A igreja local e suas comunicações

Introdução

Embora este capítulo seja intitulado “A igreja local e suas comunicações”, seria útil colocar o assunto no seu contexto mais amplo. I Coríntios 12, que introduz o assunto das comunicações na igreja local, é o primeiro da trilogia de capítulos que tratam da provisão e do uso dos dons espirituais na igreja local, e devemos notar a ligação que há entre os três capítulos. Em termos gerais, o cap. 12 trata da maneira como os dons foram providenciados; o cap. 13 trata do ambiente pelo qual eles devem ser permeados; e o cap. 14 trata dos princípios sobre os quais devem ser praticados.

As mudanças produzidas pela conversão a Deus são vistas individualmente e coletivamente. No caso da igreja em Corinto, isso era visto especialmente na área das comunicações: “Vós bem sabeis que éreis gentios, levados aos ídolos mudos, conforme éreis guiados. Portanto, vos quero fazer compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é anátema, e ninguém pode dizer que Jesus é Senhor, senão pelo Espírito Santo” (I Co 12:2-3). Foi comentado que os coríntios eram um povo de extremos; antes eles serviam “ídolos mudos”, mas agora estavam muito preocupados em falar em línguas. Eles foram de um extremo ao outro. Frequentemente, ainda hoje, podemos ver que extremismo em uma direção tende a criar extremismo na direção oposta!

No passado, antes da sua conversão, os cristãos em Corinto eram dados à idolatria, e Paulo usa linguagem expressiva quando ele descreve sua condição espiritual naquele tempo: “Éreis gentios, levados… conforme éreis guiados”. Isso se refere a I Coríntios 10:19-20: “Mas que digo? Que o ídolo é alguma coisa? Ou que o sacrificado ao ídolo é alguma coisa? Antes digo que as coisas que os gentios sacrificam, as sacrificam aos demônios, e não a Deus. E não quero que sejais participantes com os demônios”. Contudo, como os tessalonicenses, os coríntios tinham se “convertido a Deus, para servir o Deus vivo e verdadeiro” (I Ts 1:9), e consequentemente se tornaram sujeitos a uma autoridade espiritual muito diferente. Cristo, não ídolos, se tornou supremo. O Espírito Santo, não demônios, agora dirigia as suas vidas. O contraste não podia ser maior: os ídolos em Corinto não comunicavam, e não podem comunicar, com seus devotos (veja Sl 115:4-7), mas os salvos em Corinto agora eram os filhos de Deus e Ele se comunicava com eles. Não havia comunhão entre os deuses pagãos e seus seguidores, mas em Corinto, homens agora falavam “pelo Espírito de Deus”.

É geralmente entendido que as palavras “ora, quanto as”, ou “acerca das” (7:1; 7:25; 8:1; 12:1; 16:1), indicam que os coríntios tinham perguntado sobre estes assuntos específicos a Paulo, que os trata cada um por sua vez. É significante que nesta epístola Paulo trata primeiro de assuntos que não foram mencionados por eles, antes de responder suas perguntas. Neste caso (12:1), evidentemente perguntaram sobre a participação oral nas reuniões da igreja. Sabemos disso pela maneira como Paulo, tendo mencionado os dons espirituais, imediatamente menciona “falar” e “dizer” (v. 3). Temos de lembrar que a palavra “dons” não está no original, que literalmente diz: “Acerca dos espirituais”. Pelo que segue, nos vs. 2-3, fica claro que Paulo entende que há poderes benéficos e prejudiciais nesta expressão, por isso ele usa pneumatikos e não carismata. Portanto, aqui Paulo está se referindo a todo tipo de declarações espirituais, sejam boas ou más, e não somente às manifestações do Espírito Santo. Com isso em mente, alguns tradutores colocaram a palavra “manifestações” no lugar de “dons” (v. 1). J. N. Darby, por exemplo, diz: “Acerca das manifestações espirituais, irmãos, não quero que sejais ignorantes”.

Ao tratar do assunto, Paulo começa com um aviso. Depois de escrever: “não quero que sejais ignorantes” (v. 1), ele continua: “portanto, vos quero fazer compreender que ninguém que fala pelo Espírito de Deus diz: Jesus é anátema, e ninguém pode dizer que Jesus é Senhor, senão pelo Espírito Santo” (v. 3). Ele mostra que há dois tipos de manifestações espirituais; aquelas que podem ser atribuídas ao Espírito Santo, e aquelas que vêm do poder satânico. Portanto, era de suma importância que os santos em Corinto estivessem numa posição para discernir a verdadeira fonte de tudo que era dito na igreja. Assim, vemos a necessidade do dom de “discernimento de espíritos” (v. 10). Esta necessidade continua hoje, mas em Corinto havia a necessidade adicional de esclarecer bem este assunto. O cap. 14 mostra que línguas estavam sendo usadas excessivamente, e numa situação onde tantos estavam participandoria fácil para todos reivindicarem a direção do Espírito Santo, quando de fato suas contribuições não vinham dEle, de forma alguma.

Ministério na igreja, e especialmente em termos de participação oral, reconhecerá e manterá o Senhorio de Cristo: “Ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor, senão pelo Espírito Santo”, ou: “Ninguém pode dizer Senhor Jesus, senão pelo poder do Espírito Santo” (JND). É importante que em Marcos 1:24 o espírito imundo clamou: “Ah! Que temos contigo, Jesus Nazareno? Vieste destruir-nos? Bem sei quem és: o Santo de Deus”. Sem dúvida, os demônios são seres muito inteligentes.

Eles reconhecem e aceitam grandes fatos fundamentais que geralmente são rejeitados por homens, inclusive por cristãos professos.

Em Marcos 1 o demônio reconheceu a divindade de Cristo, e também a Sua santidade. Tiago afirma que os demônios creem em Deus (veja Tg 2:19). Mas o reconhecimento do Seu Senhorio (isto é, submissão voluntária à Sua autoridade) é totalmente diferente. Os demônios não O reconhecem como Senhor. Portanto, na igreja, espera-se que não haja apenas reconhecimento da verdade Divina, mas a submissão voluntária à autoridade de Cristo. Isto inclui uma aceitação alegre de “todo o conselho de Deus” (At 20:27). O reconhecimento genuíno do Seu Senhorio eliminará a triste censura: “E por que me chamais, Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu digo?” (Lc 6:46).

