A igreja local e seu cuidado

Introdução

O apóstolo Paulo está concluindo sua terceira jornada missionária e está com pressa para chegar a Jerusalém. Ele quer estar lá para o dia de Pentecostes. Em Atos 20:16 lemos: “Porque já Paulo tinha determinado passar ao largo de Éfeso, para não gastar tempo na Ásia. Apressava-se, pois, para estar, se lhe fosse possível, em Jerusalém no dia de Pentecostes”.

Não tendo tempo para ir pessoalmente até Éfeso, ele chama os anciãos da igreja a virem até ele. A distância era mais ou menos de quarenta e oito quilômetros. Obviamente, Paulo deve ter algo muito importante a dizer, quando ele pede aos anciãos que façam esta viagem.

A mensagem que ele dá a estes anciãos é um lindo exemplo do ministério de Paulo a cristãos. Ela pode ser contrastada com seu sermão aos judeus na sinagoga em Antioquia da Pisídia (At 13:16-41), e também com seus sermões em Listra (At 14:15-17) e em Atenas (At 17:22-31), que foram pregados a auditórios pagãos. Um estudo destes sermões seria proveitoso para quem prega, mostrando como o apóstolo sempre apresentava a sua mensagem lembrando-se da educação e cultura dos seus ouvintes.

A mensagem aos anciãos de Éfeso é de importância fundamental.

É interessante observar como ele menciona aqui quase todos os requerimentos básicos associados com o cuidado de uma igreja local pelos seus anciãos. Por isto, usaremos esta mensagem como base para a nossa consideração, embora algumas referências a outras passagens serão necessárias para completar os detalhes.

A mensagem de Paulo aos anciãos de Éfeso

Vamos considerar a mensagem da seguinte maneira:

• Os nomes dados a eles;

• A natureza da sua nomeação;

• A esfera da sua ação;

• A atitude que deveriam adotar;

• Os detalhes do seu trabalho;

• Os problemas previstos;

• Os recursos disponíveis.

Os nomes dados a eles

No v. 17 eles são chamados de “anciãos”. Lemos: “De Mileto mandou a Éfeso, a chamar os anciãos da igreja”. A palavra grega traduzida, “anciãos” aqui é presbuteros. Esta palavra realmente significa “mais velho”, e indica a qualificação fundamental que é necessária naqueles que cuidam de uma igreja local. Nesta palavra estão incluídas a ideia de maturidade, respeito, sabedoria e experiência. Há outra palavra usada no Novo Testamento para mais velho (palaios), mas ela significa “velho” no sentido de “desgastado”. Esta palavra nunca é usada daqueles que têm o cuidado na igreja local!

Em Atos 20:28 achamos outro nome usado para estes mesmos irmãos que cuidavam da igreja em Éfeso: “Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja, que ele resgatou com seu próprio sangue”. A palavra “bispos”, usada aqui, no original é episkopos. Basicamente, indica quem vigia ou supervisiona. Esta palavra indica o trabalho que o ancião faz na igreja ao vigiar, cuidar e controlar. Por exemplo, lemos em I Timóteo 3:1: “Se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja”.

A palavra “episcopado”, aqui, vem da mesma palavra episkopos usada em Atos 20:28.

Assim, há duas palavras usadas para aqueles que cuidam de uma igreja local: “anciãos”, indicando sua qualificação fundamental de maturidade espiritual, e “bispos”, indicando o trabalho que fazem.

Contudo, há outra palavra usada indiretamente em Atos 20. Ela não é usada diretamente, mas é certamente sugerida no v. 28, já citado.

Neste versículo o apóstolo se refere ao “rebanho” sendo “apascentado”.

Assim, temos a ideia de um pastor. De fato, a palavra “apascentar” significa “alimentar como um pastor”. A ideia aqui é guiar, guardar e cuidar.

O verbo usado para apascentar é usado três vezes no Novo Testamento neste contexto de liderança. É usado em João 21:16, onde nosso Senhor indicou para Pedro que deveria “apascentar” e “pastorear minhas ovelhas”.

