A igreja local e sua consideração

Numa igreja local os cristãos frequentemente estão juntos e interagem numa variedade de circunstâncias. Estas circunstâncias incluem a vida espiritual da igreja local, quando todos estão presentes nas várias reuniões, a preparação de alimentos quando há reuniões especiais, a preparação de prêmios no trabalho com as crianças, e ocasiões mais sociais quando visitamos uns aos outros nos seus lares. Em cada uma destas circunstâncias existe a possibilidade de atos e palavras serem mal interpretados, criando diferenças, contendas e, lamentavelmente, às vezes até divisões entre os irmãos da igreja. Cada salvo precisa perceber as áreas sensíveis dos outros e procurar evitar causar ou receber ofensas. Também, há o contato diário com os descrentes da localidade onde moramos. Aqui também os salvos precisam ser cuidadosos no seu comportamento perante os incrédulos, para que nada seja feito ou dito que possa ser interpretado como sendo depreciativo ao testemunho do cristão individual, ou ao testemunho coletivo da igreja local. Os incrédulos rapidamente julgam até mesmo os comentários ou atos mais insignificantes, e espalham fofocas que poderiam danificar o testemunho.

Assim, como sugere o título deste capítulo, cada salvo precisa dar a devida consideração ao seu comportamento. Para ilustrar esta necessidade no contexto da igreja local, uma parte da primeira carta de Paulo aos Coríntios é muito útil.

Esta epístola pode ser dividida da seguinte maneira:

Contenda na igreja.................................. caps. 1 a 4

Correção na igreja................................... caps. 5 a 7

Consideração na igreja.......................... caps. 8 a 10

Comemoração na igreja................................ cap. 11

Comunicação na igreja........................ caps. 12 a 14

Clímax na igreja........................................... cap. 15

Coleta na igreja............................................ cap. 16

Consideração na igreja — Caps. 8 a 10

A extensa parte que trata deste assunto são os caps. 8-10. Considerar todos os versículos seria impossível nesta publicação. Entretanto, a repetição* da expressão “para que não” permite que a verdade seja explicada e entendida. Notemos as referências:

• Considera teu irmão — 8:9, 13

“Cuidado com essa liberdade, para que não seja de alguma maneira escândalo para os fracos” (8:9); “Por isso, se a comida escandalizar a meu irmão, nunca mais comerei carne, para que não se escandalize meu irmão” (8:13).

• Considera o Evangelho — 9:12

“Se outros participam deste poder sobre vós, por que não, e mais justamente, nós? Mas nós não usamos deste direito; antes suportamos tudo, para que não coloquemos impedimento algum ao evangelho de Cristo”.

• Considera teu galardão futuro — 9:27

“Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à servidão, para que não venha eu mesmo de alguma maneira a ficar reprovado, depois de ter pregando aos outros”.

• Considera tua posição presente — 10:12

“Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe para que não caia”.

Considera teu irmão — 8:9, 13

Podemos ver claramente qual é o assunto deste cap. 8 pela repetição quadrupla que temos nos versículos 1-10 da expressão “coisas sacrificadas aos ídolos” (v. 1, 4, 7, 10). Não há dúvida que Paulo está falando da atitude dos cristãos quanto às coisas sacrificadas aos ídolos. Este assunto é tratado duas vezes nesta carta; aqui no cap. 8, onde é considerado do ponto de vista do meu irmão, e no cap. 10, onde é considerado do ponto de vista de Deus, o que explica por que não é permitido: “Não podeis beber o cálice do Senhor e o cálice dos demônios; não podeis ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios” (10:21).

Entretanto, no cap. 8 a possibilidade é considerada do ponto de vista de como meus atos irão afetar o meu irmão.

* O autor se refere à palavra “lest” em inglês; como a tradução para o português usa palavras diferentes nos diferentes versículos citados, apresentamos os versículos acima numa tradução livre, procurando enfatizar o paralelo entre os versículos citados. (N. do E.)