Resumindo, a fonte espiritual do ministério de um homem é revelada pelo que ele diz sobre Cristo. O critério pelo qual todo ministério deve ser julgado, e todo caráter pessoal discernido, não é quão atraentes, cativantes ou educadas as pessoas sejam, nem quão qualificadas profissionalmente sejam para julgar, mas sim, quão fielmente elas honram o Senhor Jesus. Esta é a prova. Ninguém pode “falar segundo as palavras de Deus“ (I Pe 4:11), sem honrar o Filho de Deus.

Cessação

Tendo examinado a base sobre a qual esta trilogia de capítulos é estabelecida, podemos agora examinar nosso assunto mais detalhadamente.

Paulo faz uma afirmação muito importante no cap. 13: “Mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá” (vs. 8-10). Aqui ele declara que profecia, línguas e ciência pertencem à infância da Igreja. Assim a referência, no v. 11, à meninice: “Quando era menino, falava como menino [corresponde às línguas que cessarão]; sentia como menino [corresponde à ciência que desaparecerá]; discorria como menino [corresponde às profecias que serão aniquiladas]”. Continuando esta analogia de meninice e maturidade, ele enfatiza que chegaria o tempo quando estas coisas não seriam mais necessárias. A palavra “perfeito” (teleios) significa “tendo chegado ao seu fim (telos), terminado, completo, perfeito”,* e evidentemente se refere à conclusão do Cânon do Novo Testamento.

O contraste entre a infância com sua imaturidade (ou para usar a expressão de Paulo, “conhecer em parte”) e a maioridade com sua maturidade (ou para usar a expressão de Paulo, “perfeito”), continua no v. 12: “Porque agora vemos por espelho em enigma [“obscuramente”, ARA], mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido”. Visão ou compreensão parcial daria lugar à clareza. Lembrando que esta passagem trata da comunicação da Palavra de Deus, as palavras “face a face” (evidentemente se referindo a Nm 12:8) se referem à “visão clara devida à possessão da Palavra de Deus completa”.† É sugerido que neste contexto as palavras “então conhecerei como também sou conhecido” indicam que Paulo esperava compreender melhor as coisas de Deus, até a medida da sua capacidade dada a ele por Deus. Deus conhecia sua capacidade, e concederia Sua Palavra de acordo com esta capacidade.

Isso nos leva a observar que no cap. 13 somos informados claramente que as línguas, e outros dons necessários para o bem estar da Igreja primitiva, cessariam, e que o cap. 14 não trata da sua cessação, mas do seu controle. Isso explica tais afirmações como “procurai com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de profetizar” (14:1); “E eu quero que todos vós faleis com línguas, mas muito mais que profetizeis” (14:5); “Portanto, irmãos, procurai com zelo, profetizar, e não proibais falar línguas” (14:39). I Coríntios 14, portanto, ensina que o dom de línguas e o dom da profecia deveriam ser controlados enquanto existiam. Embora os dois dons fossem temporários, eram bem diferentes.

O dom de línguas era falar numa língua estranha à igreja local. O dom de profecia significava falar na língua da igreja local.

Regulamento

Chegamos agora ao âmago do assunto. I Coríntios 14 trata especificamente das comunicações na igreja local, e ao examinar o capítulo, devemos observar princípios governamentais importantes. O capítulo é muito mais do que uma crítica contra falar em línguas, mas devemos fazer algumas observações gerais sobre o assunto.

* VINE, W. E. Amplified Expository Dictionary of New Testament Words. World Bible Publishers, 1991. Traduzido para o português pela CPAD.

† W.E. Vine. The collected Writings of W.E. Vine – Vol 2. Thomas Nelson Publishers, 1996.

i) Todos os dons são carismáticos. A palavra “dom” (charisma), que significa “um dom da graça, um dom envolvendo graça”,* é usada com frequência no Novo Testamento. Por exemplo: “De modo que, tendo diferentes dons, segundo a graça que nos é dada” (Rm 12:6); “de maneira que nenhum dom vos falta, esperando a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo” (I Co 1:7); “despertes o dom de Deus que existe em ti” (II Tm 1:6). É errado chamar alguns dons “carismáticos” e excluir os outros.

ii) O dom de línguas não foi dado a toda pessoa salva. “Porventura são todos apóstolos? São todos profetas? São todos doutores? São todos operadores de milagres? Têm todos o dom de curar? Falam todos diversas línguas, interpretam todos?” (I Co 12:29-30). A resposta é clara – Não! A sugestão que a capacidade de falar línguas é evidência de salvação verdadeira não tem apoio bíblico e cria muita confusão.

iii) O dom de línguas é de caráter temporário, como já observamos.

É mencionado em I Coríntios, que é uma das primeiras epístolas, mas não em Romanos e Efésios, que foram escritas mais tarde. Isto mostra como o uso deste dom estava diminuindo mesmo nos tempos do Novo Testamento. Citando o irmão Harold Bell: “O dom de línguas cessou depois que o reino cessou de ser oferecido a Israel”.

 

iv) Os coríntios estavam colocando em primeiro lugar aquilo que Deus colocou em último lugar. “Uns pôs Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro doutores, depois milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas” (I Co 12:28. Veja também I Co 12:10).

 

v) O dom de línguas era uma língua conhecida no mundo. “E todos foram cheios do Espírito Santo e começaram a falar noutras línguas [glossa] conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (At 2:4).

O resultado foi que “ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua [dialektos]” (At 2:6). Lucas continua: “E todos pasmavam e se maravilharam, dizendo uns aos outros: Pois quê! Não são galileus todos estes homens que estão falando?

* VINE, W. E. Amplified Expository Dictionary of New Testament Words. World Bible Publishers, 1991. Traduzido para o português pela CPAD.

