4 - OS QUARENTA DIAS

‘Vim lançar fogo na terra; e que mais quero, se já está aceso? Importa, porém, que seja batizado com um certo batismo; e como me angustio até que venha a cumprir-se!’ (Lc 12.49,50). (O real sentido da primeira sentença é, talvez, melhor dado na Versão Revisada Padrão Americano: ‘Vim lançar fogo na terra, e como gostaria que já estivesse aceso!’) 

’Aos quais também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas e infalíveis provas, sendo visto por eles por espaço de quarenta dias, e falando das coisas concernentes ao reino de Deus.’ (At 1.3).

‘E eu, quando vi, caí a seus pés como morto; e ele pôs sobre mim a sua destra, dizendo-me: Não temas; Eu sou o primeiro e o último; E o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as chaves da morte e do inferno.’ (Ap 1.17,18).

Abordamos este aspecto particular com a mesma questão como aquela com que abordamos as outras, e perguntamos: Por que os quarenta dias? Resumiremos as nossas respostas a esta questão em três formas, embora haja muito mais detalhes do que podemos cobrir no momento.

É evidente que aqueles quarenta dias foram muito mais preenchidos do que indicam os registros. Temos apenas dez aparições registradas do Senhor durante os quarenta dias, e cinco deles aconteceram no primeiro dia, restando trinta e nove dias para os cinco restantes ( se é que dez foi o número das aparições). Mas João, falando das aparições do Senhor após A Sua ressurreição, disse: ‘Muitos outros sinais... fez Jesus na presença dos discípulos, que não foram escritas neste livro’ (Jo. 20.30), e penso que o contexto nos levaria a concluir que esses ‘muitos outros sinais’ foram feitos após a Sua ressurreição. Isto tem o apoio de Lucas, quando ele fala dos quarenta dias como contendo ‘muitas provas’. Assim, foram evidentemente dias muito plenos, e sendo assim, o período foi de grande importância. Não é nosso propósito ficar com as várias aparições, mas buscar compreender o significado do todo.

Agora esta nota em a Oitava de Redenção não tem sido tocada tão fortemente e firmemente como devia ter sido. Sabemos como, algumas vezes, um martelo fica ligeiramente gasto ou danificado, e, quando você sobe a escala, aquela nota em particular é mais fraca que as demais, e você percebe isto. Da mesma forma, penso que esta nota dos quarenta dias tem perdido muito de sua força, ou não tem sido dada a devida força e positividade e plenitude de volume que se devia. Creio que veremos isto na medida em que prosseguirmos. Pois este foi o grande ponto de virada, e tudo para a cristandade se baseia sobre este aspecto do plano da redenção.

Podemos mencionar apenas algumas coisas que se apoiaram nesses quarenta dias, porém elas são suficientes para indicar que tremendo período foi este.

Vamos, contudo, observar primeiramente que este é um dos grandes ‘quarentas’ da Bíblia _ Deixo que você os procure _ mas menciono alguns.

Houve os grandes quarenta anos de Moisés no Egito, um tempo de profunda preparação e prova, especialmente prova de seu coração. Se todas as riquezas, e

tesouros, e aprendizado de um dos maiores impérios da história está aberto para você, à sua disposição, sua atitude em relação a isto constitui um teste muito bom de onde está o seu coração! E Moisés passou por um teste como esse. Ao final daqueles quarenta anos, foi visto que seu coração não estava naquilo: seu coração era para Deus e para os interesses de Deus. Quarenta é sempre o número da provação, do teste e decisão, e foi muito decisivo, não foi, para Moisés no final daqueles quarenta anos.

Mas, então, começaram outros quarenta anos para Moisés, na terra de Mídia; e, se o primeiro foi um teste para o seu coração, o segundo quarenta foi um tempo de teste para a sua fé. Que provação tremenda foi aquela _ desapontou empreendimentos, desapontou esperanças e expectativas, e a consciência de que ele era o principal responsável por aquilo, por sua própria insensatez. Foi um tremendo teste de fé. Porém, ele foi aprovado.

