2 - A VIDA TERRENA DO SENHOR JESUS CRISTO

Quando perguntamos: Por que a vida terrena do Senhor Jesus? — é claro que esta questão implica e contém dentro de si mesma outras questões. Por exemplo: Por que foi necessário que Ele estivesse aqui por trinta e três anos? Novamente: Por que foi necessário que a maior parte do tempo fosse gasta numa vida privada, e, até onde sabemos, em segredo? Tentaremos responder essas e outras perguntas subsidiárias, até certo ponto, na medida em que prosseguimos.

Muito tem sido feito da vida terrena de Cristo _ usualmente para o propósito de mostrar que havia uma pessoa chamada Jesus de Nazaré, e quão boa pessoa, e quão grande mestre Ele foi, muito mais do que os outros mestres; ou pelo menos para mostrar que Ele era mais do que um mero homem. Pode haver outros propósitos em se escreverem livros sobre a vida de Jesus, porém, isto geralmente compreende usualmente o objeto. Naturalmente, vendo que Jesus se tornou uma grande figura histórica mundial, é interessante saber onde Ele nasceu, onde e como Ele foi criado, por onde Ele andou na terra, o que Ele ensinava, os milagres que Ele fazia, e assim por diante. Tudo isto fornece material para uma grande discussão e controvérsia. Os milagres forneceram muito alimento para os psicólogos, e seu ensino para os teólogos e doutrinadores. Mas, quando você disser e escrever tudo que podia sobre essas questões, você pode não ter avançado muito além do que história humana. A história humana, como tal, apela muito para a emoção, para a imaginação, mas ela não muda o caráter. Não importa quão fascinante, impressionante e comovente ela possa ser, se você apenas deixá-la lá, terá obtido muito pouco do significado real da vida terrena do Senhor Jesus.

A vida terrena de nosso Senhor não foi para essas intenções. O registro de Sua vida não foi meramente para nos fornecer uma data e uma informação e uma matéria interessante sobre certo homem _ embora grande e maravilhosa _ que viveu há muito tempo atrás, em tal e tal parte do mundo, e disse e fez tal e tal coisa. Ele não veio para isso. Ele não esteve aqui para trinta e poucos anos, absolutamente.

Sua vida foi para mostrar _ não meramente que Ele era, em muitos aspectos, diferente dos outros homens, mas que Ele era uma ordem diferente de raça humana em relação ao resto. Até que você tenha reconhecido isto claramente, você não encontrou a chave para a vida terrena do Senhor Jesus. Ele encontrou alguns dos melhores tipos de homens de Seus dias, mas entre Ele e eles havia um grande abismo _ não havia passagem de um lado para o outro.

 

UMA DIFERENTE ORDEM DE RAÇA HUMANA

 

Jesus foi um mistério. Ele não foi apenas misterioso _ Ele foi um mistério.

Ele não foi apenas mal compreendido. Tanto tem sido falado sobre Ele, ‘Ele foi um homem completamente mal compreendido’. Não, Ele não foi apenas mal compreendido _ Ele era uma pessoa não compreendida, e isto é muito diferente.

Jesus não se conformava com nenhum dos princípios e métodos que regulam este mundo. Ele não fazia o que se esperava que Ele fizesse, tanto por parte do mundo como por parte dos seus amigos. Muitas vezes Ele frustrava tais expectativas: Ele não cumpria o esperado porque lhe era pedido, ou porque era isso que se esperava Dele. Ele colocava uma brecha entre a expectativa e tudo o que Ele fazia. E dentro dessa brecha você pode colocar esta singularidade que havia sobre Ele, como uma ordem de Homem _ Sua ‘diferença’ dos demais homens. Se você tentar adaptá-lo, tentar fazer dEle uma parte da ordem humana estabelecida, tentar mostrar como Ele fazia isto e aquilo, numa forma agradável, simplesmente porque Ele era tão amável, você perdeu totalmente o ponto.

