23/12/2015 10:51
Até aqui temos nos ocupado com aquele
aspecto da obra de Cristo que trata da
questão do perdão dos pecados, e
cremos sinceramente que o leitor deve
estar já bem esclarecido e firmado neste
importante ponto. Certamente é seu feliz
privilégio estar assim, se tão somente
receber o que Deus afirma em Sua
Palavra. “Porque também Cristo
padeceu uma vez pelos pecados, o
Justo pelos injustos, para levar-nos a
Deus” (1 Pedro 3.18).
Se, portanto, Cristo sofreu por nossos
pecados, acaso não deveríamos
conhecer a profunda bênção que é
estarmos eternamente libertos do fardo
desses pecados? Poderia, porventura,
estar de acordo com a vontade e com o
coração de Deus que alguém por quem
Cristo sofreu devesse continuar em
perpétua escravidão, preso e ligado com
a corrente de seus pecados, e clamando,
semana após semana, mês após mês, e
ano após ano, que o fardo de seus
pecados é intolerável?
Se uma condição assim for verdadeira e
apropriada para o cristão, então o que
foi que Cristo fez por nós? Seria
possível que Cristo tivesse levado
nossos pecados e ainda estivéssemos
atados e presos pelas correntes deles?
Será verdade que Ele tenha carregado o
pesado fardo de nossos pecados e ainda
assim tenhamos ficado agora esmagados
sob esse mesmo peso intolerável?
Alguém poderia querer nos persuadir de
que não é possível sabermos que nossos
pecados estão perdoados – que devemos
seguir até o fim de nossa vida em um
estado de completa incerteza sobre este
assunto de importância tão vital. Se for
assim, o que dizer do precioso
evangelho da graça de Deus – das boas
novas de salvação? Do ponto de vista de
um ensino tão miserável, que significado
teriam aquelas ardorosas palavras do
bendito apóstolo Paulo na sinagoga de
Antioquia? – “Seja-vos, pois, notório,
homens irmãos, que por Este se vos
anuncia a remissão dos pecados. E de
tudo o que, pela lei de Moisés, não
pudestes ser justificados, por Ele é
justificado todo aquele que crê” (Atos
13.38,39).
Se estivéssemos fundamentados na lei
de Moisés, em nossa observância dos
mandamentos, em nosso cumprimento do
dever, em nosso sentimento em como
deveríamos agir, em nossa avaliação de
Cristo e em nosso amor por Deus, o
raciocínio lógico seria que certamente
estaríamos em dúvidas e obscura
incerteza, visto que não poderíamos ter
nenhuma base possível de certeza. Se a
nós coubesse fazer algo, ainda que fosse
o movimento de uma pálpebra, então,
verdadeiramente, seria uma enorme
presunção de nossa parte pensar em ter
certeza.
Mas se, por outro lado, escutamos a voz
do Deus vivo, que não pode mentir,
proclamando em nossos ouvidos as boas
novas de que por intermédio de Seu
amado Filho, que morreu na cruz, foi
sepultado, ressuscitou de entre os
mortos, e está assentado na glória – que
por meio dele somente – por meio dele,
sem qualquer coisa vinda de nós – por
meio da única oferta de Si mesmo de
uma vez para sempre, é pregada a
completa e eterna remissão dos pecados,
como uma realidade presente, para ser
desfrutada agora por cada alma que
simplesmente crê no precioso registro
de Deus, como poderia ser possível
para quem quer que fosse continuar em
dúvida e incerteza? A obra de Cristo foi
consumada? Ele disse que sim. O que
foi que Ele fez? Ele levou os nossos
pecados. Terão eles sido, então,
levados, ou estarão ainda sobre nós? –
quais deles?
Leitor, diga-me quais deles! Onde estão
os seus pecados? Estão eles invisíveis
como em denso nevoeiro, ou estão
ainda, como um grande peso de culpa,
em todo o seu poder condenador,
colocados sobre a sua consciência? Se
eles não foram levados pela morte
expiatória de Cristo, jamais serão
levados; se Ele não os levou sobre a
cruz, você terá que levá-los nas
atormentadoras chamas do inferno, para
sempre, e sempre, e sempre. Sim; fique
ciente disto, pois não há outro modo de
se livrar dessa grande e solene questão.
Se Cristo não resolveu o assunto na
cruz, você deve resolvê-lo no inferno.
Assim deve ser, se a Palavra de Deus
for verdade.