Então, houve os quarenta dias e quarenta noites passados por Moisés no Monte. E que tempo de teste foi esse para Israel lá em baixo! Sim, esse tempo teve

a finalidade, penso eu, de desmascará-los; e nós sabemos como eles saíram daquela situação. Foram provados, sem qualquer dúvida. Este assunto foi decidido muito definitivamente, e a partir dali Deus se moveu em relação aos levitas. Este é um assunto cheio de instrução; porém devemos deixá-lo lá.

E, então, houve os quarenta anos do próprio Israel no deserto. Que tempo de teste, provação e decisão foi esse!

Houve outros quarentas, porém, saltamos de lá para o Novo Testamento, para o teste do nosso Senhor por quarenta dias no deserto _ um tempo de teste incomparável; e, finalmente, para esses quarenta dias após a Ressurreição. Você vê a característica, a natureza e o significado de quarenta, como um tempo de teste e prova, de estabelecimento, de decisão. Tudo isto foi reunido em quarenta dias, que vamos agora considerar.

Mas olhe para alguns dos fatores incluídos nesse período, como tendo influência sobre o Cristianismo, sobre a Igreja, sobre o futuro. Toda obra dos apóstolos dependeu disso, como veremos. É muito claro. De que serviam eles antes do início daqueles quarenta dias? O que podiam eles ter feito na condição que estavam, enquanto Jesus estava no túmulo? Ele poderia ter ressuscitado e ido para o Céu sem que eles O vissem, e então, de alguma forma, poderia ter ocorrido a eles que Ele estava no Céu _ ah, mas teria havido uma lacuna muito grande se isto tivesse sido assim! A porta teria sido aberta para que todos os tipos de coisas entrassem. Mas o Senhor não deixou as coisas desta maneira. A obra futura deles dependia desses quarenta dias. O Senhor estava lançando a fundação de tudo para eles durante aquele período.

E a própria existência da Igreja dependia disso; ela precisou desses quarenta dias. Isto veremos daqui a pouco, mais plenamente. A capacidade dos cristãos de sofrer, de suportar e de vencer necessitou desses quarenta dias. As muitas provas _ o terreno completa e firmemente estabelecido _ para o fato de que Ele estava vivo, foram essenciais para a segurança dos crentes e sua capacidade de superar todos os sofrimentos dos dias que estavam adiante.

Novamente, a segurança de um futuro eterno para os cristãos dependia disso. Aquela morte não é o fim; há uma vida que venceu a morte; e esta vida é a favor deles, e que um futuro eterno está assegurado _ tudo isso dependia daqueles quarenta dias.

Novamente, a própria natureza do corpo ressurreto dos cristãos é estabelecido por esses quarenta dias. O apóstolo Paulo deixa isto muito claro. Em 1 Coríntios 15, está positivamente declarado que o mortal e o corruptível será revestido de imortalidade e incorrupção (vv 53,54). O corpo do cristão será ‘conformado ao corpo da Sua glória’ (Fl 3.21). Mas como é tal corpo? Temos nós alguma coisa para nos basear? Há alguma prova sólida para se crer que após a ressurreição nós teremos um corpo? Bem, o Senhor fez o máximo para deixar bem claro que Ele não era nenhum fantasma, nem um espírito desencarnado. ‘Apalpai-Me, e vede; pois um espírito não tem carne nem ossos como vedes que eu tenho’ (Lc 24.39). Nosso conhecimento de um corpo ressurreto, sua característica e natureza, foram determinados durante aqueles quarenta dias.

E o que dizer da esperança em relação àqueles que dormem? Esta esperança é determinada por este período. Ainda outros fatores poderiam ser mencionados, mas a menção de apenas esses é suficiente para indicar que esta não foi uma fase sem importância da grande oitava redenção. É a própria redenção que está focada neste período. Tudo tinha que ser bem fundado e fundamentado, com ‘muitas provas’.