Pedro também usa a palavra em I Pedro 5:1-2, onde ele mostra os requisitos necessários para os que “apascentam o rebanho”. Em Efésios 4:11 achamos a forma substantiva da palavra: “pastores”. Alguém expressou isto muito bem ao dizer que “esta ilustração do pastor inclui as ideias de autoridade, liderança com abnegação, carinho, sabedoria, trabalho, cuidado amoroso e vigilância constante” .*

Assim, há três nomes dados nesta passagem àqueles que cuidam da igreja local: anciãos, bispos e pastores. Algumas lições fundamentais podem ser aprendidas destes nomes.

• Há uma pluralidade de anciãos em cada igreja local. Isto revela que não existe base para a reivindicação eclesiástica para ter um bispo responsável por uma igreja, nem um bispo sobre vários bispos.

Alguns sugerem que Tiago era o Bispo da igreja em Jerusalém, e que João era o Bispo em Éfeso. Contudo, sabemos que havia uma pluralidade de anciãos na igreja em Jerusalém — veja Atos 15:4.

Também, esta passagem em Atos 20 deixa claro que havia também uma pluralidade de anciãos em Éfeso.

• Anciãos e bispos são nomes dados à mesma pessoa. Este fato é confirmado indiscutivelmente quando o apóstolo diz a Tito: “Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em boa ordem as coisas que ainda restam, e de cidade em cidade estabelecesses presbíteros como já te mandei” (Tt 1:5). Ele continua descrevendo as qualificações daqueles que seriam estabelecidos e afirma: “Porque convém que o bispo seja irrepreensível, como despenseiro da casa de Deus” (v. 7). Fica muito claro que o presbítero, no v. 5, e o bispo, no v. 7, são a mesma pessoa.†

• A responsabilidade de cuidar de uma igreja local. Esta responsabilidade não pode ser considerada levianamente, e certamente não é para os inexperientes. Maturidade é indicada pelo significado das palavras empregadas, e também pelas funções envolvidas. De fato, veremos mais tarde que quando o apóstolo dá instruções específicas sobre as qualificações necessárias daqueles que têm esta responsabilidade do governo da igreja local, ele expressamente exclui aqueles que não são maduros.

* STRAUCH, Alexander. Biblical Eldership — An Urgent Call To Restore Biblical Church LeadershipLewis and Roth Publishers, 1995.

† Na nossa versão a palavra presbuteros às vezes é traduzida “ancião”, e às vezes “presbítero”. (N. do T.)

A natureza da sua nomeação

Isto é indicado com clareza em Atos 20:28, onde o apóstolo diz aos anciãos de Éfeso: “Olhai, pois por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos”. Assim, é evidente que é o Espírito Santo que constitui bispos. Em outros lugares é ensinado que é um dom dado pelo próprio Deus. Vemos isto em dois capítulos que tratam dos dons espirituais: “Quem preside, com diligência” (Rm 12:8), e “a uns pôs Deus na igreja … governos” (I Co 12:28). Assim, os bispos são um dom do Espírito Santo à igreja local, para encarregar-se do seu governo. O apóstolo Pedro acrescenta algo interessante quando ele diz: “Aos presbíteros, que estão entre vós, admoesto eu … Apascentai o rebanho de Deus, que está entre vós, tendo cuidado dele” (I Pe 5:1-2). É evidente, portanto, que o “Espírito Santo faz e o bispo cuida”. Em relação ao presbítero isso deve ser “… não por força, mas voluntariamente, nem por torpe ganância, mas de ânimo pronto”.

A palavra “constituiu” em Atos 20:28, está na voz média (no grego) indicando que o Espírito Santo faz isto “por causa do seu propósito único e sábio”. É parte da Sua vontade soberana; longe de qualquer intervenção humana. Portanto a natureza desta nomeação não é baseada na capacidade em negócios, qualificações acadêmicas ou em reconhecimento do seu muito tempo de serviço na igreja. Também não é por votação ou vontade própria. Aqueles que se colocaram a si mesmos na liderança, no Velho Testamento, são exemplos tristes das consequências terríveis que resultam. Nos casos de Uzias, Coré e Jeroboão, os resultados foram desastrosos.

