Cristo como um Objeto para o coração

Havendo procurado descortinar, nos três

capítulos anteriores, as grandes

verdades fundamentais ligadas à obra de

Cristo por nós – Sua obra no passado e

sua obra no presente – Sua expiação e

Sua intercessão, devemos agora

procurar, pela graciosa ajuda do

Espírito de Deus, apresentar ao leitor

algo daquilo que as Escrituras nos

ensinam quanto ao segundo ramo de

nosso assunto, a saber, Cristo como um

objeto para o coração.

Trata-se de algo maravilhosamente

bendito poder dizer: “Encontrei

Alguém que satisfaz perfeitamente

meu coração – encontrei a Cristo”. É

isto o que nos coloca verdadeiramente

acima do mundo. Nos torna

completamente independentes dos

recursos, aos quais o coração

inconverso sempre se apega. Nos

concede um descanso permanente. Nos

dá uma calma e quietude de espírito que

o mundo não pode compreender. O

pobre amante do mundo pode pensar que

a vida do verdadeiro cristão é muito

parada, insípida, chegando até mesmo a

ser uma ocupação idiota. Talvez ele

fique espantado de ver como alguém

pode seguir adiante sem aquilo que ele

chama de diversão, distração e prazer;

sem teatros, sem festas ou jogos de bola,

sem concertos, sem baralho ou bilhar,

sem caçadas ou corridas, sem clube ou

bate-papo, sem campeonatos de

críquete.

Privar o inconverso dessas coisas seria

quase o mesmo que levá-lo ao

desespero ou à loucura; mas o cristão

não deseja tais coisas – ele não as

praticaria. Elas seriam até mesmo um

aborrecimento para ele. Falamos aqui,

evidentemente, do verdadeiro cristão, de

alguém que não é meramente cristão de

nome, mas de verdade. Oh, há muitos

que professam ser cristãos, e até ocupam

uma posição elevada em sua profissão

cristã, e que, todavia, encontram-se

misturados em todas as buscas vãs e

frívolas dos homens deste mundo.

Pessoas assim podem ser encontradas à

mesa de comunhão no dia do Senhor, e

no teatro ou em um concerto na segundafeira;

podem ser vistas tomando parte

em algum dos ramos da obra cristã no

domingo, e durante a semana podem ser

encontradas no salão de bilhar, no

hipódromo ou em algum outro cenário

de vaidade e futilidade.

É mais do que evidente que uma tal

pessoa não sabe nada de Cristo como

um objeto para o coração. Pode-se até

questionar como é que alguém com uma

única centelha de vida divina na alma

possa achar prazer nos desprezíveis

anseios de um mundo ímpio. O cristão

sincero e verdadeiro desvia-se

instintivamente; e isso não meramente

por causa do erro ou do mal que há

nessas coisas – apesar dele certamente

sentir que são coisas erradas e más –

mas porque ele não tem nenhum gosto

por elas, e porque encontrou algo

infinitamente superior, algo que satisfez

perfeitamente todos os desejos da nova

natureza. Poderíamos imaginar um anjo

do céu tendo prazer em um jogo de bola,

em um teatro ou em uma corrida? O

simples pensamento disso já é

sobremaneira ridículo. Lugares assim

são totalmente estranhos a um ser

celestial.

E o que é um cristão? É um homem

celestial; um participante da natureza

divina. Ele está morto para o mundo –

morto para o pecado – vivo para Deus.

Não tem nem mesmo uma única ligação

com o mundo: pertence ao céu. Assim

como Cristo, seu Senhor, ele não

pertence mais ao mundo. Poderia Cristo

tomar parte nos divertimentos,

brincadeiras e festejos deste mundo? A

própria ideia disso seria uma blasfêmia.

Bem, então, o que dizer do cristão? Será

que é para ele ser encontrado em lugares

onde o seu Senhor não estaria? Pode ele

tomar parte em coisas que ele sabe em

seu coração serem contrárias a Cristo?

Pode ele ir a lugares, frequentar

ambientes e se envolver em

circunstâncias onde, ele tem que admitir,

seu Salvador e Senhor não podem tomar

parte? Pode ele ter comunhão com um

mundo que odeia Aquele a Quem ele

professa dever todas as coisas?

Talvez a alguns de nossos leitores possa

parecer que estamos falando de um

terreno muito elevado. A estes

perguntaremos: Que terreno devemos

tomar? Certamente, terreno cristão, se

somos cristãos. Bem, então, se devemos

assumir uma posição cristã, como

podemos saber o que é uma posição

cristã? Evidentemente buscando no

Novo Testamento. E o que é que ele

ensina? Acaso ele dá qualquer

autorização para que o cristão se

misture, em qualquer forma ou medida,

com os divertimentos e os vãos anseios

deste presente século mau? Escutemos

com atenção as importantes palavras de

nosso bendito Senhor em João 17.

Escutemos de Seus próprios lábios a

verdade quanto à nossa porção, nossa

posição, e nosso caminho aqui neste

mundo. Ao se dirigir ao Pai, Ele diz:

“Dei-lhes a Tua palavra, e o mundo os

odiou, porque não são do mundo,

assim como Eu não sou do mundo.

Não peço que os tires do mundo, mas

que os livres do mal. Não são do

mundo, como Eu do mundo não sou.

Santifica-os na verdade; a Tua Palavra

é a verdade. Assim como Tu Me

enviaste ao mundo, também Eu os

enviei ao mundo” (João 17.14-18).

Será possível conceber uma medida

mais próxima de identificação do que a

que nos é apresentada nestas palavras?

