemos isto em nossos corações: que a nossa própria existência como a Igreja é para que as pessoas possam conhecer como Cristo é. Alias, nós falhamos muito nisto. Geralmente é tão difícil detectar o caráter real do Senhor Jesus em Seu povo. Mas este é o exato significado do Corpo de Cristo.

Mais ainda _ e aqui estamos num campo familiar _ um corpo físico é um todo orgânico. Não é algo colocado junto do exterior. É algo marcado pela unicidade, por causa de sua vida interior; ele está relacionado e inter-relacionado em cada parte, dependente e inter-dependente; cada parte remota é afetada por aquilo que acontece em qualquer outra parte. Isto poderia ser bem mais expandido. Mas nós temos muito ainda para aprender quanto à real aplicação espiritual desta realidade a respeito da Igreja como o Corpo de Cristo. Precisamos ser trazidos exatamente para este grande ‘sistema solidário’ do Corpo. E isto exige uma obra real da graça em nós. Há muitas formas nas quais isto é expressado na palavra. Precisamos ‘lembrar dos presos, como se estivéssemos presos com eles, e dos maltratados, como sendo-o nós mesmos também no corpo.’ (Hb 13.3); isto é, precisamos entrar na situação deles pelo Espírito. Isto é um conjunto orgânico. ‘Se um membro sofre, todos os demais membros juntamente sofrem’ (1Co 12.26). É provável que soframos bastante por coisas que não sabemos nada a respeito. Há um sofrimento em curso, e estamos envolvidos nele: o Senhor está procurando nos envolver nas necessidades dos outros, trazer-nos para os seus conflitos.

Porém, aprendamos ou não esta verdade, estejamos ou não conscientes disso, e compreendamos ou não isto, é fato de Deus que isto é assim. Crentes de um lugar são dependentes de outros crentes em outro lugar; eles são afetados. Isto é um todo; há um sistema-nervoso solidário através de todo o corpo. Se apenas você e eu nos tornássemos espiritualmente mais vivos, a expressão do Corpo seria muito mais perfeita. Nossa morbidez, nossa insensibilidade, nossa falta de vida espiritual, resulta em mais sofrimento, mais perda, do que precisa haver.

Se apenas pudéssemos _ não mecanicamente, e não por meio de informação, mas no princípio do Corpo _ ser movidos para dentro de uma solidariedade e cooperação universal para com o povo de Deus! Nosso mover é usualmente mecânico; temos que ler ou ouvir cartas, de alguma maneira receber informação, a fim de sermos estimulados à alguma medida de oração. Porém, creio que, se estivéssemos realmente no Espírito, o Espírito iria colocar os fardos das pessoas em nossos corações. Você não acha que esta é uma questão que devemos continuamente trazer diante do Senhor? ‘Senhor, há alguém orando hoje por alguma coisa: será possível que eu possa ser a resposta à oração dessa pessoa? Se for assim, mostra-me, guia-me, coloca isto sobre mim’. Isto é vivacidade e relacionamento espiritual. 

A unidade do Corpo é uma grande vocação.

 

(6) Um Sacerdócio Real

 

A sexta designação é encontrada novamente em Pedro: ‘um sacerdócio real’ (1Pd 2.9). Ele está novamente citando Êxodo 19:6 _ ‘um reino de sacerdotes’. Note a combinação das duas ideias _ rei e sacerdote, reino e sacerdócio: duas funções trazidas juntas _ o trono e o altar. O que isto significa? Certamente significa isto: que é através do render-se, do abrir mão, do deixar ir, pelo auto-esvaziamento e pelo sofrimento que o Trono opera, que o poder Divino é exercido neste universo. É sofrimento e glória, é fraqueza e poder _ parecem contradições em termos. Mas aqui está na palavra: ‘no meio do trono...um Cordeiro’ (Ap 5.6). Aqui está o símbolo da mais absoluta rendição, e, no sentido correto, da não resistência, até mesmo para o mal (não estou falando de não resistência ao pecado, mas à injustiça): um Cordeiro conduzido à morte, e, através da morte, ao Trono (Is 53.7; 52.13).

Esses são princípios espirituais tremendos. ‘Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de Mim; porque sou manso e humilde de coração’ (Mt 11.29). Este é o Rei falando: é a Ele em cujas mãos foi entregue ‘toda autoridade no Céu e na terra’ (Mt 28.18). Veja como Ele recebeu a autoridade, como Ele alcançou o Trono! A Igreja é pra ser assim desta forma: um reino sacerdotal, por um lado envolvida em sacrifício e sofrimento, como o sacerdote, e, ao mesmo tempo, governando e reinando no Trono, como um rei.