Às vezes surge a pergunta: “Como pode isso ser praticado na igreja local?”. W. E. Vine deu este conselho sábio: Os que já foram constituídos bispos, e que estão cumprindo bem seus deveres em cuidar da igreja, devem observar a vida dos irmãos mais novos com o propósito de discernir o que o Espírito de Deus está fazendo neles em preparação para a continuidade destas responsabilidades na igreja local. E os irmãos mais novos devem buscar ajuda de Deus para viver e andar de acordo com as Escrituras, em santidade e justiça, em completa devoção a Cristo, em separação do mundo, para que, se o Espírito Santo lhes der o privilégio de continuar o testemunho da igreja e de agir como anciãos, eles possam estar prontos para serem reconhecidos pela igreja, de acordo com I Tessalonicenses 5:12-13.*

A esfera da sua ação

A esfera de ação é “o rebanho, sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos” (At 20:28). JND traduz: “o rebanho no qual o Espírito santo vos fez bispos”. Uma tradução alternativa é: “o rebanho entre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos”. Pedro enfatiza isso quando ele diz: “Apascentai o rebanho de Deus que está entre vós, tendo cuidado dele” (I Pe 5:2). Ele ainda enfatiza mais este relacionamento quando ele diz: “Aos presbíteros que estão entre vós, admoesto” (I Pe 5:1). Assim, o rebanho está “entre” os anciãos e os anciãos estão “entre” o rebanho e, de fato, o rebanho é a esfera na qual o Espírito Santo os constituiu bispos. Ajuntando tudo, vemos a intimidade que existe entre o rebanho e os anciãos. Não há nenhum pensamento de dominar por causa desta nomeação divina. De fato, seria interessante considerar esta esfera de três maneiras diferentes.

A natureza da esfera

Aprendemos que é um “rebanho”. Isto concorda com as palavras do Senhor Jesus: “… haverá um só rebanho” (Jo 10:16). O cuidado amoroso necessário é assim enfatizado.

A dignidade da esfera

Eles têm de apascentar a “igreja de Deus”. A igreja pertence a Ele.

É Ele que prescreve os detalhes, as funções e a administração. Não pertence a nenhum homem, ou grupo de homens. Eles não podem mandar nos movimentos da igreja, e a igreja não pode mandar nos movimentos de um servo.

O valor da esfera

Isto é indicado, de uma maneira linda, no final do v. 28: “A igreja de Deus, que Ele resgatou com seu próprio sangue”, ou citando JND: “o sangue do Seu Próprio”. Assim, a igreja é singular — é o centro e circunferência da afeição Divina, tendo sido comprada por um preço infinito. Portanto, é o interesse principal de Deus na Terra e, por isso, deveria ser também o nosso.

* VINE, W. E. The Future Care of Assemblies em Church Doctrine and Practice. Precious Seed, 1970.

A atitude que deveriam adotar

O apóstolo indica três atitudes que eles precisam adotar:

Olhar (v. 28)

Em outros lugares a palavra é traduzida “acautelai-vos”. O tempo do verbo (imperativo presente) indica a necessidade de continuar cuidando.

O ancião nunca pode relaxar seu cuidado. É interessante notar que em outras passagens do Novo Testamento este verbo é usado no contexto de doutrina falsa. Por exemplo, o Salvador disse: “Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores” (Mt 7:15). Este versículo vai nos ajudar na consideração do contexto de Atos 20. Também: “Jesus disse-lhes: … acautelai-vos do fermento dos fariseus e saduceus” (Mt 16:6), e no v. 12 daquele capítulo o significado do fermento como usado aqui é dado, quando o Senhor indica que eles não deveriam acautelar-se do fermento de pão, mas da doutrina dos fariseus e saduceus. A necessidade de estar constantemente vigiando é assim indicada. Em Atos 20, entretanto, há duas esferas mencionadas. Em primeiro lugar, devem olhar por “si mesmos”, e em segundo lugar, “por todo o rebanho”. “Por vós”, é de suma importância, e a segunda esfera enfatiza que “todo” o rebanho precisa deste cuidado. Essa não é uma responsabilidade pequena.

As ovelhas são de diferentes tipos, naturezas e personalidades, mas o bispo é exortado a cuidar de todas elas.

Vigiar (v. 31)

Neste caso a ideia é “estar em alerta” mentalmente e espiritualmente.

O significado, basicamente, é estar acordado e “não dormir”. Novamente, está no tempo imperativo, indicando que há necessidade de vigilância constante. Pedro enfatiza esta necessidade quando exorta: “Sede sóbrios; vigiai; porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar” (I Pe 5:8).

O adversário sempre está ocupado. O bispo precisa estar sempre alerta.