Por que, por exemplo, quando surgiu aquela situação embaraçosa no casamento em Caná da Galiléia, tendo sido levado a Ele como Sua oportunidade, recusou Ele aquilo como algo que soava bastante repulsivo? Em relação à expectativa do povo, nada mais podia ter acontecido. E nós encontramos o mesmo tipo de coisa repetida em outras situações. Ele não fazia o que as pessoas esperavam que Ele fizesse _ Ele muito frequentemente fazia aquilo que elas jamais esperavam que Ele fizesse. Ele fazia o inesperado _ tomava as pessoas, não somente em completa surpresa, mas levava-as aos seus limites. Elas simplesmente não podiam segui-Lo em algumas das coisas que Ele fazia. Ele não ia onde as pessoas esperavam que Ele fosse, conformando-se assim aos seus programas. E ele certamente não falava o que elas esperavam que Ele falasse _ muito longe disso. Pelo contrário, Ele dizia muitas coisas inesperadas _ coisas difíceis, chocantes, que ofendiam.

Agora, Jesus não era apenas um ser diferente, um ser singular. Há pessoas que se comportam desta maneira, porém em terrenos totalmente diferentes. Elas apenas tentam ser singulares, excepcionais, diferentes, fazer o inesperado, serem complicadas. Conheci um homem cristão, há alguns anos atrás, que ganhou um grande nome neste mundo, e que, devido à importância tremenda que se tinha dado a ele, desenvolveu uma ultra consciência de si mesmo. Numa ocasião, estava conversando com ele no jardim, e, após um pouco de tempo, sugeri que entrássemos em casa. Tomei-o pelos braços, e ele instantaneamente se endireitou, ofereceu resistência com os seus calcanhares e se recusou totalmente a sair do lugar! ‘Bem!’ Pensei eu, ‘o que é isto?’ Tive que esperar um minuto ou dois _ evidentemente até que ele tivesse se convencido a si mesmo que deveria se mover _ e, então, relaxou e caminhamos juntos _ porém não de braços dados! Tinha aprendido minha lição. Vim a saber que ele tinha adotado isso como um estilo: que ele jamais permitiria ser influenciado, ou afetado, ou conduzido, ou de alguma maneira movido, por um outro ser humano. Ele havia chegado numa ‘ultra’ posição na qual nem mesmo caminharia de braços dados com um irmão cristão, a não ser que o Senhor lhe mandasse! Enfim, naturalmente, isto se transformou num complexo muito sério. Mas você entende o que eu estou querendo dizer. É possível agir desta maneira numa base totalmente falsa.

Jesus não agia assim. Pode ter parecido que Ele se comportava assim algumas vezes, mas não era sobre aquela mesma base. Precisamos ser muito claros sobre isto _ esta maneira estranha e desconhecida Dele, muitas vezes perplexa e mistificada, que desapontava algumas vezes, e outras vezes até mesmo aborrecia e provocava ira. Mas esses são fatos; são características claramente reconhecidas da vida terrena do Senhor Jesus. Essas características não eram da ordem que eu falei _ uma consciência ultra, um ficar distante deliberado, tentando ser diferente dos demais, vestir uma jaqueta apertada, dura e inflexível. Não havia nada disso sobre Ele.

Temos que explicar isto, para não haver má compreensão. Lá está Ele, um Homem desconhecido.

 

O LADO NEGATIVO - `CIRCUNCISÃO NO CORAÇÃO´

 

Aqui, então, estava um homem _ com ‘M’ maiúsculo — vivendo uma vida humana numa base diferente daquela dos demais homens. Havia um aspecto negativo e positivo daquele fato. O aspecto negativo era este: Ele era, se eu puder trazer na expressão aqui, ‘circuncidado no coração’. Isto é, Ele era totalmente separado de qualquer princípio particular, em Sua mente, coração e vontade. Ele não usaria a Sua mente, ou pensamentos, ou faria algum julgamento, baseado em qualquer princípio particular de qualquer ordem. Nem tinha Ele qualquer espaço particular em Seus sentimentos ou em Sua vontade. Aqui está um Homem que possui uma alma _ uma mente, um coração e uma vontade _ que fazia dele um verdadeiro ser humano, mas em cuja alma a vontade própria tinha sido posta completamente de lado.

Você não pode fazê-lo agir ao longo de qualquer linha ordinária da razão humana, não importa quão boa e correta ela possa parecer. ‘Eles não têm vinho _ por isso...’ Surge um argumento, uma razão. ‘Por isso’ ... isto e aquilo e qualquer outra coisa, constituindo um caso muito bom para Ele intervir e fazer alguma coisa.