Por duas vezes, nesta breve passagem,

nosso Senhor declara que não somos do

mundo, assim como Ele não é. O que é

que nosso bendito Senhor tinha a ver

com o mundo? Nada. O mundo O

rejeitou completamente e o expulsou. O

mundo pregou-O numa vergonhosa cruz,

entre dois malfeitores. O mundo

continua tão atual e plenamente sob a

acusação de tudo isso como se o ato da

crucificação tivesse ocorrido ontem,

bem no centro de sua civilização e com

o consentimento unânime de todos. Não

existe nem mesmo um único vínculo

moral entre Cristo e o mundo. Sim, o

mundo está manchado com Seu

assassinato, e nada terá a dizer a Deus

por seu crime.

Quão solene é isto! Que assunto sério

para ser considerado pelos cristãos!

Estamos passando por um mundo que

crucificou a nosso Senhor e Mestre, e

Ele declara que não somos deste mundo,

assim como Ele não é. Daí vem que se

tivermos alguma comunhão com o

mundo estaremos sendo falsos para com

Cristo. O que pensaríamos de uma

esposa que se sentasse, e risse, e

contasse anedotas com um grupo de

homens que tivesse assassinado seu

marido? E é exatamente o que os

cristãos professos estão fazendo quando

se misturam com o presente mundo mau,

e se fazem parte e porção dele.

Talvez alguém pergunte: O que devemos

fazer? Devemos sair do mundo? De

modo nenhum. Nosso Senhor diz

expressamente: “Não peço que os tires

do mundo, mas que os livres do mal”

(João 17.15). No mundo, mas não do

mundo, é o verdadeiro princípio para o

cristão. Para nos valermos de uma

figura, o cristão no mundo é como um

mergulhador equipado com um

escafandro. Ele está imerso em um

elemento que o destruiria, se não

estivesse protegido de sua ação, e

mantido por uma contínua comunicação

com o cenário que está acima dele.

E o que deve o cristão fazer com o

mundo? Qual é a sua missão aqui? Esta:

“Assim como Tu me enviaste ao mundo,

também Eu os enviei ao mundo”.

“Assim como o Pai Me enviou, também

Eu vos envio a vós” (João 17.18;

20.21).

Tal é a missão do cristão. Ele não deve

se trancar entre as paredes de um

mosteiro ou convento. O cristianismo

não consiste em se fazer membro de uma

irmandade, como monges ou freiras.

Nada disso. Somos chamados para

estarmos ocupados nas diversas

responsabilidades da vida, e para

agirmos nas esferas que nos são

divinamente designadas, para a glória de

Deus. Não é uma questão do que

estamos fazendo, mas de como estamos

fazendo. Tudo depende do objeto que

governa nossos corações. Se for Cristo

o que comanda e cativa o coração, tudo

estará bem; se não for Ele, nada estará

bem. Duas pessoas podem se sentar à

mesma mesa para comer; uma come para

satisfazer seu apetite, a outra come para

a glória de Deus – come simplesmente

para conservar seu corpo em forma

como vaso de Deus, como templo do

Espírito Santo, instrumento para o

serviço de Cristo.

Assim deve ser em todas as coisas.

Trata-se de nosso doce privilégio

colocarmos o Senhor sempre diante de

nós. Ele é nosso modelo. Assim como

Ele foi enviado ao mundo, nós o somos

também. O que foi que Ele veio fazer?

Glorificar a Deus. Como foi que Ele

viveu? Pelo Pai. “Assim como o Pai,

que vive, Me enviou, e Eu vivo pelo

Pai, assim quem de Mim se alimenta,

também viverá por Mim” (João 6.57).

Isso torna tudo muito simples. Cristo é o

padrão e o gabarito para tudo. Já não se

trata meramente de uma questão de certo

e errado de acordo com as regras

humanas; é simplesmente uma questão

do que é digno de Cristo. Será que Ele

faria isso ou aquilo? Será que Ele iria

ali ou acolá? Ele deixou-nos “o

exemplo, para que sigais as Suas

pisadas” (1 Pedro 2.21). E com toda a

certeza, nunca deveríamos ir aonde não

pudéssemos enxergar suas benditas

pegadas. Se vamos de um lado para o

outro unicamente para satisfazer a nós

mesmos, não estamos seguindo Suas

pisadas, e não podemos esperar

desfrutar de sua bendita presença.

Aqui está o verdadeiro segredo do

assunto todo. A grande questão é só

esta: É Cristo o meu objeto? Para que

estou vivendo? Será que posso dizer que

“a vida que agora vivo na carne, vivoa

na fé do Filho de Deus, O qual me

amou, e Se entregou a Si mesmo por

mim” (Gálatas 2.20)? Nada menos do

que isto é o que cabe a um cristão.

Trata-se de algo demasiadamente

miserável estar contente apenas em ser

salvo, e então seguir adiante de braços

dados com o mundo, vivendo para a

satisfação própria e em busca de seus

próprios interesses – aceitar a salvação

como o fruto da paixão e tribulação de

Cristo, e depois viver longe dele. O que

iríamos pensar de uma criança que só se

importa com as coisas boas que seu pai

lhe dá, e que nunca procura a companhia

de seu pai – sim, que prefere até a

companhia de estranhos? Certamente

seria alguém digno de desprezo; mas

quão mais desprezível é o cristão que

deve todo o seu presente e todo o seu

futuro eterno à obra de Cristo e, ainda

assim, se contenta em viver a uma fria

distância de Sua bendita Pessoa, sem se

preocupar nem um pouco com a

promoção da Sua causa – com a

promoção da Sua glória!

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