Lembrar (v. 31)

A ênfase está na disposição de seguir o sábio exemplo de outros; neste caso o do próprio Paulo. Ele estava sempre olhando. Ele estava sempre vigiando. Ele indica para eles o que devem lembrar. Há várias coisas; ele não cessou de “admoestar”, indicando a necessidade contínua de ensino ou exortação, e o fato de que há perigo, e a necessidade de cuidado.

Nenhum deles foi excluído. O seu ministério era um ministério de inclusão; ele avisou a “cada um”. Era um ministério constante “noite e dia” e também estava associado “com lágrimas”. Talvez este último aspecto é um dos problemas de hoje, uma falta de envolvimento emocional na administração e cuidado da igreja local.

Os detalhes do seu trabalho

A participação dos anciãos é um trabalho a ser feito, e não uma posição a ser desejada. Este fato é enfatizado claramente em várias outras passagens do Novo Testamento. Por exemplo: “Esta é uma palavra fiel; se alguém deseja o episcopado, excelente obra deseja (I Tm 3:1).

Na mesma epístola este pensamento é enfatizado: “Os presbíteros que governam bem sejam estimados por dignos de duplicada honra, principalmente os que trabalham na palavra e na doutrina” (I Tm 5:17). A palavra traduzida “trabalho”, aqui, é a palavra usada em outros lugares para trabalho duro. Também, os santos são exortados a estimar os presbíteros “por causa da sua obra” (I Ts 5:13). É claro que toda a atividade de uma igreja local é considerada trabalho, e lemos do trabalho do evangelista (II Tm 4:5), e da “obra do ministério” (Ef 4:12). Assim, seja supervisionar, evangelizar ou ensinar a Palavra, tudo é um “trabalho”.

O trabalho dos anciãos em supervisionar a igreja é visto numa variedade de esferas e implementado de maneiras variadas.

Apascentar a igreja de Deus (v. 28)

Isso indica a sua esfera primária e fundamental. De fato, a igreja local é a esfera de importância primária para todos os santos, não somente para os anciãos. O apóstolo indica que haverá uma variedade e abundância associada com a alimentação espiritual. Ele mostra, também, que os anciãos são responsáveis pela alimentação administrada na igreja local. É bom quando há uma variedade de ministério, incluindo ministério prático, profético, devocional, doutrinário, etc. Deve ser como “a árvore da vida que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês; e as folhas da árvore são para a saúde das nações” (Ap 22:2).

Havia variedade de mês em mês, e o propósito do fruto era para dar saúde. É sempre bom quando uma variedade de ministério é dado para a edificação da igreja local.

Anunciar todo o conselho de Deus (v. 27)

Vemos isto no exemplo do apóstolo quando ele disse que nunca deixou de anunciar todo o conselho de Deus. A palavra “anunciar”, no v. 27, é a mesma que achamos no v. 20, e significa “proclamar”. O apóstolo declarou todo o conselho de Deus. Não havia parcialidade no seu ministério. Ele anunciou claramente todo o conselho: e “nada que seja útil, deixei de vos anunciar” (v. 20). Este é um exemplo excelente para os anciãos hoje.

 

Dar testemunho do Evangelho de Deus (v. 24)

 

A palavra “testemunho” é a mesma usada no v. 21 (“testificando”), onde o apóstolo descreve o ministério do Evangelho, no qual ele estava ocupado. A ideia em dar testemunho é “testificar solenemente”, que indica a dignidade suprema associada com a apresentação da mensagem do Evangelho. Deve sempre ser feito com solenidade, e nunca com frivolidade.

Ao mesmo tempo, é necessário ser feito com clareza, e o apóstolo especifica o assunto: “a conversão a Deus, e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 21). Assim, os assuntos de arrependimento e fé estão intimamente ligados. Não são experiências separadas, mas um só ato de “converter de” e “converter a”. A doutrina do Evangelho de Deus está incluída no ministério do apóstolo. Deve ser incluído hoje, também. No v. 24 achamos um detalhe interessante — ele testificava do Evangelho “da graça de Deus”. Deus toma a iniciativa. Sem a intervenção da graça Divina na experiência humana, nunca haveria a possibilidade de salvação.

Pregar o reino de Deus (v. 25)

É interessante que o apóstolo indica a necessidade de pregar o Reino de Deus no mesmo contexto que testificar do Evangelho de Deus.

