A Palavra de Cristo como guia todo-suficiente para o nosso andar

Se o leitor foi, por graça, capacitado a

se apossar do que nos foi apresentado

nestes capítulos, terá à disposição o

remédio perfeito para toda

intranquilidade de consciência e para

toda inquietude de coração. A obra de

Cristo, quando tão somente apropriada

por uma fé simples, deverá, por bendita

necessidade, atender a intranquilidade

de consciência; e a Pessoa de Cristo,

quando tão somente contemplada com

um olho simples, irá atender

perfeitamente toda inquietude de

coração. Se, por conseguinte, não nos

encontramos desfrutando de paz de

consciência, só pode ser por não

estarmos descansando na obra

consumada de Cristo; e se o coração não

estiver à vontade, é prova de que não

estamos satisfeitos com o próprio

Cristo.

E mesmo assim, quão poucos, mesmo

dentre o amado povo do Senhor,

conhecem a paz de consciência e a

quietude de coração. Quão raro é

encontrar uma pessoa desfrutando da

verdadeira paz de consciência e de

tranquilidade de coração! Os cristãos,

de um modo geral, não se encontram

nem um pouquinho mais adiantados da

condição dos santos do Antigo

Testamento. Eles não conhecem a

bênção de uma redenção consumada;

não estão desfrutando de uma

consciência limpa; não podem se

aproximar com verdadeiro coração, em

inteira certeza de fé, com os corações

purificados da má consciência, e o

corpo lavado com água limpa; não

compreendem a grande verdade que é

serem habitados pelo Espírito Santo,

que os capacita a clamar “Aba, Pai”.

Encontram-se, no que diz respeito à sua

experiência, sob a lei; na realidade,

nunca entraram na profundidade da

bênção que é estar sob o reinado da

graça. Eles têm vida. É impossível

duvidar disso. Eles amam as coisas

divinas; suas preferências, seus hábitos,

suas aspirações – sim, até mesmo seus

exercícios, conflitos, ansiedades,

dúvidas e temores, tudo isso demonstra

a existência de vida divina. Eles se

encontram, de um certo modo, separados

do mundo, mas sua separação é mais

negativa que positiva. É mais por verem

a completa vaidade do mundo, e sua

inabilidade em satisfazer seus corações,

do que por terem encontrado em Cristo

um objetivo. Perderam o gosto pelas

coisas do mundo, mas não encontraram

seu lugar e porção no Filho de Deus

onde Ele agora está à destra de Deus. As

coisas do mundo não podem satisfazêlos,

e não se encontram desfrutando da

posição, objetivo e esperança celestiais

que lhes são próprias; portanto, se

encontram em uma condição totalmente

anômala; não têm certeza, nem descanso,

nem constância de propósitos; não são

felizes; não conhecem qual o verdadeiro

ponto de apoio; não são nem uma coisa

nem outra.

Será que é assim com o leitor?

Esperamos sinceramente que não.

Cremos que o leitor seja um daqueles

que, por graça infinita, conhecem “o que

nos é dado gratuitamente por Deus” (1

Coríntios 2.12); que sabem haver

passado da morte para a vida – que têm

vida eterna; que desfrutam do precioso

testemunho do Espírito; que entendem

sua associação com uma Cabeça

ressurreta e glorificada nos céus, a

Quem estão ligados pelo Espírito Santo,

que neles habita; que encontraram seu

objetivo na Pessoa daquele Ser bendito

cuja obra consumada é a base divina e

eterna de sua salvação e paz; e que estão

sinceramente ansiando pelo bendito

momento quando Jesus virá para recebêlos

para Si mesmo, para que onde Ele

estiver, eles possam estar também, para

de lá nunca mais saírem, eternamente.