Como, pois, os ouvimos, cada um na nossa própria língua [dialektos] em que somos nascidos?” (At 2:7-8). Lucas continua ainda: “Cretensese árabes, todos nós temos ouvido em nossas próprias línguas [glossa] falar as grandezas de Deus” (At 2:11). Evidentemente não há diferença entre as duas palavras (dialektos e glossa) nesta passagem. É como nós falamos da “nossa língua materna” em contraste com “outro idioma”.

Isso é claro quando comparamos Atos 2:6: “cada um os ouvia falar na sua própria língua [dialektos]”; mas em Atos 10:46: “Porque os ouviam falar línguas [glossa]”. Em I Coríntios caps. 13 e 14 a palavra usada é esta mesma palavra glossa que é usada em Atos, e assim sabemos que se refere a uma língua conhecida na Terra, e não significa uma expressão extática. Assim compreendemos “por gente de outras línguas [glossa], e por outros lábios, falarei a este povo” (I Co 14:21). Devemos notar que a palavra “desconhecida” na frase “língua desconhecida”, nos vs. 4, 14, 19 e 27, não está no original, que simplesmente diz “língua”. Por isto a palavra “desconhecida” aparece nestes versículos em itálico.

Também devemos notar que Pedro não pregou em línguas. O uso das línguas foi para chamar a atenção da multidão, causando a sua admiração: “Pois quê! Não são galileus todos esses homens que estão falando? Como, pois, os ouvimos, cada um na nossa própria língua em que somos nascidos?” (At 2:7-8).

vi) O dom de línguas era um sinal. Portanto, precisa ser uma língua conhecida. “Linguagem inarticulada”* seria somente um sinal de loucura.

Como vamos ver, era um sinal para os incrédulos. I Coríntios 14:22 se refere a Isaías 28:11-12. O falecido J.H. Large disse: Devido à desobediência e incredulidade do povo, Deus iria castigá-lo ao enviar o invasor. Eles não deram atenção às mensagens claras de Deus, entregues na sua própria língua, portanto teriam a experiência incomum de ouvir Deus falando providencialmente a eles, através de conquistadores estrangeiros vindos ao seu meio e falando em outras línguas, isto é, não sons ininteligíveis mas um idioma compreensível — muito compreensível! Quando isto acontecesse, eles se lembrariam dos avisos de Deus, e no entanto nem assim iriam, como um povo, voltar-se ao Senhor. As “línguas” no dia de Pentecostes foram um sinal para a nação de Israel, que rejeitara a Cristo, de que Deus estava cumprindo a Sua Palavra; veja, por exemplo, Atos 2:36.

Neste contexto, devemos notar Marcos 16:17-20: “E estes sinais seguirão aos que crerem: em meu nome expulsarão os demônios; falarão novas línguas; pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão … E eles, tendo partido, pregaram por todas as partes, cooperando com eles o Senhor, e confirmando a palavra com os sinais que se seguiram”.

* DAVIES, J. M. The Epistles to the Corinthians. Gospel Literature Services, Bombay, 1975.

O fato do dom de línguas ser um sinal é confirmado pelo seu efeito nas três ocasiões em Atos em que o dom foi usado:

• “E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (At 2:4). O resultado foi que “ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua [glossa]”. Devemos notar que estas pessoas eram judeus.

• “E os fieis que eram da circuncisão, todos quantos tinham vindo com Pedro, maravilharam-se de que o dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios. Porque os ouviam falar línguas [glossa], e magnificar a Deus” (At 10:45). A presença de testemunhas judaicas deve ser observada. O dom de línguas, nesta ocasião, foi um sinal para os homens preconceituosos partidários da circuncisão, mostrando que o Evangelho incluía tanto gentios como judeus, e nos mesmos termos.

• “E, impondo-lhes Paulo as mãos, veio sobre eles o Espírito Santo; e falavam línguas [glossa], e profetizavam” (At 19:6). Foi um sinal de algo novo na sua experiência. Eles deixaram de ser discípulos de João para depositar fé em Cristo, de quem João falava. De novo, devemos observar o cenário judaico: “E, entrando na sinagoga” (v. 8).

Em Hebreus 2:4 temos o mesmo pensamento: “Testificando Deus com eles, por sinais, e milagres, e várias maravilhas e dons do Espírito Santo, distribuídos por Sua vontade”. Assim, lemos em I Coríntios 14:22: “De sorte que as línguas são um sinal, não para os fiéis, mas para os infiéis”.

vii) O dom de línguas não era sinal de espiritualidade. A igreja em Corinto era a igreja mais carnal de todas! Veja I Coríntios 3:1-4: “E eu, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, mas como a carnais … porque ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja, contendas e dissensões, não sois porventura carnais, e não andais segundo os homens? Porque dizendo um: Eu sou de Paulo; e outro: Eu sou de Apolo; porventura não sois carnais?”

viii) O dom deveria ser usado com dignidade e consideração.

Sempre deveria estar sob controle. Não haveria nenhum descontrole impetuoso ou cacofonia de sons. “E se alguém falar em língua desconhecida faça-se isso por dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete” (I Co 14:27).

I Coríntios cap. 14

Vamos observar agora como Paulo trata deste assunto em I Coríntios 14. Seu propósito é demonstrar a superioridade e valor da profecia, isto é, “não necessariamente, nem mesmo principalmente, predizendo … mas proclamando a vontade de Deus”. A profecia, que evidentemente cessou quando o Cânon das Escrituras estava completo, era “a revelação direta da mente de Deus para aquela ocasião”, em contraste à mensagem de quem ensina hoje, que é “tirada da revelação completa, contida nas Escrituras”.*

O capítulo pode ser dividido na seguinte maneira:

• O proveito relativo de línguas e profecia (vs. 1-19). Aqui Paulo determina o valor de línguas e profecia na edificação da igreja. O dom precisa ser regulado pelo teste de edificação.

• O propósito relativo de línguas e profecia (vs. 20-25). Tendo demonstrado que línguas não edificam a igreja, Paulo determina a razão porque elas existiram. Sua conclusão é clara: o dom de línguas era um sinal para os incrédulos.

• A participação em línguas e profecia (vs. 26-35). Nesta parte Paulo estabelece os princípios que deveriam governar o uso destes dons na igreja local.