O ensino de Paulo gira em torno do conhecimento e das consciências dos irmãos “fortes” e “fracos”. Cada cristão tem conhecimento: “Ora no tocante às coisas sacrificadas aos ídolos, sabemos que todos temos ciência. A ciência incha, mas o amor edifica” (v. 1). A decisão não deve ser tomada somente com base no conhecimento intelectual. Isto pode inchar a pessoa e causar desrespeito para com os sentimentos da outra pessoa, e assim excluir a esperada demonstração do amor que edifica.

Isto não é uma demonstração da verdadeira ciência cristã, e assim Paulo escreve: “E, se alguém cuida saber alguma coisa, ainda não sabe como convém saber” (v. 2).

Sobre os que são fortes na sua fé cristã está escrito: “Sabemos que o ídolo nada é no mundo” (v. 4). Mas os outros precisam ser considerados: “Mas nem em todos há conhecimento” (v. 7). Ele está afirmando que na sua experiência nem todos chegaram a reconhecer este fato, e assim a consciência do irmão fraco precisa ser respeitada, e não ignorada de maneira insensível. Nenhum cristão espiritual dirá como Caim: “Sou eu guardador de meu irmão?” (Gn 4:9). Ele terá cuidado e preocupação para com o bem estar espiritual do seu irmão, e procurará encorajá-lo e fazer tudo possível para proteger a comunhão do seu irmão com Deus.

Que a questão aqui não é uma doutrina essencial, mas questões de consciência fica evidente pela repetição da palavra, como vemos: “alguns até agora comem, no seu costume para com o ídolo, coisas sacrificadas ao ídolo; e sua consciência, sendo fraca, fica contaminada” (v. 7). “não será a consciência do que é fraco induzida …” (v. 10); “ferindo a sua fraca consciência …” (v. 12).

Paulo dá sete razões por que não podemos desprezar a consciência de outro cristão.

“A sua consciência, sendo fraca, fica contaminada” (v. 7)

O verbo “contaminar” significa poluir. W. E. Vine afirma que o significado da palavra é “sujar com lama ou outra sujeira”, e uma consideração das outras ocorrências da palavra no Novo Testamento ajudará: “Mas também tens em Sardes algumas pessoas que não contaminaram suas vestes” (Ap 3:4). “Estes são os que não estão contaminados com mulheres; porque são virgens” (Ap 14:4).

Estes salvos de Corinto foram libertos da idolatria, mas alguns ainda não tinham sido esclarecidos quanto à superstição ligada àquele sistema.

A sua fraqueza estava nesta falta de esclarecimento com relação à idolatria, e assim, por comer, eles se sentiam culpados, e a sua consciência não estava mais limpa e em paz com Deus; estava poluída, e eles se sentiam contaminados.

“Escândalo para os fracos” (v. 9)

No v. 8, Paulo reconhece que o alimento e o comer não têm importância:

“Ora a comida não nos faz agradáveis a Deus, porque, se comemos nada temos de mais e, se não comemos, nada nos falta”. Isso deixaria o irmão forte com a autoridade para dizer que podia comer de tudo, porque a aprovação apostólica fora dada. Mas no v. 9 o apóstolo diz que há outra consideração — o irmão fraco: “Mas vede que essa liberdade não seja de alguma maneira escândalo para os fracos”.

O verbo “vede” aqui, estando no imperativo, é realmente um mandamento apostólico que deve ser obedecido continuamente. Assim, somos exortados a não colocar “escândalo”, ou tropeço, no caminho do irmão fraco. É uma maneira por meio da qual outros são tropeçados.

No mesmo contexto, Paulo usa a palavra em Romanos 14: “Seja vosso propósito não pôr tropeço ou escândalo ao irmão” (v. 13); “mas mal vai para o homem que come com escândalo” (v. 20).