Poderia ser argumentado de quase todo ponto de vista como sendo uma coisa que Ele deveria fazer: do ponto de vista do homem, do ponto de vista da vindicação de Sua missão, o estabelecimento de Sua Pessoa Divina. Sim, você pode argüir isto de todo e qualquer ponto de vista, mas ele não se move sobre uma mente que está influenciada por qualquer tipo de argumento. Sua única consideração é: Meu Pai deseja isto? E: Meu Pai deseja isto agora? E: Meu Pai deseja isto desta maneira?

Estas são as coisas que influenciam Sua mente e Seu coração, e Sua vontade, e Sua alma. Até que Ele esteja certo a respeito disso, nada neste mundo ou nesta terra, nenhum argumento ou apelo, ou caso, irá fazê-lo mover. Pois Ele está fazendo algo, e nós iremos ver presentemente o que é isto que ele está fazendo.

Disse que Ele era totalmente ‘circunciso de coração’. Esta é uma frase bíblica (veja Rom. 2:29). Precisamos compreender o significado disso. Significa que no coração ocorreu uma divisão absoluta entre duas coisas. Se preferir, pode substituir ‘alma’ por ‘coração’; é a parte mais íntima do homem. Algo foi feito Nele, interiormente, e Ele se manteve firme neste terreno até o fim. Foi sobre este terreno, de uma forma ou de outra, que as batalhas mais terríveis de Sua vida foram travadas. Algumas vezes a investida vinha por meio de um amigo e discípulo mais íntimo: “Senhor, tem compaixão de ti; de modo nenhum te acontecerá isso.” “Para trás de Mim, Satanás, pois só cogitas das coisas que são dos homens” (Mat. 16:22–23). ‘Sua perspectiva é aquela de homens _ meramente no nível de homens. Eu não pertenço a este terreno dos homens no qual você se move. Outros homens podem ouvir o seu argumento, serem influenciados, persuadidos; mas quanto a Mim _ não!’ E assim é até o fim: Ele firmemente manteve-se apegado àquele terreno _ o terreno do qual nos contentaremos em chamar de o terreno da circuncisão interior do coração. 

Isto, como tenho dito, foi o foco principal do esforço persistente de Satanás: a razão, o argumento, quanto ao por que Ele deveria, ou não deveria, fazer certas coisas. É uma questão de argumento, algumas vezes o argumento da absoluta necessidade. ‘O seu corpo precisa de pão, ou você irá morrer. A necessidade exige que você transforme estas pedras em pães’. Assim dizem muitos homens, porém não o Filho Divino de Deus, não o Filho do Homem. Jesus repudiou este argumento absolutamente.

Sim, o ponto focal de Satanás de cada ataque estava justamente aí _ tentar fazer com que Ele fizesse, agisse, se movesse, decidisse, de acordo com os padrões humanos, ser influenciado pelos ditames ordinários da vida humana como você conhece; e Ele se negou. Sendo este o ponto focal de todos os ataques e esforços satânicos, este foi o campo de Sua absoluta vitória sobre Satanás e sobre o mundo.

“O príncipe deste mundo se aproxima: ele nada tem em Mim” (Jo 14:30). O que satanás procurava? — a independência. Se tão somente ele pudesse conseguir isso, se tão somente ele pudesse colocar isto em ação, através da mente, do coração ou da vontade, a mesma coisa aconteceria ao último Adão como aconteceu com o primeiro, e o reino passaria novamente para as mãos do Diabo. Mas ele encontrou um tipo diferente de Homem, que não vinha a ele naquele mesmo terreno absolutamente. Jesus não apenas disse, ‘O Diabo está vindo até Mim..., ‘Satanás se aproxima de Mim...’ ; Ele disse: “O príncipe deste mundo se aproxima” _ implicando todo o princípio deste mundo, como o reino de Satanás; o princípio particular do príncipe deste mundo. Mas _ “ele nada tem em Mim”.