• A conclusão (vs. 36-40).

O proveito relativo de línguas e profecia (vs. 1-19)

Esta parte tem três parágrafos, e cada um constitui um teste:

• Qual edifica: línguas ou profecia? (vs. 1-5);

• Qual produz mais clareza na comunicação: línguas ou profecia? (vs.6-11);

• Qual produz compreensão clara: línguas ou profecia? (vs. 12-19).

* VINE, W. E. Amplified Expository Dictionary of New Testament Words. World Bible Publishers, 1991. Traduzido para o português pela CPAD

Qual edifica: línguas ou profecia? (vs. 1-5)

Nestes versículos três pares são destacados: “Porque o que fala em línguas … mas o que profetiza” (vs. 2-3); “o que fala em línguas… mas o que profetiza” (v. 4); resumindo: “o que profetiza … o que fala em línguas” (v. 5).

Devemos notar o seguinte:

• O apóstolo não está afirmando que o dom de línguas não existe, mas que não deveria ser usado isoladamente na igreja. A possessão do dom não era razão para seu uso indiscriminado. A reunião da igreja não é lugar onde demonstramos nossos dons para nos exaltar, mas o lugar onde os salvos agem em espírito de consideração mútua.

• “O que fala em língua [desconhecida] não fala aos homens, senão a Deus; porque ninguém o entende” (v. 2). Assim, o dom é usado no lugar errado. Como o dom era um sinal para incrédulos, e não para o povo do Senhor, ninguém ouviria com entendimento. Somente Deus podia entender o que era dito.

• “Mas o que profetiza fala aos homens, para edificação [que fortifica], exortação [que estimula] e consolação [que encoraja]” (v. 3).

Note a ordem: edificação — que se refere à doutrina; exortação — que se refere à prática da doutrina; consolação — se referindo à força que a doutrina traz. Devemos lembrar que hoje quem ensina substituí quem profetizava naquele tempo (os apóstolos e profetas estavam ligados ao fundamento da Igreja, Ef 2:20), mas mesmo assim, o princípio neste versículo tem muita aplicação hoje. Os que ensinam as Escrituras hoje falam, da mesma forma, “para edificação, exortação e consolação”. Suas comunicações têm pouco, ou até nenhum valor, se este não for o caso.

• “O que fala em língua [desconhecida] edifica-se a si mesmo; mas o que profetiza edifica a igreja” (v. 4). A frase “edifica-se a si mesmo” deve indicar que ele entendeu o que falou, pois o que não pode ser entendido não pode edificar. Isso é confirmado no v. 28: “Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo, e com Deus”.

• “E eu quero que todos vós faleis em línguas, mas muito mais que profetizais; porque o que profetiza é maior do que o que fala em línguas, a não ser que também interprete para que a igreja receba edificação” (v. 5). Paulo desejava o melhor para os santos, assim ele disse em 12:31: “Portanto, procurai [como igreja] com zelo os melhores dons”. Isto é, aqueles dons que edificariam a igreja, especialmente profecia. Os resultados da profecia enfatizam a superioridade deste

dom.

As palavras “a não ser que também interprete”, mostram que a capacidade para interpretar faz com que o dom de línguas edifique como o dom de profetizar. Se as línguas podem ser interpretadas, então a igreja pode ser edificada. Se um homem pode interpretar línguas, e também falar em línguas, então não havia necessidade de falar em línguas inicialmente.

Veja o v. 13 e compare com os vs. 27-28.

Mas, como esta edificação será alcançada? Isso nos leva aos segundo e terceiro parágrafos, referentes ao valor relativo das línguas e da profecia.

Isto será conseguido por clareza de expressão e compreensão.

Qual produz mais clareza na comunicação: línguas ou profecia? (vs. 6-11)

Paulo responde esta pergunta por mencionar a si mesmo (v. 6); os instrumentos musicais (vs. 7-8); e os próprios coríntios (vs. 9-11).

i) A referência a si mesmo (v. 6). “E agora, irmãos, se eu for ter convosco falando em línguas, que vos aproveitaria se não vos falasse ou por meio da revelação, ou da ciência, ou da profecia, ou da doutrina?” Não haveria proveito se falasse em línguas. Note como ele se refere aos meios de adquirir a verdade: “revelação … ciência”; depois aos meios de comunicar a verdade: “profecia … doutrina”. O profeta do Novo Testamento estava envolvido com “revelação” e “profecia”; quem ensina a Bíblia hoje está envolvido com “ciência” e “doutrina” [ensino]. Isso sugere uma transição do ministério temporário do profeta do Novo Testamento para o ministério permanente do ensinador. Compare II Pedro 2:1, onde “falsos profetas” do passado dão lugar a “falsos ensinadores” no futuro.

ii) A referência a instrumentos musicais (vs. 7-8). “Da mesma sorte, se as coisas inanimadas, que fazem som, seja flauta, seja cítara, não formarem sons distintos, como se conhecerá o que se toca com a flauta ou com a cítara? Porque se a trombeta der sonido incerto, quem se preparará para a batalha?”.

Estes instrumentos podem ser divididos em grupos. A flauta e a cítara causam alegria e prazer. A trombeta traz advertência e direção.

Contudo, se não forem tocados claramente, são inúteis. Assim também, se os santos hão de ser ajudados, de uma ou de outra maneira, eles precisam entender o que é dito.

iii) A referência aos próprios coríntios (vs. 9-11). “Assim também vós, se com a língua não pronunciardes palavras bem inteligíveis, como se entenderá o que se diz? Porque estareis como que falando ao ar. Há, por exemplo, tanta espécie de vozes no mundo, e nenhuma delas é sem significado. Mas se eu ignorar o sentido da voz, serei bárbaro para aquele a quem falo, e o que fala será bárbaro para mim”.

No contexto, Paulo está falando sobre línguas, mas seria bom fazer uma aplicação aqui. Devemos apreciar o valor de usar palavras facilmente entendidas. Por exemplo, a pregação do Evangelho deve ser simples, mesmo se o assunto for profundo. Precisamos nos lembrar da habilidade e capacidade dos nossos ouvintes. A palavra “sentido” (dunamis) significa a força ou poder do que é falado.