Mas, glória seja dada a Deus, o
testemunho que Ele dá nos assegura que
Cristo já sofreu pelos pecados, o Justo
pelo injusto, para levar-nos a Deus; não
meramente levar-nos para o céu quando
morrermos, mas levar-nos a Deus
agora. E como é que Ele nos leva a
Deus agora? Acaso é estando nós presos
e ligados com a corrente de nossos
pecados? Com um intolerável peso de
culpa sobre nossa alma? Não, de modo
algum. Ele nos leva para Deus sem
mancha ou mácula ou qualquer acusação
que seja. Ele nos leva a Deus em toda a
Sua própria aceitabilidade. Acaso há
qualquer culpa sobre Ele? Não. Havia,
bendito seja o Seu nome, quando Ele
permaneceu em nosso lugar, mas ela já
se foi – para sempre – lançada como um
peso de chumbo nas insondáveis águas
do divino esquecimento. Ele foi
carregado com nossos pecados sobre a
cruz. Deus colocou sobre Ele todas as
nossas iniquidades, e tratou com Ele ali
por causa delas. A questão toda de
nossos pecados, conforme a estimativa
que Deus tinha disso, foi abordada em
sua totalidade e de modo definitivo, pois
foi divinamente abordada, resolvida
entre Deus e Cristo, em meio às
horrendas trevas do Calvário. Sim, tudo
foi resolvido ali, de uma vez para
sempre.
Como sabemos disso? Pela autoridade
do único Deus verdadeiro. Sua Palavra
nos assegura que temos redenção por
intermédio do sangue de Cristo, a
remissão dos pecados, em conformidade
com as riquezas da Sua graça. Ele nos
declara, em notas da mais doce, rica e
profunda misericórdia, que de nossos
pecados e iniquidades nunca mais Se
lembrará. Será que isto não é suficiente?
Será que devíamos continuar clamando
que estamos presos e ligados com a
corrente de nossos pecados? Será que
devíamos manchar assim a obra perfeita
de Cristo? Será que devíamos tornar
opaco o brilho da graça divina, e tomar
como mentira o testemunho do Espírito
Santo nas Escrituras da Verdade? Longe
de nós tal pensamento! De modo
nenhum. Ao invés disso, saudemos com
ações de graças o bendito benefício que
tão graciosamente nos foi outorgado
pelo amor divino, através do precioso
sangue de Cristo.
O gozo do coração de Deus está em
perdoar nossos pecados. Sim, Deus
agrada-Se em perdoar a iniquidade e a
transgressão. É algo gratificante para
Ele, e que O glorifica, derramar dentro
do coração quebrantado e contrito o
precioso bálsamo de Sua misericórdia e
Seu amor perdoador. Ele não poupou
Seu próprio Filho, mas O entregou, e O
moeu no madeiro maldito, a fim de
poder deixar fluir, em perfeita justiça, o
rico manancial de graça que brota do
Seu imenso e bondoso coração, em
direção ao pobre, culpado, arruinado
pecador, esmagado sob o peso de sua
consciência.
Mas se o leitor ainda assim se sentisse
disposto a inquirir acerca de como pode
obter a certeza de que essa bendita
remissão dos pecados – deste fruto da
obra expiatória de Cristo – aplica-se a
ele, que escute estas magnificentes
palavras que saíram dos lábios do
Salvador ressuscitado quando
comissionava os primeiros arautos de
Sua graça: “E disse-lhes: Assim está
escrito, e assim convinha que o Cristo
padecesse, e ao terceiro dia
ressuscitasse dentre os mortos, e em
Seu nome se pregasse o
arrependimento e a remissão dos
pecados, em todas as nações,
começando por Jerusalém” (Lucas
24.46,47).
Temos aqui a grande e gloriosa
comissão – sua base, sua autoridade, sua
esfera. Cristo sofreu. É esta a base
meritória da remissão dos pecados. Sem
derramamento de sangue não há
remissão de pecados; mas pelo
derramamento de sangue, e pelo
derramamento de sangue somente, há
remissão de pecados – uma remissão tão
plena e completa quanto o precioso
sangue de Cristo é capaz de efetuar.
Mas onde está a autoridade? “Está
escrito.” Bendita e indisputável
autoridade! Nada jamais a poderá
abalar. Sei, com base na autoridade
sólida da Palavra de Deus, que meus
pecados foram todos perdoados, todos
tirados de vista, todos levados para
sempre, todos lançados para trás de
Deus, de modo que nunca, em hipótese
alguma, poderão levantar-se outra vez
contra mim.