O fato do Reino é fundamental à completa revelação das Escrituras. De fato, já foi dito que o Reino “é o grande tema de toda a Escritura”, e a Bíblia já foi descrita como “o livro do Reino vindouro de Deus”. Talvez erramos hoje por não pregar este Reino como o apóstolo fazia. O Reino de Deus é muito maior em contexto, e cronologicamente, do que a Igreja de Deus. Todos que pertencem à Igreja também pertencem ao Reino, mas nem todos que pertencem ao Reino pertencem à Igreja, porque o Reino pode incluir meros professos. Temos de fazer uma distinção clara entre as duas classes. Contudo, é claro que o apóstolo, ao pregar o Reino de Deus, estava pregando a majestade e soberania de Deus nos assuntos dos homens, e que Ele estava em completo controle de tudo que acontecia na Terra. Talvez devemos imitar mais este tipo de pregação hoje, e compreender melhor o significado profundo da revelação compreensiva que Deus tem dado na Sua Palavra sobre Sua soberania, eternidade e majestade sublime.

Ensinar o povo de Deus (v. 20)

Paulo ensinava em duas esferas diferentes: “publicamente” e “pelas casas”. É importante observar que em I Timóteo 3, entre as qualificações necessárias para o ancião, ele precisa ser “apto para ensinar”, e o contexto mostra que ele pode fazer isto publicamente e de casa em casa.

Em todos os detalhes já mencionados, é muito evidente que o bispo precisa ser um homem da Palavra. De fato, uma das qualificações exigidas em Tito 1:9 é: “Retendo firme a fiel palavra, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina, como para convencer os contradizentes”. Sem um conhecimento profundo da Palavra de Deus é impossível exortar ou encorajar o cristão sincero, ou admoestar aqueles que estão seguindo doutrinas erradas. De fato, a palavra “admoestar”, aqui, significa corrigir pela apresentação clara da base da sã doutrina e do caráter da verdade. Isso não pode ser feito sem que haja um bom conhecimento da Palavra.

Os problemas previstos

Nos vs. 29-30 o apóstolo prevê coisas que acontecerão depois da sua partida, e ele indica duas coisas em relação aos inimigos da igreja local.

A certeza da sua chegada

Ele diz: “Eu sei”. Portanto, os anciãos de Éfeso não deveriam ficar surpreendidos quando surgissem os problemas, mas antes, deveriam se fortificar para enfrentá-los. É a mesma coisa hoje. Estar prevenido é estar preparado para enfrentar o problema.

A natureza do seu aparecimento

O falecido A. L. Leckie ensinou que nestes versículos há três tipos de ministério: ministério espiritual (v. 28), ministério satânico (v. 29), e ministério sectário (v. 30).

O ministério espiritual é administrado pelos anciãos; o ministério satânico pelos lobos cruéis penetrando no grupo de anciãos e não poupando o rebanho, e o ministério sectário por alguns deles mesmos levantando e falando coisas perversas, para atrair os discípulos após si.

Lobos sempre são predadores de ovelhas. Como citamos antes, o Senhor adverte: “Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores” (Mt 7:15). Ele diz também aos Seus discípulos: “Eis que vos envio como ovelhas ao meio de lobos; portanto, sede prudentes como as serpentes e inofensivos como as pombas“ (Mt 10:16). Os lobos não têm compaixão das ovelhas. São devoradores, e os que apanham ovelhas deixam destruição no seu rastro. Esta é uma das razões porque o pastor carrega uma vara. Seu cajado é para as ovelhas, mas a sua vara é para os lobos. A tragédia aqui em Atos 20:29 é que os lobos entrariam entre os anciãos, e não poupariam o rebanho.

Talvez, pior ainda, haveria ministério sectário vindo de homens que eram, naquele tempo, anciãos professos na igreja de Deus. Estes iriam “falar coisas perversas, para atraírem os discípulos após si”. Em outras palavras, eles iriam deturpar e torcer a verdade com o objetivo de seduzir outros a segui-los como líder, e assim atrair seguidores após si. A heresia, obviamente, não iria opor-se diretamente aos ensinos sadios; seria simplesmente uma distorção cuidadosa. Uma negação aberta seria percebida por todos, mas uma deturpação sutil desviaria muitos. Infelizmente isto acontece até hoje, e podemos perceber que certos ensinadores têm como objetivo aumentar o número de seus seguidores.