 

LADO POSITIVO: COMPROMISSANDO COM A VONTADE DO PAI

 

Aquele, então, é o lado negativo. O aspecto positivo era que Ele estava absolutamente compromissado com a vontade de Seu Pai. Ele não estava apenas se negando, resistindo, reprimindo, suprimindo, pondo de lado. O motivo disso tudo era o Seu absoluto cometimento com a vontade do Pai. A vontade do Pai era a coisa dominante, a realidade mais positiva em Sua vida, do início ao fim. E a vontade do Pai prevalecia em cada detalhe, da forma mais meticulosa. Isto estava estabelecido em toda a Sua vida sobre a terra.

Foi estabelecido inicialmente nos primeiros trinta anos, do qual chamamos de Sua vida particular. Aqueles trinta anos também estavam divididos em dois. Você percebe esta divisão no evangelho de Lucas, capítulo 2. Primeiro, de Sua dedicação no Templo até Ele alcançar a idade de doze anos: isto é o que é dito “E a criança crescia, e se fortalecia, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre Ele” (v. 40). Então, da idade dos doze anos em diante: “E Jesus crescia em sabedoria e estatura, e em graça para com Deus e com os homens.” (v. 52).

 Não iremos agora parar para analisar isto. É assunto para uma análise, que é muito proveitosa, se você procurar fazê-la. Você vê as áreas em que este progresso foi feito _ física, mental e espiritual; e sobre tudo, o veredicto é: a graça de Deus. A graça de Deus, a Divina aprovação, a Divina satisfação, estava sobre a Sua vida. Ele crescia diante do Senhor como alguém agradável. Por quê? “Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?”— ou, se preferir a tradução alternativa, “Que Eu devo estar na casa do Meu Pai?” (v. 49). Seja o que for que isto significasse, certamente significou uma consciência do Pai acima do relacionamento ordinário, natural. Observe que isto está colocado bem no meio de algo que causava bastante dor de coração e perplexidade a Seus pais na carne.

Sim, havia um absoluto compromisso com a vontade de Seu Pai, e isto foi estabelecido por trinta anos na vida ordinária, comum. Penso que isto é uma coisa tremenda. Por que houve trinta anos em silêncio e em segredo, até onde sabemos? Temos tão pouca luz sobre isso. Por quê? Simplesmente pela mesma razão. Se você quer a explicação, vá ao Velho Testamento. Você se lembra que os levitas iniciaram o serviço deles à idade dos trinta anos. Lucas nos fala sobre Jesus iniciando o Seu ministério: “Jesus... quando Ele começou... tinha cerca de trinta anos...” (Luc 3:23). O Senhor Jesus era, em tipo, um Levita, embora viesse da tribo de Judá.

(Compare Heb. 7:13–14). Mas a entrada oficial de um levita no ministério à idade de trinta anos jamais era vacilante, indecisa. Havia uma história lançada por detrás disto. A história do levita, a vida do levita, o comportamento do levita. E, embora não tenhamos nada que faça isto muito claro para nós, talvez porque nuca houvesse qualquer ocasião para isso, eu me aventuro a dizer isto, se qualquer homem jovem da tribo de Levi naquela velha dispensação tivesse vivido uma vida libertina, ele jamais teria se tornado um oficial levita ao alcançar a idade de trinta anos. Não, o selo tinha que ser colocado sobre aqueles trinta anos, nos quais o homem tinha caminhado diante de Deus. E o mesmo princípio se aplicava à vida de Jesus: Deus o testou, o provou, nos caminhos da vida ordinária. 

Isto deve falar muito seriamente a nós, como o princípio da aprovação de Deus. Você pode estar desejando muito entrar para o ministério: Deus pode estar muito desejoso em que você esteja pronto para ser trazido para o ministéro! Em todos os caminhos da vida ordinária você irá atravessar isto, você será provado; o olho de Deus está sobre você. Lembre-se de que quando Jesus, aos trinta anos de idade, veio ao Jordão, o Céu estava aberto e uma voz disse: “Em Ti me comprazo” (Mar 1:11). Eu penso que isto envolveu os trinta anos: isto falava da graça de Deus nos trinta anos da vida ordinária, o que tornou possível a Ele assumir o Seu ministério. Talvez não estejamos tão corretos em dizer ‘vida ordinária’, vendo como o Diabo tentou apanhá-lo logo no início. (Mat. 2:13–18). 

