A igreja local e seu conflito

A primeira vez que a Igreja é mencionada, tanto no seu aspecto universal como no seu aspecto local, ela está enfrentando conflitos — um é contra “as portas do inferno” (Mt 16:16-18), o outro perturbações por dissensão interna (Mt 18:15-20). No resto do Novo Testamento, descobrimos que conflitos nunca estão longe duma igreja local, quer nos exemplos dos incidentes relatados em Atos, nas Epístolas e Apocalipse, quer no que é predito pelos Apóstolos nos seus avisos sobre problemas vindouros.

Conflito predito e recursos providenciados

Os últimos dias serão caracterizados pelo aumento de dificuldades para a igreja, e quando lemos os detalhes desagradáveis podemos esperar que o testemunho das igrejas locais estará envolvido numa luta constante contra os vários tipos de oposição descritos pelos autores do Novo Testamento. Esta perspectiva assustadora, de tantas dificuldades, não nos é apresentada como um impedimento, mas sim para nos incentivar a manter o testemunho da igreja local, sabendo que Deus nos preveniu destes problemas. Os recursos que nos ajudam a lidar com este conflito vêm dAquele que também proferiu os avisos. Assim, devemos ser duplamente gratos ao Senhor, por Ele nos ter avisado com exatidão do perigo, e por nos ter dado os recursos e a direção sobre como nos conduzir, apesar dos problemas, para que o testemunho divino possa ser mantido para a Sua glória.

Assim, somente as Sagradas Escrituras podem nos ajudar, pois não há nenhuma análise melhor dos riscos que afetam o testemunho da igreja local, e não há outro manual de instruções para mostrar como podemos enfrentar e vencer estas dificuldades. Naturalmente, a mente irrequieta do homem sempre tem muitas sugestões para modificar o padrão divino da constituição e atividades de uma igreja neotestamentária.

Problemas contemporâneos Temos visto nestes últimos anos um grande crescimento de no vas ideias e organizações para-eclesiásticas* entre as igrejas locais. As novas tecnologias, junto com pensamentos modernos e contrários ao tradicionalismo, têm produzido desafios alarmantes para os cristãos conservadores em igrejas locais. Não é nosso propósito, neste capítulo, analisar estas mudanças modernas, mas alguns aspectos precisam ser mencionados.

Em toda parte do Reino Unido† as igrejas locais estão enfrentando ameaças sérias. Portanto, todos os anciãos espirituais nas igrejas devem imediatamente rejeitar qualquer complacência, e encarar o fato que cada um deles tem a responsabilidade de proteger a verdade e os princípios Divinos na igreja local onde estão em comunhão.

* Do grego para, “ao lado de” — indica organizações que funcionam independentemente das igrejas, geralmente com caráter ecumênico. (N. do E.).

† Por muitas décadas as igrejas na Irlanda do Norte foram protegidas das influências negativas que prejudicaram o testemunho das igrejas do Reino Unido. Mas este tempo já passou.

(Adendo do editor: as ameaças vistas no Reino Unido estão no Brasil também!)

Os jovens

Os jovens em comunhão nas igrejas frequentemente são considerados como um perigo e fonte potencial de problemas. De fato, onde os jovens são deixados sem ensino e sem nenhuma direção, para fazerem o que querem, é bem provável que serão uma fonte de problemas. No entanto, precisamos lembrar que sua energia e desejo de estar envolvidos nas atividades da igreja deve ser uma fonte de poder e vitalidade para uma igreja que os trata de maneira sábia e de acordo com as Escrituras.

É lamentável e perigosa a tendência recente dos jovens se unirem através de uma agenda social que prioriza cada vez mais o lazer e as brincadeiras.

Os anciãos que permitem que jovens recém-casados da igreja organizem atividades para outros jovens precisam ter muito cuidado sobre o que estão aprovando. Reuniões em casas facilmente começam, mas quem está em controle? Quem decide o que deve ser ensinado? Que tipo de atividades sociais ou culturais serão promovidas? A que tipo de padrão estes jovens estão sendo expostos?

A promoção de bandas musicais chamadas “cristãs” — incluindo “bandas de rock cristãs” — agora está sendo aceita em lugares onde vinte anos atrás teria sido totalmente condenada. Se tal prática é considerada aceitável para poder segurar nossos jovens, que tipo de discípulo será produzido por estes meios? Será que as igrejas receberão ajuda ou se beneficiarão do tipo de cristão que provavelmente surgirá deste processo?

Também, a tendência crescente dos jovens das igrejas de participarem em grupos sociais pela Internet* está causando preocupação nos mais idosos nas igrejas, inclusive nos ensinadores bíblicos e anciãos. O desenvolvimento e progresso espiritual nas coisas de Deus não serão ajudados pela multiplicidade de amizades entre outros jovens da sua idade.

Estas coisas são novas nas igrejas por causa do veloz desenvolvimento tecnológico, que permitiu grandes redes sociais de uma forma que não era possível anteriormente. Contudo, o retrato básico da natureza humana, revelado na Bíblia, ainda é o mesmo, e a tendência ainda permanece para grupos de jovens chegarem ao denominador comum mais baixo. O remédio para o desafio trazido por estes novos fenômenos sociais precisa ser encontrado na Bíblia. A tentação de participar pode ser forte para alguns que desejam trazer ensino bíblico a este grande auditório, pensando que não dariam ouvidos à reuniões tradicionais de ministério ou estudo bíblico. Embora haja o perigo óbvio de alguém que ensina a Palavra perder a sua boa reputação por ter se rebaixado a comportamento frívolo, pode haver um perigo ainda mais sutil, que é a tendência de permitir que a própria mensagem seja diluída”. Quem, entre os mais idosos, não gosta de ser popular e apreciado por um grande grupo de jovens? Mas será que esta popularidade foi alcançado por diluir “todo o conselho de Deus” durante as sessões de reuniões e ensinos?

Lamentavelmente, há evidência destas tendências em alguns folhetos, panfletos e web-sites que são direcionados aos jovens das igrejas locais.

* Bebo e Facebook são dois exemplos.

Transmissão da verdade de Deus para a nova geração

A transmissão da verdade de Deus de uma geração para a próxima é problemática. Será que podemos saber com certeza que os novos métodos baseados nas redes sociais eletrônicas trarão benefícios duráveis?

Aqui não é o lugar para especular sobre várias consequências não intencionadas que podem ser prejudiciais para o testemunho das igrejas locais. Basta observar que o Novo Testamento nos dá o método Divinamente recomendado para garantir que a verdade Divina e a prática correta da igreja sejam transmitidas às gerações futuras da igreja. Tal vez os comitês de irmãos bem intencionados, cujas mentes produzem estas novidades duvidosas, tiraram seus olhos do alvo principal. Vamos desafiá-los com algumas perguntas cujas respostas podem ser achadas facilmente através da leitura das epístolas do Novo Testamento.

• Será que o modelo deixado por Paulo para a transmissão da verdade se tornou obsoleto?

• Quais os fatores que têm influenciado o desenvolvimento das tendências atuais?

• Quem deu a estes irmãos o direito e a habilidade de mudar as coisas?

Há mais de 50 anos houve uma tentativa organizada* para mudar a direção futura das igrejas locais no Reino Unido. Foi liderada por homens profissionais e empresários bem qualificados academicamente, juntamente com alguns pregadores da Bíblia que sentiam que as igrejas locais da época viviam de uma maneira muito restrita e precisavam de mais organização humana, com um ministério assalariado e com a promoção de mais cooperação ecumênica com o cristianismo denominacional.

* Por causa das suas tendências subversivas, as “Conferências dos Irmãos” em High Leigh, e depois em Swanwick, e o movimento Christian Brethren Research Fellowship (CBRF — “Comunhão dos Irmãos Cristãos para Pesquisa”) foram criticados em artigos escritos nas revistas Assembly Testimony, Believer´s Magazine e outras, por irmãos fieis à doutrina da igreja local.

O CBRF agora é chamado Partnership (Sociedade) e se tornou uma força principal no movimento Brethren Activists and Historians Network (BAHN — “Network de Irmãos Ativistas e Historiadores”) que produz livros históricos sobre o “O movimento dos Irmãos” dum ponto de vista que ataca a verdade bíblica sobre o padrão e princípios do Novo Testamento que a revista Assembly Testimony sempre defendeu.

Com isso a identidade das igrejas locais seria diminuída, com a aproximação a tais organizações não-bíblicas.