“Não será a consciência do que é fraco induzida?” (v. 10)

Paulo continua: “Porque, se alguém te vir a ti, que tens ciência, sentado à mesa no templo dos ídolos, não será a consciência do que é fraco induzida a comer das coisas sacrificadas aos ídolos?” Nós vivemos em dias quando alguns dizem: “Eu posso fazer o que quero”; “Eu não me importo onde e com quem sou visto”; “Não é da sua conta; a vida é minha”, etc. Esta atitude é totalmente condenada pelo apóstolo. Ele começa aqui dizendo “porque, se alguém te vir a ti”, e assim enfatiza que é importante onde o cristão é visto. Esta pessoa foi vista “sentada à mesa no templo dos ídolos”. Ele sabia que o ídolo nada era, e assim não havia nenhuma razão por que não deveria apreciar aquela comida, mas ele deveria considerar como isso afetaria o seu irmão em Cristo. Ele poderia argumentar que não estava fazendo nada de mal, ou pecando, mas na realidade ele estava, porque estava prejudicando seu irmão. Estava fazendo com que a consciência do seu irmão fraco fosse “induzida”, isto é, encorajada e levada a fazer a mesma coisa, com a qual ele realmente não concordava.

 “E pela tua ciência perecerá o irmão fraco, pelo qual Cristo morreu” (v. 11)

Que afirmação! Destaca claramente a solenidade das nossas ações.

Paulo faz a pergunta sobre o conhecimento do irmão forte: será que ele está preparado para usar seu conhecimento para o detrimento do seu irmão? A palavra “perecer” significa “quebrar” ou “tornar inútil”. Este seria o resultado do irmão fraco imitar as ações do irmão forte, e ser atormentado pela sua consciência. Será que o irmão fraco tem importância?

Vale a pena considerá-lo? Paulo nos informa do seu valor ao dizer que ele é um “por quem Cristo morreu”. Não existe preço maior do que este.

O irmão fraco tem valor incalculável, e por isso merece a consideração do seu irmão. O contraste tremendo é entre o amor de Cristo, que morreu por ele, e a insensibilidade do irmão que desconsidera isso.

“Ora, pecando assim contra os irmãos, e ferindo a sua fraca consciência” (v. 12)

Paulo esta chegando ao clímax do seu argumento ao usar estas palavras fortes, “pecar” e “ferir”. São palavras cheias de emoção, e devem levar o irmão forte a reconhecer a importância de considerar seu irmão mais fraco quando decisões precisam ser tomadas. J. N. Darby expressa bem a continuidade indicada por estes verbos quando ele traduz: “pecando assim contra os irmãos, e ferindo sua consciência fraca, pecais contra Cristo”. Paulo não está falando de um ato isolado, mas sim de um pecado contínuo, de ferir continuamente o irmão que está num estado contínuo de fraqueza. Também, a palavra “irmão”, singular, agora foi mudada para “irmãos”, plural, alargando o argumento para abranger todos na comunidade cristã.

A palavra “ferir” significa “machucar com a mão ou com um chicote”, e ilustra quão pungente e dolorida uma consciência ferida pode ser, e ninguém, com um mínimo de compaixão cristã, iria desejar expor seu irmão a isso.

“Pecais contra Cristo” (v. 12)

Esta expressão é o ponto máximo no seu argumento, e sublinha a seriedade de um ato irrefletido ou egoísta, que poderia causar tristeza ou dor a um irmão. Quando visto como “pecado contra Cristo”, qualquer desculpa se torna inválida.

Este é um dos versículos que mostra bem a ligação íntima entre Cristo e o Seu povo — pecar contra eles é pecar contra Ele. Paulo aprendeu esta lição por ocasião da sua conversão, quando o Senhor disse que quem persegue a Igreja persegue a Ele: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” (At 9:4; 22:7; 26:14).

“Se a comida escandaliza o meu irmão” (v. 13)

Paulo declara qual deve ser o resultado final da ação irrefletida, e a reação do homem espiritual. “Por isso, se a comida escandaliza a meu irmão, nunca mais comerei carne, para que meu irmão não se escandalize”.