Os recursos disponíveis

Estes recursos são indicados no v. 32. Realmente é um recurso duplo, e ambos têm um caráter permanente. O apóstolo diz: “Agora, pois”, mostrando que estes recursos ainda estão disponíveis a nós hoje. O primeiro recurso é Deus mesmo: “Encomendo-vos a Deus”. Ele ainda está em controle. A igreja local ainda pertence a Ele. Há uma provisão infinita para cada necessidade. O segundo recurso é “a Palavra da Sua graça”. Uma rica fonte de graça é necessária para vencer os ministérios satânicos e sectários que já foram indicados. Inclui a plenitude do Evangelho já mencionado no v. 24, o conteúdo do qual é detalhado no v. 21. A Palavra é capaz de fazer duas coisas: edificar e dar uma herança entre todos os que são santificados. O apóstolo está indicando que há provisão para o presente e o futuro também está seguro, dando assim ímpeto para a continuação da obra. O ancião, portanto, não está sem os recursos apropriados que, quando usados corretamente, dão direção preciosa agora no presente, e promessa para o futuro, incentivando assim todo aspecto da atividade da igreja local.

Nossa atitude para com os anciãos

Além de tudo que temos estudado acima, que é basicamente um resumo do ensino de Atos 20, dois assuntos ainda precisam ser destacados.

Um é a nossa atitude para com os anciãos, e o outro são as qualificações necessárias para aqueles que vão fazer o trabalho. Vamos agora considerar estes assuntos. Alguns anos atrás, numa conversa pessoal, o Sr J. Dickson, da Escócia, plantou os seguintes pensamentos. Há pelo menos sete exortações que devemos notar.

Reconhecê-los pelo seu trabalho (I Ts 5:12)

A ideia por trás da palavra “reconhecer” é conhecer por observar.

Talvez a palavra “apreciar” não esteja muito longe do significado exato.

Também a palavra “trabalho” é uma palavra forte, indicando “labor e trabalho árduo, que resulta em cansaço e fadiga”. Além disso, é labor feito “entre vós”, ou seja, na igreja local. Já foi observado que os anciãos […] obterão o verdadeiro reconhecimento se servirem bem aos santos. Ovelhas instintivamente, sem qualquer necessidade de persuasão, seguem aquele que já conhecem e em quem aprenderam a confiar.*

As palavras “presidem sobre vós”, no v. 12, vem de uma palavra que significa “cuidar de, e guiar”. Em I Timóteo 3:4 é usada no contexto do cuidado de um pai pela sua família, especialmente seus filhos. O fato de que este cuidado é “no Senhor” indica a esfera do Senhorio em que a administração deve acontecer.

* CLARK, Arthur G. Government — Overseership em Church Doctrine And Practice. Precious Seed, 1970.

Estimá-los por causa da sua obra (I Ts 5:13)

Há uma diferença interessante entre a palavra “trabalho”, no v. 12, e a palavra “obra”, no v. 13. No v. 12 a ênfase está em como o trabalho é feito, mas no v. 13 está no ato feito. Assim, no v. 12 é como eles fazem, e no v. 13 é o que eles fazem. É evidente, no v. 13, que a estima deve ser “grande” e “em amor”. O ancião não deve ser desprezado. É muito fácil reclamar em vez de ser grato, e enfatizar o mal e esquecer o bem. O verdadeiro amor deve ser demonstrado como a base do respeito.

Honrá-los por causa do seu governo (I Tm 5:17)

Nesta passagem a ênfase está naqueles que “governam bem”. A honra incluída aqui, provavelmente inclui ajuda financeira quando necessária.

Isto é enfatizado pelas duas citações no v. 18. Contudo, não devemos esquecer o exemplo do apóstolo em Atos 20:34-35. Ele não receava usar as suas mãos quando necessário! A palavra traduzida “governar” (prostemi) aqui é a mesma que já vimos em I Tessalonicenses 5:12, onde é traduzida “presidir sobre”. O pensamento é o de exercitar boa “liderança pastoral”.* Também, estes anciãos trabalham na Palavra e doutrina. Eles estão trabalhando muito para comunicar com eficácia a Palavra de Deus, em toda a sua plenitude, dando ensino expositivo apropriado abrangendo todos os aspectos da verdade Divina.