Ao mencionar as “tantas espécies de vozes” (v. 10), Paulo, evidentemente, está se referindo a línguas humanas. Isso fica claro no v. 11, onde a palavra “bárbaro” significa “um que fala outra língua ou língua estrangeira”.* Vine continua: “Mais tarde veio a indicar qualquer estrangeiro que desconhecia a língua e cultura grega … Semelhantemente, na língua dos egípcios berber significava todos os povos não egípcios”.

Resumindo: seja Paulo, sejam instrumentos musicais, sejam os próprios coríntios, nada poderia ser conseguido se não fosse expressado claramente.

Qual produz compreensão clara: línguas ou profecia? (vs. 12-19)

Estes versículos enfatizam a necessidade de compreensão clara por parte de quem fala (vs. 13-15), e de compreensão clara por parte de quem ouve (vs. 16-19).

* VINE, W. E. Amplified Expository Dictionary of New Testament Words. World Bible Publishers, 1991. Traduzido para o português pela CPAD.

Clareza da parte de quem fala (vs. 12-15). “Assim também vós, como desejais dons espirituais, procurai abundar neles, para edificação da igreja. Por isso, o que fala em língua desconhecida, ore para que a possa interpretar. Porque, se eu orar em língua desconhecida, o meu espírito ora bem, mas o meu entendimento fica sem fruto. Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento.”

Entusiasmo espiritual deve ser temperado com motivos espirituais.

Os crentes em Corinto eram zelosos de dons espirituais, ou “desejosos de espíritos” (JND). Embora a palavra “espirituais” aqui (pnuematon — talvez signifique “poderes espirituais”) é diferente da palavra empregada em 12:1 e 14:1 (pnuematikos), não é fácil distinguir entre as duas. Contudo, o sentido geral é claro: Não pode haver gratificação de si mesmo, tudo precisa ser feito para o bem estar da igreja toda. O alvo do ministério oral deve ser a edificação espiritual de todos os que estão presentes.*

Assim, “procurai abundar, para edificação da igreja” (14:12), lembrando da exortação: “Procurai com zelo os melhores dons (12:31). A palavra “abundar” (perisseuo) significa “exceder”, “superar”, como vemos pelo seu uso em Lucas 15:17: “têm abundância de pão”.

Visto que devemos sempre nos lembrar da “edificação da igreja”, o homem que tinha o dom de línguas deveria orar “para que a possa interpretar”.

Em seguida, temos a razão para isto: “Porque, se eu orar em língua desconhecida, o meu espírito ora bem, mas o meu entendimento fica sem fruto”. Isso é, ao orar numa língua estranha, sua compreensão pessoal daquilo que falava seria infrutífera para os outros, porque não entenderiam o que ele dizia. O versículo não ensina que quem falava não entendia o que dizia — isso o reduziria ao nível de um robô, e iria eliminar completamente a ênfase na palavra “entendimento” (nous) que ocorre quatro vezes nos vs. 14-20. Devemos acrescentar que os que participam publicamente nas reuniões da igreja devem entender o que dizem, especialmente quando estão citando outra pessoa! Contribuição à igreja deve ser feita de duas maneiras: “com o espírito”, isso é com alegria, de todo o coração e com entusiasmo espiritual, e “com o entendimento”, isto é, com entendimento e inteligência espirituais.

A não ser que o pregador seja inteligível aos outros, sua participação não terá efeito, como mostram os seguintes versículos.

Clareza na parte de quem ouve (vs. 16-19). “De outra maneira, se tu bendisseres com o espírito, como dirá o que ocupa o lugar de indouto, o Amém, sobre a tua ação de graças, visto que não sabe o que dizes?

Porque realmente tu dás bem as graças, mas o outro não é edificado.

Dou graças ao meu Deus, porque falo mais línguas do que vós todos.

* VINE, W. E. The collected writings of W. E. Vine – Vol 2. Thomas Nelson Publishers, 1996.

Todavia eu antes quero falar na igreja cinco palavras na minha própria inteligência, para que possa também instruir os outros, do que dez mil palavras em língua desconhecida.”

O “indouto” (veja também os vs. 23-24) sem dúvida é uma pessoa salva; a palavra indica alguém “que não tem qualquer meio de entender, a não ser pela ajuda de interpretação. Portanto, tais pessoas não poderiam participar na adoração”.* Assim, não podiam dizer Amém. Esta prática bíblica é muito mais do que uma mera cortesia; expressa acordo, lembrando-nos que oração e ações de graças devem sempre ser dadas com um senso de representação. Um irmão nunca deve expressar sua opinião em oração sobre um assunto quando existe discórdia sobre isto na igreja. Não é desconhecido o caso de um irmão orar no sentido horizontal, e não no sentido vertical. Devemos notar que dar graças edifica os santos. Paulo era exemplo do seu próprio ministério. O ministério público dos irmãos na igreja é realçado quando é exemplificado nas suas vidas pessoais. O Senhor Jesus censurou os religiosos dos Seus dias que “dizem e não fazem” (Mt 23:1-3).

Resumindo, tudo deve ser feito com amor, para ajudar, com inteligência e com consideração. Tendo considerado o valor relativo de línguas e profecia, Paulo agora muda o assunto para:

O propósito relativo de línguas e profecia (vs. 20-25)

Estes versículos ilustram a maneira como devemos estudar a Bíblia.

Devemos perguntar: o que diz a passagem? (v. 21); o que a passagem significa? (v. 22); como a passagem pode ser aplicada? (vs. 23-25).

Esta parte do capítulo começa com uma exortação para que fossem maduros. Eles deveriam saber como se comportar melhor. “Irmãos, não sejais meninos no entendimento, mas sede meninos na malícia, e adultos no entendimento” (v. 20). Devemos observar as palavras usadas na frase: “Irmãos, não sejais meninos no entendimento”. A palavra “meninos” (paidon) significa “uma criança pequena, ou nova”. É usada dos discípulos em João 21:5 (talvez de propósito, por causa das circunstâncias naquela ocasião): “Filhos [meninos], tendes alguma coisa de comer?”