Duas vezes neste versículo ele usa o verbo “escandalizar”, que significa “colocar armadilha”. Que cristão desejaria colocar uma armadilha para seu irmão e fazê-lo cair? Temos que cuidar, não somente do nosso testemunho pessoal, mas também do testemunho dos nossos irmãos.

A reação do espiritual é simples: “Nunca mais comerei carne, para que meu irmão não se escandalize”. Consideração para com o irmão, com o desejo de vê-lo prosperar nas coisas divinas e estar em paz com a sua consciência, exige que eu não faça nada que possa feri-lo, mesmo que eu não veja nada de errado nas minhas ações.

Considera o Evangelho — 9:12

“Se outros participam deste poder sobre vós, por que não, e mais justamente, nós? Mas nós não usamos este direito; antes suportamos tudo, para não pormos impedimento algum ao evangelho de Cristo” (9:12).

O cap. 9 tem vinte perguntas, pois Paulo quer que os coríntios pensem, e que cheguem à conclusões corretas sobre certos assuntos. Ele mostra a realidade do seu apostolado, e então lhes dá razões por que não aceitou ajuda financeira deles. Ele renunciou os seus direitos por causa do Evangelho.

Ele reafirma seu relacionamento (vs. 1-2)

Ele não era um apóstolo inferior aos outros. “Não sou eu apóstolo?

Não sou livre? Não vi eu a Jesus Cristo Senhor nosso? Não sois vós a minha obra no Senhor?” (v. 1). O fato de ter visto o Senhor provou o seu apostolado. “Se eu não sou apóstolo para os outros, ao menos o sou para vós; porque vós sois o selo do meu apostolado no Senhor” (v. 2). Isso indica que ele tinha visto a mão do Senhor abençoando o seu serviço.

Ele dá razões para o seu direito (vs. 3-14)

Ele dá cinco razões por que poderia ter aceitado sustento deles:

O exemplo de outros (vs. 5-6). “Não temos nós direito de levar conosco uma esposa crente, como também os demais apóstolos, e os irmãos do Senhor, e Cefas? Ou só eu e Barnabé não temos direito de deixar de trabalhar?”

O exemplo das ocupações (v. 7).

“Quem jamais milita à sua própria custa? Quem planta a vinha e não come do seu fruto? Ou quem apascenta o gado e não se alimenta do leite do gado?” Aqui ele fala do soldado, que pode ilustrar um evangelista; depois temos o lavrador, que pode representar um ensinador, e finalmente um pecuarista, que pode representar um pastor.

O exemplo das escrituras do Velho Testamento (vs. 8-10).

“Digo eu isto segundo os homens? Ou não diz a lei também o mesmo? Porque na lei de Moisés está escrito: Não atarás a boca do boi que trilha o grão. Porventura tem Deus cuidado dos bois? Ou não o diz certamente por nós? Certamente que por nós está escrito; porque o que lavra deve lavrar com esperança e o que debulha deve debulhar com esperança de ser participante”. Aqui ele cita Deuteronômio 25:4: “Não atarás a boca ao boi quando trilhar”.

O exemplo de serviço no Velho Testamento (v. 13).

“Não sabeis vós que os que administram o que é sagrado comem do que é do templo? E que os que de contínuo estão junto o altar, participam do altar?” A referência aqui ao Levita e ao Sacerdote do Velho Testamento é óbvia.

As palavras do Senhor (v. 14).

“Assim ordenou também o Senhor aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho”. Provavelmente esta é uma referência a Mateus 10:10: “porque digno é o operário do seu alimento”.

Ele recusa seus direitos (vs. 15-23)

Ele dá cinco razões por que ele recusou receber sustento deles.

Ele pregava por necessidade: não para receber glória (v. 16).