Devemos destacar que alguns irmãos fiéis daquela geração logo viram o perigo e falaram contra o que estava acontecendo. A revista Assembly Testimony, responsável pela publicação deste livro, foi fundada como parte da reação contra este liberalismo não-bíblico. O irmão A. Borland, editor da revista Believer´s Magazine, escreveu editoriais alertando as igrejas sobre este perigo. A. M. S. Gooding, W. Trew, E. A. Toll, e outros, também escreveram contra as ameaças ao padrão bíblico para a ordem das igrejas locais. Seus artigos são muito importantes para o presente, e devem ser lidos por todos*. O ministério destes estimados irmãos teve um efeito conservador naquele tempo, e o seu efeito continua ainda neste início do século XXI.† Atualmente, o pensamento entre os chamados “Irmãos Abertos” que se opuseram às verdades defendidas pelos irmãos acima mencionados, continua a ser um grande perigo ao testemunho das igrejas locais hoje. Algumas igrejas, até agora fiéis aos princípios bíblicos, estão começando a desviar destes princípios e práticas que consideraram preciosos durante muitas décadas. Em alguns casos parece que o presbitério está dormindo no timão. Talvez, nem querem ouvir quão perigosa é a situação, pois isso exigiria tomar uma posição.

* TREW, W. My reasons for not being free to engage in interdenominational service. Kilmarnock: John Ritchie Ltd. n. d. Gooding, A. M. S. The editor of Christian Worker reviews “A New Testament Church in 1955”. Kilmarnock: John Ritchie Ltd, 1956. Toll, E. A. A conference eand questions arising out of it. Assembly Testimony nºs 16-18, 1955.

† Comunicação pessoal de Sr. J. Grant, editor da revista Believer´s Magazine em 27/12/2006.

O perigo das organizações

As numerosas organizações que têm aparecido entre e ao redor das igrejas locais nos últimos anos são às vezes chamadas de “organizações de apoio para-eclesiásticas”. Algumas focalizam na distribuição de fundos para a obra missionária em suas várias formas; outras procuram beneficiar mais a obra do Evangelho em seus próprios países, oferecendo serviços legais e administrativos, tais como cuidar das propriedades usadas para a pregação do Evangelho e outras propriedades das igrejas locais. Nem todas estas apresentam perigos para as igrejas, mas não devemos presumir que todas são inofensivas.

Algumas organizações começaram por uma visão beneficente de estimados homens que amavam a doutrina da igreja, e cuja prudência e generosidade financeira permitiu o estabelecimento de organizações cuja finalidade era promover e facilitar o trabalho das igrejas locais. No início de tais organizações, os irmãos que sentiam que eram anti-bíblicas foram considerados pedantes, e até intratáveis. Contudo, a história natural das burocracias é que sempre procuram mais poder e influência, e assim foi com estas organizações entre as igrejas. Elas demonstram uma “tendência de centralização”.*

Além disso, as qualidades espirituais dos fundadores raramente são repetidas nos seus sucessores. Geralmente há uma tendência para abrir e diluir os laços originais com as igrejas locais, nos interesses “de uma esfera mais ampla de serviço”. Isso naturalmente causa a aceitação de identidades sectárias e denominacionais. Podemos ver isto acontecendo mesmo entre organizações de longa data, e seus periódicos, entre as igrejas locais. Recentemente foi publicado numa revista de uma destas organizações missionárias, que havia um projeto para “reconstruir a sede dos Irmãos” num certo país. Um comentário como este mostra até onde alguns têm desviado dos princípios das Sagradas Escrituras.

A localização da “sede dos Irmãos” não é identificada claramente nas Escrituras? Assim, falar de uma “sede” na Terra é um caso de teologia floreada e absurda.

A quem a organização presta contas?

Esta pergunta é muito importante, porque todo o serviço cristão no Novo Testamento† é feito através de, e em comunhão com, a igreja local. Se os comitês e as organizações não têm de prestar contas a uma igreja local, então não existe como corrigi-las biblicamente no caso de desvios dos princípios do Novo Testamento.‡ É triste observar o acumulo de poder de uma organização e o subsequente abuso de poder, especialmente quando a vítima do abuso é uma igreja local. Por exemplo, certas organizações registradas como instituições de caridade podem ser proprietárias do local onde a igreja se reúne. Geralmente elas não são basicamente responsáveis àquela igreja, e assim ela fica à mercê daquela organização, que pode reivindicar ter um dever legal de melhorar seus rendimentos a fim de executar suas responsabilidades sociais para com aqueles que ela está legalmente comprometida a cuidar. Pode ser que muitas décadas atrás o plano original era ajudar uma igreja fraca com seus problemas de manutenção. Contudo, agora a situação pode ser muito diferente. Uma igreja local numa grande cidade precisava consertar o telhado do seu prédio e pediu ajuda à entidade jurídica que era a proprietária legal do prédio. A resposta foi que poderiam emprestar-lhes o dinheiro, mas teriam que pagar as taxas comerciais de juros. 

* Isso é explicitamente afirmado pelo historiador Tim Grass em “Reunindo ao Seu Nome”, Paternoster Press, 2006. Como era de se esperar de alguém nesse meio, ele não vê problema algum nesta tendência.

† Podemos excluir os sete filhos de Ceva o judeu que, como fazem algumas organizações hoje, tentaram lucrar pela imitação da ordem de Deus (At 19:13-17).

‡ O litígio destrutivo que dividiu o império dos Stewarts (“Stewart´s Ministries” e “Stewart´s Foundation”) nos Estados Unidos em tempos recentes é um exemplo do que pode acontecer quando uma estrutura poderosa domina igrejas enquanto afirma que está as ajudando — mesmo que não exista nenhuma base bíblica para ais assuntos. Veja o cap. 13 de Family matters, por William W. Conard, Interest Ministries, 1992.

O ancião incumbido para tratar deste projeto respondeu que a igreja poderia facilmente obter esta ajuda com incrédulos, em qualquer banco na cidade. Foi sábio o homem que disse: “Deus não tem ministério para a sustentação de uma Missão, mas Ele tem um ministério para o sustento de uma igreja local”.*

Se um irmão, membro de algum comitê, tiver problema com seus irmãos e sair da igreja local (sem carta de recomendação) para ser recebido em outra igreja que concorda com ele, será que este irmão terá de deixar a sua posição como membro daquele comitê?

O princípio da conveniência — um perigo

“O amor une: a doutrina divide — precisamos derramar uma cascata de amor sobre as pessoas”. Estas palavras foram proferidas numa reunião de relatórios de trabalho missionário organizada por uma igreja local. O pregador representava uma nova instituição de caridade cristã, que tinha um nome e planos pretensiosos. Ele chamou a atenção dos ouvintes à última edição do seu boletim de relatórios, que mostrava a foto de um menino que, naquele momento, acabara de receber um presente durante a visita daquela organização a um certo país em conflito.

Ele falou cheio de entusiasmo: “Com certeza, valeu tudo, só para ver o sorriso no rosto daquele menino!”, sem mencionar nada sobre a salvação do menino, ou de qualquer outra pessoa naquele país. Não houve nenhuma menção, na palestra toda, à grande comissão de Mateus 28:16-20, e aquilo que nós conhecemos como “a doutrina da igreja” foi abertamente menosprezado. Lastimavelmente, esse tipo de coisa está se tornando mais comum. Mas havia uma partícula de verdade no que aquele pregador falou. Visto de certa perspectiva, a doutrina realmente divide. Dois grupos são formados: os que aceitam e os que rejeitam a verdade de Deus. O pregador do Evangelho logo observa isto, como quando Paulo pregou “e alguns criam … mas outros não criam” (At 28:24). Também no ensino da Palavra de Deus aos salvos, ainda existe esta linha divisória entre aqueles que aceitam e aqueles que rejeitam.

* John Douglas de Ashgill, conhecido por suas colocações sucintas e lacônicas em suas mensagens. Citado em Kings of Israel e Judá, por John Douglas, n. d. Publicado por Alex Aikman.

Quanto ao assunto “princípios de igreja”, há muitos cristãos professos que consideram que a natureza e o funcionamento duma igreja local é algo que não devemos considerar como assunto de grande importância.

Conveniência e, com certeza, a tradição humana pesam muito com tais pessoas*. Eles rejeitam o ponto de vista apresentado neste livro: que Deus teve o cuidado de nos deixar um padrão normativo para o testemunho da igreja nesta era, e que as Escrituras Sagradas são suficientes para este propósito. Tais opiniões “anti-padrão” estão crescendo entre as igrejas, e causam problemas e desestabilizam as igrejas que estão procurando seguir os princípios bíblicos. Os que promovem estes pensamentos negativos numa igreja podem começar de uma maneira bem discreta. Ao se apresentar como alguém preocupado com a falta de atenção dada aos jovens, eles frequentemente ganham a atenção, e até o respeito, de irmãos maduros. Mas, ao observar cuidadosamente o que está sendo ensinado aos jovens e as coisas oferecidas para atraí-los, provavelmente se descobrirá que há um fomentar da atitude de descontentamento com a posição conservadora da igreja; como o incentivo por mudanças no presbitério (isto é, acrescentar novos membros que irão promover a nova agenda, ou pela substituição ou manipulação dos anciãos existentes). Também ideias estranhas sobre adoração, frequentemente do tipo “carismático”, a falta de preocupação com a maneira de vestir, a promoção de versões modernas da Bíblia, mais liberdade para as irmãs nas reuniões (além dos limites estabelecidos pelo Novo Testamento), a negação ou diluição dos ensinos Bíblicos claros sobre a moralidade nos assuntos de homossexualidade ou a indissolubilidade do casamento, a participação em diversões mundanas populares como teatros, cinemas, danças, etc., ligações com ministérios interdenominacionais, tanto nacionais como internacionais, são exemplos das inovações que têm infiltrado as igrejas locais durante a década passada. Por causa desta pressão por mudanças radicais, é obviamente evidente que as igrejas não podem negligenciar o estudo da Tipologia nas Escrituras como o elemento básico de como os irmãos se preparam para oferecer adoração pública a Deus, em lembrança do Senhor Jesus Cristo na Ceia do Senhor. A negligência desta área de doutrina tem levado a uma linguagem superficial e leviana na Ceia do Senhor, que às vezes é francamente incorreta, frívola e irreverente. A tolerância destas coisas é solo fértil para a aceitação das ideias ultramodernas de adoração. Frequentemente este processo é irreversível, e resulta na eventual descontinuação da igreja. Prevenir é melhor do que remediar!