 

(7) Um Novo Homem

 

O sétimo quadro é ‘um novo homem’ (Ef 2.14-16; Gl 3.28). Jesus chamou a Si mesmo, e era Seu título favorito, ‘o Filho do Homem’. Naturalmente, a ‘peculiaridade’ referida por Paulo é o resultado de diferentes tipos de povos que desapareceram. Não há mais Judeus e Gentios: como tipos diferentes, como representantes de duas ordens raciais de homens, eles desapareceram, se foram.

Eles desvaneceram, e em seu lugar há ‘um novo homem’. Considerando tudo isto que dissemos no início sobre o significado da Encarnação, devemos dizer que a Igreja é um tipo diferente de entidade, representando um tipo diferente de humanidade, de raça; de uma ordem diferente, assim como Cristo era diferente. 

Com Ele a diferença era interior. Olhando para Ele do exterior, as pessoas não discerniam a grande diferença. Pode ter havido algumas características que eram diferentes de outros homens, mas, se este é o caso, as pessoas não ficaram impressionadas com elas. As pessoas não podiam ver a diferença entre Ele e outros homens. ‘Não é este o carpinteiro?’ (Mc 6.3). Eles falavam sobre Ele como falariam de outros homens, olhando para Ele do lado de fora. Porém, Ele era diferente como um Homem. O Homem dentro do corpo era um Homem diferente, governado por diferentes leis, concepções completamente diferentes, daquelas pelas quais as outras pessoas eram governadas; governado a partir de um campo diferente, e, assim _ neste sentido _ sempre um mistério.

Muitos anos mais tarde, João disse, ao escrever esta carta: ‘Por isto o mundo não nos conhece, porque não conheceu a Ele’ (1 Jo 3.1b). Nós, também, somos um outro ser; e isto deve ser, se posso eu colocar desta forma, bastante natural. O real segredo, o real significado está no interior, não está? Exteriormente talvez não haja diferença das outras pessoas _ embora deva haver alguns traços exteriores; não autoconsciente, não sempre tentando ser um outro tipo, não representando: apenas o fato _ de que nós mesmos somos os mais inconscientes _que há algo lá que não pertence a esta criação; algo que fala de um outro mundo, uma outra ordem, uma outra vida, uma outra natureza. Nós simplesmente não nos comportamos, sob certas circunstâncias, como as outras pessoas se comportariam. 

E a Igreja, composta de muitos indivíduos, é pra ser desta forma _ um ‘novo homem’.

 

(8) A Noiva

 

O oitavo título é ‘a Noiva, a esposa do Cordeiro’. Aqui devemos fazer referência a grande parte das Escrituras, de Gênesis, de Mateus e Marcos, de Efésios, de Apocalipse. Quase que a última palavra do anjo ao apóstolo João foi: ‘Vem, mostrar-te-ei a noiva, a esposa do Cordeiro.’ (Ap 21.9b). Quase termos sinônimos, e, contudo, não muito idênticos no sentido. Primeiramente vamos relembrar algo do início deste relacionamento. A primeira palavra concernente veio do próprio Deus: ‘Não é bom que o homem esteja só’ (Gn 2.18). A idéia deste relacionamento, então, no princípio, foi de companheirismo: a idéia sublime do relacionamento entre Cristo e Sua Igreja. ‘Cristo...amou a igreja, e se entregou a si mesmo por ela’. (Ef 5.25) Deus, por assim falar, olhou para o Seu filho, e disse: ‘Não é bom que Ele esteja só’. A Igreja _ o mistério dos mistérios!_ é pra ser neste relacionamento com Cristo Sua companheira, ter um relacionamento com Ele, ter troca de mente, de coração, mover-se junto.

E, então, Deus disse: ‘Far-lhe-ei uma auxiliadora’ (Gn 2.18). ‘Farei para Ele alguém que o ajude’. Uma ideia muito simples, mas transfira isto para a Igreja. 

Para ministrar a Cristo, cuidar das necessidades de Cristo, dos desejos de Cristo, ter todo o equilíbrio em Sua direção. ‘Como posso prever os Seus desejos, as Suas necessidades? Como posso melhor servir aos Seus interesses?’ Isto, naturalmente, é a ideia bíblica de uma esposa, mas a Bíblia, de qualquer forma, pretende que o relacionamento terreno seja um reflexo do celestial _ ‘assim como Cristo e a Igreja’ (Ef 5.25,29,32). O ponto é este: que você e eu, se somos da Igreja, temos que ter todo o nosso equilíbrio voltado para Ele. Como podemos melhor serví-lo, como podemos ser bem agradáveis a Ele? Como podemos prever as Suas necessidades e desejos, e quais serão os Seus interesses? Esta é a primeira idéia associada à Noiva, a esposa do Cordeiro.