“Porque, se anuncio o evangelho, não tenho de me gloriar, pois me é imposta essa obrigação; e ai de mim se não anunciar o evangelho!” Em Atos 9:15 o Senhor, ressuscitado e glorificado, tinha comissionado Paulo. Assim, ele não tinha motivo para se exaltar, pois tudo era pela soberania de Deus, e como escravo, a obediência era exigida dele. De fato, era como um grande peso sobre ele, como sugere a expressão “é imposta”. Isso pode ser confirmado por outros usos desta mesma expressão: “apertando- o a multidão” (Lc 5:1); “e era uma caverna, e tinha uma pedra posta sobre ela” Jn 11:38); “e caindo sobre nós uma não pequena tempestade” At 27:20. Ele enfatiza a natureza impulsora do seu trabalho com a frase: “Ai de mim se não anunciar o evangelho”.

Ele pregava como por servidão: não por ganância (v. 17).

“E por isso, se o faço de boa mente, terei prêmio; mas, se de má vontade, apenas uma dispensação me é confiada”. Se ele tivesse escolhido ser pregador, como as palavras: “boa mente” e “vontade” indicam, então ele seria recompensado. Entretanto, visto que isto era um assunto de escolha soberana, então fora lhe confiada uma mordomia (dispensação). Ele via o seu ministério como um depósito de Deus que precisava ser guardado e cumprido.

Ele pregava gratuitamente: não por lucro (v. 18).

“Logo, que prêmio tenho? Que, evangelizando, proponha de graça o evangelho de Cristo para não abusar do meu poder no evangelho”. Sua recompensa era garantir que o Evangelho fosse pregado gratuitamente, e que ninguém o pudesse acusar de pregar para ganhar, ou por qualquer outro motivo.

Ele pregava humildemente: não com relutância (vs. 19-22).

 “Porque, sendo livre para com todos, fiz-me servo de todos para ganhar ainda mais. E fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus; para os que estão debaixo da lei, como se estivesse debaixo da lei, para ganhar os que estão debaixo da lei. Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei (não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo), para ganhar os que estão sem lei. Fiz-me fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns.” Ele estava livre de todos os homens porque não era devedor a ninguém, não servia nenhuma organização e era responsável somente ao Senhor. Contudo, ele se aproximou de todo tipo de homens para que pudesse ganhá-los para o Senhor Jesus, e pôde fazer isto sem sacrificar qualquer princípio. Ele se fez um escravo de todos ao renunciar seus direitos de receber sustento deles, e em vez disso trabalhou com suas próprias mãos. Sua grande preocupação era seu serviço para Cristo e a salvação de homens.

Ele pregava sabiamente: não levianamente (v. 23).

“E eu faço isto por causa do evangelho, para ser também participante dele”. A tradução de J. N. Darby é mais correta: “E faço todas as coisas pela causa das boas novas, para que eu possa ser coparticipante com elas”. Tudo que ele fez e tudo que ele sofreu foi por causa do Evangelho, para que pudesse ser coparticipante da obra do próprio Evangelho.

Por que ele agia assim? O âmago do assunto está no v. 12: “Se outros participam deste poder sobre vós, por que não, e mais justamente, nós? Mas nós não usamos deste direito, antes suportamos tudo para não pormos impedimento algum ao evangelho de Cristo”. Tal era o seu amor pelo Evangelho e seu desejo ardente de vê-lo propagado e almas sendo abençoadas, que ele nada faria que impediria esse progresso.

Aqui há uma consideração muito importante para cada pessoa salva; será que a minha vida ajuda ou atrapalha a expansão do Evangelho?

A melhor ajuda ao Evangelho em qualquer lugar é o bom testemunho pessoal dos salvos naquele lugar, mas, lamentavelmente, nem sempre é assim! Nossos dias são marcados, em grande medida, por um declínio no fervor evangélico, que é essencial para a continuação e crescimento do testemunho. É inegável que igrejas que perdem o interesse em propagar o Evangelho logo começarão a definhar, e finalmente morrerão. É um bom sinal quando pode ser dito de uma igreja: “Porque por vós soou a palavra do Senhor, não somente na Macedônia e Acaia, mas também em todos os lugares a vossa fé para com Deus se espalhou, de tal maneira que já dela não temos necessidade de falar coisa alguma” (I Ts 1:8).