* Aqueles que defendiam organizações como o Episcopalismo e Presbiterianismo antigamente procuravam base bíblica para seus sistemas. Mas, hoje, os que se opõem à posição conservadora das igrejas nem procuram uma base bíblica para isto. Assim se torna difícil entrar em discussão profunda sobre este assunto. Não existe mais comunhão sobre o que significa “Sola Scriptura”. As igrejas agora enfrentam assuntos que são mais ideias praticadas pelo movimento “Igreja Emergente” . É muito proveitoso ler o livro “Bishops, Priests and Deacons” de W. Hoste para obter uma excelente refutação dos sistemas denominacionais (principalmente Episcopalismo e Presbiterianismo) à luz das Escrituras. Ainda esperamos um livro desta natureza para defender as igrejas locais do movimento moderno da “Igreja Emergente” e coisas semelhantes.

O serviço das irmãs*

A posição das irmãs nas igrejas que procuram observar as Escrituras sempre foi implacavelmente atacada†. É interessante observar que onde o silêncio das irmãs nas reuniões da igreja é praticado, o Movimento Carismático não tem conseguido penetrar. Reuniões de irmãs têm uma longa história em algumas igrejas, e às vezes são defendidas porque aparentemente não causam problemas. Contudo, devemos reconhecer que não são mencionadas nas Escrituras. Temos o exemplo de irmãs que são recomendadas pela sua cooperação com Paulo no trabalho do Evangelho‡. Paulo escreveu a Tito que as mulheres idosas “ensinem as mulheres novas a serem prudentes, a amarem seus maridos … a fim de que a palavra de Deus não seja blasfemada” (Tit 2:3-4). Este ensino se refere à esfera doméstica e não às reuniões da igreja. Priscila, que sempre é mencionada junto com seu marido, Áquila, ajudou Apolo a compreender mais precisamente o caminho de Deus (At 18:26), mas isso também foi em particular. Além disso, nesta ocasião o nome de Áquila é mencionado primeiro, tirando qualquer impressão de que Priscila dominava nesta função. Os que promovem reuniões para as irmãs não podem mostrar qualquer exemplo no Novo Testamento de uma igreja que tinha tais reuniões, e a introdução desta prática frequentemente traz problemas para a igreja, pelo menos no sentido de causar sofrimento e marginalização para às irmãs cujas convicções bíblicas não permitem a sua presença nestas reuniões.

* Este assunto é bem tratado em dois folhetos: BORLAND, Andrew. Women´s place in the assembly: an assessment of Bible Teaching. Kilmarnock: John Ritchie Ltd, 1970. HOSTE, William. The service of Sisters, its sanction and scope. Kilmarnock: John Ritchie Ltd, 1935.

† “Partnership”, e sua precursora CBRF, sempre se opuseram a Doutrina Apostólica sobre o silêncio das irmãs nas reuniões da igreja, e a prática de cobrir a sua cabeça (I Co 11). Em alguns das suas publicações a prática “tradicional” tem sido zombada de maneira excessiva e injuriosa.

‡ Veja Romanos 16.

O rompimento da comunhão e harmonia entre as irmãs numa igreja local é coisa séria. Um exemplo disto precisou de menção específica, numa das epístolas do apóstolo Paulo. Não sabemos exatamente a natureza do problema que existia entre Evódia e Síntique, mas é evidente, de Filipenses 4:2, que a correção da situação seria para o bem da igreja toda.

Separação ou divisão?

Aprendemos claramente nas Sagradas Escrituras que Deus quer que Seu povo seja separado do mundo ímpio. Assim foi no Velho Testamento e é assim hoje também, e Paulo cita passagens do Velho Testamento para fortalecer o impacto da mensagem. Atualmente, perto do final da primeira década* do terceiro milênio, é bem óbvio que não há muita ênfase no ensino ou prática deste chamado Divina para a separação.

O que fazer? Será que podemos impor esta separação àqueles que anseiam por e preferem as delícias do Egito ou as modas da Babilônia?

Existe a tentação para sugerir que chegou a hora de estabelecer limites para definir o que é uma igreja local hoje, e cortar vínculos com qualquer outro grupo. Este pensamento já ocorreu no passado, e foi a causa da grande divisão em 1848, quando os Irmãos Exclusivistas dividiram as igrejas por causa do assunto que foi chamado Bethesda Question (“A questão de Betesda”). Entre os chamados “Irmãos Abertos” (isto é, as igrejas que não aceitaram a opinião eclesiástica de J. N. Darby nesta questão) havia grande variedade de práticas, que se tornaram evidentes no final do século XIX. A aceitação crescente, entre estas igrejas, de várias práticas não bíblicas, inclusive o interdenominacionalismo, mulheres pregando, imitação de projetos mundanos para arrecadar dinheiro, etc., causou grande preocupação em alguns irmãos. Entre estes irmãos surgiu um grupo impetuoso que defendia uma separação formal das igrejas existentes, e o estabelecimento (em 1893 aproximadamente) de uma federação de “igrejas de Deus” ou uma federação de igrejas com liderança central. Este movimento recebeu o nome de Needed Truth (“Verdade Necessária”). Um dos seus lemas era a necessidade de uma “segunda saída”. É fácil reconhecer a precisão do seu diagnóstico sobre as falhas e os desvios nas igrejas, mas seu remédio (sem base Bíblica) é tão ruim quanto a doença.

* Este livro foi publicado em inglês no ano de 2008. (N. do E.)

O estimado irmão William Bunting (fundador e primeiro editor da revista Assembly Testimony) tinha uma compreensão profunda destes assuntos, e seu último livrete, Spiritual Balance (“Equilíbrio Espiritual”) é um tratado sábio e criterioso destes assuntos importantes — assuntos que as igrejas agora enfrentam com o mesmo vigor que anteriormente.

O exclusivismo e o Needed Truth são pesados contra o padrão das Escrituras, e achados em falta. O padrão para a separação bíblica é defendido como um alvo positivo e recompensador, e também como o resultado de abandonar práticas e princípios mundanos e antibíblicos. Este livrete precioso deveria ser lido por todos que buscam o bem-estar das igrejas hoje.

Uma consideração da profecia de Malaquias deve nos convencer que qualquer tipo de “segunda saída” é uma ilusão enganosa, e não uma solução Bíblica. No Velho Testamento, a comunidade pós-exílio já tinha saído da Babilônia e estava separada de tudo que se encontrava ali*.

Nem todos os Israelitas tomaram este passo. Aqueles que o fizeram enfrentaram muito sofrimento e dificuldades, como vemos claramente nos relatos de Esdras e Neemias. Os adversários sutilmente tentaram fingir que eram também seguidores de Deus e que desejavam ajudar na construção da Casa de Deus. Contudo, esta tentativa foi sabiamente rejeitada: “Não convém que nós e vós edifiquemos casa a nosso Deus…” (Ed 4:3). Mas a oposição que isso provocou foi amarga, cruel e persistente. A chegada de Neemias, mais tarde, para coordenar a reconstrução do muro de Jerusalém, aumentou ainda mais esta oposição.

Pior ainda, agora surgiram elementos entre os próprios judeus — até mesmo entre os lideres sacerdotais — que se simpatizavam e tinham afinidade com os inimigos. Em Neemias 13 lemos como Neemias teve que corrigir esta situação lamentável. O que o preocupava mais era a tendência crescente de apatia espiritual, e até o abandono da Casa de Deus (Ne 13:11).

* Veja “Back from Babylon” por W. Rogers, John Ritchie Ltd, Kilmarnock, para mais estudos.

A profecia de Malaquias veio imediatamente depois de Neemias 13.

O nome do Senhor é enfatizado e ocorre dez vezes em Malaquias. Havia neste tempo uma decadência geral, e poucos dos sacerdotes tinham o desejo de “dar glória ao Meu Nome”, e havia somente um remanescente do povo que “pensaram no Seu Nome” ou “temeram Meu Nome”.

Apesar da prevalência de padrões de adoração inaceitáveis (cap. 1), e a decadência na moralidade familiar (cap. 2), nós não achamos nenhuma exortação para o remanescente fiel sair e formar um grupo separado.