Finalmente, quanto ao que diz respeito à
esfera. É para “todas as nações”. Isto,
sem dúvida, inclui também a mim. Não
há nenhum tipo de exceção, condição ou
qualificação. As benditas boas novas
deveriam ser levadas, sobre as asas do
amor, a todas as nações – a todo o
mundo – a toda criatura sob o céu. Como
poderia eu excluir a mim mesmo de uma
comissão de tão amplo alcance? Será
que por algum momento duvidaria de
que os raios do sol que Deus criou
sejam para mim? Certamente que não. E
por que iria eu questionar o precioso
fato de que a remissão dos pecados é
para mim? Nem por um instante sequer.
É para mim tão certo como se eu fosse o
único pecador sob a abóbada celeste de
Deus. A universalidade disso impede
qualquer dúvida quanto a ser ou não
designada para mim.
E certamente, se precisamos ainda de
mais encorajamento, encontraremos no
fato de que os benditos embaixadores
deviam começar a partir de Jerusalém –
o lugar mais culpado sobre a face da
Terra. Deviam oferecer a primeira
oferta de perdão aos próprios homicidas
do Filho de Deus. E é isto o que o
apóstolo Pedro faz naquelas palavras de
tão maravilhosa e transcendente graça:
“Primeiro O enviou a vós, para que
nisso vos abençoasse, no apartar, a
cada um de vós, das vossas maldades”
(Atos 3.26).
Não é possível conceber algo mais rico
ou abundante ou magnificente do que
isto. A graça que poderia alcançar os
homicidas do Filho de Deus pode
alcançar qualquer um: o sangue que
poderia limpar a culpa de um crime
assim pode limpar o mais vil pecador
fora dos limites do inferno.
Será que você pode ainda hesitar quanto
ao perdão de seus pecados? Cristo
sofreu pelos pecados. Deus prega a
remissão dos pecados. Ele garante isto
em Sua própria Palavra. “A Este dão
testemunho todos os profetas, de que
todos os que nele creem receberão o
perdão dos pecados pelo Seu nome”
(Atos 10.43). O que mais você poderia
ter? Como é que pode continuar
duvidando; como é que pode continuar
esperando? E o que está esperando?
Você já tem a obra consumada de Cristo
e a fiel Palavra de Deus. Isto, com toda
certeza, deveria satisfazer seu coração e
tranquilizar sua consciência. Permitanos,
então, insistir para que aceite a
plena e eterna remissão de todos os seus
pecados. Receba em seu coração as
doces novas de divino amor e
misericórdia, e siga seu caminho
jubiloso. Escute a voz de um Salvador
ressurreto, falando do trono da
Majestade nas alturas, e assegurando a
você que seus pecados estão todos
perdoados. Deixe que as
tranquilizadoras palavras, saídas da
própria boca de Deus, penetrem, com
seu emancipador poder, em seu espírito
atribulado: “Nunca mais Me lembrarei
dos seus pecados” (Jeremias 31.34). Se
Deus me fala assim, se Ele me assegura
que não Se lembrará mais de meus
pecados, não deveria eu estar plena e
eternamente satisfeito? Por que deveria
seguir adiante duvidando e
questionando, quando Deus já falou? O
que mais pode dar certeza, se não a
Palavra de Deus que é viva e permanece
para sempre? Ela é a única base de
certeza; e nenhum poder na Terra ou no
inferno – humano ou diabólico – pode
jamais abalá-la. A obra consumada de
Cristo e a fiel Palavra de Deus são a
base e a autoridade do pleno perdão de
pecados.
Mas, bendito para sempre seja o Deus
de toda a graça, não é apenas a remissão
de pecados que nos é anunciada através
da morte expiatória de Cristo. Só isto já
seria um benefício e uma bênção da
mais elevada ordem; e, como já vimos,
desfrutamos disso em conformidade com
a amplitude do coração de Deus, e em
conformidade com o valor e a eficácia
da morte de Cristo, na estima que Deus
tem dela. Mas além da plena e perfeita
remissão de pecados, temos também
completa libertação do presente poder
do pecado. Este é um grande assunto
para todo verdadeiro amante de
santidade. Em conformidade com a
gloriosa dispensação da graça, a mesma
obra que assegura a completa remissão
dos pecados rompeu para sempre o
poder do pecado. Não se trata apenas de
terem sido apagados os pecados da
vida, mas o pecado da natureza está
condenado. O crente tem o privilégio de
considerar-se como morto para o
pecado. Ele pode cantar, com um
coração grato,
Por mim, oh, Senhor, aqui já morreste,
E eu bem o sei, que em Ti morri assim;
Bem vivo estás, a morte venceste,
Agora Senhor Tu vives sempre em mim.
A face do Pai, de graça a irradiar,
Já brilha pra mim, a me iluminar.