Considera teu galardão futuro — 9:27

“Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado”.

Já vimos no capítulo algumas ilustrações abrangendo as áreas ocupacional (v. 7), agrária (v. 9) e eclesiástica (Levita e Sacerdote, v. 13).

Agora há outras que são baseadas no atletismo: um corredor (v. 24) e um lutador (v. 26). Nestes versículos Paulo olha à frente para o dia da recompensa, e para a possibilidade de ganhar o prêmio. Para alcançar este prêmio várias atitudes ou considerações são necessárias.

É necessário ter singeleza de propósito (v. 24)

Neste versículo Paulo argumenta que, porque o prêmio será ganho somente por uma pessoa, isto se torna a prioridade, e é de suma importância ao corredor. Assim ele diz: “Correi de tal maneira que o alcanceis”.

O atleta não se preocupa com os outros ou como estão correndo, nem tem tempo a perder olhando ao redor e apreciando a paisagem. Ele tem somente uma coisa em vista — o prêmio.

Isso não está ensinando que somente um salvo receberá o galardão, nem é dado para encorajar um espírito de competição no serviço cristão, mas ensina que cada um deve procurar ganhar um prêmio, e não ter a atenção desviada por assuntos secundários.

É necessário ter abnegação (v. 25)

Cada atleta cuida bem do seu estilo de vida e sua dieta. Coisas que são legítimas para outros não convém para ele, e assim está escrito: “E todo aquele que luta de tudo se abstém”. Assim para o cristão espiritual e sério, as coisas que os outros podem fazer e ter, mesmo que não sejam pecaminosas, estarão fora dos seus limites. O atleta do mundo vive assim para alcançar uma “coroa corruptível”; o cristão pratica a abnegação para obter “a coroa incorruptível”.

É necessário ter um único objetivo (v. 26)

O único objetivo do corredor e do lutador é vencer e ganhar o prêmio.

Comparando-se a estes atletas, Paulo diz: “Pois eu assim corro não como a coisa incerta; assim combato, não como batendo no ar”. Ele não estava em dúvida sobre para onde iria, nem gastava tempo dando golpes no ar, mas era um corredor sincero e esforçado, e um lutador preciso.

Assim, cada um que participa na corrida cristã precisa se focar no prêmio, e precisa controlar cada desejo que poderia desviá-lo deste alvo.

É necessário ter domínio próprio (v. 27)

Uma vida austera não é atrativa à natureza, e assim ele comenta: “Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado”.

Cada instinto natural precisa ser dominado. O atleta não pode viver no luxo e ficar ocioso, negligenciando o rigor do treinamento. Assim também o cristão. O salvo espiritual estará envolvido no treinamento que vem através de devoção ao Senhor: Seus “músculos espirituais” serão desenvolvidos por uma vida de leitura e estudo das Escrituras, dependência em Deus em oração, e comunhão com outros santos do mesmo pensamento.

Negligenciar isso, ou procurar vantagem por desobedecer as normas, significaria “ficar reprovado”. Isto não significa perder a salvação, que é impossível, mas ser desqualificado e perder a coroa. Se “ser reprovado” era uma consideração séria para o apóstolo Paulo, quanto mais para nós?

Considera tua posição presente — 10:12

Este versículo traz a todos uma consideração muito solene: “Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe não caia”. Alguns dirão que nunca serão reprovados. Os coríntios poderiam ter argumentado que sendo salvos, batizados, estando em comunhão numa igreja que tinha muitos dons, e ouvindo ministério maravilhoso, estavam protegidos contra tal desastre.