Com isto, nauralmente, vai a ideia de identidade: ‘os dois serão uma só carne’ (Gn 2.24; Mt 19.5; 1 Co 6.16). Eles são um: não mais dois, mas um _ uma carne. Lembre-se de Efésios 5 sobre este assunto. E ainda, a ideia do relacionamento é o Seu crescimento: ‘Frutificai e multiplicai-vos’ (Gn 1.28). ‘Ele verá a Sua descendência...Ele verá o trabalho de Sua alma...’ (Is 53.10,11 ). Como?

Não há outra forma senão através da Igreja. Observemos o seguinte: o trabalho de Sua alma será satisfeito ao gerar a Igreja novos filhos. Isto coloca o evangelismo numa nova luz, não coloca? É para Ele. Não é simplesmente o interesse de salvar as almas: é para que Ele possa ver o trabalho de Sua alma e ficar satisfeito. A Igreja é o instrumento no qual e através do qual Cristo é reproduzido _ através do qual, podemos dizer, Ele é propagado. E qualquer ‘igreja’, que assim se chame a si mesma, que não é reprodutora, à qual o Senhor não é acrescentado, na qual não há nascimentos espirituais, perdeu o ponto de seu relacionamento com Cristo. 

 

(9) A Cidade

 

A última pintura é a da Cidade. No final de Apocalipse, é-nos dito que o anjo, após ter dito: ‘Vem, mostrar-te-ei a esposa, a esposa do Cordeiro.’ (21.9), levou o apóstolo ‘no Espírito para um grande e alto monte, e me mostrou a cidade santa...’ (v.10). Essas não são duas entidades separadas. Todos esses títulos pertencem à mesma entidade, porém, são a mesma entidade vistas de posições diferentes. Se você estudar isto, penso que irá descobrir que o título de ‘a Cidade’ reúne em si mesmo todos os elementos dos demais; eles vêm juntos neste.

Observe algumas das características desta Cidade. Primeiramente, sua grandeza.

Que cidade ela é! Ele apresenta a grandeza espiritual da Igreja em união com Cristo. Olhe novamente para sua força _ seus ‘altos e grandes muros’ (v.12): que força há nesta Cidade! É a força espiritual da Igreja em união com Cristo. Foi provado que ‘as portas do inferno não prevalecerão contra ela’ (Mt 16.18). O inferno se moveu de suas profundezas,, exauriu todas os seus recursos contra a Igreja; mas a Igreja continua _ ela é uma Igreja poderosa. Sua força não é a força de homens. Olhe novamente para a sua pureza: ‘sua luz...como se fosse de pedra de jaspe, claro como cristal’ (v. 11): tudo transparente _ sua rua de ouro transparente (v. 18), seu rio de água clara como cristal’ (22.1) _ a pureza da Igreja no final. Olhe novamente para a sua beleza: ‘todos os tipos de pedras preciosas’ (v.19). É uma linda cidade. Seus portões de pérola (v. 21) falam dos sofrimentos e do sacrifício do relacionamento com o seu Senhor e as Suas aflições. Olhe para a sua vivacidade (21.1,2), para a sua luminosidade (21.11,23,24; 22.5) sua vida e sua luz. Olhe para a plenitude de recursos: as árvores dando os seus frutos durante o ano todo (22.2). Constante reprodução, sem fim _ algo completamente fenomenal e diferente. E, finalmente, em todo lugar o número doze escrito: doze fundações, doze portões, doze anjos, doze mil estádios: tudo falando de governo espiritual. 

Tal é a representação que nos é dada da Igreja, como ela será quando, finalmente, a obra terminar. Vamos observar que isto é representado para nós como um fato. Podemos muito bem nos desesperar, agora, de que isto jamais será realizado, porém, temos recebido a revelação desta profecia daquilo que ela (a Igreja) será no final. Em um certo sentido, não importa como as coisas estejam agora, importa que é desta maneira que a Igreja será. Voltando a um verso similar anterior: Ele irá ‘apresentar a Igreja a Si mesmo como uma Igreja gloriosa’ _ uma Igreja santa, uma Igreja pura, uma Igreja santificada, sem mancha, nem ruga, ou qualquer outra coisa.’ (Ef 5.27).

 

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