Depois, no meio do versículo, outra palavra é usada: “… mas sede meninos em malícia”. Aqui a palavra grega é nepos, que significa “um bebê”. Isso é alguém que não pensa ou fala maliciosamente. Lamentavelmente, a malícia nas igrejas raramente tem tais qualidades infantis!

* VINE, W. E. The collected writings of W. E. Vine – Vol 2. Thomas Nelson Publishers, 1996.

Os cristãos, às vezes, são bem desenvolvidos na malícia! Mas Paulo tem algo muito diferente em mente: “adultos no entendimento”. A palavra significa “perfeito”, ou “totalmente crescido”. Isso enfatiza a necessidade de maturidade na conduta da igreja. A palavra traduzida “entendimento” (phren) se refere à mente, lembrando-nos que a comunhão da igreja exige maturidade espiritual, e também responsabilidade.

Eles deveriam ter compreendido que “está escrito na lei: Por gente de outras línguas, e por outros lábios, falarei a este povo; e ainda assim me não ouvirão, diz o Senhor” (v. 21). Como já notamos, Paulo se refere aqui a Isaías 28:11-12: “Assim por lábios gaguejantes, e por outra língua, falará a este povo … porém não quiseram ouvir”. “Este povo” é o povo judeu. Como havia uma sinagoga em Corinto (At 18:3), podemos entender por que o dom de línguas tinha sido dado a membros da igreja ali.

As palavras: “Está escrito na lei” (v. 21) se referem ao Velho Testamento em geral. Veja, por exemplo, João 10:34: “Não está escrito na vossa lei: Eu disse: Sois deuses?” (que se refere ao Sl 82:6); João 15:25: “Mas é para que se cumpra a palavra que está escrita na sua lei: Odiaram-me sem causa” (que se refere a Sl 69:4).

No Velho Testamento a língua que não era interpretada era um sinal de julgamento. Em Isaías 28, Deus afirmou a Sua intenção de falar ao Seu povo por meio de um poder estrangeiro, Assíria, assim pronunciando juízo sobre eles, pelas seguintes razões:

i) Porque rejeitaram a Palavra de Deus. Eles ouviram a mensagem: “Este é o descanso, daí descanso ao cansado; e este é o refrigério”, mas não reagiram: “não quiseram ouvir” (Is 28:12). O “descanso” e o “refrigério” não são definidos aqui, mas não há dúvida que são explicados em Isaías 8:13-14, que se refere a circunstâncias semelhantes: “Ao Senhor dos Exércitos, a ele santificai; e seja ele o vosso temor e seja ele o vosso assombro. Então ele vos será por santuário”. O próprio Senhor seria o seu “descanso” e seu “refrigério”, da mesma maneira que, seiscentos anos mais tarde, o Senhor Jesus disse: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei … e encontrareis descanso para as vossas almas” (Mt 11:28-29).

ii) Por causa da sua atitude para com a Palavra de Deus. Para eles, significava somente uma repetição infantil e irritante: “Assim, pois, a palavra do Senhor lhes será mandamento sobre mandamento, mandamento sobre mandamento, regra sobre regra, regra sobre regra, um  co aqui; um pouco ali” (v. 13).

A invasão pelos Assírios, com sua língua estrangeira, era, portanto, um sinal do juízo iminente. Assim é aqui, línguas como sinal para Israel eram uma indicação de juízo sobre a nação. Línguas não eram um sinal de salvação, mas de juízo. Neste contexto é importante diferenciar entre o propósito destas declarações, e seu conteúdo. Embora não haja menção de línguas em Antioquia, seu propósito pode ser sintetizado pela advertência de Paulo ali: “Vede, pois, que não venha sobre vós o que está dito nos profetas: Vede, ó desprezadores e espantai-vos e desaparecei; Porque opero uma obra em vossos dias, obra tal que não crereis, se alguém vô-la contar” (At 13:40-41). Quanto ao conteúdo das manifestações de línguas no livro de Atos, temos somente estas três pequenas afirmações: “Temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus” (2:11); “Os ouviam falar línguas, e magnificar a Deus” (10:46); “E falavam línguas, e profetizavam” (19:6). Em cada caso é evidente que o dom não foi usado em pregação ou ensino, mas em louvor. Sobre o primeiro caso, J. M. Davies comenta: “Eles estavam declarando as obras maravilhosas de Deus, sem dúvida repetindo porções do Velho Testamento nas línguas e dialetos dos judeus e prosélitos presentes em Jerusalém para a festa”.*

Em vista do fato que Isaías 28 se refere ao judeu incrédulo, Paulo termina dizendo: “De sorte que as línguas são um sinal [de julgamento], não para os fiéis, mas para os infiéis” (I Co 14:22). O propósito da profecia é bem diferente: “A profecia não é sinal para os infiéis, mas para os fiéis” (v. 22). Isso é aplicado nos vs. 23-25, onde Paulo se refere ao tempo quando “toda a igreja se congregar num lugar”. Veja também o v. 26. Devemos observar a frase: “Quando vos ajuntais”. Evidentemente, não havia “igrejas em células” ou grupos fragmentários em Corinto.

Compare I Coríntios 11:18: “quando ajuntais em assembleia” (JND); I Coríntios 11:20: “quando vos ajuntais num lugar”. Nestas ocasiões Paulo contempla duas possíveis cenas na igreja:

i) “Todos falarem em línguas” (v. 23). “Se, pois, toda a igreja se congregar num lugar, e todos falarem em línguas, e entrarem indoutos ou infiéis, não dirão porventura que estais loucos”. O significado de “indoutos” já foi dado no comentário sobre o v. 16. Poderíamos sugerir que o “infiel” aqui seria um gentio incrédulo, visto que o uso de línguas era um sinal para os judeus; mas parece mais provável que Paulo esta descrevendo o efeito das línguas sobre qualquer “incrédulo” se “todos falarem em línguas”. A confusão seria indescritível. Por isso era necessário que o dom fosse controlado (vs. 7-28).