Como já vimos, João disse que o Senhor fez ‘muitos outros sinais...na presença dos Seus discípulos’. O objetivo? Estabelecer a evidência, deixar as coisas _ ou melhor, uma coisa _ sem qualquer dúvida. Qual era? O fato de que Jesus vive _ Jesus vive novamente após a morte! Em outras palavras: O Senhor ressuscitou! Vamos agora olhar para as três coisas mais específicas que, de certa forma, resume a resposta à pergunta: Por que os quarenta dias? O que já temos visto já oferece, naturalmente, uma boa resposta, porém, esta não é a resposta completa.

 

A LIBERTAÇÃO DO SENHOR

 

Primeiramente, o que o próprio Senhor Jesus concebeu ser o valor particular para Ele mesmo em Sua ressurreição? A resposta está naquelas palavras que lemos em Lucas 12.49,50: ‘Eu vim para lançar fogo sobre a terra... E como gostaria que já estivesse aceso!... Tenho um batismo para ser batizado, e como me contenho até que isto se suceda!’ Não há dúvida de que Ele está falando sobre o batismo de Sua Cruz e paixão; e Ele está olhando através do batismo e pensando do outro lado como Sua libertação. Assim, a primeira coisa sobre esses quarenta dias é que isto significava a libertação do Senhor. ‘Como estou Eu limitado, como estou Eu contido, como estou Eu confinado! Eu vim para lançar fogo _ para incendiar toda a terra: mas aqui estou Eu, amarrado a essas poucas milhas de um pequeno país, preso ao tempo, preso a todas as condições de vida aqui’. Oh, quão limitado Ele era! Limitado em Seu próprio movimento, limitado em Seus discípulos, limitado de toda forma. Ele estava desejando ficar livre, estar solto, ser liberto. Ele olhou para a ressurreição como Sua libertação, e para a cruz como o caminho para ela. 

Agora, o Senhor tinha, no começo de Seu ministério, feito uma grande declaração. Você se lembra de que o primeiro registro do Seu ministério foi em Nazaré, quando Ele tomou Isaías 61 e disse dos sete aspectos de Seu ministério: ‘O Espírito do Senhor está sobre Mim...Ele me enviou para proclamar libertação aos cativos... para proclamar o ano aceitável do Senhor’ (Luc 4.16-19). Agora não há dúvida de que em Sua mente Ele estava pensando sobre o ano do Jubileu: porque essas palavras de Isaías são um eco das palavras usadas em Levítico 25.10, concernente ao ano do jubileu, o ano qüinquagésimo, o ano da libertação, quando todas as coisas que estavam em servidão _ homem, mulher, criança, casas, terra, e tudo mais _ tinha que ficar livre. E assim, já no início de Seu ministério, Ele disse: ‘Vim por causa do Jubileu de Deus, o quinquagésimo ano de Deus, o ano da libertação do Senhor’.

Do êxodo de Israel ao início do ministério do Senhor Jesus, houve trinta jubileus _ um interessante pedaço da Bíblia para o seu estudo, caso queira! Aqui está começando o trigésimo jubileu. Agora, quando o Senhor Jesus fez a declaração nas palavras da Escritura _ ‘liberdade aos cativos... restauração da vista aos cegos... liberdade aos oprimidos’ _ Ele sabia o que dizia. Ele declarou que tinha vindo para trazer o maior de todos os jubileus. A realização, o real cumprimento daquilo, estava ainda um pouco adiante _ talvez trinta e três anos à frente _ mas isto se efetivou durante, e como resultado dos quarenta dias. 

Efetivou-se, antes de tudo, em relação a Ele próprio. Pela ressurreição Ele alcançou a Sua própria libertação, Sua total emancipação. Ele estava livre. Veja-O agora: nenhum confinamento geográfico pode detê-lo; _ Ele está livre de tudo isto.