Paulo agora ilustra o perigo voltando para um povo do Velho Testamento que, em figura, tinha as mesmas bênçãos. Em 10:1-4 ele usa a palavra “todos” cinco vezes: “Nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, e todos passaram pelo mar” (v. 1), que nos lembra de como provaram a redenção. “E todos foram batizados em Moisés, na nuvem e no mar” (v. 2), indicando o seu batismo. “E todos comeram de uma mesma comida espiritual e beberam todos de uma mesma bebida espiritual” (vs. 3-4), que ilustra a sua comunhão. Isso está na ordem de Atos 2:41-42: “De sorte que os que de bom grado receberam a sua palavra [Redenção] foram batizados [Batismo] … e perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão e nas orações” (Comunhão). Assim, Paulo destaca um povo que corresponde muito bem com uma igreja local do Novo Testamento.

Mas o que aconteceu a eles? “Mas Deus não se agradou da maior parte deles, por isso foram prostrados no deserto” (“eles ficaram espalhados no deserto”, JND — v. 5). Alguém pode perguntar: “Mas o que isso tem a ver conosco?” É por isso que Paulo enfatiza que eles servem como exemplos para nós: “foram-nos feitas em figura” (v. 6) e “estão escritas para aviso nosso” (v. 11). Se são exemplos para nos advertir, como então foi que caíram? Houve cinco fracassos.

Eles “cobiçaram” (v. 6)

Eles se tornaram descontentes com a provisão de Deus — Números cap. 11.

Sua porção. A nação foi tirada do Egito e comeram o cordeiro assado no fogo, que fala de Cristo na Sua paixão. No deserto a provisão foi o maná, que fala de Cristo na Sua Pessoa. Na terra eles comeram do “fruto da terra“ (Js 5:11-12), que fala de Cristo na Sua preeminência.

Paulo enfatiza a provisão do maná: eles se tornaram insatisfeitos com ele. Não era tanto que estavam insatisfeitos com o maná em si, mas porque era a única coisa que tinham para comer. Eles queriam algo saboroso para acompanhá-lo. As razões para isso são dadas.

Suas recordações. Vemos isto em Números 11:5: “… lembramo-nos dos peixes que no Egito comíamos de graça; e dos pepinos, e dos melões, e dos porros, e das cebolas, e dos alhos. Mas agora a nossa alma se seca; coisa nenhuma há senão este maná diante dos nossos olhos”.

Eles se lembravam de tudo que satisfazia seu apetite natural, mas convenientemente esqueceram-se da tirania e das chicotadas do Egito. Ali eles tinham seis coisas, indicando que era tudo do homem natural e da terra. Mas na terra, sete coisas lhes foram prometidas, lembrando-nos de plenitude e perfeição: “uma terra de trigo, e cevada, e de vides e figueiras, e romeiras; terra de azeite de oliveiras e mel” (Dt 8:8, VB).

Quando a nossa leitura, oração e meditação em Cristo se tornam uma tarefa cansativa, é então que o nosso coração se desvia para as coisas que gozávamos nos dias da incredulidade, e logo estaremos envolvidos novamente nas coisas que não nos satisfaziam naquele tempo. Não pode haver crescimento para Deus se nós nos alimentarmos das coisas da carne e da natureza corrupta. Buscar algo além dEle não produzirá resultado algum. Não pode ser Cristo e o mundo; é necessário que seja somente Ele.

A instigação. Esta atitude foi instigada pela multidão mista: “E o vulgo que estava no meio deles veio a ter grande desejo; pelo que os filhos de Israel tornaram a chorar, e disseram: Quem nos dará carne a comer?” (Nm 11:4). Esta é uma advertência importante nestes dias quando a separação ao Senhor está se tornando coisa rara. Devemos considerar cuidadosamente com quem andamos. A geração passada nos dava o seguinte conselho: “Sempre ande na companhia daqueles que são mais espirituais do que você mesmo”.

Idolatria (v. 7)

Eles se tornaram descontentes com o profeta de Deus —

Êxodo cap. 32.

Moisés tinha subido ao monte e se ausentara por um bom tempo.