Eles já tinham se separado da Babilônia. Estavam agora no lugar do Seu Nome. Para onde, ou para quem, poderiam agora se separar? As condições no tempo de Malaquias frequentemente são comparadas com as condições na igreja em Laodicéia, e com razão. Mas em nenhum destes lugares temos instrução para a formação de um novo grupo. W. Trew disse: “O ministério de Malaquias produziu um remanescente entre o remanescente do povo de Deus”.* Este remanescente era caracterizado por temor ao Senhor e respeito ao Seu Nome. O Senhor prometeu uma lembrança e recompensa especial a eles (Ml 3:16-18). Achamos membros deste remanescente fiel no Evangelho de Lucas: Zacarias e Isabel, Ana e Simeão todos manifestavam amor para com a Casa de Deus e esperavam pelo Messias.

A resposta para os problemas de hoje não será achada em uma divisão não bíblica, mas na separação exigida pela Bíblia. Isso começa no nível pessoal. Por exemplo, considere as exortações pessoais a Timóteo e a Tito: havia coisas para evitar e coisas para seguir. Obediência a estas injunções apostólicas exige exercício individual. A espiritualidade coletiva de uma igreja nunca pode ultrapassar a espiritualidade pessoal daqueles que são parte dela.

Também, é muito importante enfatizar o lado positivo desta separação; a que somos separados? Podemos ilustrar este aspecto estudando a história de Israel no Velho Testamento. O acampamento de Israel era especial por causa de Quem habitava no meio dele. Assim não podia existir uma atitude de “qualquer coisa serve” entre o povo de Deus.

Em Números 24:2-5 o impacto desta presença Divina muito impressionou Balaão, e em I Coríntios 14:25 a presença de Deus na igreja ainda tem este efeito salutar sobre todos que a observam. Assim, até mesmo alguém de fora sente a verdade de Mateus 18:20. Claramente, há também o lado negativo desta separação; isto e, de que somos separados?

Este lado precisa ser enfatizado cada vez mais em nossos dias, quando em muitas igrejas há pressão para aceitar mistura e amalgamação antibíblica. Contudo, devemos manter o equilibro Bíblico. Albert Leckie uma vez citou outro irmão idoso que sabiamente disse: “Não se pode alimentar o povo de Deus com laxantes”.

* W. Trew, 1967. Notas não publicadas de ministério dado sobre Malaquias.

 

Problemas relacionados à disciplina na igreja local

A igreja local do Novo Testamento tem autoridade para administrar a disciplina daqueles que estão em sua comunhão. Hoje em dia, em toda a esfera de vida, há um espírito de rebeldia contra qualquer autoridade, e não é diferente nas igrejas. As várias formas de disciplina são consideradas em outra parte deste livro. Contudo, conflitos podem surgir quando há uma tentativa de destruir ou anular a disciplina Bíblica numa igreja. Isso pode acontecer quando o infrator tem parentes na comunhão que mostram lealdade familiar e não lealdade a Deus e à Sua Palavra — que exigiria uma submissão à ordem divina para que o resultado feliz pudesse ser uma completa restauração. Esta dificuldade é mais grave em igrejas pequenas, ou em igrejas grandes onde muitos membros de uma mesma família manifestam valores baseados na família e não nas Escrituras. Também, a interferência externa, para debilitar ou subverter o processo da disciplina bíblica necessária, não tem a autoridade das Escrituras e é repleta de perigo, não importa quem é a pessoa, ou grupo, que está interferindo.

Será que não há uma falta do temor do Senhor em tais casos? Tentar proteger o culpado da devida investigação e disciplina na Casa de Deus é muito sério. Obstinação em tal cenário é muito triste aos santos fiéis e aos anciãos piedosos que têm a obrigação de tratar destas questões. Esta oposição não pode ser vencida por mera sabedoria carnal. “Porque a ira do homem não opera a justiça de Deus” (Tg 1:20). O Senhor é capaz de julgar e agir quando tudo que pode ser biblicamente feito foi tentado.

Portanto, é bom estar sempre do lado da verdade, e não envolvido nas iniquidades de outros. Uma boa consciência nos assuntos da igreja é de valor incalculável — mesmo quando significa estar entre a minoria. O mal escondido contamina e sempre produzirá um mau resultado — se não resolvido nesta vida, então enfrentará o “fogo” do Tribunal de Cristo naquele dia vindouro (I Co 3:11-17). É o dever solene dos anciãos apoiar os padrões das Escrituras, qualquer que seja a oposição de dentro ou de fora da igreja local.

Batalhando pela fé

Se nós cremos que o Novo Testamento revela o padrão e doutrina para o testemunho duma igreja local, então poderemos nos achar em situações quando somos obrigados a contender por este aspecto de doutrina. “A fé que uma vez foi dada aos santos” merece ser defendida, e com toda diligência e vigor.

Quando é necessário defender doutrinas tais como a santa Trindade, a encarnação do Filho de Deus, a expiação, a justificação pela fé, etc., há acordo quase universal entre os salvos das igrejas locais sobre qualquer esforço para defender estas doutrinas. Contudo, a impressão do presente autor é que hoje, quando a verdade bíblica sobre a igreja local está sendo atacada, existe a difundida tendência de reagir com uma atitude passiva, ou até derrotista. Além disso, aqueles que procuram batalhar pela boa herança do ensino bíblico sobre assuntos da igreja, frequentemente não recebem agradecimentos ou encorajamento. É fácil ser mal entendido nestes assuntos. A paz e a unidade entre irmãos deve ser uma prioridade, mas há somente uma base para este ideal bendito.

Fraqueza e passividade perante os falsos obreiros somente encoraja mais repetições do ciclo vicioso de agressão-conciliação. Então, como devemos agir? Se for necessário contender, como devemos fazê-lo?

Alguém poderia tentar, com tenacidade stakhanovitiana,* enfrentar qualquer desvio da doutrina ou prática, e no fim falhar — apesar de conseguir grandes feitos, externamente. A igreja em Éfeso demonstrou zelo recomendável, mas seu problema era que tinha deixado o seu primeiro amor (Ap 2:4). Era esta combinação ruim de zelo sem amor que realmente ameaçava até a continuidade daquela igreja. Existe sempre o risco de que “batalhar pela fé” pode se transformar numa mera contenda legalista. Devemos evitar isso. Lembremo-nos do conselho a Timóteo em II Timóteo 2:24-26: “Ao servo do Senhor não convém contender, mas sim, ser manso para com todos, apto para ensinar, sofredor; instruindo com mansidão os que resistem, a ver se porventura Deus lhes dará arrependimento para conhecerem a verdade, e tornarem a despertar, desprendendo-se dos laços do diabo, em que à vontade dele estão presos”. 

* Dedicação heroica de trabalhadores soviéticos para superar metas de produção — o nome vem de Stakhanov, um mineiro Russo enaltecido por Stalin pela produção recorde de carvão.

A grande aspiração é batalhar pela fé sem se rebaixar a brigas.* “Contender” significa brigar ou disputar,† e nunca é usada no bom sentido no Novo Testamento. Timóteo não deveria se envolver em tal comportamento, mas deveria ser “manso”,‡ que nos faz pensar na atitude exigida ao se cuidar de bebês.

Subindo na escala de idades, Timóteo deveria “instruir” com mansidão os que resistem; a palavra “instruir” se refere à educação de crianças, com a correção necessária.§ “Apto para ensinar” é a palavra de onde vem a nossa palavra “didática”, e nos lembra que a missão de Timóteo não era somente baseada na doutrina, mas também era baseada na necessidade de assegurar que a doutrina bíblica fosse inculcada nos salvos entre os quais ele servia. “Sofredor” é uma palavra que nos desafia. Timóteo deveria ser paciente e suportar coisas más no cumprimento da sua missão.

¶ A inclusão da palavra “mansidão”, nesta passagem, com certeza nos faz pensar em Moisés, o homem mais manso (com a exceção do Senhor Jesus Cristo), que suportou tanto comportamento mau, ingratidão e rebeldia durante a grande jornada do Egito a Canaã;** uma história cheia de instruções em como lidar com os problemas contemporâneos nas igrejas de Deus.

* II Tm 2:24-26. As Epístolas a Timóteo e a Tito são os melhores manuais neste assunto. Para obter conhecimento prático e doutrinário, o leitor deve ler “Spiritual Balance” por W. Bunting.

† Macheomai é a palavra usada em II Tm 2:24. A palavra “contender” [“strive” na AV] ocorre quatro vezes neste capítulo. No v5 é athleo [traduzida “milita”], usada para descrever uma disputa atlética nos jogos olímpios; no v. 14 é logomacheo [traduzida “contendas de palavras”], que é uma combinação de “palavras” e macheo, e significa “uma disputa de palavras”.

‡ Esta palavra “manso” (epios) é usada somente mais uma vez no Novo Testamento — I Ts 2:7: ”Tornamos carinhosos [epios] entre vós, qual ama que acaricia os próprios filhos”.