Nenhum limite de tempo pode prendê-lo; nenhum daqueles antigos tipos de limitações e estreitezas podem detê-lo. O tempo já não importa, a distância já não importa: Ele está livre. No dia da Sua ressurreição Ele caminhou com os dois discípulos a Emaús, partiu o pão com eles, e... desapareceu! Eles correram de volta para Jerusalém, a fim de relatar _ porém Ele estava lá diante deles! Foi desta maneira o tempo todo. É um exercício instrutivo para registrar todas as marcas de Sua libertação durante aqueles quarenta dias.

Veja agora o que Ele está fazendo com esses discípulos, uma grande companhia que passa a ser o núcleo de Sua Igreja. Ele apareceu para mais de quatrocentas pessoas de uma vez só, diz Paulo (1 Co 15.6). O que está Ele fazendo?

Ele está estabelecendo a evidência para o fato de que Ele agora não conhece limitações, Ele não conhece barreira, ou barreiras. Ele está livre! Esta é uma tremenda herança para a Igreja, para nós. Como estamos felizes por isso hoje! _ em perceber que a geografia não mais interessa, seja cinquenta, ou quinhentas, ou cinco mil milhas; que o tempo também não importa _ nada disso mais importa. Ele está livre! É uma coisa tremenda para a Igreja ter isso estabelecido por meio de ‘muitas provas’. Nossa Versão Autorizada do Rei James costuma colocar em outras palavras _ ‘muitas provas infalíveis’. Mesmo que isto não esteja no texto original, o epíteto é plenamente aplicável.

 

A LIBERTAÇÃO DE SUA GENTE

 

Este era o Seu lado. Mas Ele não veio apenas para proclamar Sua própria libertação e garantir isto por meio da cruz. Havia o outro lado, a libertação do Seu povo: a libertação dos homens e a libertação da Igreja. Olhe para os homens antes: eles estavam terrivelmente presos em si mesmos, não estavam? Estavam manifestadamente limitados em todos os sentidos: em sua capacidade para as coisas espirituais, em sua compreensão, em sua inteligência espiritual. A palavra de Paulo aos coríntios poderia muito bem ser aplicadas a eles: ‘estais estreitados em vossos próprios afetos’ (2 Co 6.12). Mas olhe para a libertação deles nesses dias! 

Não há dúvida que isto aconteceu _ e está acontecendo o tempo todo: você pode vê-la crescendo! Eles estavam livres. Você tem apenas que pensar na diferença entre Pedro no saguão do julgamento e Pedro no dia do Pentecoste. Um homem limitado, preso, estreitado, vencido; o outro Pedro _ um homem emancipado.

Com todos eles foi desta forma. Era o ano do jubileu para eles! O Senhor Jesus o tinha proclamado; através de Sua ressurreição Ele o trouxe (o jubileu); e pelo envio do Espírito Santo no dia do jubileu, o quinquagésimo dia (‘Pentecoste significa ‘quinquagésimo’), Ele finalmente o tinha selado. O quinquagésimo ano é jubileu, e o Pentecoste é o quinquagésimo dia. Sim, é jubileu, é libertação; tudo leva este selo. E assim, o Pentecoste foi a coroa daqueles cinquenta dias, e o cumprimento especialmente dos valores dos quarenta. Era o dia da libertação deles!

Se você e eu realmente experimentássemos o benefício daqueles dias, nós, também, deveríamos ser homens e mulheres livres. Pense em Tomé. Alguma outra pessoa estava mais presa do que ele? Ele estava amarrado consigo mesmo, e amarrado com o seu próprio temperamento. Ele tinha aquele tipo de temperamento, você sabe, que não cria em nada, a menos que houvesse prova absoluta. Jamais aceitava a palavra de alguém _ tudo tinha que ser provado e demonstrado. Que sujeito infeliz ele era! ‘Exceto se eu ver...jamais crerei’ (Jo 20.25). Isto o prendeu numa pequena prisão de sua própria alma. Nenhum evangelho, nenhuma boa notícia, nem mesmo a melhor notícia que você possa trazer, é boa o suficiente para alguém como ele, porque pessoas assim não irão aceitá-la, simplesmente não podem crer. ‘Sim, mas isto é apenas, a final de contas, o que você diz’ _ Esta é a reação delas. ‘Você diz isto, você crê nisto: Eu não tenho prova de que isto é assim’. O pobre Tomé é o representante de toda turma temperamental.