Porém, seja lá o que possa ter representado os trinta anos, não há dúvida de que os três anos e meio de ministério público ratificou, através de fogos intensos, o fato de que Ele estava comprometido sem qualquer reserva à vontade de Seu Pai. Aqueles três anos e meio foram um período de fogos intensos, a fim de fazê-lo desviar um pouco de fazer a vontade de Seu Pai. Por cada sedução glória dos ‘reinos deste mundo’, e por cada ameaça da ignomínia da Cruz, Satanás procurou trazer este desvio da vontade de Deus. Jesus lutou contra isto até o fim.

 

A REALIDADE DA SUA HUMANIDADE 

 

Por que a Sua vida terrena? Primeiramente, para estabelecer a realidade de Sua humanidade. Você sabe, na Velha Dispensação tinha havido muitas aparências Divinas em forma humana. Ninguém ousa ser dogmático nesta matéria, mas pode perfeitamente ter sido que o próprio Filho de Deus estava em algumas daquelas chamadas ‘teofanias’. Deus veio em forma humana, de modo que aquelas pessoas que foram visitadas a princípio falaram delas na condição de homens, ou um homem, e, então, despertaram e perceberam: ‘Eu vi Deus _ Deus esteve aqui!’ Mas estes trinta e três anos de vida terrena não era teofania: era humanidade real. Não era um tipo transitório, uma forma passageira, apenas uma visitação. Era um Homem, uma humanidade verdadeira, sobre esta terra por trinta e três anos. Não era um visitante angelical. Era um Homem. E penso que esta é uma razão ou explanação, entre outras, porque na Sua entrada neste mundo Ele nasceu como um bebê, e começou desde o princípio. Ele não chegou como um visitante em plena maturidade; Ele começou exatamente no início — embora com uma diferença _ contudo pela mesma porta que os demais homens, e seres vivos aqui, através da infância, da adolescência e juventude, para o estado de homem adulto, aceitando uma vida na base da absoluta dependência de Deus, como qualquer outro homem. 

Se você refletir, verá que há muito apoio a isto. Por que deve Ele, na infância, ser levado para longe por José e Maria, para fora do país, por motivo de estarem à Sua procura? Por que o Céu não desceu e O protegeu de maneira miraculosa, a fim de preservá-Lo, opondo-se àquelas forças que estavam contra Ele? Visto que Ele tinha que ser tomado e levado para longe, afastado do caminho, como qualquer outra criança! O fato é que Ele está vivendo a nossa vida, Ele está sujeito às nossas experiências. Pode haver elementos miraculosos trabalhando por trás, porém, aparentemente, Ele está faminto, sedento, cansado, perseguido _ Ele ‘suportou tudo’, da mesma forma que você e eu. Ele está vivendo uma vida humana. Ele aceitou voluntariamente a base da absoluta dependência de Seu Pai. E o Pai não está fazendo uma série de milagres _ embora na verdade a coisa toda seja um milagre.

 

UMA VIDA DE FÉ

 

Por esta razão, como outros homens, Ele tem que vencer pelo princípio da fé. Ele não tem outra vida, em princípio, mais do que você e eu: é a vida da fé. A fé tinha que ser exercitada a favor dele antes que Ele a pudesse exercitá-la por ele mesmo. Não tenho dúvida de que José e Maria tiveram um considerável exercício sobre este assunto. Eles tiveram que olhar diretamente para aquilo e dizer: “Bem, podemos confiar que Deus irá cuidar dEle; nós não iremos fazer coisa alguma, mas apenas confiar em Deus”; ou dizer ainda: “Iremos seguir e confiar em Deus”. Em ambos os casos, era fé _ fé a favor dEle. E, então, o tempo chegou para que Ele exercitasse a fé por Ele mesmo, e tudo para Ele tinha que estar sobre a base da fé, tanto quanto o é para você e para mim.