§ Paideuo é usada do sistema penal Romano ao administrar um castigo “leve”; por exemplo, um açoitamento público (Lc 23:16, 22); de Saulo de Tarso sendo rigorosamente treinado na escola de Gamaliel (At 22:3); da disciplina apostólica de Paulo sobre Himeneu e Alexandre por causa do pecado de blasfêmia (I Tm 1:10); do efeito instrutivo da graça de Deus sobre o comportamento e atitude do salvo (Tt 2:11-12); e de Deus disciplinando Seus filhos (Hb 12:5-11).

¶ Anexikakos somente ocorre aqui no NT e nos lembra de um professor controlando um grupo de alunos mal comportados, enquanto pacientemente segue o currículo e os prepara para as provas.

** Somos exortados a aprender lições importantes pelo estudo desta narrativa do VT, pois Paulo diz em I Coríntios 10:11 que, pelo plano soberano de Deus, “tudo isto lhes sobreveio como figuras, e estão escritas para aviso nosso”.

A perspectiva de Paulo para a carreira de Timóteo, como homem de Deus, parece muito desanimadora. A tristeza em ver os cristãos se desviando da doutrina e da prática bíblica; a vergonha ao ver grupos emergindo* para se opor à verdade apostólica; a chegada iminente de perseguição; essas são apenas algumas das circunstâncias que Timóteo enfrentaria no seu serviço para Deus, entre o Seu povo, depois da morte de Paulo. É suficiente para amedrontar o coração mais forte. As Escrituras não nos prometem condições melhores em nossos dias. Assim, temos de confiar totalmente nos recursos Divinos para nos ajudar, pois soluções humanas certamente falharão.

A separação do mundo — estudo da Palavra

Timóteo é chamado para ser separado — este é o tema predominante de II Timóteo 2. Esta separação é essencial se ele vai estar preparado para toda a boa obra. O tema dominante de II Timóteo 3 é seu conhecimento da Palavra de Deus. O conhecimento detalhado e o estudo assíduo da Palavra de Deus também são necessários para alguém ser perfeitamente instruído em toda a boa obra. Note que Timóteo começou cedo. “Desde a meninice” ele tinha sido criado no ensino das Escrituras. Paulo não faz menção dos amigos de Timóteo, ou do seu grupo de jovens. A sua criação hoje seria reprovada por muitos cristãos professos, inclusive alguns entre as igrejas locais, que aparentemente estão cegos aos perigos das redes sociais contemporâneas, baseadas na internet ou não.

Estes dois requisitos para seguir o exemplo do serviço de Timóteo são tão importantes hoje quanto eram nos dias do século I. É melhor ler estes dois capítulos cuidadosamente e aplicá-los honestamente a nós mesmos, do que nos ocuparmos em comparar a nossa vida com a vida de outros irmãos nas igrejas hoje.† Seria melhor comparar-nos com Paulo e seus companheiros, pois, de acordo com Filipenses 3:17, esta é a verdadeira medida de comparação. Também devemos ter cuidado para não cair em qualquer desvio que nos faça semelhantes àqueles mencionados em Tito 1:16, que são descritos como “reprovados para toda a boa obra”; isto é, sujeitos à reprovação Divina em tudo que fazem.

* É notável que a moderna “Igreja Emergente” encaixa exatamente em muitas das descrições adversas dadas a Timóteo e Tito.

† 2 Co 10:12 “estes que … se comparam consigo mesmos, estão sem entendimento”.

Satanás e as igrejas de Deus*

A esfera do nosso conflito nesta dispensação é nos “lugares celestiais”.

É contra a maldade espiritual de Satanás e suas hostes de principados e potestades. A carta aos Efésios tem como foco “todos os santos”, e não somente dar ensino específico sobre o testemunho da igreja local, portanto, para sabermos detalhes sobre os ataques de Satanás contra as igrejas locais precisamos examinar outras passagens. Contudo, é necessário, como indivíduos salvos, aproveitar os recursos e exortações dados em Efésios. Por exemplo, não dar lugar ao diabo, especialmente através de cultivar uma atitude de ira contra outros membros do Corpo de Cristo (4:26-27); colocar toda a armadura de Deus para que possamos estar firmes contra as astutas ciladas do diabo (6:11-13).

As Escrituras nos ajudam a identificar erros doutrinários, falhas humanas e atitudes pecaminosas que produzem conflitos nas igrejas. Mas elas também revelam que por trás destas causas secundárias está o Maligno, que sempre procura destruir ou danificar aquilo que glorifica a Deus. O testemunho Divino sempre foi atacado por Satanás, em cada dispensação. Nesta dispensação da graça ele ataca a igreja do Deus vivo, que é a coluna e firmeza da verdade — isto é, o monumento de testemunho à verdade de Deus. Para cada figura da igreja local no Novo Testamento (lavoura, templo, noiva, rebanho, etc.) existe um perigo de ataque ou dano correspondente. Não somos ignorantes dos seus ardis, diz Paulo em II Coríntios 2:11. Pelo menos, tendo o Novo Testamento completo em nossas mãos, não deveríamos ser ignorantes. Mas infelizmente temos de admitir que, algumas vezes, falhamos ao não reconhecer a obra de Satanás pelo que ela é. Sutileza e fingimento são características da obra satânica. Paulo avisou os coríntios desta sutileza satânica em corromper a sua simplicidade, comparando-a à tentativa de alguém seduzir uma virgem desposada (II Cor 11:1-4). Ele pode, também, se disfarçar como anjo de luz para conseguir seus maus intentos (II Cor 11:14).

Divisão interna causa turbulência na vida da igreja local, e somos advertidos sobre isto em Romanos 16:17-20. Notamos que aqueles que causam divisões, e de quem devemos nos desviar, estão operando “contra a doutrina que aprendestes”. Não são aqueles que querem manter as doutrinas apostólicas que causam divisões — mas os inovadores, dos quais diz Paulo: “com suaves palavras e lisonjas enganam os corações dos simples”. Mas a ação de Satanás, contrária à paz, está por trás de tais situações. Assim, temos a promessa encorajadora: “e o Deus de paz esmagará, em breve, Satanás debaixo dos vossos pés”.

* Este foi o título duma série de artigos desafiadores a ainda muito relevantes, escritos por W. Bunting nos dois primeiros anos da revista Assembly Testimony (1952-53).

Divisão é a marca da carne. Há três palavras diferentes usadas no Novo Testamento para descrever a divisão entre os santos. Duas destas palavras são bem conhecidas na nossa língua: heresia (hairesis) e cisma (schisma). A terceira é dichostasia, que significa “rachar, ou dividir em dois”.

Estas três palavras são usadas em relação à situação na igreja em Corinto.

Hairesis indica escolher um tipo de ensino, e a palavra era usada entre os judeus nos dias do Novo Testamento para descrever as várias seitas do Judaísmo, por exemplo, fariseus, saduceus, etc. Junto com dichostasia (traduzida “dissensões”) é chamada “obra da carne” em Gálatas 5:20. Schisma indica rasgar algo em pedaços*, como rasgar pano (Mt 9:16), a divisão entre os fariseus (Jo 9:16), e também a divisão entre os judeus, em geral, por causa do ministério do Senhor Jesus Cristo (Jo 7:43; 10:19).†

A igreja em Corinto é um exemplo destes problemas. Havia a falta de harmonia que produziu contendas‡, ou dissensões, que inicialmente se manifestaram em facções, com grupos diferentes afirmando sua lealdade a Paulo, Cefas ou Apolo, e outro grupo que se declarava “de Cristo”, como se tivessem um direito especial de fazer isto. Dissensão é uma obra da carne (Gl 5:20), e, junto com divisões (dichostasia), é sintomático da carnalidade (I Co 3:3). Dissensão era um problema persistente em Corinto, pois quando Paulo escreveu novamente (II Co 12:20), ele mencionou as “porfias” (dissensões), como algo que justificaria a intervenção disciplinar apostólica. A divisão em Corinto não tinha causado saída de irmãos da igreja, mas Paulo apelou: “rogo-vos, porém, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos uma mesma coisa, e que não haja entre vós dissensões; antes sejais unidos em um mesmo pensamento e em um mesmo parecer” (I Co 1:10). A divisão iria destruir o cuidado mútuo uns pelos outros que deve caracterizar a igreja local que representa o corpo de Cristo (I Co 12:25). Em I Coríntios 11:18, as dissensões não eram por causa dos assuntos mencionados nos caps. 1 e 3, mas entre os ricos e os pobres na hora da Ceia do Senhor.

* A mesma raiz é achada no verbo latino scindo-scindere-scissum, e aparece na palavra inglesa scissors (tesoura).

† Isso mostra que uma hairesis pode ser subdivida por uma schisma (os fariseus ficaram divididos em Jo 9:36).

‡ Grego = eris.