* DAVIES, J. M. The Epistles to the Corinthians. Gospel Literature Services, Bombay, 1975.

ii) “Todos profetizarem” (vs. 24-25). “Mas, se todos profetizarem, e algum indouto ou infiel entrar, de todos é convencido, de todos é julgado.

Portanto, os segredos do seu coração ficarão manifestos, e assim, lançando-se sobre o seu rosto, adorará a Deus, publicando que Deus está verdadeiramente entre vós”. Estes versículos enfatizam o poder da Palavra de Deus. Terá um efeito quádruplo sobre o visitante:

• “De todos é convencido”, ou “ele é convencido por tudo” (JND); sua consciência é tocada.

• “De todos é julgado”, ou “ele é julgado por tudo” (JND); a palavra “julgado” (anakrino) é traduzida “examinado” em I Coríntios 9:3, isto é, o ensino esquadrinha e penetra seu coração.

• “Os segredos do seu coração ficarão manifestos”. Isto não se refere a manifestação pública, mas sim que sua vida e caráter verdadeiro são manifestos a ele.

• “E assim, lançando-se sobre seu rosto, adorará a Deus, publicando que Deus está verdadeiramente entre vós”. W. E Vine sugere que isto indica a sua conversão, e este bem pode ser o caso. Pelo menos, ele reconhecerá que está na presença de Deus, e não entre um grupo de lunáticos.

Participação em línguas e profecia (vs. 26-35)

Que tipo de reunião produzirá os resultados acima mencionados?

Vemos a resposta claramente agora nestes versículos: será uma reunião ordeira. Devemos notar o seguinte, nesta parte: o princípio que regula tudo (v. 26); a participação em línguas (vs. 27-28); a participação em profecia (vs. 29-33); a participação das irmãs (vs. 34-35).

O princípio que regula tudo (v. 26)

“Faça-se tudo para edificação”. Este princípio deve governar as contribuições

e os contribuintes. Paulo pensa nas reuniões da igreja em Corinto e pergunta: “Como é então, irmãos”, e continua dando-lhes a resposta: “Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem trina, tem revelação, tem língua, tem interpretação”. W. E. Vine* sugere que isso indica que os salvos estavam chegando às reuniões já com planos feitos sobre o que iriam falar e como iriam contribuir, e isso causava confusão. Assim, era de grande importância que todos os irmãos regulassem as suas contribuições com referência ao bem estar de todos e da igreja. Este princípio continua hoje — nossos hinos, nossas passagens bíblicas prediletas, nem sempre edificarão e ajudarão nas reuniões.

Também, não ajuda quando alguém chega à reunião resolvido a falar sobre um determinado assunto, sem considerar se é conveniente naquela ocasião. Tal assim-chamado “ministério” muitas vezes não é conveniente em qualquer ocasião! O princípio sobre o qual a participação deve ser feita é expresso aqui, e em I Coríntios 12:7: “Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil”.

A participação em línguas (vs. 27-28)

“E, se alguém falar em língua desconhecida, faça-se isso por dois, e quando muito, três, e por sua vez, e haja intérprete”. Aqui Paulo estabelece alguns princípios importantes:

• O uso de línguas não deveria ser excessivo: “dois, e quando muito, três”.

• Os irmãos deveriam participar um de cada vez: “por sua vez”. A participação deveria ser ordeira.

• Deveria haver um intérprete: “haja um que interprete”(VB). Isso pode indicar que um irmão deveria interpretar todos, ou que somente um intérprete deveria interpretar de cada vez; as interpretações não deveriam ser feitas simultaneamente. Como J. Hunter† observa: “Se o primeiro é o caso, então isso confirmaria que somente um irmão poderia falar de cada vez, e o próximo teria que esperar o interprete terminar.” “Mas se não houver interprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo e com Deus” (v. 28).

A participação em profecia (vs. 29-33)

“E falem dois ou três profetas, e os outros julguem. Mas, se a outro, que estiver assentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro.

Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros; para que todos aprendam, e todos sejam consolados. E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas. Porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos.” Devemos notar o seguinte:

• Como com línguas, a participação na profecia não deveria ser excessiva: “falem dois ou três profetas”. Notamos também que não havia um homem controlando tudo.

* VINE, W. E. The collected writings of W. E. Vine – Vol 2. Thomas Nelson Publishers, 1996.

† HUNTER, J. What the Bible teaches – Vol 4. John Ritchie, 1986. Traduzido por esta editora.

• A igreja deve ouvir os profetas com discernimento, “e os outros [no grego, allos, “outro do mesmo tipo”: isto é, outros profetas] julguem”.

• Os profetas deveriam participar com consideração mútua: “se a outro, que estiver assentado, for revelado alguma coisa, cale-se o primeiro”. “Ninguém deveria ocupar todo o tempo da reunião, ou mesmo prolongar a sua contribuição desnecessariamente. Cada um deveria reconhecer que outros também tinham o mesmo dom”.*

Notemos bem a expressão “se a outro … for revelada alguma coisa”.

O dom de profecia envolvia revelação direta.

• Os profetas deveriam manter ordem na sua participação: “Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros”. Tal ordem beneficiaria todo o ajuntamento: “para que todos aprendam, e todos sejam consolados [exortados]”. Não precisamos de muita imaginação para visualizar a confusão numa reunião onde todos querem falar ao mesmo tempo!

• Os profetas deveriam exercer autocontrole: “E os espíritos dos profetas estão sujeitos aos profetas”. Eles deveriam participar com inteligência e entendimento. Eles não deveriam estar numa condição de excitação, e certamente não deveriam cair numa condição extática, fora de si. Seu trabalho era comunicar a Palavra de Deus claramente e inteligentemente.

Estes princípios importantes refletem a maneira harmoniosa como o próprio Deus age: “porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos” (v. 33). Assim, “faça-se tudo decentemente e com ordem” (v. 40). Resumindo, uma igreja local deve ser caracterizada por ordem Divina, reverência, harmonia e consideração mútua. Claramente, nenhuma igreja tem a liberdade para fazer “o que bem entende”, “porque Deus não é Deus de confusão, senão de paz, como em todas as igrejas dos santos”. Veja também I Coríntios 11:16.