Você está pensando: “E a Sua deidade?” O que dizer sobre Seus poderes miraculosos de conhecimento em ação? Certamente Ele conhecia numa forma sobrenatural; Ele exerceu poderes totalmente sobrenaturais. Isto não é humanidade!” Vamos ter isto bem esclarecido em nossas mentes. Isto não contradiz nada do que eu tenha dito. Observe: Jesus jamais usou os Seus poderes da Deidade em Seu próprio favor. Há apenas um caso que poderia ser pensado como contrário àquela afirmação: a ocasião quando Ele não tinha dinheiro para pagar os Seus impostos, e mandou Pedro ir ao mar, e lá estava um peixe com uma moeda em sua boca.(Mat. 17:24–27). Você poderia dizer: ‘Seria muito bom ter aquele poder para pagar as nossas dívidas!’ Ah, mas seja cuidadoso _ não está tão claro como parece. Isto realmente não contradiz o que tenho dito. Ele jamais usou os poderes sobrenaturais em Seu próprio favor, e esses poderes nunca O tiraram do terreno da dependência de Deus e da base da fé. Observe que até mesmo nesse único caso não houve ação criativa. Foi inteligência superior. Havia um peixe, e aquele peixe tinha uma moeda, e de alguma maneira Ele sabia que ela estava lá.

 

A INCREDULIDADE NÃO É TOCADA POR MILAGRES

 

Mas vamos perseguir o seguinte. Tome os milagres. Os milagres faziam referência, de um lado, à Sua Deidade: mas, mesmo assim, eles não tinham um efeito característico de mudança sobre as pessoas que viam ou participavam deles.

Eles eram apenas para um testemunho de quem Ele era. Você entende o significado disso? Com todos os Seus milagres, no fim o princípio de incredulidade não tinha sido arrancada de sequer um indivíduo! Esta é a tragédia de tudo isto! Este é um tremendo argumento. Embora eles vissem tudo o que Ele fez, a profunda raiz da incredulidade permanecia intocável. A coisa impressionante _ mesmo com os próprios discípulos _ foi que eles ainda eram capazes tamanha incredulidade. “Ó néscios, e tardos de coração para crer ...!” (Lucas 24.25). “Ele lhes lançou em rosto a sua incredulidade...” (Mar. 16.14). Com tudo o que eles viram, aquilo não tocou o caráter, não tocou a natureza deles.

Aquilo foi, por isso, dado mais para testemunho _ um testemunho em relação a quem Ele era. Este é um lado. Pois, você vê, há dois lados nesta questão. Há o lado de Sua Deidade, como João resume tudo: “Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome. (Jo.20.31). Foi para testemunho quanto a quem Ele era essencialmente. Porém, apesar disso, isto não teve tanto efeito sobre a natureza deles, a ponto de se livrarem da incredulidade. Sim _ por um instante eles puderam crer nele; mas isto não significa que a incredulidade lá no fundo foi radicalmente tratada. Os milagres não fizeram isto, e Jesus não esperava que eles tivessem este efeito. Ele deixou bem claro que Ele não estava edificando sobre os Seus milagres qualquer esperança nesta direção. Ele ainda era dependente do Pai para o efeito real.

E deixe-me dizer aqui, num parêntesis _ é algo para se pensar sobre _ não são as coisas que Ele faz para nós, mas a vida do Filho do Homem, em toda a sua poderosa potencialidade, seu poder, seu princípio em nós, que faz a diferença. Ele pode curar o seu corpo de uma doença crônica, de algo que certamente irá provar ser fatal, numa forma ordinária, porém, isto não significa necessariamente que a incredulidade que está lá no fundo do seu coração será tratada. Após alguns anos você pode argumentar, ou explicar isto psicologicamente, ou de outra forma, e perder o real impacto daquilo. Não, essas coisas feitas para nós, em qualquer área, mesmo que possam parecer milagres, não tocam a nossa real natureza. Não se engane: sinais e maravilhas não são o argumento final _ não são. O argumento final é a mudança da nossa própria natureza, enraizada, e tudo que não faz isto desviou-se do propósito final de Sua vinda. Não é o que Ele faria para nós, miraculosamente, por meio de coisas exteriores: é o que Ele próprio é em nós, como um outro tipo de Pessoa. Isto é o que importa. É ‘Cristo em você, a esperança da glória’; não Cristo fazendo milagres para você.