Eles o perderam de vista e se tornaram impacientes, esperando a sua volta. Eles queriam um deus, e Arão errou gravemente quando fez o bezerro de ouro. Eles agora tinham um “deus” diante do qual podiam se divertir, não um Deus que deveriam temer. Quão semelhante aos nossos dias, quando a reverência e o temor do Senhor estão desaparecendo.

Hoje parece que muitos têm perdido a visão do Homem que subiu ao Céu, e esperar a Sua volta está se tornando tedioso. Isso conduz ao “bezerro de ouro”, que sugere, no ouro, o materialismo, e no bezerro, a juventude. Estas duas coisas têm desviado muitas igrejas.

Fornicação (v. 8)

Eles se tornaram descontentes com o lugar que Deus escolheu —

Números cap. 25.

O lugar de Deus para Seu povo era um de separação das nações do mundo. Contudo, quando Balaão foi alugado por Balaque, rei dos Moabitas, para amaldiçoar o povo de Deus, ele descobriu que isto era impossível. Então outro plano foi traçado para corrompê-los — misturá-los com as nações. O povo caiu nesta armadilha, e logo estavam se misturando com Moabe e Midiã, que os levou ao pecado terrível de fornicação. Moabe é figura do mundo na sua luxúria e divertimentos.

“Moabe esteve descansado desde a sua mocidade, e repousou nas suas fezes, e não foi mudado de vasilha para vasilha, nem foi para o cativeiro; por isso conservou o seu sabor, e o seu cheiro não se alterou” (Jr 48:11).

“Ouvimos da soberba de Moabe, que é soberbíssimo; da sua altivez, da sua soberba, e do seu furor; porém, as suas mentiras não serão firmes” (Is 16:6). Midiã significa “contenda”, e assim é um grande aliado de Moabe. A advertência é clara; devemos considerar o impacto da luxúria e contenda na nossa posição como cristãos.

Tentando Deus (v. 9)

Eles se tornaram descontentes com o caminho de Deus —

Números 21.

Lemos que “a alma do povo angustiou-se naquele caminho” (Nm 21:4). Possivelmente, acharam o caminho muito duro e difícil. O povo queria um caminho mais fácil para a terra prometida, um caminho menos rigoroso. O que o Senhor espera dos salvos, reunidos em Seu Nome, é que continuem como peregrinos e forasteiros: “Saiamos, pois, a ele fora do arraial, levando o seu vitupério. Porque não temos aqui cidade permanente, mas buscamos a futura” (Hb 13:13-14).

Murmuração (v. 10)

Eles se tornaram descontentes com o sacerdócio de Deus —

Números 16.

Coré, Datã e Abirão, juntos com duzentos e cinquenta príncipes, se rebelaram contra a liderança dada por Deus. Eles queriam parte na intimidade da aproximação sacerdotal a Deus, e Deus milagrosamente demonstrou Seu grande desagrado. “E a terra abriu a sua boca, e os tragou com as suas casas, como também a todos os homens que pertenciam a Coré, e a todos os seus bens. E eles e tudo o que era seu desceram vivos ao abismo, e a terra os cobriu, e pereceram do meio da congregação” (Nm 16:32-33). Em seguida, Deus castigou os príncipes: “Então saiu fogo do Senhor, e consumiu os duzentos e cinquenta homens que ofereciam o incenso” (v. 35).

Rebelião contra homens que foram colocados por Deus na liderança é muito grave, e precisamos prestar atenção a este aviso.

Este incidente serve para salientar a verdade enfatizada nesta passagem, que não podemos permanecer em pé por própria força ou habilidade natural: “Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe não caia”.

Conclusão

Temos observado as várias considerações esboçadas nestes capítulos importantes e práticos de I Coríntios, e cada salvo deve:

Considerar seu irmão (8:9, 13) — Olhar em redor;

Considerar o Evangelho (9:12) — Olhar para fora;

Considerar seu galardão futuro (9:27) — Olhar para frente;

Considerar sua posição presente (10:12) — Olhar para dentro.

por B. Currie, Irlanda do Norte

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