* W. E. Vine. The collected writings of W. E. Vine – Vol 2. Thomas Nelson Publishers, 1996.

A participação das irmãs (vs. 34-35)

“As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja”. Esta é a última de três proibições em relação a participação pública nas reuniões da igreja. Em relação às línguas, Paulo disse: “Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja” (v. 28). Em relação aos profetas, ele disse: “Mas, se a outro, que estiver assentado, for revelada alguma coisa, cale-se o primeiro” (v. 30). Agora, em relação às irmãs ele diz: “As vossas

mulheres estejam caladas nas igrejas” (v. 34). Somente os homens devem participar audivelmente nas reuniões dos santos; as irmãs não têm parte no ministério oral da igreja. Devemos notar:

• “As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar”. “Caladas” aqui precisa ser entendido como no v. 28: “esteja calado na igreja”. A palavra “falar”, aqui, tem o mesmo significado que no restante do capítulo. Não pode significar “tagarelar”, senão os vs. 28-29 se tornariam sem sentido: “Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e tagarele consigo mesmo, e com Deus. E tagarelem dois ou três profetas, e os outros julguem”.

Não precisamos comentar mais sobre esta sugestão ridícula.

• “As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas”. Notamos que a palavra “igrejas” está no plural aqui, como também no v. 33, enquanto que no v. 28 está no singular, onde se refere particularmente à igreja em Corinto, onde o dom de línguas existia. Compare com 11:16, que mostra que “Corinto era a única que permitia que as mulheres não cobrissem a cabeça ao se reunir”.* Evidentemente, também somente em Corinto havia irmãs participando.

• “Mas estejam sujeitas, como também ordena a lei”. Esta é a segunda referência à lei neste capítulo (veja o v. 21), e aqui também indica o Velho Testamento em geral, com referência especial a Gênesis 3:16: “E teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará”. As razões são dadas em 1 Timóteo 2:11-14: “A mulher aprenda em silêncio, como toda a sujeição. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu

em transgressão”. Também, no contexto da reunião de oração, recebemos mais ensino nesta mesma passagem: “Quero, pois, que os homens [aner — pessoas do sexo masculino] orem em todo lugar” (I Tm 2:8).

* HUNTER, J. What the Bible teaches – Vol 4. John Ritchie, 1986. Traduzido por esta editora.

• “E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos [“perguntem aos seus maridos em casa”, JND], porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja”. Vale a pena citar J. Hunter* aqui:

Liderança é a responsabilidade do homem. Tanto o homem como a mulher ocupam o lugar de honra dado por Deus, e todas as pessoas piedosas reconhecem este fato, e se submetem à esta ordem  estabelecida pela sabedoria de Deus. As mulheres, se não esclarecidas

sobre qualquer assunto, não devem fazer perguntas publicamente, mas procurar ajuda dos homens em casa. A palavra traduzida “maridos” [aner], embora usada para esposos, realmente significa o sexo masculino. O assunto é concluído com a afirmação solene: porque “é vergonhoso que as mulheres falem na igreja.

A palavra traduzida “vergonhoso” significa “inconveniente, indecoroso, indecente”.

Conclusão (vs. 36-40)

Paulo agora dá duas razões porque a igreja em Corinto não deveria pensar que podia fazer o que quisesse.

A Palavra de Deus não se originou neles

“Porventura saiu dentre vós a Palavra de Deus?” (v. 36.) Visto que eles não eram os originadores da Palavra de Deus, eles não podiam colocar suas opiniões nos assuntos tratados. Se a Palavra de Deus tivesse sua fonte neles, então teriam o direito de interpretá-la. Mas este não era o caso. Não estavam livres para agir como bem entendessem. Novamente, o comentário de J. Hunter† merece ser citado: Sendo a primeira igreja a afastar-se da Palavra de Deus, especialmente em relação às mulheres participando publicamente, estavam se colocando no lugar de uma autoridade superior, portanto o apóstolo os censurou.

* HUNTER, J. Ibid.

† HUNTER, J. Ibid.

A Palavra de Deus não veio somente a eles

“Ou veio ela somente para vós?” Não foi uma revelação especial a eles, fazendo-os diferentes de todos. Não receberam nenhum tratamento especial. Como diz J. Hunter*: Será que eles eram os únicos receptores e guardiões de tal revelação para poderem introduzir tais práticas? Podiam eles agir por si só e ignorar as outras igrejas? Isto era realmente arrogância! Eles não receberam autoridade independente para agir assim. Mas hoje existe a mesma atitude, e a mesma reivindicação para ser progressivos e liberados. Contudo, este progresso é na direção contrária à Palavra de Deus; é liberação de obediência a esta Palavra.

O ensino de Paulo sobre a igreja local é tão mandatário como seu ensino sobre qualquer outro assunto. “Se alguém cuida ser profeta, ou espiritual, reconheça que as coisas que vos escrevo são mandamentos do Senhor” (v. 37). Como J. Hunter† corretamente observa: Esta clara reivindicação de Paulo, de que ele está escrevendo a Palavra de Deus, não pode ser ignorada, e todos precisam se submeter ao ensino que tem a autoridade apostólica, independentemente de qualquer experiência que possam reivindicar.

Paulo termina dizendo: “Portanto, irmãos, procurai, com zelo, profetizar, e não proibais falar línguas” (v. 39). O capítulo termina como começou: “Segui o amor, e procurai com zelo os dons espirituais, mas principalmente o de profetizar” (v. 12). Assim, os dois dons deveriam ser valorizados e regulados enquanto existissem. O princípio geral é: “Faça-se tudo decentemente e com ordem” (v. 40); isso é: “de uma maneira decorosa, e de acordo com o plano Divino”.‡

Feliz a igreja cujas comunicações são governadas pelos princípios ensinados nesta passagem das Sagradas Escrituras.

* HUNTER, J. Ibid.

† HUNTER, J. Ibid.

‡ VINE, W. E. The collected writings of W. E. Vine – Vol 2. Thomas Nelson Publishers, 1996.

Por John M. Riddle, Inglaterra

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