Isto é cristianismo. Nada mais merece

este nome. É algo que permanece em

evidente e notável contraste com a

religiosidade espúria de nossos dias, a

qual não é nem puro judaísmo, nem puro

cristianismo, mas uma péssima mistura,

composta de alguns elementos de cada,

cujo povo inconverso pode adotar e

seguir, pois concede liberdade às

concupiscências da carne e lhes permite

desfrutar dos prazeres e vaidades do

mundo, em busca de contentamento para

seus corações. O arqui-inimigo de

Cristo e das almas foi bem sucedido ao

produzir um horrível sistema de

religião, meio judaico, meio cristão,

combinando, da maneira mais

habilidosa, o mundo e a carne, com um

certo montante de passagens das

Escrituras, utilizadas de modo a destruir

sua força moral e impedir sua correta

aplicação. As almas ficam, assim,

emaranhadas e sem esperança. Por um

lado os inconversos são enganados com

a ideia de que são cristãos realmente

muito bons, e que estão seguindo direto

para o céu; e, por outro lado, o querido

povo do Senhor é roubado de seu lugar e

privilégios que lhe são próprios, e

arrastados para baixo pela escura e

depressiva influência da atmosfera

religiosa que o cercam e quase o

sufocam.

Não está, cremos, ao alcance da língua

humana expressar as aterrorizantes

consequências dessa mistura do povo de

Deus com o povo do mundo em um

sistema comum de religiosidade e

crença teológica. Seu efeito sobre os

que pertencem ao povo de Deus é o de

cegar seus olhos para as glórias morais

do cristianismo, como são apresentadas

nas páginas do Novo Testamento; e isto

a um ponto tal que se alguém tentar

desvendar essas glórias aos seus olhos,

será reputado como um entusiasta

visionário ou um perigoso herege. O

efeito de tudo isso, sobre os que

pertencem ao mundo, é o de enganá-los

totalmente quanto à sua verdadeira

condição, caráter e destino. Ambas as

classes de pessoas recitam as mesmas

fórmulas, compartilham do mesmo

credo, fazem as mesmas orações, são

membros da mesma comunidade, tomam

parte do mesmo sacramento, estão, em

suma, eclesiasticamente, teologicamente,

religiosamente unidas.

Talvez se diga em resposta a tudo isso,

que nosso Senhor, em Seu maravilhoso

sermão de Mateus 13, ensina de modo

distinto que o trigo e o joio devem ser

deixados a crescer juntos. Sim; mas

onde? Na Igreja? Não; mas “no

campo”; e Ele nos diz que “o campo é o

mundo”. Confundir estas coisas é

falsificar a posição cristã como um todo,

e se livrar de toda a piedosa disciplina

que deve ser exercida na assembleia. É

colocar o ensino de nosso Senhor em

Mateus 13 em oposição ao ensino do

Espírito Santo em 1 Coríntios 5.

Todavia, não vamos nos deter mais

neste assunto. Ele é importante e extenso

demais para ser tratado em um artigo tão

breve quanto este. Talvez venhamos a

discuti-lo melhor em alguma outra

ocasião. Estamos completamente

convencidos de que ele exige a

consideração séria do leitor cristão,

apoiado, como está de modo tão

manifesto, na glória de Cristo, nos

verdadeiros interesses do Seu povo, no

progresso do evangelho, na integridade

do testemunho e serviço cristãos, de

modo que seria praticamente impossível

superestimar a sua importância. Mas

devemos deixá-lo por enquanto, e

direcionar este artigo para seu

encerramento com uma breve referência

ao terceiro e último ramo de nosso

assunto, a saber, a Palavra de Cristo

como o guia todo-suficiente para nosso

caminho.

Se a obra de Cristo é suficiente para a

consciência, se Sua bendita Pessoa é

suficiente para o coração, então, com

toda a certeza, a Sua preciosa Palavra é

suficiente para o caminho. Podemos

admitir, com toda a confiança possível,

que possuímos no divino volume das

Sagradas Escrituras tudo o que

poderíamos precisar, não apenas para

atender as necessidades de nossa senda

individual, mas também para as variadas

necessidades da Igreja de Deus, nos

mínimos detalhes de sua história neste

mundo.