Esta é a aspiração apropriada a um
cristão. “Já estou crucificado com
Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo
vive em mim” (Gálatas 2.20). Isto é
cristianismo. O velho “eu” crucificado,
e Cristo vivendo em mim. O cristão é
uma nova criação. As coisas velhas já
passaram. A morte de Cristo encerrou
para sempre a história do velho “eu”; e,
portanto, embora o pecado habite ainda
no crente, seu poder está rompido e
eliminado para sempre. Não somente a
culpa que ele levava está cancelada,
mas seu terrível domínio foi totalmente
destruído.
É esta a gloriosa doutrina dos capítulos
6 ao 8 de Romanos. O estudante atento
desta tão magnificente epístola irá
observar que a partir do capítulo 3.21,
até o capítulo 5.11 temos a obra de
Cristo aplicada à questão dos pecados;
e do capítulo 5.12 até o final do capítulo
8 temos outro aspecto da obra de Cristo,
ou seja, sua aplicação à questão do
pecado – “nosso homem velho” – “o
corpo do pecado” – “pecado na
carne”. Não há, nas Escrituras, algo
como perdão de pecado. Deus
condenou o pecado; Deus não o
perdoou – uma distinção que é
imensamente importante. Deus
demonstrou Sua eterna aversão ao
pecado na cruz de Cristo. Ele expressou
e executou Seu juízo sobre o pecado, e
agora o crente pode se enxergar como
ligado e identificado com Aquele que
morreu na cruz e que está ressurreto
dentre os mortos. Ele saiu da esfera do
domínio do pecado e entrou naquela
esfera nova e bendita onde a graça reina
pela justiça.
“Mas graças a Deus”, diz o apóstolo,
“que, tendo sido servos do pecado
(antes, mas não mais agora),
obedecestes de coração à forma de
doutrina a que fostes entregues. E,
libertados do pecado, (não meramente
tendo os pecados perdoados), fostes
feitos servos da justiça. Falo como
homem, pela fraqueza da vossa carne;
pois que, assim como apresentastes os
vossos membros para servirem à
imundícia, e à maldade para maldade,
assim apresentai agora os vossos
membros para servirem à justiça para
santificação. Porque, quando éreis
servos do pecado, estáveis livres da
justiça. E que fruto tínheis então das
coisas de que agora vos envergonhais?
Porque o fim delas é a morte. Mas
agora, libertados do pecado, e feitos
servos de Deus, tendes o vosso fruto
para santificação, e por fim a vida
eterna” (Romanos 6.17-22).
Aqui está o precioso segredo de uma
vida santa. Estamos mortos para o
pecado; vivos para Deus. O reino do
pecado terminou. O que é que o pecado
tem a ver com um homem morto? Nada.
Bem, então, o crente morreu com Cristo;
está sepultado com Cristo; está
ressuscitado com Cristo, para andar em
novidade de vida. Ele vive sob o
precioso reino da graça, e tem seu fruto
para santidade. O homem que faz uso da
abundante graça divina como desculpa
para viver em pecado nega o próprio
fundamento do cristianismo. “Nós, que
estamos mortos para o pecado, como
viveremos ainda nele?” (Romanos 6.2).
Impossível. Seria uma negação de toda a
posição cristã. Imaginar o cristão como
alguém que deve seguir, dia após dia,
semana após semana, mês após mês, e
ano após ano, pecando e arrependendose,
pecando e arrependendo-se, é
degradar o cristianismo e falsificar a
posição cristã como um todo. Dizer que
um cristão deve seguir pecando porque
ele tem a carne em si é ignorar a morte
de Cristo em um de seus grandes
aspectos, e reputar como mentira todo o
ensino dos apóstolos em Romanos
capítulos 6 a 8.
Graças a Deus, não existe razão por que
o crente deva cometer pecado. “Meus
filhinhos, estas coisas vos escrevo,
para que não pequeis” (1 João 2.1).
Não deveríamos nos justificar nem
mesmo no mais simples pensamento
pecaminoso. Trata-se de nosso doce
privilégio andar na luz, como Deus está
na luz; e com toda a certeza, quando
estamos andando na luz, não estamos
cometendo pecado. Oh! Saímos da luz e
cometemos pecado; mas a ideia normal,
verdadeira e divina de um cristão é a de
alguém andando na luz, e não cometendo
pecado. Um pensamento pecaminoso é
estranho ao verdadeiro caráter do
cristianismo. Temos pecado em nós, e
devemos continuar tendo enquanto
estivermos no corpo; mas se andamos no
Espírito, o pecado em nossa natureza
não irá se manifestar na vida. Dizer que
não precisamos pecar é a afirmação de
um privilégio cristão; dizer que não
podemos pecar é um engano e ilusão.