 

OS PODERES SUPERIORES DO HOMEM, 

COMO DEUS PRETENDEU

 

Mas, então, há algo ainda mais a ser dito. Ele realmente tem poderes superiores para fazer e conhecer. Embora eu não esteja por um momento sugerindo que aquilo não tinha nada a ver com a Sua Deidade, Sua Natureza Divina, pode muito bem ser que aquele poder e inteligência superior _ o que podemos chamar de sobrenatural _ se eu puder colocar isto desta forma, era o ‘normal’ para o tipo de ser que Jesus era, como Homem. Se, sem qualquer questão de participação na Deidade, um homem ou homens puderem ser trazidos para um relacionamento tal com Deus, semelhante àquele que Ele tinha, eles também podem ter aquela inteligência superior, e podem conhecer muito mais do que uma pessoa normal conhece sobre o que está acontecendo no mundo ao redor. Não apenas seria através de meios físicos, mas por meio da intuição de um espírito ligado a Deus. Eu me aventuro a sugerir que _ colocando de lado tudo aquilo que é físico _ tal poder não é absolutamente desconhecido por homens e mulheres cristãos. Pedro levantou o morto; os apóstolos curaram doenças, fizeram milagres. Eram eles Deus? Não, mas pelo Espírito de Jesus Cristo eles foram trazidos para um relacionamento tal com Ele, como se tivessem os poderes dEle delegados a eles. “Maiores obras do que estas fareis; porque Eu vou para o Meu Pai” (Jo. 14.12).

Há um significado profundo numa palavra que ele proferiu, como registrado para nós em João 5.26-27. Esta palavra, talvez, é tão profunda para a nossa compreensão, e não me aventuro nessas profundezas. “O Pai...deu...ao Filho...autoridade para executar juízo, porque Ele é o Filho do Homem”. Não porque Ele é o Filho de Deus _ “porque Ele é o Filho do Homem”. Isto abre um campo muito grande de inquirição, e nós não vamos entrar nele; porém o meu ponto é este: que, sem a Deidade _ Não estou arguindo por um momento contra a Deidade de Cristo em conhecimento ou poder, habilidade sobrenatural _ não poderia ser que a uma humanidade assim referida e habitada por Deus dessa forma, de acordo com o Seu plano original, devesse ter esses poderes que chamamos de 'sobrenaturais'? Significa apenas ‘de uma outra ordem de inteligência’, de conhecimento, de habilidade para fazer. Significa que o homem é elevado a outro nível de habilidade e conhecimento, acima do nível ordinário de homem, como o conhecemos. Não é isto verdade sobre os dons do Espírito Santo dados à Igreja?

Por que, então, a vida terrena? Para estabelecer o tipo de humanidade que Deus quer, para demonstrar através de uma vida humana o que o homem seria caso tivesse seguido o próprio coração de Deus. Creio que esta é a resposta. E, se foi apenas trinta e três anos e meio, o que isto significa? Vindo através dos séculos, ouço a voz dos profetas dizendo: “Ele foi cortado da terra dos viventes” (Is.53.8); “Sua vida foi tirada da terra” (At.8.33). Sua vida foi cortada no meio de sua virilidade. Os homens não a deixaram terminar. Os homens decidiram que aquilo não devia continuar. Os homens a trouxeram para _ sim, de um ponto de vista _ um final precoce. Ah, Satanás não mais terá este tipo de homem aqui.

Mas este tipo de homem somente pode ser completado por um outro lado. 

Nós antecipamos nosso ‘oitavo’ quando acabamos de sugerir que Ele não deixou a Sua virilidade, Ele não deixou a Sua humanidade; Ele habita lá, do outro lado, como Homem. Porém Ele fez aqui tudo o que era necessário. Ele demonstrou o que o homem seria se Deus o tivesse conforme a Sua mente. E Ele providenciou que o restante da profecia seja cumprida: “Ele verá a Sua posteridade, e prolongará os Seus dias” (Is.53.10). Ele foi cortado, mas os Seus dias serão prolongados: os dias de Sua humanidade foram prolongados em Sua Igreja. É para isto que somos chamados. Por meio de um processo doloroso, devido a fraqueza de nossa carne, Ele está trabalhando para fazer de nós homens e mulheres a Sua própria semelhança. E o ponto central de tudo isto é: a separação total do princípio da vida própria.

 

 

 

 

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