A única menção de heresias em Corinto é I Coríntios 11:19. Isso também é uma obra da carne (Gl 5:20), e parece ser o resultado da dissensão.*

O fato que haveria heresias futuramente é profetizado aqui, e aconteceu mesmo (veja também II Pe 2:1). Isto levou a uma separação da igreja, como João diz em I João 2:19: “Saíram de nós, mas não eram de nós, porque, se fossem de nós, ficariam conosco; mas isto é para que se manifestasse que não são todos de nós”. Paulo também menciona a expectativa de que os que causavam problemas na Galácia “fossem cortados” das igrejas ali (Gl 5:12). Também em Judas v. 19 lemos sobre certos elementos problemáticos: “estes são os que causam divisões, sensuais, que não têm o Espírito”. Paulo recebeu informação sobre os problemas em Corinto através da casa de Cloé (I Co 1:11). Isso não foi maledicência, mas semelhante à boa ação de José, que “trazia más notícias deles a seu pai”, em relação ao mau comportamento dos seus irmãos (Gn 37:2). Paulo ocupava uma posição especial em relação à igreja em Corinto. Em primeiro lugar ele foi o pioneiro que levou o Evangelho até eles e plantou a igreja ali. Também ele, como apóstolo, tinha uma responsabilidade especial perante o Senhor pelo progresso espiritual deles nas coisas de Deus. E, além disso, havia a autoridade e a capacidade Divina especial (a vara†) que, se fosse necessário, ele deveria usar.

Tendo em vista o Tribunal de Cristo,‡ encontramos Paulo muito preocupado em como corrigir esta situação; era-lhe pessoalmente muito doloroso (II Co 2:4). Podíamos pensar que ele teria ido a Corinto naquele tempo para resolver os problemas, pessoalmente.

* Arthur Pridham escreveu: “Homens param de ficar em perfeita comunhão e gradativamente se separam (schisma) por causa da falta do amor Divino e da atividade da vontade própria.

Eles se reúnem em seitas ou partidos pela operação de simpatias particulares; e, porque as mentes dum poder e capacidade dominante muitas vezes são contaminadas pelo orgulho que vai contra os limites da Escritura, aconteceu naturalmente que a palavra ‘heresia’, que realmente significa ‘uma seleção’, veio a ser universalmente conhecida como a descrição de ensino falso e anti-bíblico”. PRIDHAM, A. Notes and reflections on the First Epistle to the Corinthians. London: Longmans & Co., 1860, p. 262.

† I Co 4:21 — uma figura da sua autoridade Divina para os disciplinar. Veja também At 5:1-11.

‡ I Co 4:4-5 — “Pois quem me julga é o Senhor. Portanto, nada julgueis antes do tempo”. Veja também II Co 13:5-7.

Mas ele sabia que isto teria produzido mais infortúnios, e sendo que seu relacionamento era mais como pai do que instrutor, ele os amava* e queria poupá-los dos rigores de uma visita disciplinar, e assim resolveu usar outros meios que

produziriam o mesmo resultado positivo.†

Ele enviou Timóteo a Corinto‡ e pediu também que Apolo fosse, mas ele não foi naquela ocasião (I Co 16:12). Mais importante para nós, ele lhes escreveu uma epístola. Esta carta logo produziu resultados positivos (II Co 7:11), mas outros assuntos exigiram a segunda epístola aos Coríntios para que, na sabedoria de Deus, nós hoje tivéssemos duas epístolas de grande valor sobre a doutrina e prática da igreja local. Este valor serve ainda para todas as igrejas em todo lugar, como I Coríntios 1:2 indica: “… com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo”, e também I Coríntios 11:16: “Mas, se alguém quiser ser contencioso,§ nós não temos tal costume, nem as igrejas de Deus”. Que estes ensinos servem para todos os tempos é indicado pela insistência de Paulo de que as coisas que ele escrevia eram “mandamentos do Senhor”, e que o reconhecimento deste ensino é a prova de espiritualidade (II Co 14:37).¶

Timóteo e Tito tiveram ligações íntimas com a igreja m Corinto durante este tempo, e sendo colegas de confiança (especialmente Timóteo) Paulo podia lhes delegar assuntos delicados e complicados. Podemos ter certeza que Timóteo nunca esqueceu a sua experiência em Corinto. Muitos dos últimos conselhos que ele recebeu de Paulo em I e II Timóteo o teriam relembrado das situações que passou em Corinto.

Contemplando o final da sua vida, Paulo sabia que Timóteo teria de enfrentar todo tipo de problema, sem aquela autoridade especial que o Apóstolo tinha. Sua autoridade viria somente através da Palavra de Deus. Timóteo foi instruído a ensinar e identificar outros que viriam depois dele, para que pudessem fielmente transmitir a Doutrina dos Apóstolos também a outros (II Tm 2:2). As Sagradas Escrituras seriam o seu recurso em dependência no Deus vivo (a quem a igreja pertence, I Tm 3:15) e seu próprio exemplo piedoso lhes daria a autoridade para guiar o povo de Deus.* Esta é a verdadeira “sucessão apostólica”, não a sucessão episcopal mítica e mística do cristianismo. Consciente dos problemas especiais que haveria em estabelecer uma transição efetiva do período inicial, com a presença e o poder Apostólicos, vemos como Paulo usou sabedoria providencial em aplicar seus métodos escolhidos com Corinto, para que tivéssemos estas duas epístolas — que o próprio Paulo chamou de “os mandamentos do Senhor”, e que eram (como todas

as suas epístolas) reconhecidas explicitamente como tais pelo apóstolo Pedro (II Pe 3:16). O fato que Paulo enviou representantes como Timóteo e Tito para lugares problemáticos também serviu para desenvolver a experiência pessoal deles, e sua dependência em Deus e na Sua Palavra, em preparação para os dias depois da época dos apóstolos. O discurso final de Paulo para os anciãos em Éfeso também mostra esta ênfase. Para resolver os problemas futuros ele os recomenda a “Deus e

à palavra da Sua graça” (At 20:32). Nós temos exatamente o mesmo recurso hoje. Um mesmo parecer, cuja falta era a raiz de muitos dos problemas em Corinto, é o grande preventivo da divisão e suas consequências.

* I Co 4:15 “Porque ainda que tivésseis dez mil aios em Cristo, não teríeis, contudo, muitos pais; porque eu pelo vos gerei em Jesus Cristo.

† II Co 12:21; II Co 1:23; II Co 13:2.

‡ I Co 4:17; 16:10-11 — Timóteo iria lembrá-los “os meus caminhos em Cristo Jesus, como por toda parte ensino em cada igreja”.

§ “Contensioso” — philoneikos, “quem ama disputar”, encontrado somente aqui, mas o substantivo é usado em Lc 22:24.

¶ II Pe 3:15-16 afirma que as Epístolas de Paulo são como o resto da Escritura — uma confirmação notável.

Paulo o coloca como prioridade no começo da primeira Epístola (I Co 1:10), e termina a segunda Epístola enfatizando a sua necessidade: “Quanto ao mais, irmãos, regozijai-vos, sede perfeitos, sede consolados, sede de um mesmo parecer, vivei em paz; e o Deus de amor e de paz será convosco” (II Co 13:11). Assim, tudo que Paulo escreveu aos corintos vem entre estas duas grandes exortações — ter o mesmo parecer. Com certeza, isso é de grande importância hoje. Como podemos alcançá-lo? Não pelos ajuntamentos sociais (que não funcionaram em Corinto), nem por seguir personalidades dominantes; isto também foi experimentado sem sucesso em Corinto (veja II Co 11:13-20). O mesmo parecer é gerado pelo mesmo amor para com o Senhor Jesus Cristo — por isso temos a maldição final sobre aqueles que não amam ao Senhor Jesus Cristo (I Co 16:22), e no estudo das Sagradas Escrituras se torna evidente, através da obra do Espírito Santo, que “nós temos a mente de Cristo” (I Co 2:16). Que possamos nos conformar a este alvo.

A perseguição externa de uma igreja de Deus pode surgir, e o tentador, Satanás, pode usar a tribulação para tentar desestabilizar a fé dos santos. Foi isso que aconteceu em Tessalônica (I Ts 3:3-5). Em Esmirna, onde havia “a sinagoga de Satanás”, a perseguição é atribuída diretamente ao Diabo: “Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados; e tereis uma tribulação de dez dias” (Ap 2:8- 11). Disto aprendemos que Satanás é a fonte da perseguição, e não os meros humanos que parecem liderar o ataque; que a provação da fé dos santos é um aspecto importante da perseguição, mas que Deus mantém o controle total (os Tessalonicenses sabiam que “para isso fomos ordenados”, e o limite Divino da perseguição em Esmirna era “dez dias”), e que a recompensa por fidelidade é grande — “dar-te-ei a coroa da vida”.

* I Tm 4:12 — compare também o conselho de Pedro para os anciãos em I Pe 5:3, para que sejam ”exemplo ao rebanho”.