* STRAUCH, Alexander. Biblical Leadership — An Urgent Call to Restore Biblical Church Leadership. Lewis and Roth Publishers, 1995.

Lembrar-se deles por causa dos seus ensinos (Hb 13:7)

Possivelmente estes anciãos já haviam sido martirizados. Os vivos deveriam lembrar-se do seu fim triunfante e do motivo da sua conduta, isto é, a pessoa de Cristo; imitar a sua fé, ou seja, seu exemplo fiel. O versículo seguinte mostra quem era seu exemplo fiel: “Jesus Cristo o mesmo, ontem, hoje e eternamente”. A base da sua comunicação era simplesmente “a Palavra de Deus”. Os pastores tinham partido, mas o Grande Pastor continuava vigiando as ovelhas e Se comunicando com elas pela revelação Divina, isto é, pela Palavra de Deus.

Obedecê-los por causa da sua fidelidade (Hb 13:17)

O pensamento nas palavras “aos que vos governam” (VB) claramente é de liderança. JND traduz: “obedecei vossos líderes”. A palavra grega usada aqui é hegoumenoi. A mesma palavra aparece também nos vs. 7 e 24. Esta palavra é usada para descrever líderes militares, políticos ou religiosos. É usada na versão LXX do Velho Testamento para descrever os cabeças das tribos, o comandante de um exército ou alguém que governava a nação de Israel. A ideia é bem clara: não era alguém tomando uma posição autoritária e exigindo obediência, mas alguém indo na frente e mostrando o caminho, como um capitão ou comandante.

Assim, o ancião está “entre” as ovelhas, nunca “sobre” elas. Como disse o falecido irmão A. L. Leckie: “Líderes espirituais são exatamente isto, sem necessariamente perceber que são”. A obediência exigida aqui é por causa da fidelidade do ancião.

Submeter-se a eles por causa da sua vigilância (Hb 13:17)

A submissão exigida aqui é “porque velam por vossas almas, como aqueles que hão de dar conta”. O pensamento por trás da palavra “velam” é perder sono por causa do seu interesse pelo rebanho. Eles precisam “dar conta” no final, e o escritor aos Hebreus deseja que possam assim fazer com alegria, e não gemendo. A verdadeira submissão certamente beneficiaria aqueles envolvidos, e também traria bênção adicional ao líder, que assim podia dar conta com alegria. A lealdade é assim prescrita por causa da grave responsabilidade perante o Senhor.

Saudá-los por causa da sua orientação (Hb 13:24)

Seria bom dar aos anciãos uma palavrinha de encorajamento, expressando gratidão por toda a orientação que eles dão ao povo do Senhor.

Basta de críticas! Não deveria haver ressentimento, mas sim reconhecimento.

As qualificações necessárias

As qualificações são detalhadas em I Timóteo cap. 3 e Tito cap. 1. Uma consideração completa não é possível dentro das limitações deste capítulo. W. E. Vine indica que “o caráter do trabalho é determinado pelo caráter daqueles que o fazem”,* e dá um resumo excelente de I Timóteo 3 que, embora extenso, merece ser repetido.

* VINE, W. E. The Future Care of Assemblies em Church Doctrine and Practice. Precious Seed, 1970.

O ancião, em primeiro lugar, deve ser “irrepreensível”; sua vida, passada e presente, deve ser totalmente livre de tudo que não seja consistente com a liderança espiritual. Em segundo lugar, sua vida conjugal (se for casado, não está escrito que ele precisa ter esposa) deve ser exemplar. Embora seja o evitar de poligamia que está em vista aqui, devido à situação presente o que é dito inclui a necessidade de pureza absoluta em relação ao sexo oposto, e afastamento completo de qualquer coisa de natureza impura relacionado com isto. Em terceiro lugar, ele deve ser “vigilante”, isto é controlado. A palavra significa a vigilância que preserva contra qualquer tipo de excesso. Em quarto lugar, “sóbrio”; esta palavra, no original, sugere a discrição de mente que, por um lado, evita a leviandade, e por outro lado, evita a gravidade que é caracterizada pelo mau-humor.