Estamos bem cientes de que ao fazermos

uma tal afirmação nos expomos a muita

zombaria e oposição, vindas de mais de

uma direção. Seremos confrontados, por

um lado, com os que defendem a

tradição e, por outro, por aqueles que

lutam pela supremacia do raciocínio e

vontade humana; mas isto nos deixa

verdadeiramente muito pouco

preocupados. Consideramos as

tradições dos homens, sejam eles pais,

irmãos ou doutores, quando

apresentadas como sendo de alguma

autoridade, como uma partícula de

poeira na balança; e no que se refere ao

raciocínio humano, só pode ser

comparado ao morcego, ao sol do meiodia,

cego pela luz, e se lançando contra

obstáculos que não pode ver.

É do mais profundo gozo para o coração

do cristão poder se desvencilhar das

conflitantes tradições e doutrinas dos

homens e entrar na tranquila luz das

Sagradas Escrituras; e quando diante

dos impudentes raciocínios do ímpio, do

racionalista, do cético, sujeitar todo o

seu ser moral à autoridade e poder das

Sagradas Escrituras. Ele reconhece, com

gratidão, na Palavra de Deus o único

padrão perfeito para doutrina, moral, e

tudo mais. “Toda a Escritura é

divinamente inspirada, e proveitosa

para ensinar, para redarguir, para

corrigir, para instruir em justiça; para

que o homem de Deus seja perfeito, e

perfeitamente instruído para toda a

boa obra” (2 Timóteo 3.16,17).

De que mais podemos precisar? De

nada. Se as Escrituras podem tornar um

menino “sábio para a salvação”, e se

elas podem tornar um homem “perfeito

e perfeitamente instruído para toda a

boa obra”, o que é que queremos com a

tradição ou com o raciocínio humano?

Se Deus escreveu um volume para nós,

se Ele condescendeu em nos dar uma

revelação do Seu pensamento, quanto a

tudo o que devemos conhecer, pensar,

sentir, crer e fazer, iríamos nós nos

voltar para um pobre mortal nosso

semelhante – seja ele ritualista ou

racionalista – para nos ajudar? Longe de

nós um tal pensamento! Seria o mesmo

que nos voltarmos ao nosso semelhante

a fim de acrescentarmos algo à obra

consumada de Cristo; a fim de fazê-la

suficiente para a nossa própria

consciência, ou suprir o necessário para

cobrir alguma deficiência que

encontrássemos na Pessoa de Cristo,

visando fazer dele um objeto que fosse

suficiente para nosso coração. Seria

como nos entregarmos à tradição ou ao

raciocínio humano para suprir alguma

deficiência que encontrássemos na

revelação divina.

Todo louvor e graças sejam ao nosso

Deus por não ser este o caso. Ele nos

deu, em Seu amado Filho, tudo o que

necessitamos para a consciência, para o

coração, para o caminho aqui – para o

tempo, com todos os seus cenários em

constante mutação – para a eternidade,

com suas eras incontáveis.

Podemos dizer:

Tu, Oh, Cristo, és tudo de que

precisamos;

Mais que tudo em Ti encontramos.

Não há, e nem poderia existir, qualquer

falta no Cristo de Deus. Sua expiação e

Sua intercessão devem satisfazer todos

os anseios da consciência mais

profundamente exercitada. As glórias

morais – a poderosa atração de Sua

divina Pessoa – devem satisfazer as

mais intensas aspirações e desejos do

coração. E sua inigualável revelação –

esse volume sem preço – contém entre

suas capas tudo o que possamos

necessitar, do princípio ao fim de nossa

carreira cristã.

Leitor cristão: acaso essas coisas não

são assim? Acaso você não reconhece a

verdade que há nelas, do mais íntimo do

seu ser moral renovado? Se assim for,

será que você está descansando, em

tranquilo repouso, na obra de Cristo?

Está se deleitando em Sua Pessoa? Está

se sujeitando, em todas as coisas, à

autoridade da Sua Palavra? Deus queira

que assim possa ser com você, e com

todos os que professam o Seu nome!

Possa haver um testemunho cada vez

mais pleno, mais claro e mais decidido

para a total suficiência de Cristo, até

aquele dia.

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