Os líderes entre o povo de Deus sempre foram um alvo especial de Satanás em cada dispensação. Um exemplo disso, do Velho Testamento, é o erro de Davi em contar o povo (I Cr 21:1). A liderança da igreja local é feita por homens chamados “anciãos”, “bispos” e “pastores”. Estes enfrentam perigos como “ensoberbecer-se”, especialmente em relação a irmãos “neófitos”, e um ancião que não tem bom testemunho dos que estão de fora pode cair em afronta, e no laço do diabo. Veja Atos 20:17- 35, I Timóteo 3:1-7 e Tito 1:6-9. A primeira parte de I Pedro 5 é usada para encorajar os pastores das igrejas. Eles são exortados a evitar “ter o domínio sobre a herança de Deus” e, junto com cristãos mais novos, são aconselhados a serem sóbrios e vigilantes; “porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar” (I Pe 5:1-9).

A vida familiar dos salvos também é um alvo de Satanás. O relacionamento conjugal é mencionado especificamente em I Coríntios 7, e a função das irmãs em guiar o lar e criar os filhos é tratada em I Timóteo 5. Ambas estas áreas se encaixam no que é chamado hoje em dia de “minha vida pessoal”, mas mesmo aqui pode haver um impacto adverso sobre a igreja local se as normas bíblicas forem ignoradas, pois pode dar a Satanás a oportunidade de obter uma vantagem sobre nós. A tendência atual do mundo de opor-se à Palavra de Deus em todo aspecto do matrimônio e da vida familiar exige que os cristãos em todo lugar se apeguem simples e fielmente às palavras sadias das Escrituras sobre estes assuntos. Se nós nos rendermos à doutrina errada nestes assuntos, por exemplo, por ensinar que é permissível que pessoas divorciadas se casem enquanto o cônjuge original ainda vive, estamos nos aliando aos ensinos liberais da maioria da cristandade, e trazendo para dentro da igreja pessoas cujas vidas são uma afronta para pessoas decentes no mundo. A tolerância em permitir que o sofrimento pessoal causado em tais casos influencie nossa interpretação da ordem do Senhor Jesus Cristo e dos apóstolos pode parecer compassivo, mas não evita a censura, e realmente multiplica as “brechas” para que todo tipo de relacionamento irregular confuso seja “reconhecido” pelas igrejas. A igreja de Deus não é governada por carta constitucional de “direitos humanos”.

É preocupante pensar que a legislação contra discriminação pode ser usada hoje por pessoas mal intencionadas para litigar contra igrejas que procuram manter o padrão de moralidade exigido pelas Escrituras. Casos recentes de cristãos sendo punidos por terem publicado referências Bíblicas que testificam contra a homossexualidade predizem um futuro turbulento para os cristãos, individualmente e como igrejas.

Elementos problemáticos nas igrejas

Falsos irmãos

As igrejas nos tempos do Novo Testamento tiveram problemas com os desordeiros. Como isso aconteceu? Inicialmente, o temor do Senhor era tal, devido à maneira soberana como Deus julgou Ananias e Safira, que lemos que “dos outros … ninguém ousava ajuntar-se a eles” (At 5:13). Mas não demorou muito até Paulo avisar sobre os “falsos irmãos que se intrometeram” (Gl 2:4). Isso indica que os que já eram membros da igreja foram enganados em relação a quem receberam. Estes falsos irmãos são passivos, pois, foram recebidos, e também são ativos, pois “secretamente entraram”; isto é, sabiam exatamente o que estavam fazendo e tinha um alvo estratégico, que era “espiar a nossa liberdade, que temos em Cristo Jesus, para nos porem em servidão”. Eles estavam dispostos a aprender os detalhes da doutrina cristã por motivos falsos — colocar os cristãos em servidão. Este sempre é o caminho dos enganadores entre o povo de Deus. Os que queriam judaizar os gálatas não tinham tempo para a liberdade cristã incorporada no glorioso Evangelho do bendito Deus, com sua clara proclamação sobre “o problema dos homens e o poder de Deus”,* e a abolição de qualquer contribuição de obras ou outro esforço humano que pudessem ser apresentados a Deus para se obter a Sua justificação.

O perigo hoje continua o mesmo. A grande verdade liberadora do Evangelho era a base da Reforma Protestante. Os conceitos chave foram Sola Scriptura, sola gratia, sola fide (“Só a Escritura, só pela graça, só pela fé)†. Hoje, há muitas vozes entre o cristianismo que se distanciariam desta posição. Não são poucos os que deixam suas igrejas e agora ocupam posições de liderança na assim chamada “Igreja Emergente”.

Lamentavelmente, existem em algumas igrejas locais aqueles que concordam com esta moderna, ou melhor, pós-moderna moda de abrandar, ou até negar, estes aspectos básicos da verdade de Deus No final do período apostólico, Judas avisa sobre alguns que “se introduziram sorrateiramente” (v. 4). Ele os identifica, não pelas suas filiações com grupos sectários que existiam naquele tempo, o que dificultaria identificá-los hoje, mas pelas suas características manifestas pela luz da Palavra de Deus, para que sejam facilmente identificados quando estudamos a história da Verdade de Deus e seus inimigos em qualquer época da história das Escrituras.‡

Quando tais pessoas saem da igreja, frequentemente é um sinal de que falharam na sua tentativa de fazer a igreja aceitar a sua agenda de erro. Embora a sua saída possa ser amarga, é motivo de ações de graças, como Paulo mesmo expressou em Gálatas 5:12: “Eu queria que fossem cortados aqueles que vos andam inquietando”.§

Já mencionamos I João 2:19 e Judas 19, em relação a este assunto.

* “The plight of men and the power of God”. Este é o título dum excelente livro de Martin Lloyd Jones sobre Romanos 1-3.

† Eruditos posteriores da Reforma falam dos Cinco Solas, acrescentando Solo Christo e Soli Deo Gloria (Somente por Cristo, e somente para a glória de Deus). As obras históricas de Merle d´Aubigne sobre a Reforma ainda são uma introdução excelente. Veja também The Reformers and the Theology of the Reformation, de William Cunningham — uma obra do Presbiterianismo Escocês do século XIX que não está manchada pelo liberalismo moderno, e muito feliz em suas análises teológicas sucintas.

‡ Mais do que um comentário sobre Judas é chamado “Os Atos dos Apóstatas” — que é um bom título para esta Epístola que nos dá uma galeria divinamente inspirada de inimigos do Evangelho, para que possamos nos prevenir. Nos caminhos do mal não há nada novo debaixo do Sol.

§ O verbo na voz média [no grego] indica o desejo de Paulo de que os elementos problemáticos tomassem a iniciativa em se separar dos salvos na Galácia.

Falsos pastores

Mesmo entre as lideranças das igrejas do Novo Testamento, dificuldades foram preditas. Paulo adverte os anciãos de Éfeso, em Atos 20, que o rebanho ali seria afligido pela entrada de “lobos cruéis”. Notemos que estes homens foram também chamados “bispos”: “Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre o que o Espírito Santo vos constituiu bispos” (At 20:28). Estes anciãos eram bispos, e também pastores. Esta incumbência de “olhar pelo rebanho” é o trabalho dos pastores.

Pior ainda, ele os adverte sobre dificuldades surgindo do meio deles. “E que entre vós mesmos”, isto é, dentre os anciãos/bispos, “se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si”. Assim, na identificação de candidatos a anciãos/bispos, um aviso específico é dado a Timóteo: “a ninguém imponhas precipitadamente as mãos”, pois pode haver o perigo de estar se associando com homens indignos, cujos pecados “manifestam-se depois” (I Tm 5:22). É notável que a igreja em Éfeso recebeu aprovação especial por ter cautela em discernir e rejeitar falsos apóstolos, e em odiar as obras dos Nicolaítas (Ap 2:6). Claramente, eles estavam procurando seguir a advertência de Paulo, dada em Atos 20 e nas epístolas a Timóteo, que seriam especialmente valorizadas em Éfeso, visto que Timóteo estava ali quando Paulo lhe escreveu.

O fim do período do Novo Testamento nos dá um triste exemplo de como a advertência de Paulo, em Atos 20, se cumpriu numa igreja não mencionada por nome. As condições descritas em III João mostram uma igreja sofrendo por causa de um dominador, talvez até ditador, chamado Diótrefes. Esta Epístola foi escrita como uma carta pessoal a Gaio, para encorajá-lo e avisá-lo sobre uma possível visita, e também para exortá-lo a não reagir àquela situação desleal, fazendo algo indevido. Gaio precisava lembrar, como nós também precisamos, que mesmo em circunstâncias frustrantes na igreja, os fins não justificam os meios. O apóstolo João já tinha escrito àquela igreja, mas a carta foi rejeitada por Diótrefes, que não suportava os Apóstolos. Ele não somente rejeitou João e outros apóstolos, mas também lançava fora da igreja aqueles que queriam recebê-los, e proferia palavras maliciosas contra estes honrados servos de Deus. Diótrefes promovia partidarismo através de lealdade a si mesmo, e acrescentava a isso intimidação àqueles que não concordavam com ele*. Parece que aquela igreja estava dividida, com Diótrefes na frente duma facção chamada “eles”, enquanto Gaio e Demétrio e outros são chamados de “nós” — por causa do seu apoio fiel à doutrina e aos apóstolos. É muito interessante notar que nada é dito a Gaio sobre como ele poderia interromper a carreira de Diótrefes.