Em quinto lugar, “honesto”, decente, não apenas no comportamento exterior, mas em temperamento e espírito, evitando o orgulho e a obstinação que causam desordem no temperamento e hábitos.

Estas cinco qualificações estão especialmente ligadas com o ser interior; as próximas dez estão relacionadas com os efeitos produzidas nas outras pessoas. Em sexto lugar, ele deve ser “hospitaleiro”; a palavra literalmente significa o amor aos estranhos, e sugere uma prontidão para hospedar os que não são amigos ou conhecidos (comparar com Rm 12:3; Hb 13:2; I Tm 5:10). Em sétimo lugar, “apto para ensinar”, hábil em instruir os filhos de Deus; talvez ele não tenha o dom de falar publicamente, mas ele deve possuir tal conhecimento de Deus e das Escrituras que possa instruir os filhos de Deus, sejam novos na fé ou maduros na vida espiritual. Em oitavo lugar, “não dado ao vinho”, que geralmente produz uma linguagem violenta e abusiva que o ancião nunca deve usar. Em nono lugar, “não espancador”; aquele que usa linguagem violenta também muitas vezes comete atos violentos.

Em décimo lugar, ele deve ser “moderado”; a palavra sugere aquela combinação de tolerância e consideração que trata as situações num espírito bondoso e humano, e não é facilmente ofendido. A décima primeira qualificação enfatiza esta atitude no sentido negativo, “não contencioso”, isto é, livre de espírito rixoso e de uma disposição para discutir, que frequentemente conduz à perda do controle (veja II Tm 2:24). A décima segunda também é negativa: “não avarento” (ou amante do dinheiro). Há dois aspectos disto (que no original são uma só palavra), estar livre da cobiça, quer em relação a dinheiro ou qualquer outra coisa, e o segundo aspecto é o de generosidade e liberalidade.

A décima terceira é relacionada com quem tem família; ele deve ser “alguém que governa bem a sua própria casa, tendo seus filhos em sujeição, com toda a modéstia”, isto é comportamento conveniente.

Esta qualificação indica a combinação de autoridade, bondade e benevolência que ajuda os filhos a ter prazer em honrar os seus pais. A presença de filhos com este comportamento faz um verdadeiro lar. O caráter da sua família tem uma influência importante sobre o serviço do ancião. “Se alguém não sabe governar a sua própria casa, terá cuidado da igreja de Deus?” A mudança no verbo “governar” para “cuidar” é significante (embora a palavra “governar” seja usada em I Tm 5-17 em relação à igreja). Uma casa bem ordenada é a prova da capacidade do homem casado de cuidar dos filhos de Deus. A décima quarta também é negativa, “não neófito, para que, ensoberbecendo-se, não caia na condenação do diabo”; ele deve ter tido anos de experiência nas coisas de Deus, nas verdades ligadas à vida cristã e à igreja local. Se não, há o perigo de orgulho e ambição, e a condenação que trazem. A décima quinta, e última, está relacionada com o mundo, “os que estão de fora”.

Estes observam sagazmente a vida moral dos salvos, e estão sempre prontos a denunciar qualquer mau comportamento, relaxamento e irresponsabilidade.

Estas qualificações têm em vista o seguinte: que o testemunho da vida daqueles que têm responsabilidade na igreja local possa ser consistente com o Nome do Senhor e com as doutrinas da fé. Tudo isto não deve impedir os irmãos mais novos de buscar a direção de Deus sobre os elevados e santos privilégios de liderança e suas consequentes recompensas.

Uma consideração mais detalhada e dada por Strauch*. Este livro todo merece ser considerado no contexto de cuidar de uma igreja local.

A recompensa aguardada

Há uma excelente promessa para o ancião em I Pedro 5:4. Quando o Sumo Pastor aparecer, ele alcançará “a incorruptível coroa da glória”.

Esta coroa será dada no dia da prestação de contas no Bema.† O fiel auxiliar do Sumo Pastor não ficará sem recompensa. A árdua, contínua, e muitas vezes desprezada, contribuição será adequadamente recompensada pelo próprio Sumo Pastor, que dará a “coroa da glória”.

* STRAUCH, Alexander. Biblical Leadership — An Urgent Call to Restore Biblical Church Leadership. Lewis and Roth Publishers, 1995.

† Tribunal de Cristo. (N. do E.)

Por William M. Banks, Escócia

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