Mas olhe para o homem alguns dias mais tarde. O Senhor logo esclareceu tudo isto para Tomé _ esclareceu tão exaustivamente que quando, oito dias mais tarde, ele foi convidado pelo Senhor, com as palavras: ‘Põe aqui a tua mão...’, a fim de considerar e provar a evidência por ele mesmo, nunca foi registrado que ele ez isso. Ele podia apenas dizer: ‘Meu Senhor e meu Deus’. Ele está rendido _ e esta libertação veio durante os quarenta dias. Então eles se tornaram homens livres! Lá estavam eles, permanecendo em pé juntos no dia de Pentecoste _ homens livres! A ressurreição do Senhor Jesus pode ter este efeito em você e em mim. Pode nos libertar de nós mesmos e de nosso próprio pequeno mundo _ e graças a Deus que ela faz isto, se entrarmos vitalmente nela. Se você não conhecer isto por experiência, contudo isto é sua herança. Esses quarenta dias não são apenas um capítulo na história; o valor deles é a sua herança: é para você _ para todos nós. Isto não é um ponto doutrinário; isto é um poder atual para cada vida, oferecido para que nos agarremos por fé, para a nossa libertação de nós mesmos.

Era o ano da libertação deles, mas também é o ano para a nossa libertação, para a libertação da Igreja. O jubileu ainda não acabou.

 

A REUNIÃO DO REBANHO DISPERSO

 

Chegamos agora a terceira coisa. O Senhor Jesus tinha dito a eles, quando estava indo para a Cruz, quando estava com eles no monte das oliveiras nas últimas horas antes da paixão: ‘Todos vocês se escandalizarão de Mim esta noite: pois está escrito, ‘ferirei o pastor, e as ovelhas serão dispersas por todos os lugares’ (Mt 26.31). Que dispersão foi aquela! Todos eles O abandonaram; foram quebrados em fragmentos, ‘por todos os lugares’, como podemos dizer, como um vaso quebrado.

Eles estavam exteriormente em pedaços, como um bando, e interiormente em pedaços, como homens. Sua palavra ‘dispersos’ foi verdadeiramente cumprida.

Agora olhe para os quarenta dias. O que Ele está fazendo? Ele está ajuntando novamente todos os pedaços, Ele está colhendo todos os fragmentos. Aqui e ali, e acolá, Ele está encontrando esses pedaços. Dois tinham ido nesta direção, um está aqui, os outros estão lá; não há qualquer sinal de qualquer unidade sobre eles. Mas, agora, durante os quarenta dias, Ele está achando a todos, colhendo-os, ajuntando-os.

Ao final Ele tem todos reunidos, e numa união que nunca antes tinha havido, numa união que eles jamais tinham conhecido. Este é o valor dos quarenta dias.

Mas lembre-se, as coisas não poderiam ter sido de outra forma. Havia todos os elementos de desintegração neles antes, e assim tinha que ser _ não poderia ser de outra forma. Agora precisamos pensar sobre isso, porque naqueles onze homens você tem a Igreja em representação. Eles são um quadro da igreja em divisão, todos quebrados em fragmentos, sem qualquer confidência mútua _ suspeitando um do outro, não crendo um no outro _ uma Igreja quebrada, uma Igreja dividida, uma Igreja dispersa. Era assim que eles estavam, simplesmente por causa das condições que estavam neles antes da cruz; o quadro estava lá para isso. Mas apenas pense: eles tinham tido uma associação com Ele por três anos e meio, eles o acompanharam durante todo aquele tempo, eles estavam sob a Sua influência e palavra, eles ouviram todo o Seu ensino, viram Suas obras _ eram os Seus discípulos; e, contudo, havia todo esse potencial latente que tornou possível essas divisões e suspeitas, e questionamentos.