Talvez João pudesse resolver a situação quando ele chegasse ali, mas não há nenhuma ação prometida, a não ser “se eu for, trarei à memória as obras que ele faz, proferindo contra nós palavras maliciosas”(III Jo 10).

Gaio é elogiado por ter recebido e encorajado os verdadeiros servos de Deus, assim se tornando “cooperador da verdade”, mesmo sabendo que isto desagradaria Diótrefes (III Jo 8).

A tendência moderna

Aprendendo de J. N. Darby e os irmãos Newman A infidelidade racionalista tem sido um dos principais inimigos da verdade Bíblica desde os meados do século XVII. Sua ascensão à proeminência coincidiu com a redução na virulência do poder papal para destruir a Reforma e extinguir a liberdade do Evangelho na Europa. É interessante notar que no começo do século XIX, quando a verdade sobre a igreja local estava sendo revivificada, J. N. Darby achou necessário escrever contra o modernismo do seu tempo. Seu livro The Irrationalism of Infidelity foi uma resposta ao livro Phases of Faith† escrito pelo seu ex-amigo, F. W. Newman, narrando como ele se tornara apóstata. J. N.

Darby também escreveu uma excelente análise crítica refutando o livro Apologia pro vita sua de J. H. Newman. 

* Ephraim Venn escreveu um excelente esboço sobre esta Epístola que foi re-publicado na revista Precious Seed em 1954, edições 5 e 6. Apareceu 50 anos antes disto na revista Witness, e provavelmente foi escrito por causa das tendências à divisão entre as igrejas naquele tempo, também mencionadas em outros artigos publicados na mesma revista naquele período.

† F. W. Newman foi inicialmente muito influenciado por J. N. Darby, reuniu-se com os irmãos e até viajou com A. N. Groves, Lord Congleton e outros na primeira jornada missionária dos irmãos para Bagdad. Contudo, ele abandonou a fé e se tornou apóstata. “É notável que depois de se tornar infiel, o sr. Newman conseguiu ter bom relacionamento com seu irmão [J. H. Newman, que depois se tornou Cardeal Newman], um legítimo papista, mas não antes.

Isso prova algo que poucos querem acreditar. Também é um sinal dos tempos” (DARBY, J. N. The Irrationalism of Infidelity, p. 125.

Esta obra de J. N. D. ainda é de grande interesse, porque J. H. Newman ainda é muito popular no Catolicismo Romano Ecumênico contemporâneo*. Com grande discernimento, décadas antes do seu tempo, J. N. D. notou o espírito de cooperação que poderia existir entre a infidelidade racionalista e a idolatria Romana. Isto ainda existe hoje.

Além do Modernismo

Em 1957, W. Bunting avisou sobre a “confederação final” entre o Modernismo e o Romanismo que estaria por trás da corrida ecumênica em direção ao surgimento do “Mistério, a Grande Babilônia”, e ele destacou uma afirmação da American Association for the Advancement of Atheism† sobre o Modernismo existente nas igrejas: “devemos reconhecer que, por muitos anos, falta somente um passo no caminho para o Ateísmo”.‡ Cinquenta anos mais tarde, vemos o declínio do Modernismo e o desenvolvimento de uma nova atitude para com o cristianismo, semi-romântica, subjetiva e irracional. Esta atitude pós-moderna está no centro do novo fenômeno chamado de “Igreja Emergente”. Já chegou a hora de reconhecer que assim como a Cristandade Modernista era um passo no caminho ao ateísmo, assim também a Cristandade pós-moderna é um passo no caminho ao paganismo, pois nega as reivindicações da verdade exclusiva das Escrituras Sagradas e aceita qualquer forma de “espiritualidade”.§ A juventude cristã, e também os cristãos mais velhos, estão expostos a estes ensinos nos livros e revistas cristãs populares, e também através de grupos de música cristã que se especializam em promover formas contemporâneas de “adoração”. Sua “adoração”, com sua concupiscência licenciosa e enlevada, é mais parecida ao culto ao bezerro de ouro¶ do que com o padrão Divino da adoração sacerdotal que pertence à Casa de Deus**. 

* J. H. Newman foi um dos líderes do movimento de aproximação dos Anglicanos com os Romanos, conhecido como Oxford Movement. Ele fez uma profissão de fé em Cristo na sua juventude, mas desviou mais e mais da verdade bíblica até chegar a ser Cardeal da Igreja Romana. Ele ainda é lembrado pelas autoridades romanas por causa da influência profunda que teve sobre os pensamentos do Segundo Concílio Vaticano, e agora está perto de ser canonizado pelo Papa como “santo” .

† Associação Americana para o Avanço do Ateísmo. (N. do E.)

‡ Assembly Testimony, 1957, Edição nº 30.

§ Veja CARSON, D. A. Becoming Conversant with the Emerging Church. Zondervan, 2005. Também OAKLAND, Roger. Faith Undone. Lighthouse Trails, 2007.

¶ I Co 10:7: “O povo assentou-se a comer e beber, e levantou-se para folgar”.

** Existe agora em Belfast uma assim chamada “Escola de Louvor”, para promover a criatividade

artística e ensinar assuntos práticos (sistemas de som, iluminação, gravação, etc.) para usar em eventos de “louvor”. Alguém duvidoso pode verificar a edição de Novembro de 2007 da revista Life Times (Ambassador Productions Ltd, Belfast). Sem dúvida Nabucodonosor (Dn 3) tinha uma “Escola de Louvor” para a sua “banda”, e “líderes de adoração” para coordenarem o despertamento do povo na experiência de “louvor tremendo”.

Uma tendência preocupante é o declínio no interesse e no estudo sério da Palavra de Deus. Os muitos “eventos cristãos” organizados não terão resultado proveitoso se não estiverem focados na doutrina Bíblica. Divertimentos e edificação não andam juntos. Grupos de cristãos que deixam de entender isto não manterão a sua identidade como igrejas locais por muito tempo.

A igreja de Deus não é lugar para brincadeiras e divertimento. Contudo, a igreja dá muito mais prazer que as brincadeiras propostas pelo movimento da “Igreja Emergente”. Nos dias depois do reavivamento de 1859, quando muitos se converteram e foram batizados e se reuniram em igrejas locais, era comum ouvir expressões de grande alegria por terem o privilégio de se reunir com o povo de Deus de acordo com o Seu padrão. Irmãos, agora bem idosos, ainda falam das impressões criadas neles quando, ainda muito jovens, ouviram aqueles irmãos, agora falecidos, falar da sua profunda alegria e gozo por terem sido introduzidos na Casa de Deus, e como isso lhes era precioso. Será que temos esta alegria profunda por fazer parte de uma igreja local? Se não, devemos perguntar: “Por que não?”.

Temos alegria por estar associados com a casa de Deus?

A alegria está associada com a casa de Deus e com a comunhão dos santos na Sua casa. Isso não é algum “Hedonismo Cristão” duvidoso e místico,† como se tornou moda nos nossos dias, mas a reação apropriada de pessoas redimidas que chegam ao único lugar na Terra onde o Senhor está no meio, isto é, a igreja local — “aí estou no meio deles” (Mt 18:20). A igreja local é também chamada o Templo de Deus em I Coríntios 3:16. O mais prestigioso de todos os títulos dados a Jerusalém restaurada, em Ezequiel, é Jeová-Samá, que significa “O Senhor está ali” (Ez 48:35). É por causa da presença do Senhor que a habitação de Deus entre o Seu povo é um centro de alegria e contentamento. Isto pressupõe um ajuntamento a Ele, separado de todas as influências estranhas e embaraços que podem contaminar e corromper. Contudo, esta separação é o resultado da atração à pessoa do Salvador, não meramente repulsa das coisas impuras. Ir à Casa de Deus era a razão de grande alegria e contentamento para os santos do Velho Testamento; vemos alguns exemplos disto em Salmos 42:2; 43:4; 122:1.

Nesta privilegiada dispensação da Graça, não é verdade que temos ainda mais  azão para regozijar quando nos lembramos da nossa vocação celestial e do nosso santo centro de reunião? Que sejamos gratos por todas as bênçãos espirituais com que Deus nos tem abençoado em Cristo Jesus, e procuremos nos conduzir na Sua casa de acordo com o padrão revelado na Sua Palavra, para que os anjos que nos observam possam aprender lições objetivas sobre a ordem Divina (I Co 11:10; Ef 3:10), e para que até mesmo os incrédulos possam reconhecer que “Deus está verdadeiramente entre vós” (I Co 14:25).

 Uma ideia contenciosa e enganadora propagada por J. Piper, um pastor Batista pro–carismático dos EUA, cujo livro principal sobre este assunto é Desiring God: Meditations of a Christian Hedonist (1986).

Por Samuel J. McBride, Irlanda do Norte.

 

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