Se o nosso relacionamento com o Senhor Jesus é algo meramente objetivo e externo: se é uma questão de conhecer o Seu ensino _ naturalmente crendo que  Seu ensino está correto _ e de ter alguma medida de devoção a Ele: todo aquele tipo de relacionamento doutrinário, teológico e histórico com o Senhor Jesus, porém carecendo de algo profunda e drasticamente trabalhado no interior; carecendo daquela ação tremenda da Cruz, a fim de quebrar o homem natural e abrir o caminho para algo do Céu: então, isto pode e será obtido. Dizendo assim, estou dizendo mais do que as minhas palavras podem transmitir. Porém, muito frequentemente, esta é a situação de toda dispersão e divisão, e brigas, e suspeitas, e questionamentos, e de qualquer outra coisa. A cruz não fez a sua obra para quebrar o homem natural _ até mesmo em seu relacionamento com Cristo, em sua apreensão das coisas de Cristo; para quebrar toda a sua vida natural e, por assim dizer, parti-lo amplamente para algo do céu. Há uma longa, longa história ligada numa afirmação como esta, e uma terrível história. E assim, este é o porquê de eu dizer que a dispersão e o desapontamento deles não foram apenas porque Cristo foi crucificado: foi porque as sementes daquela dispersão estavam neles _ o potencial já estava lá.

Mas agora, o que aconteceu? Eles foram quebrados e espalhados, e agora uma nova condição está sendo colocada, a condição de uma outra vida e de um outro tipo de conhecimento do Senhor. Esta é a grande coisa sobre os quarenta dias. Eles jamais haviam-No conhecido desta forma antes. De fato, eles algumas vezes encontram dificuldade em crer que é Ele. ‘Quando eles O viram.. alguns duvidaram’ (Mat 28.17). ‘É Ele?’ Quando Ele primeiramente encontrou com eles que vinham do túmulo, Ele tinha dito: ‘Não temam...’ (V. 10). Não, eles ainda não estavam seguros. Este é um outro tipo de conhecimento Dele; é conhecê-Lo numa outra esfera. Paulo disse: ‘Embora tenhamos conhecido a Cristo na carne, contudo agora já não O conhecemos mais desta maneira’ (2 Co 5.16). Daquela maneira, não mais! Este é um diferente tipo de conhecimento Dele, como a base essencial de uma verdadeira unidade: um conhecimento que veio, por um lado, através de uma terrível dispersão de todo conhecimento natural, e, por outro lado, através de umanova vinda do Senhor, pessoalmente, para aqueles que tinham sido dispersos. É  sempre desta maneira. Até que tenhamos sido quebrados, não estamos numa posição para o Senhor vir e nos mostrar as coisas maiores, as coisas mais profundas, as coisas verdadeiras. Esses são princípios permanentes.

E assim, Ele os uniu _ ou devemos dizer ‘reuniu’ _ e, então, sobre esta base de um novo tipo de vida, sobre um novo tipo de conhecimento dEle mesmo, Ele estabeleceu entre os discípulos uma unidade totalmente nova. Eles estão libertos da esfera de suas próprias vidas agora; eles estão agora na dimensão da vida dEle. 

A vida deles era uma vida dividida; a vida dEle é uma vida que une. Podemos muito bem dizer que somos ‘um em Cristo’ porque todos nós compartilhamos de uma mesma vida. Naturalmente, isto é verdade, porém pode ser uma afirmação bastante superficial. Nós de fato somente entramos no valor prático desta Vida se a Cruz fez algo em nós. A expressão prática de unidade desta Vida requer esta obra profunda da Cruz. Que somos todos um em Cristo, porque compartilhamos de Sua Vida, a Vida eterna que Ele nos deu, pode ser posicionalmente verdadeira; porém a expressão disso ainda pode estar faltando.

Não é isto verdadeiro hoje? Podemos dizer que todos os verdadeiros crentes no Senhor Jesus Cristo, que receberam a dádiva da vida eterna, são um _ um por causa da Vida que compartilham com Ele e nEle. Sim, porém, olhe para a expressão disto entre os cristãos! Onde está a manifestação de unidade desta vida? Isto está tragicamente faltando. Com os discípulos, a manifestação disto aconteceu quando a Cruz tinha feito sua obra profunda em suas vidas naturais, e os trouxe para um outro terreno, onde toda a sua apreensão e conhecimento dEle era espiritual.

Estava num terreno de algo tremendo que estava acontecendo dentro deles. 

Aqueles quarenta dias não foram apenas dias de coisas acontecendo a eles: você poderia ver algo correspondentemente acontecendo neles o tempo todo. Antes, quando Ele fez uma leve referência, ou deu uma pista de Sua partida, eles ficaram consternados e aterrorizados. Agora, eles estão se movendo rapidamente em direção a um lugar onde, longe de se sentirem consternados por estar Ele se apartando dEles, eles estão muito felizes com isso _ cheios de alegria. Todo aquele medo tinha sumido; está tudo bem agora. Quando Ele aparece, durante os quarenta dias, algo está acontecendo dentro deles.

 

A NOVA DISPERSÃO  

 

Há um outro fator aqui que para mim é de grande significado e conforto. Você lembra que não foi muito tempo depois disto que a perseguição se levantou sobre Estevão, e todos eles foram dispersos mais uma vez (At 8.1,4; 11.19). Eles foram todos dispersos _ e agora é perfeitamente seguro para eles serem dispersos.

A antiga dispersão foi uma coisa devastadora: tudo perda, tudo fraqueza _ tudo errado. Porém eles podem ser dispersos para qualquer lugar, por todo o mundo, agora, e isto é tão seguro quanto a eternidade. Uma vez que a coisa é feita por dentro, está tudo certo, tudo bem. Um etíope não mais precisa de um Felipe para aprender: ele pode seguir seu próprio caminho, regozijando, sem Felipe ou qualquer outra pessoa, quando a coisa é feita no interior. Quando isto tem acontecido, podemos ter confiança de que as pessoas irão prosseguir. Graças a Deus que é desta forma! Pode haver perseguição, dispersão, prisões, mas eles seguem adiante.

Esses, então, e muitos outros, são os valores que surgiram daqueles quarenta dias. Porém, lembremo-nos de que isto está aqui na Palavra para nós, foi passado de mão em mão para nós. Não é apenas história, história da Igreja, daquilo que aconteceu muito tempo atrás. Este livro de Atos _ que, como dissemos, pode muito bem ser chamado de ‘O Livro da Libertação do Senhor’ _ é dado para a igreja como a base da vida da igreja. É para nós mesmos, e nós temos uma tremenda herança nesses quarenta dias. Se tão somente estivéssemos estabelecidos sobre aqueles valores, que diferença isto iria fazer!

Deixe-me enfatizar uma vez mais aquele fator da reunião e da consolidação em uma nova comunhão. Isto é o que é necessário. Não é a deplorável atual situação entre os cristãos, com todos os fragmentos e divisões, todos os questionamentos e suspeitas, e assim por diante, não é isto uma prova clara de que os crentes não estão realmente permanecendo no significado daquilo que foi realizado na Cruz, em destruindo o campo natural e a vida natural, e abrindo espaço para a espiritual e celestial? Isto é onde tudo está focado. Quanto mais profundo a cruz opera em nós, tratando com a nossa vida natural em todas as suas formas, mais ficamos abertos para a vida celestial, e tanto mais ficaremos unidos e estabelecidos. Esta é uma afirmação de fato, mas também é uma prova real de nossa própria posição.

Creio que falei o suficiente, a fim de mostrar que esses quarenta dias foram muito, muito importantes, e que eles permanecem por todos os tempos como a época mais significativa para a vida da Igreja.

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